Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0129/20.9BALSB
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA
Sumário:I - Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT que o objecto do recurso excepcional de revista são decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, e não outras, designadamente decisões arbitrais, que nem são proferidas em segunda instância, nem o são pelo Tribunal Central Administrativo, ainda que possam ser colegiais e que delas não caiba, em regra, recurso ordinário.
II - O facto de o legislador ter agora consagrado – para a arbitragem administrativa, a que se refere o Título VIII do CPTA – a possibilidade de interposição de recurso de recurso de revista de decisão arbitral de mérito [cf. o novo art. 185.º-A n.º 3, alínea b)], não significa que idêntica possibilidade de recurso deva igualmente ter-se como admissível para a decisão arbitral tributária, pois esta é objecto de regulamentação legal autónoma, para a qual o legislador não previu o recurso de revista, antes optou por alargar o recurso de uniformização de jurisprudência aos casos de contradição entre decisões arbitrais, faculdade que a alínea a) do n.º 3 do art. 185.º-A do CPTA também não consagra.
Nº Convencional:JSTA000P26919
Nº do Documento:SA2202012160129/20
Data de Entrada:12/03/2020
Recorrente:BANCO A..........., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 927/2019-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada sociedade, não se conformando com a decisão arbitral proferida em 28 de Maio de 2020 no processo n.º 927/2019-T do CAAD, que julgou improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral por ela apresentado, com vista à declaração de ilegalidade de actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado, interpôs recurso de revista excepcional, invocando os termos «da alínea b) do n.º 3 do artigo 185.º-A e do artigo 150.º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos» e apresentando as alegações de recurso, com conclusões, das quais transcrevemos apenas as que relevam para a decisão a proferir:

«DO OBJECTO DO RECURSO

A. Vem o presente Recurso interposto da Decisão Arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no CAAD no âmbito do processo n.º 927/2019-T, a qual julgou improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo ora Recorrente.

B. No âmbito do processo arbitral cuja decisão é aqui recorrida foi discutida a metodologia de dedução de IVA a utilizar, pelo Recorrente, nos termos da lei, no âmbito da sua actividade de leasing.

C. No âmbito da sua actividade, o Recorrente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto e, simultaneamente, realiza também operações financeiras que conferem o direito à dedução do IVA incorrido. Pelo exposto, e uma vez que adquire recursos que são utilizados, simultaneamente, na realização de operações que conferem o direito à dedução do imposto incorrido a montante e operações que não conferem tal direito, a actividade prosseguida pelo Recorrente encontra-se abrangida por distintos regimes de dedução de IVA.

D. Nas situações em que identifica uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços e determinadas operações activas por si realizadas, o Recorrente aplica, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa. Em idêntico sentido, nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, o ora Recorrente não deduz qualquer montante de IVA.

E. Nas situações em que identifica uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços e determinadas operações activas, e consegue determinar critérios objectivos do nível/grau de utilização efectiva, o Recorrente aplica o método da afectação real. E, para determinar a medida de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas, o Recorrente aplica o método geral e supletivo da percentagem de dedução (pro rata).

F. Foi exactamente a aplicação deste método de dedução (pro rata) no âmbito da actividade de leasing do Recorrente que deu origem aos autos aqui recorridos. Na sequência de uma acção inspectiva, a AT veio a entender que o Recorrente não poderia ter utilizado aquele método de dedução com referência ao IVA incorrido no âmbito da sua actividade de leasing e que, ao invés, deveria ter adoptado um coeficiente de imputação específico, excluindo do apuramento da percentagem de dedução a componente de amortização financeira ínsita na renda dos contratos de leasing e de ALD.

G. Defendeu a AT a imposição daquela metodologia de dedução ao abrigo do entendimento publicado no anterior Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, o qual consagrou a obrigatoriedade de as instituições financeiras que realizem, em simultâneo, operações de financiamento e operações de leasing, utilizarem um “coeficiente de imputação específico” para a dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista, no qual deve ser considerado apenas o valor dos juros das rendas.

H. Não podendo aceitar aquele entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira – e, por conseguinte, as correcções efectuadas à dedução de imposto em causa, referente ao ano 2007 –, por entender que o mesmo padece de vício de violação de lei, por manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, o ora Recorrente contestou o mesmo junto do CAAD, dando origem ao processo arbitral n.º 927/2019-T e à Decisão arbitral aqui recorrida.

I. A questão a decidir naqueles autos subsumia-se, assim, no “saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros”.

Da Admissibilidade do Recurso de Revista in casu

J. Entende o ora Recorrente que, desde a alteração legislativa introduzida no artigo 185.º-A do CPTA pelo Artigo 6.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, deixaram de existir quaisquer dúvidas quanto à admissibilidade de interposição de Recurso de Revista de Decisões Arbitrais proferidas por Tribunais Arbitrais constituídos no CAAD.

[…]

V. PEDIDO

Nestes termos e nos melhores de Direito ao caso aplicáveis que V. Exas, Venerandos Conselheiros, doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista ser admitido, seguir os demais termos até final e ao mesmo ser concedido provimento, determinando-se a anulação do Decisão Arbitral aqui recorrida, com todas as legais consequências.

Com o que se fará a tão necessária JUSTIÇA!».

1.2 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Pretende a Recorrente alicerçar a admissibilidade do recurso no art. 185.º-A do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), na redacção que lhe foi dada pelo art. 6.º da Lei n.º 118/2017, de 17 de Setembro.
Assim, diz na conclusão J) das alegações de recurso:
«Entende o ora Recorrente que, desde a alteração legislativa introduzida no artigo 185.º-A do CPTA pelo Artigo 6.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, deixaram de existir quaisquer dúvidas quanto à admissibilidade de interposição de Recurso de Revista de Decisões Arbitrais proferidas por Tribunais Arbitrais constituídos no CAAD».
A esse propósito ficou dito na recente decisão de 2 de Novembro de 2020, proferida no processo n.º 110/20.8BALSB, pela Conselheira Vice-Presidente da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ora 2.ª Adjunta:

«Este Supremo Tribunal já teve ocasião de se pronunciar sobre a inadmissibilidade legal de recurso de revista de decisão arbitral em matéria tributária – Acórdãos de 7 de Novembro de 2018, processo n.º 83/15.9BALSB e de 18 de Setembro de 2019, processo n.º 50/19.3BALSB [(Disponíveis, respectivamente em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8d8d85214f14770f8025834000519955 e em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c1f16af3f332150b8025847f0049ade4))] – embora num momento anterior ao da entrada em vigor do “pacote legislativo” de reforma da legislação processual tributária (Leis n.º 114/2019, 118/2019 e 119/2019).
As razões aí esgrimidas para julgar não ser legalmente admissível recurso de revista de decisão arbitral tributária permanecem inteiramente válidas, a saber:
- a de que decorre expressa e inequivocamente da lei que o objecto do recurso excepcional de revista são decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, e não outras, designadamente decisões arbitrais, que nem são proferidas em segunda instância, nem o são pelo TCA, ainda que possam ser colegiais e que delas não caiba, em regra, recurso ordinário.
- a de a norma do artigo 29.º do RJAT - que manda aplicar subsidiariamente ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos, designadamente as normas do CPTA – não constitui base legal suficiente para que se possa entender poder caber recurso excepcional de revista de decisões arbitrais, pois nem a letra da lei consente tal interpretação, nem parece que tal recurso tenha sido ou seja querido ou desejado pelo legislador, sequer que caiba ao STA admitir recursos de decisões arbitrais que a lei não contempla, quando o legislador, expressa e inequivocamente acolheu como regra geral a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais - cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, ao abrigo da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, cuja alínea h) do seu n.º 4 estabelece igualmente A consagração, como regra, da irrecorribilidade da sentença proferida pelo tribunal arbitral.
Como se consignou naqueles arestos, perante a manifesta e inequívoca vontade do legislador de consagrar como regra a da irrecorribilidade da decisão arbitral, não se vê como curial, adequado ou sequer possível sem quebra da legalidade, que, por mera via jurisprudencial, em substituição do legislador, o STA possa admitir recurso de revista excepcional de decisões arbitrais, por mais que a recorrente invoque a necessidade da revista dada a “elevada relevância jurídica” da questão a decidir ou a necessidade do recurso “para melhor aplicação do direito”.
Por conseguinte, e como também tem sido destacado em arestos do Pleno desta Secção (cfr., entre outros, o acórdão de 28.11.2018, no proc. 0164/18.7BALSB e os acórdãos de 30.01.2019 no proc. 083/15.9BALSB e no proc. 0417/18.4BALSB), a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral só é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, em conformidade com o disposto no nº 2 do art.º 25º do RJAT.
[…]
O facto de o legislador ter agora consagrado – para a arbitragem administrativa, a que se refere o Título VIII do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – a possibilidade de interposição de recurso de recurso de revista de decisão arbitral de mérito (cfr. o novo artigo 185.º-A n.º 3, alínea b), do CPTA), não significa que idêntica possibilidade de recurso deva igualmente ter-se como legalmente admissível para a decisão arbitral tributária, pois esta é objecto de regulamentação legal autónoma, para a qual o legislador contemporâneo não previu o recurso de revista, antes optou por alargar o recurso de uniformização de jurisprudência aos casos de contradição entre decisões arbitrais (faculdade que a alínea a) do n.º 3 do artigo 185.º-A do CPTA também não consagra).
Pelo exposto se conclui pela não admissão do recurso, por impossibilidade legal do seu objecto, uma vez que para as decisões arbitrais tributárias não está legalmente previsto o recurso de revista».

Subscrevendo integralmente a decisão que vimos de citar, também aqui concluímos que o recurso de revista não será admitido, por inadmissibilidade legal do seu objecto (No mesmo sentido, o acórdão da formação do n.º 6 do art. 285.º do CPPT de 9 de Dezembro de 2020, proferido no processo com o n.º 81/20.0BALSB.).

2.2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas da citada decisão:

I - Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT que o objecto do recurso excepcional de revista são decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, e não outras, designadamente decisões arbitrais, que nem são proferidas em segunda instância, nem o são pelo Tribunal Central Administrativo, ainda que possam ser colegiais e que delas não caiba, em regra, recurso ordinário.

II - O facto de o legislador ter agora consagrado – para a arbitragem administrativa, a que se refere o Título VIII do CPTA – a possibilidade de interposição de recurso de recurso de revista de decisão arbitral de mérito [cf. o novo art. 185.º-A n.º 3, alínea b)], não significa que idêntica possibilidade de recurso deva igualmente ter-se como admissível para a decisão arbitral tributária, pois esta é objecto de regulamentação legal autónoma, para a qual o legislador não previu o recurso de revista, antes optou por alargar o recurso de uniformização de jurisprudência aos casos de contradição entre decisões arbitrais, faculdade que a alínea a) do n.º 3 do art. 185.º-A do CPTA também não consagra.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso, por impossibilidade legal do seu objecto.


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Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. - Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.