Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0107/14.7BEPDL 0302/18
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:LITISPENDÊNCIA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário:I - Em regra, não ocorre litispendência entre um processo de impugnação judicial deduzido contra uma impugnação judicial e um processo de oposição à execução fiscal da dívida emergente daquele acto tributário, pese embora a semelhança de causas de pedir gizadas em ambos os processos, porquanto o sujeito não intervém neles na mesma qualidade jurídica e o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução – a respectiva extinção em relação ao oponente – e o visado pela dedução da impugnação – a anulação do acto tributário impugnado – são inconfundíveis.
II - Porém, nos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens, é admissível que o executado possa discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda mesmo quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse acto.
III - É isso que sucede quando o executado invoca que no ano a que respeita o IUC que lhe está a ser cobrado coercivamente já não era o proprietário do veículo sobre que incidiu esse tributo.
IV - Por não existir identidade entre o quadro factual, não pode admitir-se um recurso por oposição a respeito da verificação da litispendência entre a impugnação judicial e a oposição à execução quando num caso estamos perante um tributo sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens, e noutro perante um tributo sobre o valor acrescentado.
Nº Convencional:JSTA000P26464
Nº do Documento:SA2202010140107/14
Data de Entrada:03/21/2018
Recorrente:A...............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- A………………….., com os sinais nos autos, recorre, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 280.º do CCPT (na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro), da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, de 16 de Janeiro de 2018, que declarou procedente a excepção de litispendência, relativa à oposição, por si deduzida, contra a execução fiscal n.º 2917201401017289, para a cobrança da dívida de €52,49 do Imposto Único de Circulação, referente ao ano de 2011, tendo apresentado, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
«[…]
a) Por sentença proferida em 16 de Novembro de 2018, o Tribunal o quo julgou procedente a excepção de litispendência e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

b) Salvo o devido respeito, não tem razão o Meritíssimo Tribunal ao ter julgado procedente a excepção de litispendência, não se conformando o Recorrente com tal decisão, pelos motivos que se passam a explicitar.

c) Veio o Tribunal a quo afirmar na decisão recorrida que entre a Oposição apresentada pelo Recorrente e o processo de impugnação judicial nº 42/14.9BEPDL, a correr termos neste Tribunal, há identidade de sujeitos, uma vez que em ambos os processos o Recorrente assume a posição de Oponente/Impugnante e a Autoridade Tributária a posição de Oponida/Impugnada.

d) No presente processo executivo, instaurado pela Administração Tributária contra o recorrente, este defendeu-se apresentando Oposição à Execução fiscal quanto à cobrança do IUC de 2011, referente ao veículo com a matrícula ……….., peticionando o mesmo que seja considerada a sua ilegitimidade no referido processo executivo, na medida em que não era proprietário nem possuidor do veículo no período referido no título executivo, como demonstrou, nos termos do artigo 204º, nº 1, al. h e i) do C.P.P.T.

e) No processo de impugnação n.º 42/14.9BEPDL, a correr termos neste mesmo Tribunal, A………… assume a posição de Impugnante, peticionando a anulação, por ilegalidade, dos actos de liquidação do IUC referentes aos períodos de 2009, 2010, 2011 e 2012.

f) Os sujeitos nas acções em causa não assumem a mesma qualidade jurídica, porquanto na acção de impugnação o contribuinte é Autor e vem pedir a anulação dos IUC's que lhe foram liquidados ilegalmente pela Administração Tributária, enquanto que na execução fiscal o mesmo é sujeito passivo de um processo iniciado pela Administração Tributária contra si e o seu património, encontrando-se numa posição de defesa, quando apresenta a oposição à execução fiscal, requerendo que seja apreciada a sua ilegitimidade no processo

g) No primeiro caso é Autor contra a Administração Tributária e, no segundo caso, está a defender-se de um ataque realizado contra si próprio e o seu património, sendo esta a Autora/Exequente desse processo.

h) Resulta claro que não poderá ocorrer a excepção de litispendência no presente caso, uma vez que as partes não são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica, conforme exige o artigo 581º, nº 2 do C.P.C.

i) Não poderia o Tribunal a quo considerar que entre o presente processo e o processo de impugnação judicial nº 42/14.9BEPOL há identidade de sujeitos, pelos motivos supra explanados, razão pela qual, não se encontrando preenchidos os requisitos legalmente exigidos, não deveria ter sido julgada procedente a excepção de litispendência.

j) Veio ainda o Tribunal o quo defender que existe identidade do pedido entre o presente processo e o processo de impugnação judicial nº 42/14.9BEPDL, afirmando que o "efeito prático" que o Recorrente pretende obter em ambas as acções é o mesmo, ou seja, "evitar o pagamento do I.U.C.

k) Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo, não existindo entre o presente processo e o processo de impugnação judicial nº 42/14.9BEPDL qualquer identidade de pedido, sendo certo também que o fundamento da situação de litispendência não é determinada pelo efeito prático que se obtém na acção, mas pelos efeitos jurídicos que se pretendem obter com os processos, nos termos do Artº 581º nº 3° do C.P.C.

l) No presente processo, o que o Recorrente vem peticionar é que seja considerada a sua ilegitimidade no título e no processo executivo, nos termos do artigo 204º, n.º 1, al. h) e i) do C.P.P.T.; Situação diferente é o peticionado no processo de impugnação judicial, na qual o Recorrente peticiona a anulação, por falta de fundamentação, dos actos de liquidação do IUC referentes aos períodos de 2009, 2010, 2011 e 2012.

m) O efeito jurídico que o Recorrente pretende obter na acção de impugnação judicial e o efeito jurídico que pretende na Oposição à Execução são clara e manifestamente diferentes.

n) Exigindo o artigo 581º, nº 3 do C.P.C. que, para ocorrer a litispendência, é necessário que entre as duas acções se pretenda obter o mesmo efeito jurídico e sejam idênticas, na sua qualidade jurídica, as posições dos sujeitos em ambas as acções, é patente que, no caso vertente, não se encontram preenchidos os requisitos legais da excepção de litispendência, que não ocorre, pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida.

o) A interpretação distinta que o Tribunal a quo fez dos Artºs 581º nºs 1º a 3º do C.P.C., é claramente atentatória do direito de defesa com a maior amplitude do executado, e aqui recorrente, e do princípio do processo equitativo, que implica uma decisão de acordo com a justiça material em cada processo judicial, entre outros corolários, e fez uma interpretação daqueles preceitos do C.P.C. desrespeitadora do disposto nos artºs 20 nºs 1º e 4º da C.R.P., apresentando-se como materialmente inconstitucional e que portanto não pode ser recebida por este tribunal Superior.

p) Por todo o exposto, deverá este Supremo Tribunal considerar procedente o presente recurso e em consequência revogar a sentença recorrida que julgou procedente a excepção de litispendência, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legalmente exigidos para caracterizar esta excepção no artigo 581º n.ºs 1º a 3º do C.P.C.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser revogada a sentença do Tribunal o quo que julgou verificada a excepção de litispendência, julgando-se substancialmente o pedido e considerando o executado, ora Recorrente, parte ilegítima na execução.
[…]».


1.2. - O Representante da Fazenda Pública apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
«[…]
Ao pretender que o Tribunal a quo decida de maneira diferente do decidido, está o Recorrente a olvidar que existe identidade de partes, de causas de pedir e de pedidos, sendo completado o fundamento formal para o reconhecimento de litispendência do artigo 581.º CPC.

B) Também o critério material está amplamente cumprido, pois as decisões a proferir num e noutro processo colocarão o Tribunal a quo na situação ou de se contradizer ou de se repetir.

C) Pelos fundamentos dimanados desse Supremo Tribunal Administrativo, prolatados no Acórdão n.º 0154/14, de 17 de Junho de 2015, é o caso sub judice subsumível na excepção de litispendência com as razões aí explanadas, pela qual se pugna.

D) Não existe contradição entre Acórdãos desse Supremo Tribunal Administrativo, pois as situações abrangidas pelos Acórdãos invocados são inteiramente díspares entre si, caindo a decisão colocada em crise na situação de litispendência entre oposição e impugnação.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Colendos Conselheiros, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se nos seus exactos termos a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

[…]».


3- O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, com base no seguinte:
“[…] A excepção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 580.º n.º s 1 e 2 CPC)
Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art. 581 º nº 1 CPC)
2. Não ocorre litispendência entre uma impugnação judicial deduzida contra uma liquidação de imposto e uma oposição deduzida pela mesma pessoa singular contra a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva desse imposto, por inverificação dos requisitos legais do instituto (art. 581° nº s 2/4 CPC):
- não existe identidade de sujeitos: o actual recorrente interveio nos processos em confronto com distintas qualidades jurídicas: como executado/oponente no PEF, defendendo-se da pretensão executiva da administração tributária, que assume a qualidade de A./exequente; como A. na impugnação judicial;
- não existe identidade de pedido, manifestado no efeito jurídico pretendido em cada um dos processos: na oposição, a extinção da execução instaurada contra o executado/oponente; na impugnação judicial, a anulação do acto tributário de onde emergiu a quantia exequenda (no caso concreto liquidação de IUC - ano 2011):
- não existe identidade de causa de pedir: na oposição à execução foi invocada a ilegitimidade do oponente, em virtude de não ter sido proprietário ou possuidor do veículo no período temporal relevante (art. 204° nº 1 al. b) CPPT); na impugnação judicial foi invocada a ilegalidade das liquidações de IUC incidente sobre o mesmo veículo, respeitante aos anos 2009/2012.
A decisão impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
- declaração de improcedência da excepção dilatória da litispendência;
- devolução do processo ao TF Ponta Delgada para proferimento de decisão que aprecie o mérito da causa (se outra causa obstativa não se verificar)
[…]”.

4- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 6 de maio de 2014, A……………… foi notificado do ato de liquidação do IUC, do ano de 2011, relativo à viatura com a matrícula n.º …………. (por confissão).
B) Em 9 de novembro de 2013, A……………… apresentou a petição inicial que deu origem ao processo de impugnação judicial n.º 42/14.9BEPDL, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que instaurou contra o ato de liquidação referenciado em A), pedindo o seguinte:
"Nestes termos, nos mais de direito, e com Apelo ao Douto suprimento de V. Ex.a Mmo. Juiz, deve a presente impugnação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, anulados por falta de fundamento os actos de liquidação do IUC ora notificados” (cfr. fls. 13 e 19 do suporte físico do processo).
C) Em 6 de maio de 2014, o Serviço de Finanças da Horta notificou A……………. do ato de instauração do processo de execução fiscal n.º 2917201401017289, com vista à cobrança coerciva do valor resultante da liquidação referenciada em A) (por confissão e doc. n.º 1, apresentado com a petição inicial, a fls. 12 do suporte físico do processo).
D) Em 29 de março de 2014, A……………… apresentou, no Serviço de Finanças da Horta, uma petição inicial contra o ato de instauração do processo de execução fiscal, referenciado em C), o qual deu origem ao presente processo de oposição n.º 107/14.7BEPDL (cfr. fls. 3 do suporte físico do processo).
E) Ainda não foi proferida sentença no processo de impugnação judicial n.º 42/14.9BEPDL, referenciado em B) (cfr. fls. 114 do suporte físico do processo).
Inexistem factos não provados com relevo para a decisão a proferir


2. Do direito
2.1. Cabe esclarecer em primeiro lugar que, apesar de o valor da causa não atingir um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância, o recurso vem interposto ao abrigo do n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, na redacção aplicável, que é a anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, ou seja, por oposição entre a decisão recorrida e o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º0399/12 disponível em www.dgsi.pt.
Cumpre, pois, começar por averiguar da invocada oposição susceptível de determinar a admissibilidade do recurso, não estando o Supremo Tribunal Administrativo vinculado pelo despacho de admissão proferido pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada a fls. 214 do SITAF [cfr. art. 641.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].

2.1.1. Para verificar se existe identidade entre o quadro factual importa atentar no facto de no acórdão recorrido estar em causa a cobrança coerciva a uma pessoa individual de dívidas oriundas de IUC e no acórdão fundamento uma cobrança coerciva de dívidas de IVA contra a massa insolvente. Porém, em ambas as situações os executados deduziram oposição ao abrigo da alínea b) do artigo 204.º do CPPT, com o fundamento de que não eram parte legítima por não serem eles os devedores dos tributos exigidos através dos processos de cobrança coerciva.
Na decisão recorrida entendeu-se que a alegação aduzida pelo oponente se reconduz à discussão da legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda. Por isso, e porque se considerou que tendo já sido deduzida impugnação judicial contra esse acto a oposição constituía uma “repetição da causa”, julgou verificada a excepção de litispendência.
Por seu turno, no acórdão fundamento, apreciando recurso sobre despacho que indeferira liminarmente a impugnação judicial com o fundamento de que fora previamente apresentado um pedido de oposição à execução judicial, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que “Não ocorre litispendência entre um processo de impugnação judicial deduzido contra determinada execução fiscal e um processo de oposição a essa mesma execução, pese embora a semelhança de causas de pedir gizadas em ambos os processos, porquanto o sujeito não intervém neles na mesma qualidade jurídica e o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução – a respectiva extinção em relação ao oponente – e o visado pela dedução da impugnação – a anulação do acto tributário impugnado – são inconfundíveis”.

2.1.2. Poderia pensar-se, à primeira vista, que se verificaria a oposição invocada como fundamento do presente recurso: na decisão recorrida e no acórdão fundamento, perante quadro factual similar – pendência em simultâneo de uma impugnação judicial e de uma oposição à execução fiscal com fundamento em ilegitimidade, intentadas pelos mesmos sujeitos, contra os mesmos actos, com idênticas causas de pedir e visando o mesmo objectivo, “evitar o pagamento do imposto liquidado” –, haveria divergência de decisões quanto à subsunção à alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. Ou seja, a sentença recorrida e o acórdão invocado como fundamento, no âmbito da mesma regulamentação jurídica, perfilhariam solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito.

2.1.3. Porém, não é isso que se verifica. Senão vejamos.
O artigo 581.º do CPC caracteriza a repetição da causa como a situação em que se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ou seja, quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, quanto ao pedido, ou seja, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, e quanto à causa de pedir, ou seja, quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. E acrescenta ainda que nas acções de anulação a causa de pedir é a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado que “[I]nexiste litispendência, por ausência de identidade do pedido, entre o processo de oposição e o processo de impugnação judicial, já que neste se discute a legalidade da liquidação, pretendendo-se a declaração de nulidade ou a anulação do acto tributário da liquidação, e naquele a legalidade da execução com vista à sua extinção” [v. acórdãos de 26.04.2001 (proc. 025324) e de 16.05.2007 (proc. 985/06)].
De facto, a regra é a de que na oposição à execução fiscal não é possível discutir a legalidade concreta da liquidação (neste sentido, expressamente, a parte final da al. h), do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT), pelo que, em regra, mesmo quando, como se afirma na sentença, a intenção do oponente é a mesma nos dois processos, i.e., evitar o pagamento do imposto liquidado, o normal é que o pedido e a causa de pedir não coincidam nestes dois processos.
E, em princípio, o que teria sucedido no âmbito da presente oposição, teria sido a procedência da excepção de impropriedade do meio processual (erro na forma de processo), porquanto o oponente formula um pedido, baseado na ilegitimidade enquanto devedor por não ser o proprietário nem o possuidor da viatura, o que consubstancia uma questão de legalidade da própria liquidação.

2.1.5. Porém, e como também já foi afirmado pela jurisprudência pretérita deste Supremo Tribunal, estamos perante um caso excepcional [v. acórdão de 15.03.2017 (proc. 01235/16)]:
“I - Constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente, fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram [cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].
II - Esta excepção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse acto, apenas é admitida relativamente aos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens.
III - Se o executado invoca que no ano a que respeita o IUC que lhe está a ser cobrado coercivamente já não era o proprietário do veículo sobre que incidiu esse tributo, é de considerar que foi alegada factualidade susceptível de integrar fundamento de oposição”.
Em outras palavras, neste caso é excepcionalmente admissível que o oponente possa discutir a legalidade da dívida tributária em sede de oposição à execução. E é isso que o oponente alega como fundamento da oposição e que decorre do pedido, como, de resto, a sentença recorrida também dá nota.
Mas é também por causa desta excepcionalidade que, neste caso, existe identidade de pedido e de causa de pedir (assim como das partes), entre o presente processo e o processo de impugnação judicial, na parte em que é impugnada a liquidação do IUC de 2011. Nesta medida, tem também razão a sentença recorrida ao considerar verificada a excepção de litispendência.

2.1.6. Neste seguimento, concluímos que afinal não existe identidade do quadro factual, uma vez que na sentença recorrida estamos perante um tributo sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, ao passo que no acórdão recorrido estamos perante um tributo sobre o valor acrescentado, o que explica a diferente subsunção no âmbito da alínea b) do artigo 204.º do CPPT e, com isso, a inexistência de oposição entre os arestos.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.

Custas pelo Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.