Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01457/11.0BELRS
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
SUSPENSÃO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:Ainda que, relativamente aos prédios em causa, a sociedade vendedora, à data em que entrou em vigor o CIMI (1 de dezembro de 2003), estivesse a beneficiar da suspensão de tributação em sede de CA ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea f), do CCA e, por força do disposto no n.º 6 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de dezembro, no ano de 2003 tenha beneficiado da não tributação em IMI, a sociedade que em 2004 surge como a primeira adquirente dos prédios no âmbito da vigência do CIMI não fica impedida pelo n.º 6 do artigo 9.º do CIMI de beneficiar da não sujeição a imposto prevista na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo.
Nº Convencional:JSTA000P26985
Nº do Documento:SA22021011301457/11
Data de Entrada:11/04/2020
Recorrente:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.....S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1- RELATÓRIO
1.1. A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, S.A., sociedade identificada nos autos, e anulou a liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referente aos prédios inscritos na matriz predial sob os artigos 1524 e 1577, da freguesia de …………., município de Lisboa, relativa ao ano de 2005, no montante de €39.317,22.

1.2. A Recorrente conclui da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«A. Nos termos do art. 9º, nº 1, e) o IMI é devido a partir “do 3º ano seguinte, inclusive, àquele em que o prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa, que tenha por objecto a sua venda”.

B. Esta disposição sucedeu à al. f) do art. 10º do CCA, que previa que “a contribuição é devida a partir (…) do terceiro ano inclusive, àquele em que o prédio tenha passado a figurar nas existências de uma empresa que tenha por objecto a sua venda”, sendo que para o CCA, à semelhança do CIMI, o sujeito passivo era também a pessoa que fosse o proprietário no dia 31 de Dezembro de cada ano.

C. Contudo, o CIMI contém uma disposição inovadora face ao anterior CCA. Essa norma é a previsão contida no nº 5 do art. 9º do CIMI, a qual dispõe que “não gozam do regime previsto na alíneas d) e e) do nº 1 os sujeitos passivos que tenham adquirido o prédio a entidade que dele já tenha beneficiado”.

D. Conforme resulta dos factos provados, a impugnante adquiriu os imóveis à sociedade B……….., SA, em 29 de Dezembro de 2004, por escritura de compra e venda.

E. Resultou ainda provado que, a sociedade B………., SA já tinha beneficiado de suspensão de tributação, em sede de CA.

F. Ora, tendo beneficiado de tal suspensão em sede de CA, também dela beneficiou em sede de IMI, pois que de acordo com o disposto no art. 31º, nº 6 do DL 287/2003 de 12/11, se mantiveram em vigor os benefícios fiscais relativos a CA, reportados agora ao IMI.

G. Consequentemente, temos que concluir que a sociedade B………, SA não só beneficiou da suspensão de tributação em sede de CA, como beneficiou da suspensão de tributação em sede de CIMI sucessivamente, uma vez que o nº 6 do art. 9º se aplica às situações em que o adquirente do imóvel o tenha adquirido, após 1 de Dezembro de 2003 a um alienante que já beneficiou da não sujeição em sede de IMI.

H. Cumpre ainda acrescentar que, tendo a aquisição do imóvel ocorrido em 29-12-2004, ocorreu já após a entrada em vigor do CIMI, pelo que lhe é aplicável o disposto no art. 9º, nº 1, 4 e 6 do CIMI.

I. Por razões de política legislativa, este diploma quis evitar a irrepetibilidade sequencial da suspensão de tributação, isto é, quis obstar a que o regime de não tributação dos prédios adquiridos para revenda se aplique em cadeia, de forma continuada, quando o prédio é transmitido sucessivamente entre empresas que exercem a atividade de compra de prédios para revenda e o mantêm afecto ao activo circulante.

J. É certo que, o regime contido no CCA não previa esta cláusula anti-abuso, contida no nº 6, do art. 9º do CIMI.

K. Contudo, esta norma já estava consagrada na Lei Fiscal na data em que a ora impugnante optou por adquirir um prédio a empresa que já havia beneficiado de suspensão da tributação em sede de CIMI.

L. Pelo que o decidir como decidiu violou a douta sentença o disposto no art. 9º, nº 1, 4 e 6 do CIMI.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA».

1.3. A Recorrida contra-alegou e concluiu assim:
«I. Analisadas as alegações da Recorrente e as respectivas conclusões do recurso, conclui-se que a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença não foi objecto de impugnação por parte da Recorrente.
II. Por conseguinte, verifica-se, no presente recurso, a excepção dilatória de incompetência absoluta do TCA Sul, em razão da hierarquia, a qual desde já se invoca, para todos os efeitos legais, e que obsta ao conhecimento do mérito do recurso, dando lugar à absolvição da Recorrida da instância (artigos 101.º, 4 e dos artigos 101.º, alínea a) do 577.º e 576.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do CPPT).
III. Não obstante a sanção processual prevista para as situações de incompetência absoluta ser a da absolvição da instância da Recorrida, poderá a Recorrente requerer a remessa do recurso ao Tribunal competente, que é o STA, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do CPPT, motivo pelo qual, por razões de celeridade processual, requer-se a V. Exa. que seja o presente recurso admitido e ordenada a sua subida à Secção de Contencioso Tributário do STA e não ao TCA Sul.
IV. No que respeita ao objecto do recurso interposto pela Recorrente, a sentença recorrida não merece qualquer censura, estando alinhada com a jurisprudência do STA que, mais precisamente no Acórdão de 07/03/2018, transitado em julgado, proferido no processo 01303/16, numa situação idêntica à dos presentes autos – os factos, as partes, os prédios e fundamentos da liquidação adicional de IMI emita pela AT eram o mesmos e apenas diferia o ano da liquidação –, decidiu que “não se verifica o impedimento previsto no n.º 6 do art.º 9.º do CIMI a que a ora Recorrente beneficie do regime de não tributação previsto na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo: a sociedade vendedora nunca beneficiou deste regime…”.
V. Na verdade, ao contrário do que defende a AT, a sociedade B………., S.A. (a quem a Recorrida adquiriu os prédios) não beneficiou de qualquer suspensão de tributação em sede de IMI, no ano de 2003 ( ao abrigo da al. e) do nº 1 do artigo 9º do CIMI), visto que nesse ano não se verificou qualquer condição resolutiva dos efeitos do facto negativo ocorrido em 2001 (o registo do imóvel em inventário) na esfera da B………, S.A., pelo que não foram destruídos retroactivamente os efeitos desse facto (tal como vinha previsto no n.º 2 do artigo 10.º do CCA).
VI. Repare-se que a lei, ao estipular que o imposto é devido apenas a partir do “terceiro ano que…” determina que a obrigação de imposto só surge após transcorridos esses três anos. De resto, é o próprio n.º 5 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro que ressalva que os Códigos revogados se continuam a aplicar aos factos tributários ocorridos até à entrada em vigor do CIMI, pelo que a previsão ou não de tributação em IMI em 2003 mostra-se irrelevante.
VII. O que, forçosamente, significa que a primeira aquisição efectuada a entidade que haja beneficiado da al. e) do nº 1 do artigo 9º do CIMI seja sempre a que se seguiria à aquisição efectuada pela Recorrida.
VIII. Para além do mais, a liquidação sindicada incorreu num vício de violação de lei por aplicação retroactiva de uma norma fiscal, em oposição explícita à proibição constitucional plasmada no n.º 3 do artigo 103º da CRP.
IX. O n.º 3 do artigo 103.º da CRP prevê o princípio constitucional da não retroactividade da lei fiscal ao estabelecer que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos desta Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei” (realce nosso).
X. Ora, tendo o CIMI entrado em vigor a 1 de Dezembro de 2003 e sendo que o CCA continuou a aplicar-se aos factos tributários ocorridos até à entrada em vigor do CIMI, é forçoso concluir-se que à data da aquisição dos imóveis pela sociedade B………, S.A. vigorava o CCA, o qual não previa a proibição de não sujeições sucessivas de Contribuição Autárquica, pelo que a B………, S.A. beneficiou, nos termos da legislação à data em vigor, da exclusão de tributação de Contribuição Autárquica e não de IMI.
XI. O que leva à conclusão de que a Recorrida seria a primeira entidade a beneficiar, relativamente aos prédios aqui em questão, da não sujeição a IMI prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, pelo que a liquidação de IMI sindicada é crassamente ilegal, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE SER JULGADO INCOMPETENTE EM RAZÃO DA HIERARQUIA O TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, SENDO COMPETENTE O SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO PARA ONDE DEVEM OS AUTOS SER REMETIDOS.».

1.4. O Juiz Desembargador relator, por decisão sumária, julgou o Tribunal Central Administrativo Sul incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo.

1.5. Remetidos os autos a este Tribunal o Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

1.6. A questão que se coloca é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação do disposto no artigo 9.º, n.ºs 1, 4 e 6 do Código do IMI.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante da decisão recorrida.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A ora, Recorrida impugnou a liquidação de IMI referente ao ano de 2005, que incidiu sobre os artigos U-01577 e U-01524 da freguesia de ……….., município de Lisboa, que adquiriu em 2004, alegando, em síntese, que estavam preenchidos todos os requisitos previstos no artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do Código do IMI para a não sujeição ao imposto, e que, ao contrário do decidido pelo AT no recurso hierárquico que precedeu a impugnação judicial, apesar de a sociedade que lhe vendeu os prédios ter beneficiado durante ano de 2003 do regime previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 10.º do Código da Contribuição Autárquica, não tem aplicação o disposto no n.º 6 do artigo 9.º do Código do IMI, norma anti-abuso, que é nova por referência ao Código da Contribuição Autárquica, e que a sua aplicação a situações ocorridas antes da sua entrada em vigor configura uma violação do princípio constitucional da não retroatividade da lei fiscal.
O Tribunal Tributário de Lisboa deu razão à Impugnante, ora Recorrida, e anulou a liquidação, sustentando a sua fundamentação no Acórdão deste Tribunal de 07/03/2018, proferido no processo 1458/11.8BELRS (01303/16).
A AT não se conformou com o decidido e interpôs o presente recurso, reiterando o entendimento segundo o qual a sociedade que vendeu os prédios não só beneficiou da suspensão de tributação em sede de Contribuição Autárquica, como beneficiou da suspensão de tributação em sede do Código do IMI, sucessivamente, e que o n.º 6 do artigo 9.º se aplica às situações em que o adquirente do imóvel o tenha adquirido, após 01 de dezembro de 2003 a um alienante que já beneficiou da não sujeição em sede de IMI.

Apreciando.
Como resulta da sentença recorrida, aquando da sua prolação, o Supremo Tribunal Administrativo já havia decidido caso idêntico, entre as mesmas partes, só divergindo o ano a que respeitava a liquidação do imposto (2004). Posteriormente, o Supremo voltou a pronunciar-se sobre a mesma questão, em recurso que envolvia as mesmas partes, variando, agora e novamente, o ano da liquidação do imposto (2006), no acórdão de 28/10/2020, proferido no processo 01456/11.1BELRS, que seguiu a jurisprudência do aresto anterior.
No contexto que descrevemos e atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil (CC), que determina que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, assumimos como nossa a fundamentação e decisão do primeiro acórdão deste Tribunal que tratou a questão, para o qual iremos remeter, transcrevendo os seus termos, advertindo, no entanto, que na sua leitura haverá que se atender ao facto de a sentença nele sindicada, ao contrário do que acontece neste recurso, ter julgado improcedente a impugnação judicial e mantido a liquidação, pelo que há uma inversão da posição das partes litigantes. Posto isto, pode ler-se no referido aresto:

«2.2.3 DA LEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES
Passemos, agora, à questão da legalidade da liquidação, que passa por saber se a ora Recorrente está impedida de beneficiar da não tributação ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI por a sociedade que lhe vendeu os prédios ter já beneficiado do mesmo regime e, por isso, se verificar o impedimento previsto no n.º 6 do mesmo artigo. Recorde-se que este n.º 6 do art. 9.º do CIMI dispõe: «Não gozam do regime previsto nas alíneas d) e e) do n.º 1 os sujeitos passivos que tenham adquirido o prédio a entidade que dele já tenha beneficiado» (sublinhado nosso).
Como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, trata-se de uma norma anti-abuso, que visa obstar à aplicação do regime em cadeia quando o prédio é transmitido sucessivamente entre empresas cujo objecto social seja a compra e venda de imóveis e o mantenham afecto ao activo circulante.
Como diz JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, sob a epígrafe «A irrepetibilidade sequencial do regime», «A Lei não permite que este regime de não tributação dos prédios adquiridos para revenda se aplique em cadeia, de forma continuada, quando é transmitido sucessivamente entre empresas que exercem a actividade de compra de prédios para revenda e o mantêm afecto ao activo circulante.
Nesse caso a Lei só permite que a primeira dessas empresas beneficie do regime, impedindo as restantes de usarem o mesmo direito.
A razão subjacente a este regime é a necessidade de evitar que de forma artificial se eternize indevidamente este regime de não tributação, por exemplo fazendo circular o prédio por várias empresas do mesmo grupo, beneficiando assim de períodos sucessivos de não sujeição.
Quando isso ocorrer e um mesmo prédio se transmitir de uma empresa que tenha beneficiado deste regime para outra que dele pretenda beneficiar, só a primeira mantém o direito e a segunda não poderá dele usufruir» (Ob. cit., pág. 409.).
Foi com base na norma prevista no n.º 6 do art. 9.º do CIMI que a AT fundamentou a impossibilidade de a ora Recorrente beneficiar do regime da não sujeição previsto na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo. Isto, apesar de na decisão do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa sobre a liquidação a AT ter considerado que essa norma não era aplicável à situação sub judice.
Recordemos a fundamentação da AT: a sociedade vendedora adquiriu os prédios em causa em 10 de Julho de 2003, data em que vigorava o CCA e beneficiou da suspensão de tributação neste imposto ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 10.º daquele Código, norma que dispunha: «A tributação é devida: […] f) Do terceiro ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar nas existências de uma empresa que tenha por objecto a sua venda»; quando entrou em vigor o CIMI, em 1 de Dezembro de 2003 (Como decorre do art. 32.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que procedeu à reforma da tributação do património e, para além do mais, aprovou o CIMI.), aquela sociedade vendedora beneficiou da isenção de IMI – devido pelo proprietário em 31 de Dezembro do ano a que respeita, nos termos do n.º 1 do art. 8.º do CIMI – por força do disposto no n.º 6 do art. 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que dispõe: «Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT»; assim, «em Dezembro de 2003, a entidade que vendeu o prédio à recorrente encontrava-se a gozar de não sujeição a IMI, razão pela qual a adquirente não pode voltar a beneficiar do mesmo regime».
A sentença entendeu que a AT procedeu correctamente, pois a norma do n.º 6 do art. 9.º do CIMI deve ser interpretada no sentido de que não podem gozar do diferimento do início da tributação em IMI não só i) «os sujeitos passivos que tenham adquirido o prédio a entidade que já tenha beneficiado do diferimento de início de tributação, nos termos da aplicação directa do artigo 9.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CIMI», mas também ii) «os sujeitos passivos que tenham adquirido o prédio a entidade que tenha beneficiado do diferimento do início de tributação da CA, posteriormente reportado a IMI, em virtude de o termo do período do benefício ocorrer na vigência do CIMI (como ocorre in casu; […])».
Salvo o devido respeito, não tem razão no que se refere a este segundo segmento.
É certo que a sociedade vendedora estava a usufruir da dilação do início da tributação em CA ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 10.º do CCA. O que significa que o período de não tributação em CA, que se iniciou em 2003, se prolongaria, desde que se mantivessem os respectivos pressupostos, até à venda, desde que esta ocorresse dentro do período de 3 anos, tudo nos termos dos n.ºs 1, alínea f), 2 e 3 do art. 10.º do CCA.
Acontece que em 1 de Dezembro de 2003 entrou em vigor o CIMI e foi revogado o CCA, como decorre dos arts. 31.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro. No entanto, por força do disposto no n.º 5 do art. 31.º do referido Decreto-Lei n.º 287/2003, mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à CA, agora reportados ao IMI.
Assim, a sociedade que vendeu os prédios em causa à ora Recorrente em 2004 ficou dispensada de tributação em IMI no ano de 2003, imposto que, nos termos gerais, seria devido pelo proprietário do prédio em Dezembro de 2003, de acordo com o disposto no art. 8.º, n.º 1, do CIMI. Mas, contrariamente ao que sustentam a AT e a sentença recorrida, essa dispensa não decorre da aplicação, directa ou indirecta, do regime da alínea e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI; essa dispensa resulta, isso sim, do regime da alínea f) do n.º 1 do art. 10.º do CCA, sendo que, por força do disposto no referido n.º 5 do art. 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 – norma de direito transitório – a dilação de tributação em CA aí prevista deve considerar-se reportada ao IMI. Note-se que a norma do n.º 5 do art. 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 não diz que a sociedade que beneficiava do regime previsto na alínea f) do n.º 1 do art. 10.º do CCA passa a beneficiar do regime da alínea e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI pelo tempo que faltar para que se complete o período fixado naquela regra do CCA. O que a norma diz é coisa substancialmente diferente: «Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI».
Ou seja, a sociedade vendedora nunca beneficiou do regime de não tributação previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI, pese embora tenha beneficiado da não tributação em IMI relativamente ao ano de 2003.
O que significa que, contrariamente ao que sustentou a AT e sufragou a sentença recorrida, não se verifica o impedimento previsto no n.º 6 do art. 9.º do CIMI a que a ora Recorrente beneficie do regime de não tributação previsto na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo: a sociedade vendedora nunca beneficiou deste regime.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, concluímos que a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à legalidade das liquidações impugnadas.
Por isso, há que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente.».

Sintetizando, com recurso ao sumário do acórdão citado, ainda que, relativamente aos prédios em causa, a sociedade vendedora, à data em que entrou em vigor o Código do IMI (01 de dezembro de 2003), estivesse a beneficiar da suspensão de tributação em sede de Contribuição Autárquica ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea f), do respetivo Código, por força do disposto no n.º 6 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de dezembro, no ano de 2003 tenha beneficiado da não tributação em IMI, a sociedade que em 2004 surge como a primeira adquirente dos prédios no âmbito da vigência do Código do IMI não fica impedida pelo n.º 6 do artigo 9.º desse Código de beneficiar da não sujeição a imposto prevista na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo.

De onde resulta que a sentença recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é imputado pela Recorrente e que o recurso não merece provimento.

IV- DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de janeiro de 2021. – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Joaquim Manuel Charneca Condesso.