Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0182/16.0BEAVR
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
INSOLVÊNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Sumário:I - A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
II - A possibilidade de prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada depois da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, tem hoje consagração legal expressa no artº.23, nº.7, da L.G.T.
III - A norma constante do artº.100, do C.I.R.E., aprovado pelo dec.lei 53/2004, de 18/03, não suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo de execução fiscal, uma vez que a mesma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral.
IV - O artº.100, do C.I.R.E., interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28396
Nº do Documento:SA2202110270182/16
Data de Entrada:01/10/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Aveiro, constante a fls.130 a 136 do processo físico, a qual julgou procedente a presente oposição a execução fiscal, deduzida pelo ora recorrido, A…………, executado por reversão no âmbito da execução fiscal nº.0167-2005/100554.5, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de S. João da Madeira, propondo-se a cobrança coerciva de dívida de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2003 e no montante total de € 40.520,57, já incluindo juros de mora.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.139 a 145 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 30/09/2018, que julgou procedente a oposição à execução fiscal, por prescrição da quantia exequenda, com todas as consequências legais;
2-Para assim decidir, o Tribunal “a quo”, desconsiderou o efeito suspensivo da prescrição com base no disposto no artigo 100.º do CIRE quando aplicado a dívidas tributárias revertidas contra responsáveis subsidiários do insolvente, porque seguiu o entendimento sufragado pelo TC no Acórdão n.º 362/2015, datado de 09/07/2015, proferido no âmbito do processo n.º 760/14, e pelo Supremo Tribunal Administrativo nos Acórdãos de 07/10/2015 e 13/01/2016, proferidos nos processos n.º 0115/14 e 1402/14;
3-A Fazenda Pública não se pode conformar com a douta decisão do Tribunal “a quo” que entendeu não aplicar o artigo 100.º do CIRE como causa suspensiva da prescrição, imputável ao devedor subsidiário, porque, com o devido respeito, o TC não decidiu que a declaração de insolvência da devedora originária não constitui facto suspensivo da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário;
4-Esta decisão constitucional foi proferida num processo em concreto, na sequência de um conjunto de alegações específicas, só produzindo efeitos nesse mesmo processo, carecendo de força obrigatória geral;
5-E o douto Tribunal “a quo” aplica-a como se a mesma tivesse força obrigatória geral;
6-Mas inexiste decisão do TC, com força obrigatória geral, que declare a inconstitucionalidade orgânica do artigo 100.º do CIRE;
7-Ao desconsiderar a declaração de insolvência da devedora originária como causa suspensiva da prescrição, extensível ao devedor subsidiário, declarando, em consequência, a prescrição da quantia exequenda, o Tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação dos artigos 100.º do CIRE, 48.º e 49.º da LGT e 321.º, n.º 1 do CC;
8-O artigo 100.º do CIRE dispõe: “A sentença de declaração de insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.”;
9-Este normativo não contende com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias, consagrado nos artigos 48.º e 49.º da LGT, pois, não é especificamente dirigido às dívidas tributárias, antes, abrange todos os credores, tendo em vista a melhor satisfação possível dos seus créditos, constituindo este o objetivo precípuo do processo de insolvência;
10-E, não configura nenhum regime inovatório. Constitui corolário de um princípio geral segundo o qual a prescrição se suspende durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito – cfr. artigo 321.º, n.º 1 do CC;
11-Tal princípio geral vale também no direito tributário. Encontrando-se o titular do direito impossibilitado de lançar mão da execução fiscal, entender-se que, mesmo assim, contra ele correriam os prazos de prescrição seria uma solução adversa aos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé;
12-Por isso, tal como sucedeu na situação tratada no Acórdão do TC n.º 280/2010, “nenhum motivo existe também aqui para uma intervenção parlamentar, quando o que está em causa é igualmente a definição de uma solução jurídica exigida pela própria lógica do regime de insolvência e que se encontra justificada à luz de um princípio geral de direito (artigo 321.º, n.º 1, do Código Civil).”;
13-O artigo 100.º do CIRE não visa directa e imediatamente os créditos tributários, antes se caracteriza como uma solução própria do processo de insolvência, razão pela qual, não interfere com matéria garantística de reserva de lei fiscal prevista no artigo 103.º, n.º 2 da, CRP;
14-Neste sentido se pronunciou o próprio TC, nos Acórdãos nos quais a sentença “a quo” se sufraga, onde escreve: “(…) Ponto é que a disciplina do artigo 100.º do CIRE não visa direta e imediatamente os créditos tributários, mas a generalidade dos créditos sobre a massa insolvente, apresentando-se como uma solução imposta pelo caráter universal da execução em que se tende a traduzir o processo de insolvência e pela necessidade de assegurar no âmbito do mesmo a igualdade entre os credores da insolvência, sem prejuízo do valor e da hierarquia dos respetivos créditos. Nessa medida, “a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor” surge como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência tal como conformado pelo legislador, não se relacionando com a função garantística da reserva de lei fiscal. A suspensão de prazos em apreço é inerente às soluções normativas conformadoras do processo de insolvência, não introduzindo qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição e de caducidade). E a contraprova da racionalidade sistémica da inclusão dos créditos tributários titulados pela Administração fiscal no âmbito de aplicação do artigo 100.º do CIRE é a de que uma sua eventual exclusão redundaria num injustificável benefício para os demais credores da insolvência e num não menos injustificável prejuízo para o interesse público. (…);
15-É o próprio TC que nos referidos Acórdãos admite que o artigo 100.º do CIRE não contende com a matéria de “garantia dos contribuintes”;
16-Solução que a Fazenda Pública subscreve na íntegra. Até porque, solução inversa conduziria à seguinte conclusão: a declaração de insolvência da devedora originária constitui causa suspensiva da prescrição das dívidas tributárias, não contendendo com matéria garantística de reserva de lei fiscal quando imputável ao devedor originário; mas tal causa suspensiva já contende com matéria de “garantia dos contribuintes” quando imputável ao devedor subsidiário;
17-Conclusão que não teria qualquer coerência jurídica, principalmente, porque, não nos parece que a natureza de matéria de “garantia dos contribuintes” varie consoante o tipo de sujeito passivo seja ele o contribuinte directo, substituto ou responsável – cfr. artigo 18.º, n.º 3 da LGT;
18-Esclarecida esta posição, o TC atento o facto de a suspensão decorrente do artigo 100º do CIRE não impedir a Administração fiscal de efectivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal, com fundamento na fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal (cfr. artigo 23.º, n.ºs 1 e 2 da LGT) – escreve: “(…) Justifica-se, por conseguinte, uma apreciação diferenciada da norma do artigo 100.º do CIRE quando da mesma se façam decorrer efeitos imediatos que afetem outros sujeitos que não os credores da insolvência e o devedor insolvente, como é o caso de um responsável subsidiário nos termos da legislação fiscal. A questão a equacionar à luz da interpretação daquele normativo feita na decisão recorrida - e que neste processo de fiscalização concreta constitui um dado – é, assim, a dos efeitos que podem advir da declaração de insolvência para tal responsável subsidiário pelo pagamento da dívida fiscal do devedor insolvente. (…) ”;
19-É nesta apreciação diferenciada do artigo 100.º do CIRE que o TC acaba por concluir:
“(…) Embora o artigo 100.º do CIRE não contenha, no seu teor literal, disciplina especialmente dirigida às dívidas tributárias, o certo é que a interpretação com que o mesmo foi aplicado no presente caso ao recorrente pressupõe que o mesmo preceito preveja uma causa de suspensão da prescrição em virtude da declaração de insolvência, adicional àquelas que se encontram previstas na LGT. E essa nova causa de suspensão teve repercussão direta no prazo de prescrição invocável pelo recorrente na qualidade de responsável subsidiário. Assim, embora não traduzindo uma modificação do regime geral da prescrição, a interpretação normativa do artigo 100.º do CIRE acolhida pelo tribunal a quo originou necessariamente, ao menos no que se refere aos responsáveis subsidiários, uma nova causa de suspensão do referido prazo, não decorrente do regime geral aplicável nem de qualquer outra norma produzida ou autorizada pela Assembleia da República, enquanto órgão constitucionalmente habilitado a legislar nesta matéria. Por isso, conclui-se sem margem para dúvidas que tal interpretação contende com matéria integrada nas garantias dos contribuintes, para os efeitos do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição. (…) ”;
20-O que está em causa nos presentes autos não é a interpretação do artigo 100.º do CIRE enquanto norma da qual, como entende o TC, advém uma causa de suspensão da prescrição em virtude da declaração de insolvência adicional, àquelas que se encontram previstas na LGT, no que se refere aos responsáveis subsidiários;
21-Aliás, inexiste uma causa de suspensão adicional às previstas na LGT;
22-No caso em concreto, existe, tão-só, uma causa de suspensão da prescrição: a declaração de insolvência da sociedade devedora originária prevista no artigo 100º do CIRE, normativo integrado no Título IV, Capítulo III, respeitante aos efeitos da declaração de insolvência sobre os créditos;
23-A declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição dos créditos, no que ao caso releva, dos créditos tributários;
24-Com a declaração de insolvência da devedora originária, o único efeito que ocorreu, em cumprimento do artigo 100.º do CIRE, foi a suspensão da prescrição dos créditos tributários;
25-A extensão desse efeito ao devedor subsidiário, não resulta da interpretação do artigo 100.º do CIRE, contrariamente ao entendido pelo TC e pelo Tribunal “a quo”;
26-O aproveitamento desse efeito quanto ao devedor subsidiário, aqui recorrido, decorre da aplicação do artigo 48.º, n.º 2 da LGT que estipula: “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.”;
27-O artigo 100.º do CIRE apenas produz efeitos quanto aos créditos tributários, cujo prazo de prescrição se suspende aquando da declaração de insolvência. É este o único efeito decorrente deste normativo legal;
28-A extensão de tal causa de suspensão ao devedor subsidiário, aqui recorrido, não resulta de qualquer interpretação do artigo 100.º do CIRE, mas apenas da aplicação do artigo 48.º, n.º 2 da LGT;
29-Porque decorre do artigo 100.º do CIRE que a declaração de insolvência constitui causa suspensiva da prescrição dos créditos tributários, deverá tal facto ser atendido pelo Tribunal “a quo” e, em consequência, admitir-se a suspensão do prazo de prescrição das dívidas tributárias em cobrança coerciva nos presentes autos.
X
O opoente e ora recorrido produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.152 a 157 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
I-A decisão não merece qualquer reparo ou censura, porquanto - como bem sintetizou o douto Tribunal a quo - não se verificaram quaisquer causas interruptivas ou suspensivas do prazo de prescrição da dívida exequenda em relação ao revertido, ora recorrido;
II-No dia 23 de outubro de 2018, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 557/2018, no processo nº418/18, decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100º do CIRE, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165º nº1 alínea i), da Constituição da República Portuguesa, falecendo assim o único fundamento invocado pela Recorrente;
III-O artigo 103º nº2 da CRP determina que à lei que cria os impostos, cabe definir as garantias dos contribuintes, sendo que esta lei será forçosamente uma lei ou formal ou um decreto-lei autorizado, nos termos da alínea i) do artigo 165º da CRP;
IV-A prescrição da obrigação tributária consubstancia um meio de defesa do contribuinte para com o credor do imposto, uma vez que a sua invocação impede a cobrança, delimitando assim os poderes da Administração;
V-O artigo 8º nº2 a) da Lei Geral Tributária sujeita ao princípio da legalidade tributária (e como tal integra no âmbito material e formal da reserva de lei), a prescrição e a caducidade, sendo inequívoca a sua qualificação como garantias dos contribuintes;
VI-Constituindo a prescrição das dívidas tributárias uma proteção dos sujeitos passivos para com a administração fiscal, protegendo-os contra pretensões de cobrança de impostos, está a sua disciplina inelutavelmente abrangida pela reserva de lei da Assembleia da República (reserva de lei formal), com natural relevância para as suas causas de suspensão;
VII-A integração da prescrição tributária na reserva de lei formal encontra respaldo jurisprudencial, quer na jurisdição infraconstitucional (designadamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de novembro de 2009, processo nº 629/2009), quer na jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdão nº 280/2010);
VIII-A disciplina das causas de suspensão e interrupção integra o âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia República, uma vez que é inerente à regulação da prescrição tributária;
IX-O Governo apenas poderá regular tal matéria se devidamente autorizado para o efeito;
X-A Lei nº 39/2003, de 22 de agosto, nomeadamente o seu artigo 1º, nº3, alínea a), não habilitou o Governo a determinar a suspensão da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário por força da declaração de insolvência do devedor principal;
XI-A teleologia do processo de insolvência (e consequentemente da suspensão da prescrição nos termos do artigo 100º do CIRE) nunca poderia ser argumento para que a suspensão da prescrição fosse aplicada ao responsável subsidiário, uma vez que a declaração de insolvência do devedor principal não impede os credores de prosseguirem a execução contra outros (cfr. artigo 88º nº2 CIRE);
XII-A suspensão decorrente do artigo 100º do CIRE não impede a administração fiscal de efetivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal;
XIII-O decretamento da insolvência da sociedade devedora originária não tem virtualidade de suspender o prazo de prescrição relativamente ao aqui Recorrido;
XIV-A dívida exequenda reporta-se ao IRC do ano de 2003, sendo o prazo de prescrição de 8 anos, conforme determina o artigo 48º da LGT, o qual, estando em causa um imposto de obrigação periódica, conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, ou seja, desde 01.01.2004;
XV-A interrupção da prescrição relativamente ao devedor originário não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste para o processo de execução fiscal for efetuada após o 5º ano posterior ao da liquidação;
XVI-No caso sub judice, a citação do Recorrido teve lugar após o 5º ano posterior ao da liquidação, não produzindo efeitos em relação a si uma eventual citação da devedora originária (cfr. artigo 48º nº3 da LGT);
XVII-A dívida exequenda encontra-se prescrita relativamente ao aqui Recorrido;
XVIII-A douta sentença do Tribunal a quo não merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se “in totum”!
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.166 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.169 e 175 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.131 a 133 do processo físico):
1-Em 29.01.2001, foi outorgado um contrato com a denominação “Constituição de Sociedade”, com o seguinte teor:
“PRIMEIRO: - B………… (…).
SEGUNDO: - C………… (…)
TERCEIRO: - A………… (…)
E PELOS OUTORGANTES FOI DITO:
Que, pela presente escritura, celebram entre si um contrato de sociedade comercial por quotas, que fica a reger-se nos termos e condições constantes dos artigos seguintes:
(…)
Artigo 4º.
A gerência e representação da sociedade competem a todos os sócios, que desde já ficam nomeados, tendo o gerente A………… a necessária capacidade profissional.
[…]”.
[cfr. fls. 43/45 dos autos];
2-Da certidão do registo da Conservatória do Registo Comercial de S. João da Madeira, referente à sociedade D…………, LDA. consta o seguinte:
[…]
Ap. 04/20010829 – CONTRATO DE SOCIEDADE
(…) gerência: compete a todos os sócios, já nomeados gerentes.
[…]
Av. 1. Ap.01/20051117 – CESSAÇÃO DE FUNÇÕES do gerente A………… – por carte de renúncia de 2005.06.11.”.
[cfr. fls. 46/47 dos autos];
3-Contra a sociedade D…………, LDA. – SOCIEDADE EM LIQUIDAÇÃO, NIPC ………, devedora originária, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de S. João da Madeira o processo de execução fiscal n.º 0167200501005545, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRC relativas ao ano de 2003, no montante 29 869,11 €. – cfr. fls. 35 dos autos;
4-Serve de base à execução referida no ponto anterior a certidão de dívida n.º 2005/48413, da qual consta como data para pagamento voluntário 23.02.2005. - cfr. fls. 36 dos autos, cujo teor se tem por reproduzido;
5-A sociedade devedora originária foi declarada insolvente por sentença proferida em 27.06.2006, no âmbito do processo de insolvência n.º 440/06.1TBSJM, a correr termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da S. João da Madeira. – cfr. fls. 48/49 dos autos;
6-Em 17.01.2013 foi proferida decisão judicial de encerramento do processo de insolvência. – cfr. fls. 48/49 dos autos;
7-Em 23.12.2013, foi proferido o despacho de reversão contra o Oponente. – cfr. fls. 68/69 dos autos cujo teor se tem por reproduzido;
8-O Oponente foi citado, na qualidade de devedor subsidiário, para o processo de execução fiscal, em novembro de 2015. – cfr. fls. 81 dos autos; facto não controvertido [cfr. artigo 8.º da petição inicial];
9-Em 11.12.2015, foi remetida ao Serviço de Finanças S. João da Madeira, via correio eletrónico, a petição inicial que deu origem aos presentes autos de oposição. – cfr. fls. 7/8 dos autos.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Para além dos supra referidos, não foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…teve por base a análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente a presente oposição a execução fiscal, em virtude da declaração de prescrição da dívida exequenda, quanto ao opoente/revertido, em consequência do que declarou a extinção da execução fiscal face ao mesmo.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que o artº.100, do C.I.R.E., não contende com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias, consagrado nos artºs.48 e 49, da L.G.T. Que o citado normativo do C.I.R.E. constitui corolário de um princípio geral de direito segundo o qual a prescrição se suspende durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, conforme estatui o artº.321, nº.1, do C.Civil. Que a extensão da causa de suspensão ao devedor subsidiário, aqui recorrido, não resulta de qualquer interpretação do citado artº.100, do C.I.R.E., mas apenas da aplicação do artº.48, nº.2, da L.G.T. Que ao desconsiderar a declaração de insolvência da devedora originária como causa suspensiva da prescrição, extensível ao devedor subsidiário, em consequência do que julgou verificada a prescrição da quantia exequenda quanto a este, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação dos artºs.100, do C.I.R.E., 48 e 49, da L.G.T., e 321, nº.1, do C.Civil (cfr.conclusões 1 a 29 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P. Tributário).
A possibilidade de prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada depois da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, tem hoje consagração legal expressa no artº.23, nº.7, da L.G.T. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/05/2016; rec.1017/14; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/02/2019; rec. 216/14.2BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/02/2020; rec.105/15.3BESNT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/07/2021; rec.410/20.7BEPNF).
No caso “sub iudice”, entendeu o Tribunal “a quo” que a dívida exequenda, de I.R.C. relativo ao ano de 2003, porque imposto periódico, de periodicidade anual, sendo que o prazo de prescrição teve o seu termo inicial no início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, ou seja, em 01/01/2004. Mais concluiu a sentença recorrida que se o devedor subsidiário for citado após o 5º.ano subsequente ao da liquidação, o prazo de prescrição não se interrompe por qualquer causa relativa ao devedor originário, conforme aconteceu no caso dos autos (cfr.nºs.3 e 8 do probatório supra). Já quanto aos vectores suspensivos do prazo de prescrição, levando em consideração a jurisprudência do Tribunal Constitucional incidente sobre a norma constante do artº.100, do C.I.R.E., aprovado pelo dec.lei 53/2004, de 18/03, igualmente não ocorreram causas suspensivas em relação ao revertido e ora recorrido até Novembro de 2015, mês em que foi citado para o processo de execução fiscal (cfr.nº.8 do probatório supra), sendo que, nessa data há muito que tinha ocorrido o termo final do prazo de prescrição de oito anos.
Avançando.
Deve vincar-se, antes de mais, que na ausência de causas de interrupção e de suspensão, o termo final do prazo de prescrição respeitante à dívida exequenda de I.R.C., relativo ao ano fiscal de 2003, ocorreria em 31 de Dezembro de 2011 (cfr.artº.48, nº.1, da L.G.T.; artº.279, al.c), do C.Civil).
Por outro lado, recorde-se que o Tribunal Constitucional decidiu “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa” (cfr.ac.Tribunal Constitucional 577/2018, de 23/10/2018, processo 418/18).
Assim, toda a alegação da recorrente assente no pressuposto da inexistência de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, deixou de fazer sentido.
Abreviando razões, subscreve-se integralmente a jurisprudência deste Tribunal e Secção sobre a matéria:

“(…) o Tribunal Constitucional não acolheu os argumentos que o Supremo Tribunal Administrativo tinha esgrimido, no sentido de que o disposto no art. 100.º do CIRE é uma emanação do princípio geral consagrado no art. 321.º do CC – de que deve suspender-se o prazo prescricional pelo período por que o credor está impedido de exercer o seu direito de crédito -, motivo por que não constitui uma nova causa de suspensão do prazo, e nem sequer visa directa e imediatamente os créditos tributários, mas a generalidade dos créditos, surgindo como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência, motivo por que não fica sujeito às exigências constitucionais de reserva de competência relativas às garantias dos contribuintes [cfr. arts. 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP].
Ao invés, o Tribunal Constitucional pôs a tónica do facto de se estar perante um responsável pela dívida tributária a título subsidiário e que não é parte do processo de insolvência do devedor originário. Salientou igualmente que a suspensão decorrente do art. 100.º do CIRE não impede a AT de efectivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal, com fundamento na “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal” (art. 23.º, n.ºs 1 e 2 da LGT), contra o devedor subsidiário, ainda que a execução contra este devedor subsidiário não possa prosseguir sem que se mostre excutido o património do devedor originário. No entanto, o facto de ser projectada a reversão da dívida do devedor originário para o responsável subsidiário ainda antes da excussão do património do devedor originário permite àquele tomar consciência da clara possibilidade de vir a ser responsabilizado pelo pagamento da dívida que não for paga pelo devedor principal e de, assim, dar início à organização da sua defesa.
Entendeu, assim, o Tribunal Constitucional que o art. 100.º do CIRE tem que ser interpretado de forma diferenciada, quando do mesmo decorram efeitos imediatos que afectem outros sujeitos que não o insolvente/devedor originário e os credores da insolvência, como é o caso do devedor subsidiário nos termos da legislação fiscal, que não foi declarado insolvente, pelo que considera não poder aplicar-se a argumentação aduzida pelo Supremo Tribunal Administrativo no que respeita à suspensão do prazo prescricional poder resultar do princípio contido no art. 321.º do CC.
Depois, o Tribunal Constitucional, considerando que as causas de interrupção do prazo de prescrição se situam no âmbito das garantias dos contribuintes para os fins previstos no art. 103.º, n.º 2, da CRP, subscreveu o entendimento de que, «embora não traduzindo uma modificação do regime geral da prescrição, a interpretação normativa do artigo 100.º do CIRE acolhida pelo Tribunal a quo originou necessariamente, ao menos no que se refere aos responsáveis subsidiários, uma nova causa de suspensão do referido prazo, não decorrente do regime geral aplicável, nem de outra norma produzida ou autorizada pela Assembleia da República […]».
Com base nesse entendimento, concluiu que o Governo não estava autorizado a criar essa nova causa de suspensão, pois da Lei de Autorização n.º 39/2003, de 22 de Agosto, áxime do n.º 2 e das alíneas a), b) e h) do n.º 3 do seu art. 1.º, nada se retira quanto à matéria relativa às consequências decorrentes do processo especial de insolvência para o Estado, nem quanto à matéria da prescrição de dívidas fiscais, motivo por que o Governo carecia de autorização parlamentar para legislar sobre aquela matéria (cfr. art. 165.º, n.º 2, da CRP).
Em suma, o Tribunal Constitucional utilizou uma nova perspectiva na análise da questão: «o problema era o de saber se a aplicação do art. 100.º do CIRE ao cômputo da prescrição invocável pelo responsável subsidiário do contribuinte directo cuja insolvência é declarada contende com o regime da respectiva prescrição tributária e, consequentemente, com o regime das suas garantias enquanto contribuinte». Sob essa perspectiva e atendendo às opções de que dispõe a AT, nomeadamente a reversão fiscal, e, ainda, à lei de autorização legislativa concedida ao Governo, concluiu o Tribunal Constitucional que o art. 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica.
(…)
Há, pois, que acatar a decisão do Tribunal Constitucional, que se impõe com força obrigatória geral, sendo que o juízo de inconstitucionalidade, ainda que formulado após a prolação da sentença, impõe-se-lhe, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional (art. 282.º, n.º 1 da CRP).
(…)
(cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/01/2019, rec.678/17.6BEAVR; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/01/2019, rec.708/17.1BEAVR; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/06/2019, rec.167/17.9BESNT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/03/2021, rec.997/12.8BEBRG).
Com estes pressupostos, o Tribunal confirma a sentença recorrida, no que diz respeito à ocorrência do termo final do prazo de prescrição da dívida exequenda, dado não ter sobrevindo, entretanto, qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição previstas na L.G.T., visto que a citação do opoente/revertido e ora recorrido somente se verificou em Novembro de 2015 (cfr.nº.8 do probatório supra).
Em conclusão, a decisão recorrida não padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado (errada interpretação e aplicação dos artºs.100, do C.I.R.E., 48 e 49, da L.G.T., e 321, nº.1, do C.Civil).
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento à apelação e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.