Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0364/14
Data do Acordão:06/21/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL
CIRCULAR
Sumário:As orientações administrativas veiculadas sob a forma de circular da Administração Tributária, não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam e carecendo de força vinculativa heterónoma para os particulares, não constituem normas que possam ser objecto de declaração de inconstitucionalidade formal.
Nº Convencional:JSTA00070240
Nº do Documento:SA2201706210364
Data de Entrada:03/24/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPC96 ART150 N2 B.
CPC13 ART614 N1 N2 ART679.
EBFISC01 ART31 N2 ART32 N2.
LGT98 ART68 N3 ART59 N3.
CONST76 ART103 ART104.
DSIRC CIRCULAR 7/2004.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0227/16 DE 2017/02/08.; AC STA PROC01229/15 DE 2017/05/31.; AC TC 583/2009 DE 2009/11/18.; AC TC 42/14 DE 2014/12/09.
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 6ED PÁG197.
DIOGO CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LGT COMENTADA E ANOTADA 3ED PÁG344.
ABRANTES GERALDES - RECURSOS NCPC PÁG341.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A Fazenda Pública vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, SGPS, melhor identificada nos autos, contra o acto de autoliquidação do IRC referente ao exercício de 2007.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por A……….., SGPS, S.A. do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2007, pretendendo a recorrente Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.
II. O objecto do presente recurso prende-se com a análise a duas questões:
a) a tempestividade da apresentação da reclamação graciosa por parte da agora recorrida;
b) a invocada inconstitucionalidade formal da Circular 7/2004, de 30 de Março.
TEMPESTIVIDADE DA APRESENTAÇÃO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA
III. O douto Tribunal a quo considerou tempestiva a reclamação graciosa apresentada em 01/06/2010 contra a autoliquidação referente à declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, de 2007, por sua vez apresentada em 30/05/2008.
IV. Para tanto, considerou como provada a factualidade, cujo acerto não se põe em causa, elencada nas páginas 16 a 18 da sentença, e para a qual se remete.
V. Ainda que a exceptio da intempestividade da apresentação da reclamação graciosa não tivesse sido suscitada em sede de contestação — e independentemente da posição assumida pela Fazenda Pública e/ou dos fundamentos por esta aduzidos — temos por assente que se trata de uma questão de conhecimento oficioso, em qualquer fase do processo, na medida em que a impugnação judicial apenas será tempestiva se a reclamação graciosa que a preceder também o for.
VI. Considerou o douto Tribunal a quo que a impugnante dispunha do prazo de 2 anos, a contar da entrega da declaração, para apresentar a aludida reclamação graciosa.
VII. O erro de julgamento de direito que aqui se imputa à douta sentença reside na consideração de que aquele prazo de 2 anos — peremptório e de natureza substantiva— foi respeitado por parte da aqui recorrida.
VIII. Com efeito, tendo a declaração sido apresentada em 30/05/2008, o prazo de 2 anos — ainda que se considere ter iniciado no dia seguinte (31/05/2008) — terminou às 24 horas do dia correspondente no ano de 2010, ou seja, no dia 31/05/2010 (segunda-feira) — cfr. artigo 279.º n.º 1 alínea c) do CC e artigo 20.º n.º 1 do CPPT.
IX. Constando da matéria de facto dada como provada (alínea D), com base nos documentos carreados para os autos (fls. 3 e 75 do PA), que a reclamação graciosa foi apresentada no dia 01/06/2010, não foi dado cumprimento àquele mesmo prazo, pelo que a mesma só poderia ter sido considerado pelo douto Tribunal a quo como intempestiva,
X. Não sendo aplicável o disposto no então artigo 144.º do CPC (actual 138.º), na medida em que tal normativo apenas se aplica aos prazos adjectivos previstos no n.º 2 do artigo 20.º do CPPT.
XI. Sendo aquele prazo de natureza substantiva, de caducidade, peremptório e de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo, uma vez que estão em causa direitos indisponíveis da Fazenda Pública, consubstancia uma excepção dilatória, de tipo impeditivo do exercício do respectivo direito de acção, conducente à absolvição da instância por parte da Fazenda Pública.
XII. Por conseguinte, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito e violou, por erro de aplicação e de interpretação, o disposto no n.º 1 do artigo 131.° e no n.º 1 do artigo 20.º, ambos do CPPT, bem como o disposto no artigos 576.° n.º 2, 577.° e 578.°, todos do Código de Processo Civil, na alínea h) do n.º 1 do artigo 89.° do CPTA e alínea c) do n.º 1 do artigo 279.° do CC, aplicáveis aos autos ex vi alínea e) do art. 2° do CPPT, devendo assim, ser revogada, com as legais consequências.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA CIRCULAR 7/2004. DE 30 DE MARÇO.
XIII. O douto Tribunal acabou, ainda assim, por concluir pela imputação à Circular em causa de “vício de inconstitucionalidade formal, por violar os princípios da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103.º n°2 e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP” (pág. 28 da sentença).
XIV. Assim, procuraremos demonstrar que:
a) a Circular 7/2004 não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade e,
b) ainda que assim não fosse, incumbiria ao douto Tribunal a quo apurar se a autoliquidação está ou não conforme o previsto no artigo 32.° do EBF para, assim, efectuar um juízo de legalidade ou ilegalidade de tal acto.
XV. Ora, o douto Tribunal a quo parte da seguinte premissa “o artigo 32.° [do EBF] não dispõe quanto à forma como se devem concretizar os encargos financeiros associados a aquisições de participações sociais”, pelo que “a Circular 7/2004, de 30 de Março veio estabelecer, no seu ponto 7, um método que permite a afectação dos passivos aos diferentes activos das SGPS’s” o que colide com os “princípios da legalidade e reserva formal da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103.º n.º2 e 165.º n°1 alínea i) da CRP”, os quais “estabelecem a regra de reserva de lei para a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos, não podendo os mesmos deixar de constar de diploma legislativo”.
XVI. Conclui o douto Tribunal que a Circular 7/2004, na medida em que introduz “uma métrica para quantificar os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, afecta a medida da tributação do contribuinte” e, consequentemente, acaba por desenvolver “o conteúdo da norma de incidência objectiva de IRC”, sendo, assim, “é formalmente inconstitucional, por não constar de diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva de lei formal da Assembleia da República” (pág. 25 da sentença).
XVII. Com o devido respeito que tal decisão nos merece, não podemos perfilhar o entendimento agora sintetizado.
XVIII. Entre os princípios consagrados na denominada “Constituição Fiscal” avulta o princípio da legalidade (n.º 2 do artigo 103.º da CRP).
XIX. O douto Tribunal recorrido considerou que a Administração desenvolveu o conteúdo da norma de incidência objectiva de IRC e, como tal, realiza uma “ilegítima regulação da incidência do imposto”.
XX. Impõe-se, portanto, saber se a Administração extravasou as suas competências ou se, face à indeterminação legal do artigo 32.º n.º 2 do EBF, se limitou a concretizar aquela norma, de molde a diminuir o grau de incerteza no que se refere à aplicação daquele regime.
XXI. É certo que o legislador, ao elaborar o texto do artigo 32.º do EBF, não definiu qualquer método de afectação dos encargos financeiros — no entanto, tal indeterminação legal não preclude a possibilidade de a Administração emanar orientações genéricas como a que se pôs em crise nos presentes autos.
XXII. É que “a administração fiscal tem uma tarefa de conformação das situações da vida em concreto, através de uma margem de livre apreciação, nomeadamente quanto à determinação e quantificação da matéria tributável”.
XXIII. Não obsta a este entendimento a invocação de que o princípio da legalidade conduz a que a incidência do imposto em causa (IRC) tenha de ser determinada pelo poder legislativo, pois o invocado artigo 165.º n.º 1 alínea i) da CRP não significa que exista uma reserva absoluta de lei formal que exclua uma margem de livre apreciação na aplicação da lei por circular ou por acto administrativo.
XXIV. Na verdade, a interpretação que a Administração realize ou venha a realizar “não tem força de lei, não adquire o carácter de vinculatividade próprio das normas legais, não é interpretação autêntica e, por isso, a sua legalidade pode ser sempre questionada”.
XXV. Isto é, a actuação da Administração (a emanação daquela orientação genérica) não tem, nem pretende ter, força de lei.
XXVI. Por conseguinte, a AT, ao interpretar e aplicar aquela norma, tendo observado os critérios de interpretação das normas fiscais, bem como todo o bloco de legalidade, realizou uma “interpretação defensável”, pelo que deve ser reconhecida àquela uma margem de livre apreciação, que nada tem quer ver com o exercício de qualquer poder legislativo.
XXVII. Refira-se ainda que, sendo as circulares uma das modalidades de tipificação administrativa, são inegáveis as suas vantagens no ordenamento fiscal, quer para a administração, quer para os administrados.
XXVIII. Como subsídio argumentativo, diga-se que “se a lei fiscal é indeterminada, se os seus pressupostos e conteúdo não são formulados de modo suficientemente claro, de tal forma que o sujeito passivo não reconhece, imediatamente, a partir dela, a sua situação jurídica, não podendo assim orientar a sua conduta por ela, então há lugar importante para os regulamentos ou circulares tipificantes”.
ADEMAIS,
XXIX. Não sendo a Circular 7/2004 inconstitucional (ou ainda que o fosse), cremos que incumbiria ao douto Tribunal a quo, para que pudesse considerar a impugnação procedente, aferir da adequação da interpretação tipificada em tal Circular com o regime do artigo 32.º do EBF.
XXX. A via mais acertada a ser seguida pelo douto Tribunal a quo consistiria em pôr em confronto a previsão e a estatuição do artigo 32.º do EBF (mormente o seu n.º 2) com a interpretação vertida na Circular 7/2004 e, se esta interpretação se revelasse contrária àquela norma, então a liquidação realizada com base em tal interpretação seria de anular.
XXXI. No entanto, como vimos, a AT, em estrita observância dos critérios de interpretação das normas fiscais, apresentou — de entre as várias soluções possíveis — uma “interpretação defensável”, pelo que
XXXII. Caberia ao contribuinte decidir, de forma livre, se seguiria ou não tal solução e, não seguindo, caber-lhe-ia solicitar a intervenção dos tribunais, competindo a estes, em última instância, apreciar as posições conflituantes e decidir de acordo com a lei, controlando os limites internos e externos à margem de livre apreciação que é concedida à Administração.
XXXIII. Por fim, no que respeita à alegada imposição, com eficácia externa, desta Circular aos contribuintes, diga-se que até agora a doutrina e a jurisprudência constitucional vinham propugnando o entendimento de que as instruções emanadas pela Administração não vinculavam os contribuintes nem mesmo, como é natural e decorre do princípio da separação de poderes, os Tribunais.
XXXIV. É certo que as circulares e demais instruções externalizam a interpretação e a aplicação que a AT faz das normas tributárias, mas apenas porque tais instruções são divulgadas junto dos contribuintes.
XXXV. Mas tal não significa que tais circulares produzam efeitos externos inelutáveis na esfera jurídica dos contribuintes, impondo-se como lei às relações jurídico-tributárias, tanto mais que.
XXXVI. No caso em apreço, a AT se limitou a converter em Circular a sua posição sobre uma determinada matéria de natureza fiscal, tendo o contribuinte seguido (de forma não coactiva) essa posição.
XXXVII. Porém, o facto de o contribuinte ter, num primeiro momento, perfilhado o entendimento da AT não consubstancia a atribuição de eficácia externa àquela ou a qualquer outra Circular.
XXXVIII. EM SÍNTESE, e em face do que vimos expondo, cremos resultar à saciedade que a Circular 7/2004 não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, além de que a interpretação que nela se sustenta, em confronto com o normativo legal em apreço, se revela como defensável e, como tal, despida de qualquer ilegalidade que se lhe queira assacar.
XXXIX. Por conseguinte, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito e violou, por erro de aplicação e de interpretação, o disposto no n.º 2 do artigo 103.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 165°, ambos da CRP, bem como o artigo 32.º do EBF, devendo assim, ser revogada, com as legais consequências.»

2 – A entidade recorrida, A…………, SGPS, SA apresentou as suas contra alegações, tendo concluído da seguinte forma:
«A. A alegação por parte do RFP relativa à intempestividade da apresentação da reclamação graciosa parte do pressuposto errado de que a mesma foi entregue no dia 1 de Junho de 2010 o que acontece porque, por manifesto lapso, o tribunal a quo deu como provado que a Reclamação Graciosa havia sido apresentada no dia 1 de Junho.
B. Tal não corresponde à realidade conforme decorre do próprio Processo administrativo apenso ao processo de impugnação judicial (de onde resulta que a data de entrega desta declaração foi o dia 31 de Maio de 2010).
C. A prova de que se trata de lapso manifesto do douto tribunal a quo é, desde logo, a circunstância de que, assumindo tal data como a data de entrega da reclamação graciosa, a douta sentença do tribunal a quo acabou por considerar que a reclamação graciosa se mostra “claramente tempestiva”.
D. Com efeito, a ora recorrida foi surpreendida com esta alegação por parte do RFP que configura um aproveitamento inaceitável de um lapso da sentença e que a RFP sabe não corresponder à realidade porque esta questão foi suscitada no projecto de despacho de indeferimento da Reclamação tendo sido logo dissipada pela AT, razão pela qual não o havia invocado.
E. Apraz-nos registar, porém, que a primeira consequência deste lapso foi positiva, pois permitiu que o RFP tivesse abandonado a sua improcedente tese de que a ora recorrida tinha o prazo de 120 dias para apresentar a reclamação graciosa nos termos do artigo 70.º do CPPT, tendo acolhido a tese, desde o início defendida pela ora recorrida e acolhida pelo tribunal a quo, de que o prazo aplicável era o prazo de dois anos previsto no n° 1 do mesmo artigo.
F. A este respeito, dispõe o referido artigo 249.º do Código Civil sob a epígrafe erro de cálculo ou de escrita que “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá o direito à rectificação desta“ pelo que deve este manifesto lapso ser rectificado.
G. Ainda que se entendesse que a factualidade dada como provada não padecia do manifesto lapso que aqui se invoca, no que não se concede e que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, deve dizer-se que, estando no momento em que apresentou a reclamação graciosa a ora recorrida em prazo para propor a revisão do acto de autoliquidação em causa, ao abrigo do artigo 78° da LGT, a AT deveria ter convolado a reclamação que entende intempestiva nesse outro expediente, uma vez que tal é exigido — e concretamente permitido — pelo artigo 52° do CPPT.
H. É que, desde logo, o pedido de revisão há-de ser, em princípio, reconhecido para efeitos do artigo 131° do CPPT, porque, conforme a própria Jurisprudência dos Tribunais Superiores defende, o pedido de revisão de actos tributários e a reclamação graciosa são expedientes idênticos, quanto à natureza e aos efeitos, que não gozam de verdadeira autonomia, sendo indiferente que o contribuinte recorra a um ou a outro (cfr. o Acórdão do STA de 08/07/2009, proferido no processo n.º 235/09) sendo que, tratando-se aqui de erro imputável aos serviços (por estarmos perante uma autoliquidação, cfr. n° 2 do artigo 78° da LGI), o prazo dessa revisão é de quatro anos.
1. Não colhe, assim, de modo algum a tese expendida pelo RFP.

Da inconstitucionalidade e ilegalidade da Circular n.º 7/2004 de 30 de Março
Da (in)eficácia externa das circulares
J. A questão de saber se as orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) têm eficácia externa é uma questão discutida na doutrina e na jurisprudência há muito tempo sendo, ao contrário do que pretende veicular o RFP, uma questão extremamente controvertida.
K. Do lado dos autores que defendem a sua eficácia meramente interna devemos destacar, desde logo, Alberto Xavier que defende que estas orientações genéricas desenvolvem “a sua eficácia exclusivamente na ordem interna da Administração de onde provêm. Não vinculam nem os contribuintes nem os tribunais” e que “delas não nascem direitos ou deveres extra ou contra legem” e, também, Soares Martinez que afirma que estas orientações genéricas “não têm por destinatários os particulares, os cidadãos, os contribuintes”, nem vinculam “os Tribunais, que tratam de aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração”.
L. Também Saldanha Sanches, tal como refere o RFP, defende a tese de que as orientações genéricas apenas vinculam a própria administração fiscal. Porém, conforme salienta João Taborda da Gama “A tese da eficácia exclusivamente interna das orientações genéricas não era, para Saldanha Sanches, um dogma sagrado. (...) Por outro lado, há uns anos atrás tinha sido confrontado, como jurisconsulto, com uma circular absurda e os seus efeitos junto dos contribuintes”, “Trata-se da Circular n.º 7/2004 de 30 de Março, que procura de uma forma totalmente ilegal concretizar o artigo 32.º do EBF (...)”.
M. É que, mesmo os autores que apenas lhe reconhecem eficácia interna acabam por consentir que alguns dos seus efeitos acabam por se reflectir em agentes externos à própria AT sucedendo na prática, como diz Rui Duarte Morais, que mesmo quando a orientação genérica é emitida para lá do limite traçado pelo ordenamento jurídico, o contribuinte “acaba por se conformar as mais das vezes” “por razões pragmáticas de evitar litígios e seus custos” e “quem acaba por fazer suas tais orientações não são apenas os órgãos inferiores da administração fiscal (...) mas sim os contribuintes aos quais cabe hoje realizar a generalidade das funções tradicionalmente designadas por lançamento do imposto, aplicando a lei à sua situação concreta”
N. Por outro lado, Saldanha Sanches entende que este tipo de orientações têm “zonas de intervenção lícita (...) quando através delas se opera alguma densificação normativa que não podia, nem devia ter lugar na norma e não quando a norma devia proceder à densificação da previsão, mas por lapso não fez”. Sendo duvidoso se estamos perante essas zonas quando a orientação genérica “se propõe resolver uma questão complexa e para resolver essa questão complexa a norma fornece apenas uma previsão com grande abertura”
O. Uma coisa parece-nos, contudo, clara: nos tempos que correm, as orientações genéricas da AT determinam o comportamento contribuinte, ainda que o possam fazer sem serem vinculativas num sentido normativo do termo, pois perante um acto administrativo baseado num entendimento vertido em Circular o contribuinte tem apenas duas hipóteses: ou se conforma com a tal decisão (ficou vinculado), ou a impugna judicialmente.
P. Ora, ao contrário do que defende o RFP, cremos não ser possível olhar para um acto com este poder limitativo da liberdade do contribuinte como se fosse o produto intelectual de um doutrinador qualquer, que este contribuinte em concreto decidiu, motu proprio, seguir, uma vez que o regime das orientações genéricas é um regime que se preocupa em regular situações específicas que pressupõem a actuação com base na orientação genérica, havendo uma preocupação assumida em que as mesmas sejam publicitadas e, assim, cheguem ao conhecimento de pessoas externas à AT.
Q. Assim, aceite-se ou não a eficácia/vinculatividade externa das circulares o que é facto é que, ao vincularem toda a AT ao comportamento nelas preconizado, elas geram justificadamente a certeza nos contribuintes de que o poder fáctico-coercivo da AT vai ser utilizado em linha com esse comportamento, sendo a actuação em desrespeito de uma orientação genérica da AT avaliada pelo contribuinte de acordo com a sua maior ou menor aversão ao risco. Avaliação, aliás, que não difere muito da avaliação que, perante uma norma inconstitucional, um particular faz — a consequência, essa, é a mesma, o recurso aos tribunais.
R. Também é um facto incontestado, e assumido aliás pelo RFP, que a sua legalidade pode ser posta em causa pelo contribuinte e que tal não pressupõe um contencioso de inconstitucionalidade. Em qualquer caso, se uma Circular ostentar um entendimento violador da Constituição, mas também da lei, tal deve ser avaliado e julgado pelos tribunais.
S. É esta mesma constatação que acaba por denunciar a falácia que inquina toda a argumentação do REP a propósito do carácter infra-legal das Circulares. É que, como melhor se elucidará de seguida, o juízo de inconstitucionalidade tido por impertinente pelo RFP tem um precedente lógico evidente e fulcral: a Circular em crise é, antes de mais, ilegal por professar um método de determinação de incidência fiscal negativa (os encargos não dedutíveis) que não se intui nem do texto legal nem do seu espírito e nem mesmo de um caso análogo (o que, já de si, seria ilegal face à LGT), o que significa, prima face, uma afronta a uma lei vigente e eficaz.
Da decisão positiva de inconstitucionalidade formal da Circular e do seu alcance legal menos explícito mas não menos necessário.
T. O direito que a AT tem de emanar circulares ou outro tipo de orientações genéricas é, independentemente da posição assumida quanto à questão da eficácia externa das mesmas, aceite por todos os autores estando, porém, a AT limitada a uma interpretação que, respeitando as regras gerais da interpretação das leis (artigo 9.º do Código Civil), seja conforme «... ao princípio geral da prossecução do interesse público e do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos que recai sobre a administração pública (art. 266.º da CRP) e que impõe a esta uma actuação igual, proporcional, justa, imparcial e de boa fé”.
U. Como meras interpretações da lei, não podem as orientações genéricas criar novas normas, acrescentar ou diminuir os limites e alcance das leis, pelo que, caso uma orientação administrativa exceda os limites resultantes das regras e princípios gerais das leis, os actos praticados em seu cumprimento serão ilegais, na parte que exceda a lei.
V. Saldanha Sanches, entende que “da sua aplicabilidade [orientações genéricas] pelos órgãos administrativos decorre que o que deles consta se transforma em «lei» para esses mesmos contribuintes que se vêem obrigados a impugnar as decisões da sua aplicação que com eles não concordem”.
W. Ora, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa os benefícios fiscais e as garantia dos contribuintes,” sendo que, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.° do mesmo diploma é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas autorização ao governo.
X. E este o chamado princípio da legalidade fiscal, de que é corolário o nº 3 do art.º 103.º da CRP que dispõe que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
Y. E não é o direito de a AT emanar circulares ou orientações genéricas de outro tipo incompatível com esta norma conquanto a AT se saiba manter dentro dos limites traçados pela norma constitucional citada, devendo a este respeito atentar-se, não só ao já citado artigo 9.° do Código Civil, mas também, ao artigo 11.º da LGT.
Z. Resulta de todo o exposto que o poder para legislar em matéria fiscal é um poder que cai na chamada reserva relativa da Assembleia da República, designadamente, no que respeita à incidência do mesmo, pelo que não pode o poder administrativo completar a norma fiscal acrescendo exigências que a lei não impôs na medida em que esse acto de completar extravasa a mera interpretação da norma constituindo o verdadeiro exercício do poder legislativo que lhe está vedado.
AA. Conforme se refere na decisão arbitral colectiva do Centro de Administrativa proferida em 21.12.2012, no Processo n.º 24/2012, a respeito de situação em tudo similar à que aqui se discute “o que a lei permite e aquilo que a constituição impõe à autoridade tributária é que na interpretação que faz das normas tributária se limite a orientações genéricas que preencham conceitos”, pelo que “Assim, a Circular n.º 7/2004, ao fixar critérios e métodos, através dos quais se verifica a incidência de imposto, é, na medida eu? que a sua aplicação reveste eficácia externa, nomeadamente em liquidações corretivas de imposto, por violação do princípio da legalidade plasmado no artigo 103.°, e da reserva de lei formal constante do artigo 165.º ; nº 1 alínea i), ambos da Constituição. Isto não obstante a mera ilegalidade que sempre resultaria do confronto entre aquela Circular e o artigo 8.º Lei Geral Tributária.”
BB. Assim, tal como nos diz João Taborda da Gama, “um conceito funcional de norma (...) numa área em que as considerações de conformidade constitucional formal e material têm importância acrescida não pode ser cego a uma norma que regula a vida dos particulares, mesmo antes ou independentemente de qualquer confronto com a Administração Fiscal, e a cuja análise de legalidade os tribunais não escapam, mesmo que não o assumam,”
CC. E não colhe o argumento de que o tribunal constitucional não reconheceu às circulares a característica de norma, pois tal resulta do facto de, ao contrário do que acontece com os restantes tribunais, o Tribunal Constitucional apenas estar habilitado pela própria constituição e pela Lei do Tribunal Constitucional a apreciar a inconstitucionalidade de normas jurídicas (Leis, Decretos-Leis e Decretos Legislativos Regionais) e não há dúvidas de que uma Circular não é uma norma jurídica.
DD. Pois bem, se não se pudessem os tribunais debruçar-se sobre os casos em que normas fiscais, em particular de incidência, são criados por outros actos que não actos legislativos, então os preceitos constitucionais supra citados seriam letra morta e estaria o contribuinte totalmente desprotegido.
EE. Mesmo perante esta evidência, o RFP insiste em que não se pode falar in casu de inconstitucionalidade, atenta a não vinculatividade das Circulares, mas apenas “no desenvolvimento de um esforço exegético e em estrita observância dos critérios de interpretação das normas fiscais” tendo apresentado, entre as várias soluções possíveis “uma interpretação defensável”.
FF. Escamoteia o RFP, porém, que no percurso lógico que o leva a concluir pela inconstitucionalidade da Circular, o Douto Juiz a quo pronuncia-se, inequívoca e necessariamente sobre a ilegalidade da interpretação ou aplicação da lei feita pela Circular, considerando-a ilegal porque não comportável dentro dos limites do texto e da ratio legis. Quer isto dizer que o mesmo Juiz, ao dizer que o método de apuramento dos encargos não aceites preconizados pela AT é uma norma inovadora não autorizada pelo Parlamento está implícita e previamente a inferir que ela é ilegal por não se ater ao comando do artigo 32° do EBF.
GG. E por isso que o dictum recorrido contém dois juízos condensados numa conclusão: i) o primeiro, de que a Circular viola a lei por professar uma interpretação/método de quantificação que ela não postula ou admite, e ii) que, ao fazê-lo sob a forma de uma Circular, vinculativa para a Administração fiscal e, na prática, cogente para os contribuintes, a AT viola a legalidade e a reserva formal de lei.
HH. Portanto, mesmo que, por hipótese meramente académica, se entenda que, do ponto de vista jurídico-constitucional, a Circular em causa é insindicável por não ser um acto legislativo, não sofre contestação que o Tribunal a quo declarou que assiste ao sujeito passivo o direito de ver anulada uma sua autoliquidação que se baseou numa interpretação pelo mesmo Tribunal considerada ilegal, independentemente da vinculatividade dessa interpretação para o mesmo sujeito passivo.
II. Mas o entendimento seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo a respeito da actividade “circulatória” em que a AT teve a veleidade de criar normas de incidência, tem-se orientado no sentido de essa actividade constituir uma usurpação ou imiscuição no poder legislativo intolerável.
JJ. Veja-se a este respeito, por todos, o acórdão do STA proferido no processo n.º 0202/08 e segundo a qual “I - É material e organicamente inconstitucional por ofender os art. 103°, n°2 e 165º, n° 1, al. i) da CRP, a criação por Circular da DGCI de um limite máximo, calculado em função do volume de negócios do ano anterior, para “ofertas de pequeno valor” referidas na 2ª parte da alínea j) do n°3 do art° 3° do CIVA.”
KK. Também aqui se tratava de, numa área em que existia muita incerteza na aplicação do preceito, tendo vindo a Circular “clarificar”, mas pelo facto de ter constituído a criação de uma regra de incidência por Circular foi julgada inconstitucional e ilegal, pois uma certeza havia: a de que a lei não continha qualquer quantificação concreta, explícita ou implícita, do que se entendia por «ofertas de justo valor», não tendo sido necessário avaliar do mérito da interpretação sufragada pela Circular em apreço, nem pô-la em confronto com a norma com vista a determinar se se tratava de um “interpretação defensável”, pois era patente que ela continha uma estatuição que não se podia obter a partir da letra ou da teleologia da lei. E foi assim até a lei ter sido alterada passando a impor limites quantitativos.
LL. Por tudo isto, e ainda porque, em abono da sua posição de que a “interpretação” sustentada na Circular se revela “defensável” — como se no domínio da incidência se possa sustentar a legalidade de um método com base no seu carácter “defensável” — o RFP nada mais aduz, esclarecendo designadamente em que é o que Tribunal recorrido errou ao não aceitar um método de pro-rata (que a lei de modo algum autoriza), é forçoso concluir que a Circular está inelutavelmente ferida de inconstitucionalidade por ofensa aos artigos 1037, n.º 2 e 165.°, n.º 1, al. i) da CRP e/ou de ilegalidade por violação do disposto no artigo 32° do EBF.
SEM PRESCINDIR E QUANTO À ALEGADA “DEFENSABILIDADE” DA INTERPRETAÇÃO DA CIRCULAR
MM. No total silêncio do texto do n° 2 do artigo 32° do EBF sobre qualquer possibilidade de aferição de encargos financeiros não dedutíveis por via de uma regra pro-rata temporis ao invés do que acontece, por exemplo, com o artigo 23° do CIVA, a aferição do quantum tributário opera-se de um modo directo (cfr. artigo 83° da LGT), o que tem como consequência que os encargos financeiros não dedutíveis hão-de aferir-se em função dos concretos empréstimos que financiaram a aquisição das participações geradoras de mais-valias.
NN. A “extrema dificuldade” e a “possibilidade de manipulação” a que alude a Circular em causa (ponto 7.) da aferição directa dos encargos é apenas o outro nome que, salvo o devido respeito, a Administração Tributária dá à possibilidade de demonstração, pelo sujeito passivo, dos fluxos de entrada de tesouraria (meios financeiros próprios e meios financeiros externos) que estão na origem de fluxos de saída (aquisição de participações). Não será por acaso que a Circular não fundamenta, em concreto, a “dificuldade” em que se estriba.
OO. Desta forma, a determinação, por via de Circular administrativa, de um método de rateio dos encargos financeiros — com base numa fórmula ad hoc, assente nos pressupostos supra descritos —, em detrimento de uma afectação real, directa e específica, que é a única que o n° 2 do artigo 32° do EBF comporta é, para todos os efeitos, absolutamente ilegal.»

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 301/303 com o seguinte fundamentação:
«Questiona-se o acerto da sentença do TAF de Aveiro de 01.11.2013 que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida e, em consequência, anulou parcialmente o acto de autoliquidação do IRC impugnado, referente ao exercício de 2007.
Duas são as questões suscitadas no recurso:
- O alegado erro de julgamento no que concerne à questão da tempestividade da apresentação da reclamação graciosa por parte da ora recorrida;
- O alegado erro de julgamento no que concerne à questão da inconstitucionalidade da Circular 7/2004, de 30 de Março.
Em relação à 1ª questão o que se poderá dizer é que não obstante o que consta da alínea D) dos factos provados, a verdade é que dos documentos para os quais nessa alínea se remete claramente decorre que a dita reclamação graciosa foi enviada através de correio registado em 31 de Maio de 2010, sendo esta a data a considerar como data da prática do acto (art. 150., n.º 2, al. b) do CPC, ao tempo vigente).
Essa inexactidão quanto à data da apresentação da reclamação graciosa veio aliás a ser corrigida no segmento em que foi apreciada a questão ora suscitada, passando a constar do 2.º parágrafo de fls. 178, por via do despacho de fls. 292 dos autos, que “a reclamação graciosa apresentada em 1 de Junho de 2010, uma vez enviada através de correio registado em 31 de Maio de 2010 (...), mostra-se, claramente tempestiva, (...)”.
Reconhecendo a própria recorrente que o prazo para a apresentação da reclamação graciosa se esgotava em 31.05.2010 (cfr. Conclusão VIII) e tendo sido essa a data em que foi apresentada a reclamação (data do registo), manifesto é que não padece a sentença recorrida, quanto ao aspecto em causa, do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa.
Igualmente se me afigura que não assiste razão à recorrente quanto à 2.ª questão suscitada.
É certo, como o refere a recorrente na Conclusão XXIV da sua Alegação, que a interpretação da lei que a A.F. realiza através de Circulares não tem força de lei, não possui o carácter de vinculatividade próprio das normas legais, nem constitui interpretação autêntica e, por isso, a sua legalidade pode ser sempre questionada.
Nesse sentido se pronuncia Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 5.ª edição, pág. 201 e igualmente se pronunciava José Luís Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, 2007, págs. 126 a 128, que reconhecendo às Circulares a “estrutura formal de uma norma jurídica — uma vez que não são a aplicação do Direito a um caso concreto, mas têm antes um carácter geral e abstracto” acrescentava que as mesmas “valem o que valer a interpretação que fazem da lei”. Nessa linha de raciocínio ponderava o mesmo autor que as orientações administrativas contidas nas Circulares “(...) terão de ser sempre sujeitos a um juízo de legalidade” e que “esse juízo de legalidade, a realizar em relação a qualquer orientação, vai ter como objecto a sua maior ou menor capacidade para traduzir correctamente um princípio que tem como fonte constitutiva a norma jurídica (...). Acrescenta que “é ao hipotético sujeito passivo da obrigação por elas formulada que cabe decidir entre o seu acatamento, o que o porá ao abrigo de consequências negativas mesmo se a doutrina for contra legem, e a não aceitação da posição administrativa. Caso opte pela segunda via, cumpre aos tribunais a resolução do litígio e o juízo definitivo sobre a legalidade ou ilegalidade da orientação administrativa”.
Contudo, embora as Circulares da A.T. não sejam vinculativas, nem para os contribuintes nem para os tribunais, o certo é que as orientações delas constante não deixam de se projectar para o exterior da estrutura donde emergem conformando, na generalidade dos casos ou as mais das vezes, a actuação dos contribuintes, sendo essa porventura uma das suas funções primordiais.
Como ainda referia José Luís Saldanha Sanches, in ob. cit., p. 127, “as virtualidades das orientações administrativas são incontestáveis: ditam certos comportamentos à Administração, permitindo, assim, ao sujeito passivo prever o comportamento desta em situações incertas, e clarificam os deveres de cooperação deste quando (como cada vez mais vezes sucede) têm como destinatários os particulares a quem exigem certas condutas necessárias para a aplicação da lei fiscal”.
Ora, admitindo, como se admite, que a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março extravasa do seu carácter de orientação administrativa, na medida em que desenvolve ou complementa o conteúdo da norma do art. 32.º, n.º 2 do EBF, incorporando determinações que nela no se contêm, com consequências ao nível da incidência de imposto, a mesma é ilegal e essa ilegalidade, salvo melhor entendimento, no pode deixar de reflectir sobre os actos que tenham sido praticados em conformidade com ela, como é o caso do acto de autoliquidação de IRC, objecto da reclamação graciosa cujo indeferimento vem impugnado.
Não enferma, pois, de erro de julgamento a douta sentença recorrida.
Assim, sem mais considerações, pronuncio-me pela improcedência do presente recurso e, consequentemente, pela manutenção do julgado.
É o meu parecer.»

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro fixou a seguinte matéria de facto:
A. A Impugnante é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), que tem como objecto legal a gestão de participações noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividade económica, nos termos do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (acordo das partes);
B. Em 30 de Maio de 2008, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do ano de 2007 (cf. doc. 2, junto com a p.i., a fls. 88 e segs., igualmente constante de fls. 33 e segs. do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C. A Impugnante apurou os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais não dedutíveis com base na metodologia fixada na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março (acordo das partes - cf. artigo 75.° da sua contestação);
D. Em 1 de Junho de 2010, a Impugnante apresentou, “ao abrigo dos nºs 1 e 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT)”, reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC por si efectuada (cf. reclamação graciosa, a fls. 3 e segs. do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E. Por despacho de 28 de Dezembro de 2010, da autoria do Director de Finanças, por delegação (Despacho de 19 de Novembro de 2010), a reclamação graciosa foi liminarmente indeferida, por intempestividade, pois haveria que ter sido deduzida no prazo de 120 dias, por aplicação do disposto no artigo 131.°, n.º 3, do CPPT (cf. despacho de fls. 85, igualmente constante de fls. 135 do processo administrativo apenso e doc. 1, junto com a p. i., a fls. 84 e segs, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
F. Em 17 de Janeiro de 2011, foi prestada informação pela Divisão de Justiça Tributária - Contencioso, com a referência em assunto “PEDIDO DE REVISÃO da MC— art° 78° da LGT”, com o seguinte teor essencial: “o prazo para interposição da reclamação era, nos termos do n° 1 do artigo 137° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), conjugado com o disposto no n° 1 do art° 70° e da alínea b) do n° 1 do art° 102°, ambos do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), de 120 dias, contados a partir da notificação da liquidação. De acordo com o preceituado no n° 1 do art° 39° do CPPT, as notificações efectuadas por carta registada «presumem-se feitas no 3° dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil». Assim, tendo o registo da liquidação sido efectuado em 2008-08-11 (cf. fls. 90 dos autos), a notificação da liquidação presume-se efectuada no dia 2008-08-14 e, deste modo, o prazo para apresentar a reclamação terminava em 2009-12-12. Tendo a petição relativa à cédula de IRC do exercício de 2007 sido apresentada em 2010-06-01, conclui-se pela sua intempestividade. Ao caso em apreço não é de aplicar o prazo previsto no n° 1 do art° 131.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), uma vez que a situação se subsume ao disposto no n° 3 da mesma disposição legal. Face ao entendimento exposto, não se verifica o quesito da tempestividade, o qual impera na apreciação de qualquer pedido apresentado pelo contribuinte” (cf. informação, a fls. 140 e segs. do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G. Sobre esta informação, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Concordo. À DS IRC, para decisão”, da autoria do Director de Finanças, por delegação (Despacho de 19 de Novembro de 2010), de 25 de Janeiro de 2011, constante de fls. 140 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
H. A presente impugnação judicial deu entrada em juízo em 4 de Fevereiro de 2011 (cf. carimbo aposto na p. i., a fl. 2).

6. Do objecto do recurso
Da análise decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, podemos concluir que são duas as questões objecto do presente recurso:
a) saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida ao considerar tempestiva a reclamação graciosa apresentada pela recorrida;
b) saber se igualmente incorreu em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ao concluir que Circular nº 7/2004 padece de “vício de inconstitucionalidade formal, por violar os princípios da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103.º n°2 e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP”.

7. Da tempestividade da reclamação graciosa

A decisão recorrida, ponderando que a declaração de rendimentos de IRC da impugnante, do ano de 2007, foi apresentada em 30/05/2008, considerou tempestiva a reclamação graciosa apresentada em 01/06/2010, mas enviada através de correio registado em 31 de Maio de 2010.
Alega a Fazenda Pública que, tendo a declaração sido apresentada em 30/05/2008, o prazo de 2 anos — ainda que se considere ter iniciado no dia seguinte (31/05/2008) — terminou às 24 horas do dia correspondente no ano de 2010, ou seja, no dia 31/05/2010 (segunda-feira) — cfr. artigo 279.º n.º 1 alínea c) do CC e artigo 20.º n.º 1 do CPPT.
E que, constando da matéria de facto dada como provada (alínea D), que a reclamação graciosa foi apresentada no dia 01/06/2010, não foi dado cumprimento àquele mesmo prazo, pelo que a mesma só poderia ter sido considerada pelo Tribunal a quo como intempestiva.

Mas não lhe assiste razão.
Como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer não obstante o que consta da alínea D) dos factos provados, a verdade é que dos documentos para os quais nessa alínea D) se remete (fls. 3 e segs. do PA apenso) claramente decorre que a dita reclamação graciosa foi enviada através de correio registado em 31 de Maio de 2010, sendo esta a data a considerar como data da prática do acto (artº. 150, n.º 2, al. b) do CPC, ao tempo vigente).
De facto essa inexactidão quanto à data da apresentação da reclamação graciosa veio a ser corrigida ao abrigo do disposto no artº 614º, nº 1 do Código de Processo Civil no segmento em que foi apreciada a questão ora suscitada, passando a constar do 2.º parágrafo de fls. 178, por via do despacho de fls. 292 dos autos, que “a reclamação graciosa apresentada em 1 de Junho de 2010, uma vez enviada através de correio registado em 31 de Maio de 2010 (...)”.
Desta rectificação foram as partes notificadas nos termos e para os efeitos do artº 614º, nº 2 do Código de Processo Civil, nada tendo alegado.
É assim manifesto que, reconhecendo a própria recorrente que o prazo para a apresentação da reclamação graciosa se esgotava em 31.05.2010 (cfr. Conclusão VIII) e tendo sido essa a data em que foi apresentada a reclamação (data do registo), não padece a sentença recorrida do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa.
Improcede, pois, nesta parte, a alegação de recurso.

8. Da invocada inconstitucionalidade formal da circular nº 7/2004 de 30/3.
Perante as questões suscitadas pela Impugnante, ora recorrida, respeitantes à legalidade do acto tributário de autoliquidação de IRC do ano de 2007, nomeadamente uma referente às duvidas interpretativas suscitadas pela aplicação do entendimento veiculado pela Circular 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC e pela redacção do artº 31º, nº 2 do EBF (Na redacção então em vigor) e outra atinente à (i)legalidade da Circular n.° 7/2004, de 30 de Março, por violação dos princípios da “determinabilidade da base tributável, da tributação do lucro real e da tutela da confiança plasmados nos artigos 103.° e 104.° da CRP”, considerou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que a Circular 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC «ao introduzir uma métrica para quantificar os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, afecta a medida da tributação do contribuinte e, nessa medida, desenvolve o conteúdo da norma de incidência objectiva de IRC, sendo, por isso, formalmente inconstitucional, por não constar de diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva relativa de competência legislativa desta, em violação dos princípios da legalidade e da reserva de lei formal da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103.°, n.° 2 e 165.°, n.° 1, alínea i) da CRP».
E com base em tal entendimento concluiu a decisão recorrida que «a determinação da forma de apuramento do montante de encargos financeiros não pode ser efectuada por circular, pois tal implicaria permitir que uma instrução administrativa procedesse à determinação de normas de incidência objectiva de imposto, o que determina, atenta a natureza divisível do acto tributário de autoliquidação de IRC do ano de 2007 em questão, a sua anulação parcial, nos termos do artigo 135.° do CPA», julgando, por essa razão, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas e acima referidas.

Poderia o Tribunal a quo ter apreciado a questão sob a perspectiva da ilegalidade da autoliquidação (Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre a questão da legalidade de autoliquidações de IRC, efectuadas em conformidade com a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, tendo concluído, nos Acórdãos de 08.2017 e de 31.05.2017, proferidos, respectivamente, nos recursos 227/16 e 1229/15, que o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal.) , nos termos em que a mesma foi colocada pela impugnante e ora recorrida, ou seja no plano material, porém não o fez.
Como vimos a sentença recorrida apreciou a questão apenas no plano competencial e formal, por violação do princípio constitucional da legalidade e da reserva de lei (formal) no domínio da incidência dos impostos, julgando procedente a impugnação com fundamento na inconstitucionalidade formal da referida Circular 7/2004.
E é nesta perspectiva, e só nesta perspectiva, face ao assim decidido, que a Fazenda Pública imputa erro de julgamento à sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro alegando que interpretação a Administração veiculada pela referida circular “não tem força de lei, não adquire o carácter de vinculatividade próprio das normas legais, não é interpretação autêntica e, por isso, a sua legalidade pode ser sempre questionada”, e que, ao interpretar e aplicar aquela norma (artº 32º nº 2 do EBF), «realizou uma “interpretação defensável”, pelo que deve ser reconhecida àquela uma margem de livre apreciação, que nada tem quer ver com o exercício de qualquer poder legislativo».
Desde já se adiantará que neste ponto a recorrente tem razão.
Com efeito as orientações administrativas veiculadas sob a forma de circular da Administração Tributária não constituem disposições de valor legislativo que possam ser objecto de declaração de inconstitucionalidade formal.
Como esclarece CASALTA NABAIS (Direito Fiscal, 6.ª ed., Almedina, pág. 197), «as chamadas orientações administrativas, tradicionalmente apresentadas nas mais diversas formas como instruções, circulares, ofícios-circulares, ofícios-circulados, despachos normativos, regulamentos, pareceres, etc.”, que são muito frequentes no direito fiscal constituem “regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.
Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).
É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.

Ora o problema da relevância normativa das Circulares da Administração Tributária foi já colocado e apreciado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 583/2009 e 42/14, de 18.11.2009 e de 09.012.2014, respectivamente, tendo aquele Tribunal decidido, com o que concordamos, que as prescrições contidas nas Circulares da Administração Tributária, independentemente da sua irradiação persuasiva na prática dos contribuintes, não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade cometido ao Tribunal Constitucional.
Como se sublinhou naquele primeiro aresto (Acórdão 583/2009) “[…] Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.
A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa. É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).
Consequentemente, faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas “circulares” da Administração Tributária não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional.» (fim de citação)

O que fica dito permite-nos concluir que as orientações administrativas veiculadas sob a forma de circular da Administração Tributária não constituem disposições de valor legislativo que possam ser objecto de declaração de inconstitucionalidade formal, pelo que a sentença recorrida padece do erro de julgamento que lhe é imputado.
Procede, pois, nesta parte o recurso, devendo ser revogada a decisão sindicada dado que este Supremo Tribunal Administrativo não pode conhecer, em substituição do tribunal recorrido, do mérito da causa, atento o disposto no artigo 679.° do Código de Processo Civil, normativo que exclui a aplicação remissiva de todo o preceituado no artº 665.° do mesmo diploma legal, incluindo o seu nº 2 (Neste sentido vide Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, ed-Almedina, pag. 341.).

9. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
- Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida na parte em que julga procedente a impugnação com fundamento na inconstitucionalidade formal da Circular 7/2004 de 30 de Março.
- Ordenar a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a fim de que sejam conhecidas as demais questões julgadas prejudicadas, se nada mais obstar.

Custas pela Fazenda Pública e pela recorrida na proporção do decaimento.

Lisboa, 21 de Junho de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.