Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0494/13.4BEAVR
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IRC
IMPOSTO DE JOGOS
OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS
Sumário:As sociedades comerciais que têm como exclusivo objecto a actividade do jogo não se podiam considerar abrangidas pela obrigação acessória de entrega da declaração anual de rendimentos, sempre que nesse período de tributação não tivessem realizado despesas tributáveis em sede de tributações autónomas.
Nº Convencional:JSTA000P26482
Nº do Documento:SA2202010140494/13
Data de Entrada:03/06/2020
Recorrente:A......, S.A..
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A…………, S.A., com os sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 6 de Novembro de 2019, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial, por si deduzida, contra o acto de indeferimento relativo ao requerimento de não sujeição à obrigação de entrega de declaração de rendimentos (modelo 22) formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
«[…]
1) O presente recurso vem interposto da douta sentença de fls… proferida nos autos referidos em epígrafe, que julgou a acção administrativa especial deduzida pela ora Recorrente parcialmente procedente.

2) A posição vertida pelo Tribunal a quo, relativamente ao ano de 2012, comporta um erro de julgamento (error in judicando) de direito, visto que o decidido pelo Tribunal a quo foi motivado por uma interpretação desacertada e equivocada da constelação normativa mobilizável ao caso concreto, que choca com o artigo 9.º, do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º, da LGT.

3) Partindo do artigo 7.º, do CIRC, e do artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, o Tribunal a quo deveria ter interpretado a questão da eventual obrigatoriedade de entrega da Modelo 22, por parte da Recorrente, à luz do elemento teleológico, sistemático, e histórico da norma.

4) A Recorrente é um sujeito passivo de IRC (al. a), do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC), e os seus rendimentos poderiam encontrar-se sujeitos a tributação em sede de IRC.

5) A Recorrente, porém, não aufere, nem nunca auferiu, quaisquer rendimentos sujeitos a IRC, só se podendo concluir, por isso, que não lhe compete qualquer obrigação declarativa em sede de IRC.

6) Como a Recorrida bem sabe, a Recorrente é uma sociedade anónima que tem como actividade principal a exploração de jogos de fortuna ou azar e, por força da actividade que exerce, a lei, nos termos do artigo 7.º, do CIRC, confere-lhe uma não sujeição dos rendimentos decorrentes dessa actividade, em sede de IRC.

7) De facto, a inclusão da A………… como sujeito passivo de IRC acaba por ser meramente abstracta: ocorre apenas por força da sua forma jurídica, de sociedade comercial, e porque tem a sua sede e direcção efectiva em Portugal.

8) Neste caso, apesar de se verificar a dimensão pessoal, a incidência subjectiva, não se verifica a dimensão real, a incidência objectiva, porquanto os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo não se encontram efectivamente sujeitos a este imposto.

9) Assim, a Recorrente, sob nenhuma forma, cai no âmbito de incidência efectiva do IRC, entendimento que emerge do artigo 7.º, do CIRC, e do artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e que é, inclusivamente, adoptado pelo Tribunal a quo.

10) Não auferindo a Recorrente quaisquer rendimentos sujeitos a IRC (como nunca auferiu), não apresentou, consequentemente, a declaração de rendimentos.

11) De facto, a obrigação declarativa, prevista na al. b), do n.º 1, do artigo 117.º, do CIRC, deve ser excluída no que toca à Recorrente, porquanto a Recorrente não aufere rendimentos sujeitos a IRC e, embora se considere um sujeito passivo de IRC, na verdade, na prática, todos os seus rendimentos estão “isentos” nesta sede.

12) Fundamentos estes que não foram alterados com a entrada em vigor da Lei n.º 12/2012, de 14 de Maio, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, visto que, apesar das alterações introduzidas à letra da lei pelo legislador (revogação do n.º 7 do artigo 117.° do CIRC), a racionalidade subjacente ao artigo 117,°, do CIRC, em leitura conjunta com o artigo 7.°, do CIRC, e o artigo 84.º do Decreto- n.º 422/89, mantém-se.

13) O próprio Tribunal a quo afirma que “Regressando aos autos, quando aos rendimentos de 2011 julgamos que deverá prevalecer o elemento finalístico do n° 7 do artigo 117° do CIRC, em detrimento de uma interpretação literal, conceptual ou meramente gramatical”

14) Contrariamente ao postulado, esta interpretação finalística, adequada ao espírito da norma e ao conjunto das normas mobilizáveis ao caso, envolve toda a norma, bem como a sua articulação com o artigo 7.º, do CIRC, e o artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e não apenas o n.º 7, do artigo 117.º, do CIRC, hoje revogado.

15) É na interpretação conjunta, finalística e adequada ao caso concreto que radicam os argumentos da ora Recorrente, porquanto a ratio das normas extravasa a sua letra, demonstrando o fim que a norma visava realizar.

16) A ratio legis do artigo 117.º, do CIRC, reside, assim, no apuramento dos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos de IRC, tendo em vista a determinação do imposto a aplicar, e, como resulta do exposto, a Recorrente não vai de encontro à intenção do legislador quando criou a norma.

17) A Recorrente não aufere rendimentos sujeitos a IRC, pelo que a sua sujeição à obrigação declarativa consagrada no artigo 117.º, do CIRC, representaria um formalismo desprovido de sentido, desconexo da finalidade última da norma.

18) Nos termos da alínea b), do n.º 6, do artigo 117.º, do CIRC, na redacção vigente até 14 de Maio de 2012, a Recorrente não estava (nem está) adstrita à obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos em IRC, justamente, por não auferir rendimentos sujeitos àquele imposto.

19) A letra da lei então vigente, mais não fazia do que enunciar o espírito da lei a partir daquela norma escrita - sendo que, para o que aqui releva, o espírito da norma mantém-se absolutamente íntegro, contribuindo para o referido entendimento a alteração normativa operada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

20) Ora, face à redacção actual e vigente do artigo, facilmente se percebe que não recai sobre a Recorrente qualquer obrigação de declaração de rendimentos, porquanto o legislador retomou, de forma expressa, o entendimento já vertido da al. b), do n.º 6, do artigo 117.º, do CIRC, na redacção vigente até 14 de Maio de 2012, demonstrando, a final, que nunca pretendeu fazer recair a obrigação de entrega de declaração de rendimentos (modelo 22) sobre sujeitos que não auferem rendimentos tributáveis em sede de IRC.

21) Demonstra-se, assim, que, historicamente, o legislador tem dispensado as entidades que não auferem rendimentos tributáveis em sede de IRC da obrigação declarativa ora em discussão, visto que, nestes casos, a mesma se encontraria vazia de conteúdo, e sem propósito.

22) A admitir-se a posição propugnada pelo Tribunal a quo, nos termos conjugados da al. b), do n.º 1, do artigo 90.º, e do artigo 120.º, ambos do CIRC, a Autoridade Tributária poderia, no limite, e erradamente, emitir um acto de liquidação oficiosa de IRC sobre rendimentos sujeitos a IRC que a Recorrente nunca auferiu.

23) Tributar, por ficção, uma realidade que, na prática, nunca seria de tributar em IRC, seria uma manifesta má aplicação da lei, desfasada dos reais intentos do legislador, ao arrepio do princípio constitucional da incidência da tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104°, n° 2, da CRP).

24) Ora, no caso em apreço, se a Entidade Demandada não for obrigada à prática do acto que dispense a Recorrente da obrigação declarativa relativa ao ano de 2012, isto significa, em última linha, que a Recorrente vai ter que cumprir uma obrigação acessória sem que exista, ou se suspeite, sequer, existir, a obrigação principal.

25) Face à argumentação expendida, é possível retirar duas premissas básicas: 1) falhando o elemento objectivo do facto tributário, este não existe, e 2) se não existe facto tributário, não nasce a obrigação principal de imposto.

26) Afigura-se duvidoso que exista uma obrigação acessória sem a correspectiva obrigação principal.

27) A interpretação sugerida pelo Tribunal a quo> relativamente ao artigo 117.º, do CIRC, sugere, conforme exposto, uma distorção da unidade do sistema, ignorando as consequências que advêm deste entendimento, tratando de forma incoerente as entidades que se encontrem na mesma posição ou em posição análoga.

28) Face ao exposto, partindo da constelação normativa aplicável, e recorrendo à ratio legis, ao elemento histórico e ao elemento sistemático, enquanto cânones interpretativos, deve a decisão que vem parcialmente recorrida ser considerada improcedente, porquanto assenta numa deficiente interpretação e, bem assim, numa errada aplicação do direito, violando a leitura conjunta do artigo 117.º e do artigo 7.º, ambos do CIRC, e, ainda, do n.º 1, do artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, violando, ainda, o artigo 9.º, do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º, da LGT..

Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente recurso proceder nos termos expostos, com todas as consequências legais.
[…]».


2 - Não foram produzidas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer.

4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A Autora é uma sociedade anónima dedicada à exploração comercial dos jogos de fortuna e azar e a actividades conexas (por acordo).
2. Em 6 de Dezembro de 2006, por ofício 2819, sob o assunto “IRC - Declaração de rendimentos modelo 22 - Exercício de 2005”, a Entidade Demandada comunicou à Autora o texto com o conteúdo que abaixo se transcreve (doc. 32 do PA):
“Conforme solicitado pela exposição apresentada, informo que caso o sujeito passivo tenha apenas auferido rendimentos não sujeitos a tributação mencionados no art.° 7 do Código de Imposto sobre Pessoas Colectivas (CIRC), não está obrigado à entrega da declaração modelo 22, conforme o disposto no n.º 7 do art.º 109º do CIRC".
3. Em 14 de Abril de 2008, por ofício 7207, sob o assunto “IRC – Declaração periódica de rendimentos modelo 22 - exercício de 2006”, a Entidade Demandada comunicou à Autora o texto que abaixo se transcreve (doc. 34 do PA):
(...) 2. Nos termos do n.º 7 do artigo 109.º do Código do IRC, a obrigação de entrega da referida declaração não abrange as entidades que, embora exercendo, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, beneficiem de isenção definitiva e total, ainda que a mesma não inclua rendimentos que sejam sujeitos a tributação por retenção na fonte com carácter definitivo, excepto quando estejam sujeitas a qualquer tributação autónoma.
Assim, estando reunidas as condições referidas, está essa entidade dispensada da apresentação da declaração modelo 22.”.
4. Em 31 de Dezembro de 2008, por ofício 24436, sob o assunto “IRC - Declaração periódica de rendimentos modelo 22 - exercício de 2007”, a Entidade Demandada comunicou à Autora o texto que abaixo se transcreve (doc. 36 PA):
" (...) 2. Nos termos do n° 7 do artigo 109.° do Código do IRC, a obrigação de entrega da referida declaração não abrange as entidades que, embora exercendo, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, beneficiem de isenção definitiva e total, ainda que a mesma não inclua rendimentos que sejam sujeitos a tributação por retenção na fonte com carácter definitivo, excepto quando estejam sujeitas a qualquer tributação autónoma.
3. A análise destas condições é casuística e anual.
4. Encontrando-se reunidos os pressupostos referidos, está essa entidade dispensada da apresentação da declaração modelo 22”
5. Em 18 de Setembro de 2012, através do aviso n.º 003278696, sob o assunto “IRC - Declaração de rendimentos modelo 22", a Entidade Demandada comunicou à Autora o texto cujo conteúdo que abaixo se reproduz (fls. 30 do PA):
Exm° Senhor
No sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não se encontra registada a vossa declaração de rendimentos Modelo 22 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas {IRC}, relativa ao período de 2011, cujo termo do prazo de entrega ocorreu em 2012-05-31 (com exceção dos sujeitos passivos com períodos especiais de tributação).
Sendo obrigatória a apresentação anual da referida declaração, o não cumprimento desta obrigação, para atém de sancionada como contra-ordenação, nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), implica a emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC (CIRC), a qual tem por base o valor anual da retribuição mensal mínima garantida ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do período mais próximo que se encontre determinada. Esta liquidação oficiosa fica, no entanto, prejudicada se, no prazo de 15 dias, vier a ser apresentada a declaração em falta, a qual deve ser obrigatoriamente enviada via internet, no Portal das Finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt).
Relembro que, para efeitos de IRC, a cessação de actividade, por iniciativa do sujeito passivo, ocorre, em regra, na data do registo do encerramento da liquidação ou quando se verificar outra das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 8.º do Código do IRC.
Assim, a apresentação da declaração de rendimentos é obrigatória, ainda que não tenha sido exercida qualquer actividade no respectivo período ou mesmo que tenha sido declarada a cessação de actividade para efeitos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA). Em qualquer destes casos, deve ser inscrito o valor "zero” nos campos de preenchimento obrigatório.
No caso de já ter sido regularizada a falta, queira considerar sem efeito esta comunicação.
Com os melhores cumprimentos.
A Diretora de Serviços
6. Em 26 de Setembro de 2012, a Autora apresentou uma exposição à Entidade Demandada, na qual indicou ser "...entendimento da Exponente que está dispensada da obrigação de entrega da declaração em apreço [modelo 22]…”, requerendo à ATA que "... i) Corrobore o entendimento acima descrito; ii) Considere sem efeito a notificação electrónica de 18 de Setembro de 2012 (aqui em causa) e, consequentemente, iii) Proceda ao arquivamento do respectivo processo de contra-ordenação”, e ainda solicitando "...que seja emitida um decisão que permita o esclarecimento, de forma cabal e definitiva, da situação agora exposta, obviando a futuras notificações respeitantes ao incumprimento da entrega da Declaração Modelo 22” - ênfase no original (doc. 25 e 27 do PA).
7. Por ofício de 08 de Março de 2013, n.º 4348, a Entidade Demandada comunicou à Autora decisão sobre a exposição indicada em F), com o conteúdo que abaixo se reproduz (doc. 4 e 5 do PA):
Relativamente à exposição apresentada por V. Exas, respeitante à obrigatoriedade de entrega da declaração periódica de rendimentos, informa-se que por despacho da Senhora Subdiretora-Geral do imposto sobre o rendimento, de 4.03.2013, por subdelegação de competências, a mesma foi decidida nos seguintes termos:
1 - Períodos de tributação de 2012 e seguintes
A exponente é uma entidade concessionária de jogos de fortuna ou azar, consistindo a exploração de tais jogos a sua atividade principal, em paralelo com a exploração de complexos hoteleiros, atividade incluída e estritamente conexa com a sua atividade principal. No âmbito da concessão, os rendimentos por si obtidos estão sujeitos ao imposto especial de jogo, conforme decorre dos dois contratos efetuados com o Estado Português (Cfr. artºs 1° e 2º da sua exposição).
De acordo com o previsto no artigo 84° da lei n° 422/89, de 2,12, as empresas concessionárias do jogo são obrigadas ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da atividade do jogo, sendo que o exercício de quaisquer outras atividades fica sujeito ao regime geral tributário.
Ora sendo a A………… uma sociedade comercial com sede em território português, estamos em presença de um sujeito passivo de IRC, nos termos do artigo 2°/1-a) do CIRC, sendo que os rendimentos resultantes da atividade de que é concessionária não estão sujeitos a IRC por força do artigo 7° do mesmo Código, uma vez que são tributados em imposto especial de jogo.
Por outro lado, nos termos do atual artigo 117° do CIRC, na redação que lhe foi dada pela lei n.º 20/2012 de 14.05, os sujeitos passivos de IRC são obrigados a apresentar a declaração periódica de rendimentos, estando dispensados de tal obrigação apenas as entidades isentas ao abrigo do artigo 9.º, excepto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma, bem como as entidades não residentes que apenas aufiram, em território português, rendimentos isentos.
Face ao exposto, conclui-se que a A………… está obrigada à apresentação da declaração periódica de rendimentos, nos termos conjugados dos artigos 2°/1-a) e 117° do CIRC, uma vez que as únicas dispensas desta obrigação são as situações constantes dos n.°s 6 e 8 do mesmo artigo, nas quais não se enquadra a exponente.
Acresce que as despesas não documentadas realizadas por entidades concessionárias, no âmbito da atividade do jogo, estão sujeitas à tributação autónoma prevista nos n°s 1 e 2 do artigo 88° do Código do IRC.
Esta tributação não se verifica, apenas, a partir da alteração que foi introduzida ao n° 2 do mesmo artigo (pelo artº 113° da lei n° 64-B/2011, de 30,12), onde é feita a referência, expressa, aos sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7º do CIRC.
Já era entendimento dos serviços que os sujeitos passivos que exercessem a atividade sujeita ao imposto especial de jogo eram tributadas autonomamente pelas despesas não documentadas, uma vez que, sendo despesas relativamente às quais se desconhece a identificação do seu beneficiário bem como a sua natureza, não se consegue saber se as mesmas são, de facto, efetuadas no âmbito das atividades concessionadas,
A referida alteração legislativa apenas teve o efeito de sujeitar, nestas situações, as despesas não documentadas à taxa agravada de 70%,
Assim, à exponente nunca poderia, como é sua pretensão, ser-lhe concedida qualquer dispensa, a título definitivo, da entrega da declaração periódica de rendimentos, uma vez que está sujeita à tributação autónoma das despesas não documentadas e está sujeita a IRC relativamente aos lucros obtidos nas atividades não abrangidas pela concessão do jogo.
E interpretação diversa, como é a da A…………, não tem suporte na letra da lei, já que não pode "ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo cfr. correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (Cfr. art.º 9°/2 do C. Civil),
Pelo que, como a declaração de rendimentos não prevê qualquer campo de “Não sujeição”, no caso de a sociedade A………… obter apenas rendimentos abrangidos pelo imposto especial de jogo e não houver situações abrangidas peias tributações autónomas, deverá apresentar a declaração pelo regime geral com preenchimento a zeros dos campos relativos aos valores.
Quanto ao entendimento da exponente de que, de acordo com os ofícios que lhe foram enviados pela DSIRC, estaria dispensada da obrigação de entrega da declaração a título definitivo, se analisarmos os ofícios respeitantes aos períodos de tributação de 2005 e 2007, que juntou à sua exposição, verifica-se que dos mesmos nunca poderia retirar essa ilação.
De facto, a referência no primeiro ofício de que "caso o sujeito passivo tenha apenas auferido rendimentos não sujeitos a tributação" e no ofício respeitante ao período de 2007 de que “A análise destas condições é casuística e anual", são elucidativos de que a referida dispensa nunca poderia ser a título definitivo, uma vez que a verificação das condições para decidir da dispensa da entrega da declaração tinha de ser efetuada anualmente e de forma casuística.
De qualquer modo, atualmente, a única exceção à regra da obrigatoriedade de entrega da declaração periódica de rendimentos pelas entidades residentes em território português é a prevista no n° 6 do artigo 117° do CIRC, com a redação que lhe foi dada peia referida lei n° 64- B/2011.
2 - Período de tributação de 2011
Relativamente ao período de tributação de 2011, verifica-se que a A………… foi notificada no dia 23.11.2012, através da caixa postal eletrónica Via CTT, da liquidação oficiosa nº 2012 8310016160, com o valor a pagar de €950,60, efetuada nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 90° do Código do IRC por não ter enviado a declaração periódica de rendimentos, pelo que, poderá reclamar ou impugnar a referida liquidação nos termos do artigo 137º do CIRC e 70º e 102° do CPPT, conforme lhe foi notificado,
3 - Conclusões
Face ao exposto, conclui-se que nos períodos de tributação iniciados em 2012 a A………… está obrigada à apresentação da declaração periódica de rendimentos, nos termos conjugados dos artigos 2/1-a) e 117º do CIRC, uma vez que as únicas dispensas desta obrigação são as situações constantes dos n°s 6 e 8 do mesmo artigo, nas quais não se enquadra a exponente.
Pelo que, como a declaração de rendimentos não prevê qualquer campo de “Não sujeição", no caso de a A………… obter apenas rendimentos abrangidos pelo imposto especial de jogo e não houver situações abrangidas pelas tributações autónomas, deverá apresentar a declaração pelo regime geral com preenchimento a zeros dos campos relativos aos valores.
No que respeita ao período de tributação de 2011, a A………… poderá reclamar ou impugnar liquidação oficiosa, nos termos do artigo 137° do CIRC e 70° e 102p do CPPT, conforme lhe foi notificado.
8. Em 14 de Junho de 2013, a presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (fls. 1 dos autos).

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.


2. Do direito
2.1. A questão que vem suscitada no presente recurso é a de saber se uma pessoa colectiva, sob a forma de sociedade comercial, que se dedica à exploração comercial dos jogos de fortuna e azar e a actividades conexas, e que por isso está isenta de IRC nos termos do disposto no artigo 7.º do CIRC, está ou não isenta da obrigação de entregar a declaração anual de rendimentos (modelo 22). Nos autos discutiu-se a existência de tal obrigação em relação aos exercícios fiscais de 2011 e 2012, limitando-se, porém, o âmbito do presente recurso, à questão no ano de 2012, uma vez que a sentença recorrida condenou a Fazenda Pública a emitir acto administrativo que dispensasse a apresentação da declaração de rendimentos no ano de 2011.
De acordo com a sentença recorrida, a diferença de tratamento entre estes exercícios fiscais decorria da alteração legislativa aprovada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, que revogou o n.º 7 do artigo 117.º do CIRC, a norma na qual, em seu entender, se consagrava a não obrigação de apresentação de declaração de rendimentos da Autora.

2.2. Em síntese, a tese subjacente à sentença recorrida é a seguinte: i) a actividade desenvolvida pela Autora não está sujeita a IRC nos termos do artigo 7.º do CIRC, mas sim ao imposto especial do jogo (artigo 84.º e ss do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Setembro); ii) a não subordinação à obrigação de imposto não determina ipso iure a não subordinação à obrigação acessória declarativa de apresentação da declaração anual de rendimentos (artigos 117.º e 120.º do CIRC); iii) a isenção da obrigação declarativa tem de resultar expressamente da lei, desde logo porque a não sujeição a IRC dos rendimentos auferidos pela Autora na sua actividade não determinam a isenção ou a não sujeição a tributações autónomas, que constituem um imposto, embora conexo, diferente do IRC (como veio a estipular-se de forma expressa, no n.º 2 do artigo 88.º do CIRC, na redacção dada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro); iv) a redacção do n.º 7 d artigo 117.º do CIRC Neste artigo podia ler-se o seguinte: “A obrigação referida na alínea b) do n.º 1 [ou seja, a obrigação de Declaração periódica de rendimentos, nos termos do artigo 120.º] não abrange, igualmente, as entidades que, embora exercendo, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, beneficiem de isenção definitiva e total, ainda que a mesma não inclua rendimentos que sejam sujeitos a tributação por retenção na fonte com carácter definitivo, excepto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma”., que vigorou até 31 de Dezembro de 2011, abrangeria também os sujeitos passivos que, como a Autora, não estavam sujeitos a IRC nos termos do n.º 7 do CIRC (no fundo, se a norma isentava da obrigação declarativa os sujeitos passivos isentos da obrigação de impostos, por identidade ou maioria de razão deveria entender-se que isentava também os casos de delimitação negativa da incidência do imposto, como era o caso); v) com a revogação desta norma pelo artigo 7.º da Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, deixou de existir uma base legal para a isenção da obrigação declarativa.

2.3. Este Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se já [acórdão de 6 de Julho de 2016 (proc. 0412/16)] no sentido da ilegalidade de ser liquidado imposto a um sujeito passivo que exercia uma actividade não sujeita a IRC nos termos do artigo 7.º do CIRC como simples consequência de o mesmo não ter apresentado, relativamente ao exercício fiscal de 2012, a declaração modelo 22, Pode ler-se no referido aresto o seguinte:
«[…]
Bem sabendo a AT que a impugnante está abrangida pela norma de exclusão de tributação contida no artigo 7º do CIRC, e que, por consequência, não pode existir matéria colectável real para efeitos de IRC, torna-se indefensável que sustente uma tributação oficiosa assente, unicamente, no facto de ela não ter apresentado a declaração modelo 22, pese embora, na sequência das alterações introduzidas no artigo 117º do CIRC pela Lei nº 20/2012, de 14 de Maio (OE Retificativo), tenham passado a estar obrigadas à entrega da declaração de rendimentos todos os sujeitos passivos de IRC, mormente as entidades que beneficiam de isenção definitiva e total de IRC (A Lei nº 20/2012, de 14 de Maio, revogou o nº 7 do artigo 117º do CIRC, que previa a exclusão da obrigação de apresentação de declaração periódica de rendimentos a entidades isentas do pagamento de IRC.).
Em conclusão, no específico caso da impugnante, e visto que se trata de entidade que, em princípio, não se encontra, sequer, sujeita a tributação em IRC, o incumprimento da obrigação declarativa (mero facto constitutivo de eventual contraordenação sancionada com coima), não pode fundamentar, só por si, uma liquidação oficiosa de IRC, sob pena de violação do princípio constitucional da incidência da tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104º, nº 2, da CRP). E tal obrigação declarativa encontra-se excluída ainda que se considere, em teoria, que a impugnante constitui um sujeito passivo de IRC (por se tratar de sociedade comercial que se encontra coletada para o exercício de actividade comercial), dado que, na prática, todos os seus rendimentos estão legalmente excluídos de tributação em sede de IRC, como a recorrente bem sabe e não questiona neste recurso.
[…]».

2.4. Porém, não é a impugnação de uma liquidação oficiosa de imposto que está em apreciação neste processo, mas tão só saber se existe erro de julgamento do TAF de Aveiro ao considerar que a lei deixou de isentar a autora da obrigação declarativa de apresentação do modelo 22, não podendo, por isso, a Ré ser condenada a dispensá-la da apresentação da declaração de rendimentos no ano de 2012.
Esta interpretação normativa sufragada no acórdão recorrido afigura-se excessiva no plano formal e pouco razoável no plano material, na medida em que a autora, não estando sujeita a tributação em IRC (sublinhe-se, não se trata de uma isenção, mas sim de uma situação de não sujeição ao imposto) pelo exercício da sua actividade económica, teria, contudo, que apresentar anualmente a declaração modelo 22, mesmo quando não tivesse despesas sujeitas a tributações autónomas para declarar. Em outras palavras, para não ficar abrangida pela norma que prevê a aplicação de uma contra-ordenação pela não apresentação da declaração modelo 22, a Autora, mesmo que não tivesse realizado nenhuma despesa sujeita a tributação autónoma, seria ainda assim obrigada a apresentar a declaração de rendimentos com a inscrição de 0€.
Ora, uma tal interpretação não pode proceder. Os princípios da simplificação e da boa fé que informam as relações jurídicas tributárias afastam a prática de actos inúteis com carácter obrigatório sempre que os mesmos não resultem de uma obrigação legal expressa, como é o caso aqui a respeito da obrigação de apresentação da declaração de rendimentos de um imposto, por parte de um sujeito passivo que não está abrangido por ele. E esta solução não é contrariada por nenhuma norma legal, designadamente pelo disposto no artigo 117.º do CIRC, onde apenas se regula a obrigação declarativa dos sujeitos passivos de IRC.
É que embora a autora seja sujeito passivo de tributações autónomas quando realize despesas previstas no artigo 88.º do CIRC – imposto que é liquidado conjuntamente com o IRC – e essas despesas devam ser declaradas através da apresentação do modelo 22, tal não é suficiente para impor a apresentação periódica daquela declaração, mesmo que no período não tenha havido nenhum despesa daquele tipo.
No fundo, vale para a situação dos sujeitos cuja actividade não está abrangida pela incidência do imposto o regime jurídico que vale para os sujeitos passivos que estão abrangidos pela isenção da obrigação declarativa: quer uns, quer outros, estão obrigações a apresentar a declaração modelo 22 apenas e quando tenham tributações autónomas no exercício fiscal.
Em suma, por a autora não estar abrangida pela incidência do IRC ex vi do artigo 7.º do CIRC e por a obrigação declarativa estipulada no artigo 117.º do CIRC se reportar aos sujeitos passivos desse imposto, há que concluir que a autora não estava obrigada a entregar a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2012 se naquele período não tivesse realizado despesas sujeitas a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC.
A Fazenda Pública só pode exigir a apresentação da declaração modelo 22 aos sujeitos passivos que estejam na situação do artigo 7.º do CIRC quando estes tenham efectuado, no exercício em causa, despesas sujeitas a tributação nos termos do artigo 88.º do CIRC.

2.5. No caso, não resulta da matéria dada como provada a inexistência de tributações autónomas no ano de 2012, pelo que têm os autos que baixar ao TAF de Aveiro para averiguar esse facto e, em consonância com o aqui decidido, julgar o pedido da acção administrativa.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Aveiro para averiguar se no exercício de 2012 a Autora tinha realizado despesas sujeitas a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC, para, em face disso, condenar a Fazenda pública a dispensar a Autora da apresentação da declaração modelo 22 relativamente àquele exercício fiscal ou absolver a Entidade Demandada do pedido.

Custas pela Recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário], que não paga taxa de justiça porque não contra-alegou.


Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (vencido conforme declaração de voto em anexo) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.

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Vencido.

Entendo que, relativamente ao exercício de 2012, a recorrente não podia ser dispensada, pela autoridade tributária e aduaneira (AT), de entregar declaração de rendimentos.

O enquadramento legal, à data, era, objetivamente, claro, nessa exigência, que, in casu, não se mostra adequado contornar com o apelo aos “princípios da simplificação e da boa fé que informam as relações jurídicas tributárias (e) afastam a prática de actos inúteis com carácter obrigatório sempre que os mesmos não resultem de uma obrigação legal expressa,…”.

Efetivamente, a Lei n.º 20/2012 de 14 de maio (com início de vigência no dia seguinte) não só revogou no n.º 7 do artigo (art.) 117.º « A obrigação referida na alínea b) do nº 1 não abrange, igualmente, as entidades que, embora exercendo, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, beneficiem de isenção definitiva e total, ainda que a mesma não inclua rendimentos que sejam sujeitos a tributação por retenção na fonte com carácter definitivo, excepto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma. », como, concomitantemente, alterou o n.º 6 do mesmo normativo, que passou a dispor: “A obrigação a que se refere a alínea b) do n.º 1 não abrange as entidades isentas ao abrigo do artigo 9.º, exceto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma. Na redação, imediatamente, anterior: “A obrigação a que se refere a alínea b) do nº 1 não abrange, excepto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma, as entidades que, não exercendo a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola:

a) Não obtenham rendimentos no período de tributação;
b) Obtendo rendimentos, beneficiem de isenção definitiva, ainda que a mesma não inclua os rendimentos de capitais e desde que estes tenham sido tributados por retenção na fonte a título definitivo;
c) Apenas aufiram rendimentos de capitais cuja taxa de retenção na fonte, com natureza de pagamento por conta, seja igual à prevista no nº 5 do artigo 87º.”.. Ou seja, o legislador, apenas, decidiu dispensar da apresentação de declaração periódica de rendimentos, o Estado, Regiões Autónomas, autarquias locais… e instituições de segurança social, mas, não, entre outras, as entidades que auferissem rendimentos diretamente resultantes do exercício de atividade sujeita ao imposto especial de jogo.
Só a partir de 1 de janeiro de 2018, a lei Art. 117.º n.º 6 alínea b), na redação conferida pela Lei n.º 114/2017 de 29 de dezembro. instituiu a dispensa de apresentação da declaração periódica de rendimentos, para “As entidades que apenas aufiram rendimentos não sujeitos a IRC, exceto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma.”.

Por estas razões, sinteticamente alinhadas, decidiria negar provimento ao recurso.


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[ Redigi em meio informático e revi ]

Lisboa, 14 de outubro de 2020

Aníbal Ferraz