Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01089/17
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
CUSTAS
FAZENDA PÚBLICA
Sumário:Em processo de contra-ordenação tributária, tendo a decisão administrativa de aplicação de coima sido anulada, com fundamento na ocorrência de nulidade insuprível da mesma, não são devidas custas pela Fazenda Pública (art. 66º do RGIT e art. 94º, n.ºs 3 e 4 do RGCO).
Nº Convencional:JSTA000P22818
Nº do Documento:SA22018012401089
Data de Entrada:10/06/2017
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida no TAF de Mirandela em 03/02/2017 (fls. 50/52), na parte em que a condenou nas custas do processo.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto referencialmente à douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, no segmento em que determinou a condenação da Fazenda Pública no pagamento das custas do processo.
2. A questão de direito controvertida foi alvo de pronúncia no Tribunal a quo em pelo menos cinco decisões judiciais (que se anexam), externadas que foram em sentido oposto ao do aresto sob recurso e convergente com o entendimento ora propugnado;
3. A Fazenda Pública não é parte nos presentes autos, nem desencadeou qualquer impulso processual durante o decorrer da instância;
4. Compete ao Ministério Público introduzir o feito em juízo, tornando-o presente ao juiz, valendo esse acto como acusação [cf. artigo 62°, n° 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3° do RGIT];
5. No processo contra-ordenacional tributário tem aplicação mediata o regime de custas estatuído nos artigos 92° a 94° do RGCO e, imediatamente - porque especial relativamente àqueloutras - a norma contida no artigo 66° do RGIT;
6. Atento o regime legal de custas, aplicável em sede de processos de contra-ordenação tributária, afigura-se líquido concluir pela inexistência de qualquer norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas;
7. Pese embora a Fazenda Pública não beneficie de qualquer isenção no pagamento de custas no âmbito dos processos judiciais tributários (cf. art. 4º, n°s. 4 e 5, do Decreto-Lei n° 324/2003 de 27 de dezembro), o mesmo se pode afirmar no que concerne à presente espécie processual, uma vez que no regime anterior ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02, em vigor desde 20/04/2009, o regime de custas em processo de contra-ordenação tributária passou a ser regulado, em primeira linha pelos normativos constantes dos artigos 92° a 94° do RGCO;
8. Pelo que, por força das disposições conjugadas dos art. 66° do RGIT e 94°, n.ºs 3 e 4 do RGCO, será de concluir, contrariamente ao decidido no douto aresto recorrido, que nos processos de recurso de contra-ordenação não são devidas custas pela Fazenda Pública.
Termina pedindo que se revogue a decisão recorrida no segmento em que condenou a Fazenda Pública em custas e, em substituição, se determine que o processo fica sem custas.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Mmo. Juiz do tribunal “a quo” admitiu o recurso e sustentou a decisão, nos termos do despacho de fls. 89/90.

1.5. Neste STA o MP emitiu Parecer nos termos seguintes, além do mais:
«1. O presente recurso vem interposto da sentença de fls. 50 e seguintes, na parte em que condenou a Fazenda Pública nas custas, ao abrigo do disposto no artigo 73º, nº 2, do RGCO, art. 83º, nº 2, do RGIT, e 280º, nº 5, do CPPT.
Invoca a Recorrente que a sentença nessa parte enferma de erro de direito, por violação do disposto no art. 66º do RGIT, e 94º, nº 3 e 4 do RGCO, uma vez que na fase judicial a FP não é parte no processo, mas sim o Ministério Público, o qual beneficia de isenção.
E termina pugnando pela reforma da sentença quanto a custas.
2. Questão prévia: Da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 73º do Regime Geral das Contra-Ordenações.
Nos termos do artigo 83º, nº 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, só é admissível recurso judicial nos casos em que o valor da coima for superior a € 1.250 euros. Na decisão administrativa documentada nos autos foi aplicada uma coima no valor de € 154,50, acrescida de custas no valor de € 76,50, o que perfaz um montante inferior ao valor da alçada.
Dispõe o referido preceito que o recurso da sentença pode ser aceite se se afigurar "manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito" ou à "promoção da uniformidade da jurisprudência".
É o caso dos presentes autos, em que a decisão sob censura é contrária a diversas decisões do mesmo tribunal e da jurisprudência do STA, como decorre da documentação junta aos autos pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a pronúncia deste tribunal com vista à uniformidade da jurisprudência e à credibilidade da própria justiça.
Consideramos, assim, que o recurso deve ser admitido, ao abrigo do disposto no artigo 73º, nº 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações.
3. De acordo com o artigo 1º do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), aprovado pelo Dec.-Lei nº 34/2008, de 26 de Setembro, todos os processos estão sujeitos a custas, sendo o Regulamento aplicado aos processos que correm termos nos tribunais administrativos e fiscais - artigo 2º do RCP.
O processo de contra-ordenação tributário tem uma fase administrativa e eventualmente uma fase judicial. Na fase administrativa, que corre termos sob a égide de autoridade tributária, continua a ser aplicável o Regulamento Custas dos processos Tributários, aprovado pelo Dec.-Lei n° 29/98, de 11 de Fevereiro. Já na fase judicial mostra-se aplicável o RCP, atento que estamos perante um processo para o qual tem competência o tribunal tributário - artigo 49º, nº 1, alínea b) do ETAF, e artigo 95º, nº 2, alínea i) da LGT.
A fase administrativa finda com a prolação da decisão sobre a existência ou não de infracção e com a eventual aplicação de uma sanção pecuniária, ou seja, uma coima. Sendo apresentado recurso pelo arguido, o processo é remetido ao Ministério Público que o faz apresentar ao juiz, valendo tal acto como acusação - art. 62º, nº 1, do RGCO.
A partir dessa altura o Ministério Público assume-se como parte principal, titular da acção contra-ordenacional, como resulta das funções que lhe são atribuídas por lei, designadamente pela obrigatoriedade de ser ouvido antes de ser proferida a decisão ao abrigo do disposto no artigo 64º do RGCO, do poder de retirar a acusação, nos termos do artigo 65º-A do RGCO, e do dever de participar na audiência, nos termos do artigo 69° do RGCO e artigo 82º, nº 1, do RGIT.
Por seu lado a Fazenda Pública assume neste momento o papel de parte acessória - a qual pode oferecer prova complementar e participar na audiência - arts. 81°, nº 2, e 82º, nº 2, ambos do RGIT -, mas sempre subordinada ao papel desempenhado pelo Ministério Público.
Situação diversa é a possibilidade que actualmente aquele Representante da Fazenda Pública tem de recorrer da decisão do tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 83º, nº 1, do RGIT (na redacção introduzida pelo artigo 224º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
No RGIT não está consagrada qualquer norma relativa a custas. Já o RGCO dedica o seu capítulo IX à matéria das custas. E embora na sua maioria as normas ali consagradas estejam revogadas tacitamente pelo RCP, resulta do nº 1 do artigo 92º que as custas em processo de contraordenação regular-se-ão pelos preceitos reguladores das custas em processo penal. Dispondo a este propósito o artigo 522º do CPP que o Ministério Público está isento de custas e multas.
E não oferece qualquer dúvida que ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais o Ministério Público beneficia neste tipo de processo de isenção de custas, uma vez que age em nome próprio na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei.
Por seu lado, na sua qualidade de parte acessória, o Representante da Fazenda Pública actua como representante das autoridades tributárias - arts. 53º e 54º do ETAF e 15º do CPPT- agindo como auxiliar da parte acusadora, assumida pelo Ministério Público.
Ao contrário do pretérito (no âmbito da aplicação do RCPT aos processos judiciais tributários) a Fazenda Pública não beneficia de isenção de custas nos processos judiciais tributários (artigo 25º, nº 1, do Dec.-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro - "São revogadas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei"). Todavia e agindo como parte acessória, não está sujeita ao pagamento de taxa de justiça, que apenas é devida pela parte principal, caso não esteja isenta.
Outro tanto já não ocorrerá no caso do Representante da Fazenda Pública interpor recurso da decisão do tribunal tributário, caso em que assume o papel de interessado autónomo e em que se impõe o pagamento de taxa de justiça devida pelo impulso processual, nos termos do nº 1 do artigo 6º do Regulamento.
Tendo o processo sido decidido por simples despacho, no qual foi considerado que os factos imputados à arguida não integravam a contraordenação que lhe era imputado e a mesma absolvida, com o consequente arquivamento dos autos, não há lugar a custas, uma vez que o arguido só é responsável pelas custas no caso da sua condenação - art. 513º, nº 1, do CPP.
Neste sentido se tem pronunciado o STA - cfr. entre outros o recente acórdão de 13/09/2017, proc. 0702/17, e demais jurisprudência ali citada.
Ao condenar a Fazenda Pública em custas, o Mma. Juiz "a quo" fez uma errónea aplicação das referidas normas legais aplicáveis nessa matéria, acompanhando-se no mais as alegações da ilustre Recorrente, pelo que tal segmento da decisão deve ser substituído por outro que determine não haver lugar a custas.»

1.6. Corridos os Vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. Aceitando o actual sentido da jurisprudência quanto à admissão do presente recurso à luz do art. 73º, nº 2 do RGCO (cfr. os acs. do STA, de 24/2/2016, proc. nº 1408/15, de 23/1172016, proc. nº 1106/16 e de 11/1/2017, proc. nº 1283/16, por contraposição ao ac. de 23/4/2013, proc. nº 0401/13 e jurisprudência nele citada) e considerando-se, por consequência, verificados os requisitos legais para a interposição de recurso com fundamento na invocada oposição de julgados, importa desde já referir que, conforme se constata das alegações e respectivas conclusões, o objecto do mesmo recurso se circunscreve à questão de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento no segmento em que determinou a condenação da Fazenda Pública em custas.
Na verdade, tendo a decisão recorrida julgado verificada a nulidade insuprível prevista na al. d) do nº 1 do art. 63°, ex vi als. b) e c) do nº 1 do art. 79° e art. 27°, todos do RGIT, anulou a decisão de aplicação da coima e condenou a Fazenda Pública em custas, fixando a taxa de justiça em 2 UCs.
E é contra esta decisão de condenação nas custas que a Fazenda Pública se insurge argumentando que não teve, nem promoveu qualquer impulso processual nos autos durante o decorrer da instância, sendo que de harmonia com o disposto no nº 3 do art. 93º do RGCO há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver decisão judicial desfavorável ao arguido, o que não é o caso, além de que do disposto nos nºs. 3 e 4 do art. 94º do RGCO resulta que as custas não imputadas ao arguido são suportadas pelo erário público.
A questão a decidir reconduz-se, assim, à de saber se a sentença enferma, no que se refere à apontada condenação em custas, do invocado erro de julgamento.
Vejamos, pois.

2.2. Tal questão foi já objecto de apreciação nos supra mencionados acórdãos desta Secção, de 24/2/2016, proc. nº 1408/15, de 23/1172016, proc. nº 1106/16, de 11/1/2017, proc. nº 1283/16 e de 13/09/2017, proc. nº 0702/17.
Transcrevemos destes últimos:
«Como é sabido, por força do disposto no art. 4º, nºs. 4 e 5, do citado Dec. Lei nº 324/2003, a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01.01.2004.
Todavia no caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas e sanções por contra-ordenações tributárias que, sendo um «meio processual tributário» (art. 101°, alínea c), da LGT), não está incluído, actualmente, no conceito de «processo judicial tributário», pois deixou de estar incluído na lista de processos judiciais tributários que consta do art. 97°, n° 1, do CPPT.
Como sublinham Lopes de Sousa e Simas Santos (Ob. citada, pag. 458) «embora esta lista não seja exaustiva (como se vê pela alínea q) do mesmo número), a comparação da lista que consta deste art. 97º, com a que constava da norma equivalente do CPT (que era o art. 118º, nº 2, em que expressamente se integrava o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias entre os «processos judiciais tributários»), revela inequivocamente que se pretendeu excluir este recurso do âmbito do conceito de processo judicial tributário, opção legislativa esta que, aliás, está em consonância com a adoptada no RGIT, de aplicar subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário o RGCO e a respectiva legislação complementar e não o CPPT, limitando a aplicação deste último Código apenas à execução das coimas».
Ora, em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a do art. 66° do RGIT.
Dispõe aquele normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT).
Sucede que o nº 6 do art. 4º do DL nº 324/2003, de 27 de Dezembro, revogou o RCPT, com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa.
Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele Decreto-Lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido art. 66º do RGIT, o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no RGCO para as contra-ordenações comuns, nomeadamente o disposto nos artigos 92° a 94° do RGCO. (Vide, neste sentido, Lopes de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4ª edição, pag. 458).
Ora nos termos do nº 3 do art. 93º do RGCO, há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido. E resulta também do nº 3 art. 94º do RGCO que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (nº 4 do mesmo normativo).
Em suma do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas. (...)
Pelo que, por força das disposições conjugadas dos art. 66º do RIGT e 94º, nºs. 3 e 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, num processo de contra-ordenação tributária, como o dos presentes autos, em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63º/1/ d), ex vi do artigo 79º/1/ b) e c) e 27º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.»
Concorda-se com esta fundamentação.
Assim, dado que por força do disposto no art. 66º do RGIT, as custas em processo de contraordenação tributária se regem pelo RCPT, tendo, porém, este diploma sido revogado (pelo nº 6 do art. 4° do DL n° 324/2003, de 27/12) com excepção das normas sobre actos da fase administrativa do processo, então há que concluir que é aplicável subsidiariamente (de acordo com aquele mencionado art. 66º do RGIT) o regime de custas constante do RGCO (DL n° 433/82, de 27/10), diploma em cujo art. 94º, nº 3, apenas está prevista a condenação do arguido em custas, em caso de aplicação de coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou de recursos de despacho ou sentença condenatória.
Descendo ao caso vertente, não tendo havido condenação do arguido (como se viu, a sentença judicial anulou a decisão administrativa de aplicação de coima com fundamento em nulidade insuprível da mesma), não são devidas custas pela Fazenda Pública, procedendo, pois, o recurso e impondo-se a revogação da decisão recorrida na parte em condenou esta entidade em custas.

DECISÃO
Termos em que, dando provimento ao recurso, se acorda em revogar a decisão na parte recorrida (no segmento em que condenou em custas a Fazenda Pública) e, em substituição, em determinar que o processo fica sem custas.

Sem custas.

Lisboa, 24 de Janeiro de 20018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – António Pimpão.