Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01114/12
Data do Acordão:02/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
JUROS MORATÓRIOS
Sumário:I – Destinando-se os juros indemnizatórios e moratórios a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente liquidada, não são cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo.
II – Os juros moratórios a favor do contribuinte não incidem sobre os juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA00068106
Nº do Documento:SA22013020601114
Data de Entrada:10/23/2012
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC JULGADO
Legislação Nacional:LGT98 ART106 N1 ART102
CPPT99 ART61 N1 N3
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01095 DE 2007/10/27; AC STA PROC01220/06 DE 2007/03/27; AC STA PROC0880/10 DE 2011/03/02
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. A Administração Tributária interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a execução da sentença proferida em 13/5/2004 no processo de impugnação nº 55/99, condenando-a a pagar à exequente A……….., identificada nos autos, os juros de mora devidos desde o termo do prazo para a execução da sentença até à efectivação de cada um dos pagamentos de juros indemnizatórios e de cada uma das restituições de imposto que tiveram lugar.
Nas respectivas alegações, a recorrente conclui o seguinte:
1. O presente recurso jurisdicional é interposto da sentença notificada, na parte em que julgou procedente a execução de julgado e determinou o pagamento de juros de mora relativamente «a cada um dos pagamentos de juros indemnizatórios e de cada uma das restituições de imposto que tiveram já lugar, sobre cada uma dessas parcelas contados e pelo correspondente lapso de tempo, à taxa legal aplicável».
2. Antes de mais, sempre se dirá que o Mm° Juiz andou bem ao considerar que a pretensão executiva “no mais já sem objecto porque cumprida”. E a Entidade ora recorrente nada tem a opor, sobre a parte da decisão que considera cumpridas as restituições de imposto e o pagamento dos respectivos juros indemnizatórios.
3. Saliente-se que, ambos os pareceres dos Dignos Magistrados do Ministério Público proferidos no processo, entenderam que a sentença se encontrava cumprida, e que os autos deviam ser considerados extintos.
4. Pelo que, a Entidade ora Recorrente não pode concordar com a sentença recorrida na parte que determinou o pagamento de juros de mora. A douta sentença padece de erro na apreciação dos factos dados como provados e por fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, estando em contradição com os artigos 560° da Código Civil, e 102° n°2 da LGT, razão pela qual deve ser revogada nesta parte, e ser substituída por outra que decida pelo total cumprimento do peticionado nos autos de execução de julgado.
5. De facto, a douta sentença não fez uma correcta interpretação dos factos dados como provados, desde logo, porque tal consta dos factos provados e a entidade ora recorrente havia referido no requerimento entregue em 2008, a sentença exequenda já se encontra integralmente cumprida.
6. Na verdade, relativamente a cada um dos anos em causa, foram pagos juros desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da restituição desse imposto. Tal como determina o nº 5 (redacção dada pela Lei 55-A/2010 de 31/12, que corresponde no seu conteúdo ao anterior nº 3) do artigo 61º do CPPT).
7. De facto, de acordo com a interpretação conjugada dos artigos 100º e 102º da LGT, são devidos juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago indevidamente desde a data desse pagamento até ao termo do prazo do prazo para pagamento voluntário da sentença. Por outro lado, os juros de mora são devidos desde essa data, até à data do efectivo pagamento.
8. Donde, a Entidade ora recorrente, executou na íntegra a sentença exequenda ao proceder ao cálculo de juros de forma contínua, desde a data do pagamento de imposto indevido até data do processamento da nota de crédito, estando incluídos nesse cálculo o montante de luras moratórios.
9. Pelo supra exposto, o Mm° Juiz a quo fez uma errada interpretação dos factos provados, ao não considerar cumprida a sentença devendo ser revogada nesta parte, e substituída por outra que considere também cumprido o pedido respeitante a juros de mora.
10. A douta sentença, salvo o devido respeito, também errou, ao decidir o pagamento cumulativo de Juros de mora sobre os juros indemnizatórios já pagos aos exequentes.
11. Sucede que, a razão para não ser possível reconhecer o direito a juros moratórios sobre o montante de juros indemnizatórios não se deve somente à impossibilidade de cumulação de juros sobre o mesmo período de tempo, mas principalmente por o facto gerador dos juros tanto indemnizatórios como moratórios ser o mesmo, ou seja ambos incidem sobre o montante de imposto.
12. Além do que, a proibição legal de anatocismo, também estudada em vários Acórdãos supra citados, vem também sustentada no Acórdão do STA de 07/03/2007, proferido no processo nº 1220/06, e que diz: “Está totalmente vedada pela lei a possibilidade de os juros indemnizatórios serem fonte de novos juros — artigo 560º do Código Civil”.
13. De tudo o que ficou referido, verificamos que esta matéria foi já sobejamente tratada tanto na doutrina como na jurisprudência consultada, sendo pacífico o entendimento de que, não são devidos juros de mora sobre o montante de juros indemnizatórios.
14. Pelo exposto, deve nesta parte a sentença recorrida ser revogada, porque fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 560° da Código Civil, e 102° n°2 da LGT, e substituída por outra que declare a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide em virtude do cumprimento integral do julgado.

1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, por entender que nada mais há a pagar.

2. A sentença deu como assentes os seguintes factos:

1. A Exequente — A……………. — e seu marido impugnaram as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativas aos anos de 1993, 1994 e 1995, pondo em causa, em suma, a desconsideração em que se fundaram, de importâncias dispendidas para formação do rendimento, relacionadas com automóvel utilizado por aquela no âmbito da sua actividade profissional e, bem assim, a desconsideração, como correctos, dos rendimentos do trabalho dependente que o marido apresentara, tendo-se ali antes adoptado declaração errónea correspondente da entidade patronal.
2. Aquelas liquidações, e as correspondentes de juros compensatórios importavam a dívida global de 971.647$00 (€4.846,55).
3. Àquele processo de impugnação coube o nº 55/1999 no extinto Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra, vindo a ser nela proferida sentença a 13 de Maio de 2004, já neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pacificamente transitada, a qual anulou as aludidas liquidações adicionais, dando integral procedência à pretensão dos Impugnantes.
4. Como ao ali decidido não foi dado cumprimento pela Administração Tributária nos três meses seguintes, já a 21 de Dezembro de 2004 instaurou a Exequente a presente instância.
5. Porém, antes de a notificação da Entidade Obrigada para pagar ou se opor ter tido lugar no âmbito dos presentes autos, em cumprimento daquela sentença já ela procedera à restituição e pagamento de algumas importâncias à Exequente e marido, como igualmente procedeu a análogos comportamentos depois disso, e como a seguir se discrimina:
a) relativamente ao ano de 1993 entregou-lhes: €798,62, em 22 de Outubro de 2007 — a título de restituição de imposto pago por eles a 30 de Abril de 1998 e a 17 de Maio de 1999; €360,98, em 26 de Outubro de 2007 — a título de juros indemnizatórios sobre aquela importância, e contados de 9 de Junho de 1999 a 30 de Abril de 2003 à taxa de 7% (€217,79) e desde 1 de Maio seguinte e até 22 de Outubro de 2007 à taxa de 4% (€143,19);
b) relativamente ao ano de 1994 entregou-lhes: €4.182,97, em 14 de Março de 2005 — a título de restituição de imposto pago por eles a 18 de Março de 1999; €356,54, em 14 de Março de 2005 — também a título de restituição de imposto (somando ambas as importâncias que a titulo de imposto a Exequente e marido haviam pago: €4.539,51); €1.650,52, em 14 de Março de 2005 — a título de juros indemnizatórios, sobre aquelas importâncias, e contados desde 18 de Março de 1999 até 30 de Abril de 2003 à taxa de 7% (€1.310,24) e desde 1 de Maio seguinte e até 14 de Março de 2005 à taxa de 4% (€340,28);
c) relativamente ao ano de 1995 entregou-lhes: €97,91, em 16 de Março de 2005 — a titulo de restituição de imposto, resultante do acerto da nova liquidação oficiosa, de 2005, cujo crédito de imposto de €438,77 dela resultante foi subtraído do estorno de €368,69 de reembolso do mesmo tributo que a Exequente e marido haviam antes recebido, relativamente ao ano de 1995 (€438,77- €368,69 = €70,08), compreendendo-se ainda naquela importância €26,11 e €1,27 — a título de juros indemnizatórios e de juros-poupança, respectivamente, sobre aquela diferença a favor daqueles; €189,68, em 8 de Fevereiro de 2006 — a título de restituição de imposto, resultante do acerto da nova liquidação oficiosa, de 2006, cujo crédito de imposto de €574,87 dela resultante foi subtraído do estorno de €466,60 do crédito do mesmo tributo que resultava da liquidação de 2005 (€574,87 - €466,60 = €108,27), compreendendo-se ainda naquela importância €79,69 e €1,72— a titulo de juros indemnizatórios e de juros-poupança, respectivamente, sobre aquela diferença a favor
daqueles.


3. O que está em causa no recurso é saber se são ou não devidos juros moratórios em consequência da restituição de um imposto que foi anulado por sentença transitada em julgado, mas que só foi cumprida para além do prazo de execução espontânea.
A sentença recorrida, prolatada em “execução de julgados”, considerou que o imposto anulado foi efectivamente restituído, que foram pagos os juros indemnizatórios, mas que são devidos juros moratórios sobres essas quantias, porque o pagamento ultrapassou o prazo legal para cumprimento da sentença anulatória previsto no nº 1 do artigo 175º do CPTA.
A recorrente considera que há erro de julgamento, porque: (i) os factos provados demonstram que foram pagos juros até à data do processamento da nota de crédito; (ii) e não há juros moratórios sobre juros indemnizatórios.
Efectivamente, a recorrente tem razão.
Quanto à primeira questão, resulta dos factos provados que, até à data da restituição dos impostos indevidamente pagos, foram liquidados “juros indemnizatórios”. Ou seja, a AT pagou juros calculados desde o momento que a contribuinte pagou o imposto anulado até à sua integral restituição. E se assim é, a recorrida foi indemnizada relativamente ao período de tempo que decorreu desde data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada até ao termo do prazo de execução da decisão anulatória, e relativamente ao período que decorreu desde este termo até à data em que efectivamente recebeu aquela quantia.
A todos esses juros a recorrente chamou “juros indemnizatórios”, porque no documento de fls. 80 e 81 dos autos, o meio de prova da matéria vertida no nº 5 do probatório, referiu que «relativamente ao pedido de informação sobre juros de moratórios estes não foram calculados pela AF, uma vez que a própria sentença nada refere sobre o mencionado, por outro lado, como a execução da sentença é anterior a 31 de Dezembro do ano de 2007, o pedido de juros moratórios é da responsabilidade do contribuinte, conforme o nº 2 do artigo 102º da LGT».
A sentença recorrida amarrou-se a esta informação, parecendo não reparar que efectivamente foram pagos juros entre o momento em que a sentença deveria ter sido espontaneamente executada e o momento em que o imposto foi integralmente devolvido à contribuinte. E se reparou, então considera que os juros de mora, contados desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença, incidem sobre o montante de imposto a restituir e sobre os juros indemnizatórios.
Por conseguinte, as questões jurídicas que importa resolver são estas: sendo devidos juros indemnizatórios após o termo do prazo de execução voluntária da sentença, também são devidos juros moratórios? Os juros moratórios também incidem sobre os juros indemnizatórios?
Qualquer uma dessas perguntas já obteve resposta na jurisprudência deste Tribunal
No acórdão de 11/02/2009, proferido no recurso nº 01003/08, enfrentou-se a antinomia normativa que aparentemente existe entre o artigo 100º e o nº 1 do artigo 102º, ambos da LGT, e conjugou-se a norma do actual número 5 do artigo 61º do CPPT (ao tempo nº 3 do mesmo artigo) com o sentido a dar àqueles artigos. É que, numa interpretação estritamente literal desses preceitos, poder-se-ia concluir-se que, após o termo do prazo de execução da sentença anulatória da liquidação, sem que o imposto fosse restituído ao contribuinte, são devidos juros indemnizatórios e juros moratórios sobre o imposto a restituir.
Porém, não esse o alcance daquelas normas.
No referido acórdão, diz-se o seguinte:
No art. 100.º da LGT estabelece-se que quando ocorre anulação de um acto de liquidação por iniciativa do contribuinte, através de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso, pode haver lugar a pagamento de juros indemnizatórios a favor do contribuinte «a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Para os casos em que a restituição é consequência de uma decisão judicial, está hoje estabelecido de forma explícita, no n.º 2 do art. 102.º da LGT, que, em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea. (Na redacção inicial do art. 102.º, n.º 2, da LGT estabelecia-se que seriam «devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea». Com a redacção dada àquela norma pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, foi suprimida aquela referência ao pedido do contribuinte, como condição do dever de pagamento de juros de mora).
Por sua vez, o art. 61.º do CPPT, que concretiza o regime dos juros indemnizatórios, estabelece, no seu n.º 3, que eles são contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
Este art. 61.º é uma norma do CPPT e este Código, nos termos do seu art. 1.º, não prejudica o estabelecido na LGT. Na redacção inicial daquele Código, a compatibilização do CPPT com a LGT, em matérias inseridas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, era imposta pela lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para o aprovar, que consta do art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que estabeleceu como sentido da autorização a compatibilização das normas do CPT com as da LGT.
No que concerne ao termo final do período de contagem de juros indemnizatórios, a norma do art. 61.º, n.º 3, da LGT é compatível com o art. 100.º da LGT, pois nele não se prevê esse termo.
No que respeita ao termo inicial, embora a parte final do art. 100.º da LGT, ao referir-se ao «pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão» sugira que estes juros apenas são contados a partir do termo do prazo de execução da decisão, a interpretação correcta não é essa. Na verdade, na parte inicial da mesma norma, refere-se inequivocamente que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio» e essa reconstituição, para ser plena, não pode deixar de abranger o ressarcimento integral dos danos presumidos e não apenas dos que sobrevierem após o termo do prazo de execução, o que, aliás, está em sintonia com o art. 22.º da CRP, que reconhece aos cidadãos o direito de serem indemnizados pelo Estado e as demais entidades públicas por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício pelos seus órgãos, funcionários e agentes, que lhes causem prejuízos.
Assim, tendo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.
Por isso, o art. 61.º, n.º 3, ao estabelecer como termo inicial da contagem de juros indemnizatórios o momento do pagamento, está em sintonia com o regime da LGT.
É com este pressuposto de que os juros indemnizatórios abrangem todo o período que vai do pagamento até à emissão de nota de crédito, nos termos do art. 61.º, n.º 3, do CPPT, que tem de ser analisada a questão dos juros de mora.
(…)
Por isso, resultando dos arts. 100.º da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT, que, quando há lugar a juros indemnizatórios, eles cobrem todo o período que vai desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, tem de concluir-se que, nessas situações, não haverá lugar a pagamento de juros de mora, pois, se este fosse efectuado, ocorreria uma cumulação de juros relativamente ao mesmo período de privação da quantia paga.
Isto é, sendo de entender que não pode haver lugar a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, a interpretação que permite compatibilizar o regime do art. 100.º da LGT, complementado com o do art. 61.º do CPPT, e o do art. 102.º da mesma Lei é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de mora previsto no art. 102.º, pois toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios.
Assim, é de interpretar restritivamente o art. 102.º, como aplicando-se apenas aos casos em que não há lugar a juros indemnizatórios, isto é, os casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando é esta a razão da anulação há sempre lugar a juros indemnizatórios (art. 43.º, n.º 1, da LGT)”.
A interpretação de que não há juros moratórios no mesmo período em que são devidos juros indemnizatórios, pressupõe também que não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, que é a segunda das questões acima colocadas.
A questão coloca-se em duas vertentes: (i) a de saber se os juros indemnizatórios e moratórios podem coexistir no tempo, sobrepondo-se no mesmo período de tempo; (ii) e a de saber se os juros moratórios devidos a partir do termo do prazo de execução espontânea do julgado, podem incidir sobre o montante de juros indemnizatórios que não foi pago nesse prazo.
Também em qualquer uma delas, a jurisprudência tem respondido negativamente.
No acórdão do Pleno do STA, de 24/10/2007, rec. nº 01095/05, refere-se que “os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”. Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária. Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes – num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade”. Cfr. acórdão do STA de 7 de Março de 2007, processo n.º 01220/06. Juros indemnizatórios e juros moratórios a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função. Ora, uma vez que as duas espécies de juros se fundam numa obrigação indemnizatória que pretende ressarcir idênticos prejuízos, eles não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo”.
Posição que é seguida em vários acórdãos do STA e na doutrina, como dá conta Jorge de Sousa quando refere que «no pressuposto de que tanto os juros indemnizatórios como os juros de mora são presumivelmente na perspectiva legislativa, uma compensação adequada dos prejuízos que a privação da quantia paga ilegalmente provoca ao contribuinte, será de afastar a possibilidade de cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga» (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed. Vol. I, pág. 547).
E relativamente à questão dos juros de mora sobre juros indemnizatórios, também a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de não a admitir. Como se refere no sumário do acórdão de 2/3/2011, rec. nº 0880/10, «embora a falta de restituição do montante anulado de imposto e juros compensatórios no prazo legalmente previsto para o cumprimento espontâneo pela Administração implique a obrigação de pagamento de juros de mora sobre esse montante se tal for pedido pelo contribuinte, estes juros de mora não podem incidir sobre a quantia devida ao contribuinte a título de juros indemnizatório».
E, como se expressa na fundamentação desse aresto, essa é uma a posição que vem sendo sucessivamente reiterada pela jurisprudência tributária, não havendo motivos substanciais para se decidir aqui de modo contrário. Argumenta-se que: (i) «não há, para os juros indemnizatórios, disposição legal semelhante àquele n.º 8 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária. Sendo juros devidos a favor do contribuinte, em virtude de uma liquidação e subsequente desapossamento ilegais, não podem ser integrados numa dívida de imposto. Do mesmo modo, devido à sua natureza, não podem tais juros moratórios - a favor da Fazenda Pública - incidir sobre juros indemnizatórios a favor do contribuinte» (ii) e que «no domínio do direito fiscal vigora o princípio da legalidade, maxime o princípio da tipicidade, o que veda à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento dos juros ou efectuar a dita notificação judicial, uma vez que estas hipóteses não se encontram previstas nas leis tributárias».
No caso dos autos, das duas uma: ou se entende que os juros pagos após o decurso do prazo de execução espontânea da sentença têm a natureza moratória, incidindo apenas sobre o imposto a restituir e não sobre os juros indemnizatórios devidos até esse prazo, ou se entende que, sendo devidos juros indemnizatórios até à data do processamento da nota de crédito, não são devidos juros moratórios.
Em qualquer das hipóteses, como a taxa de juros é a mesma, a sentença encontra-se integralmente cumprida, o que conduz à procedência do recurso.

4. Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a Fazenda Pública a pagar à recorrida juros de mora sobre o montante do imposto e sobre os juros indemnizatórios.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva (voto a decisão, com a declaração anexa).

Declaração de voto

Voto da decisão reiterando, pois, a minha oposição à tese segundo a qual não há lugar ao pagamento de juros de mora em caso de atraso no pagamento de juros indemnizatórios (ii), pois que na situação inversa – em que o devedor dos juros é o contribuinte – há lugar a juros de mora por atraso no pagamento dos juros compensatórios e esta desigualdade de tratamento entre contribuinte e AT parece-me carecido de suporte material bastante. Reitero, pois, a posição que assumi no Ac. do Pleno proferido no rec. 447/07 e que, aliás, encontro agora conforto na doutrina – cfr. José Casalta Nabais «juros de mora a favor do contribuinte», RL/ ano 138, 2008/2009, pp 51 e ss.
Isabel Marques da Silva