Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02748/15.6BESNT
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PRAZO
CONTAGEM
TERMO INICIAL
Sumário:I - Na sequência da anulação judicial do VPT, por ter sido fixado em montante excessivo, a AT deve proceder oficiosamente à anulação do IMT liquidado com base nesse valor.
II - Nesse caso, deve a AT, não só restituir o imposto indevidamente pago, como também pagar juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até ao total reembolso do montante (cf. art. 43.º, n.º 1, da LGT, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 46.º do CIMT, e art. 61.º, n.º 5, do CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P26606
Nº do Documento:SA22020102802748/15
Data de Entrada:12/17/2019
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de intimação para prestação de informação com o n.º 2748/15.6BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada (adiante também denominada Requerente e Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (Apesar de o recurso ter sido interposto, inicialmente, para o Tribunal Central Administrativo Sul, na sequência da rectificação da sentença no que respeita ao facto provado sob a alínea B), a Recorrente requereu, e o Juiz do Tribunal a quo deferiu, a interposição do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. ) da sentença proferida nos presentes autos, na parte respeitante à fixação do termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios: o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, apesar de ter deferido o pedido de intimação da AT a restituir o montante de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) pago indevidamente, acrescido dos juros indemnizatórios até pagamento integral, fixou o início da contagem dos juros na «data de fixação do novo valor patrimonial dos prédios», em 12 de Março de 2014, e não, como requerido, a partir da data do pagamento do imposto, em 30 de Março de 2010.

1.2 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.3 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A. Tendo o Tribunal a quo procedido à rectificação do lapso que constava do facto «B» dado como provado na sentença, e passando do mesmo agora a constar que a data do pagamento do imposto ocorreu em 30.03.2010, afigura-se inútil o recurso quanto à matéria de facto dada como provada, tal como foi manifestado pela Recorrente no requerimento de interposição do recurso, subsistindo, porém, o interesse em recorrer tão-só da parte da sentença «que condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento dos juros indemnizatórios apenas desde a data da decisão administrativa de fixação do Valor Patrimonial dos prédios», quando, como entende a Recorrente, devia a AT ter sido condenada no pagamento daqueles juros desde a data em que o imposto foi pago indevidamente (ie., desde 30.03.2010).

B. Face à rectificação da sentença, o objecto do presente recurso passou então a cingir-se apenas à apreciação de matéria exclusivamente de direito, razão pela qual deverá ser considerado que o Tribunal Superior hierarquicamente competente para conhecer este recurso é o STA - Secção de Contencioso Tributário, e não o TCAS, em observância do disposto no n.º 1 do artigo 281.º do CPPT, requerendo-se, assim, que a admissão deste recurso seja por referência ao STA e não ao TCAS, ordenando assim a subida destes autos ao STA.

C. Caso assim não se entenda, onde supra se lê STA deve ler-se TCAS e o recurso deve então ser dirigido aos Venerandos Senhores Desembargadores do TCAS.

D. Se quanto à anulação dos actos de liquidação do IMT baseados nos VPT anulados e à condenação da AT em restituir o imposto pago indevidamente, a sentença não merece qualquer censura, o mesmo não sucede quanto ao processamento dos juros indemnizatórios quando o Tribunal a quo entendeu que «atento a decisão administrativa firmada na ordem jurídica, de fixação do VPT dos ditos prédios e para efeitos de liquidação do IMT devido, será de processar tais juros a seu favor em razão da omissão lesiva dos interesses e direitos do interessado a si imputável, a processar desde a data daquela decisão e sobre o montante a mais liquidado, e até à data de execução espontânea da presente decisão judicial».

E. O objecto do presente recurso restringe-se, assim, a este segmento da sentença. Em suma, a vexata quaestio consiste em averiguar, à luz do direito, se os juros indemnizatórios devidos à Recorrente devem iniciar a sua contagem na data da decisão administrativa de fixação do VPT dos prédios em discussão – ie., em 12.03.2014 –, ou, como entende a Recorrente, na data do pagamento indevido do imposto – ie., em 30.03.2010.

F. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, ex vi artigo 46.º do Código do IMT, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

G. Tal como tem sido afirmado pela doutrina e jurisprudência «[o] objectivo dos juros indemnizatórios é reparar a privação indevida de meios financeiros dos contribuintes por razões imputáveis à administração tributária. O juro é o preço do dinheiro em função do tempo e remunera o seu titular em função da sua disponibilização temporal a terceiro. O juro está para o dinheiro como a renda está para a propriedade. Os juros indemnizatórios remuneram essa disponibilização a favor do credor tributário, em razão de uma acção inadequada imputável à administração tributária» (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES et al., Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 357).

H. À luz do artigo 43.º da LGT, a primeira conclusão que se retira é a de que deve ser reconhecido ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios sempre que (i) por erro imputável à AT reconhecido judicialmente (ii) seja pago imposto superior ao devido (o que causou uma privação indevida de capital por certo período), (iii) desde a data em que o imposto havia sido pago.

I. Interpretando o artigo 100.º da LGT, a jurisprudência tem reiterado que «a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética».

J. Extrai-se assim uma segunda conclusão: a anulação judicial de um qualquer acto tributário implica o dever, a cargo da AT, de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, uma vez que a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos ex tunc.

K. A terceira conclusão que se retirou nas alegações foi a de que não estando perante uma daquelas situações em que a LGT fixa expressamente o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios [como é o caso de anulação do acto tributário por iniciativa da AT – alínea b) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT; ou o caso da revisão oficiosa do acto tributário por iniciativa do contribuinte – alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT], é aplicável para efeitos de determinação do dies a quo da contagem dos juros indemnizatórios o n.º 5 do 61.º do CPPT segundo o qual o início da contagem dos juros corresponde à data do pagamento indevido do imposto.

L. Acresce que, a liquidação do IMT assenta no VPT arbitrado pela AT no respectivo acto de fixação quando este último valor se revela superior ao valor pelo qual o sujeito passivo adquiriu o imóvel (cfr. n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT). Se um determinado contribuinte suportou um imposto liquidado por referência a um acto de fixação do VPT ilegal e judicialmente anulado, o que vem dito até aqui quanto à determinação do dies a quo dos juros indemnizatórios é, por conseguinte, plenamente aplicável.

M. A quarta conclusão é, portanto, a de que são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto indevido quando o erro que gerou a liquidação e o pagamento daquele imposto indevido assenta no acto de fixação da matéria colectável (anulado judicialmente) que serviu de base ao acto de liquidação adicional.

N. Na situação sub judice, foi declarada judicialmente a anulação do acto de fixação do VPT no qual se amparavam as liquidações adicionais de IMT que conduziram ao pagamento do imposto em excesso, pelo que, à luz dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, essa anulação pressupunha a reconstituição da situação como se o acto tributário ilegal não tivesse sido praticado, com efeitos ex tunc (retroactivos),

O. o que legitima a reparação à Recorrente do prejuízo provocado pagamento indevido da prestação tributária (nos dizeres da doutrina mais visada, «pela privação indevida de meios financeiros dos contribuintes por razões imputáveis à administração tributária») desde a data do seu pagamento, pois é esta a data em que o seu interesse foi lesado por um acto ilegal, imputável exclusivamente a um erro da AT, que a obrigou a desembolsar de uma quantia que não era legalmente devida e a privou desde então desse montante.

P. Apelando àquelas que foram as conclusões extraídas ao longo das alegações e que resultam da correcta leitura dos artigos 43.º e 100.º da LGT, bem como do artigo 61.º do CPPT:

Primeira conclusão: verifica-se, na situação sub judice, que (i) por erro imputável à AT reconhecido judicialmente (ie., fixação de um VPT ilegal e excessivo) (ii) foi pago imposto superior ao devido (o que causou uma privação de capital por certo período), (iii) pelo que são devidos juros indemnizatórios desde a data em que o imposto havia sido pago;

Segunda conclusão: a anulação judicial dos actos «primitivos» de fixação do VPT dos Lotes, que basearam a liquidação adicional do IMT pago indevidamente, implica o dever, a cargo da AT, de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, uma vez que a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos ex tunc;

Terceira conclusão: não estamos perante uma daquelas situações em que a LGT fixa expressamente o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios [como é o caso de anulação do acto tributário por iniciativa da AT – alínea b) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT –, o que não aconteceu uma vez que a AT foi judicialmente compelida a tal; ou o caso da revisão oficiosa do acto tributário por iniciativa do contribuinte – alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT –, o que não é também o caso), pelo que é aplicável para efeitos de determinação do dies a quo da contagem dos juros indemnizatórios o n.º 5 do 61.º do CPPT correspondendo o seu início à data do pagamento indevido do imposto, ou seja, a 30.03.2010;

Quarta conclusão: os juros indemnizatórios em apreço são devidos desde a data do pagamento do imposto indevido uma vez que o erro que gerou a liquidação e o pagamento daquele imposto indevido assenta no acto de fixação da matéria colectável (anulado judicialmente) que serviu de base ao acto de liquidação adicional.

Q. Assim, conclui a Recorrente que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecido o direito aos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, nos termos do n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, devidamente articulado com os artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, e não apenas, como entendeu o Tribunal a quo, desde a data da decisão administrativa de fixação do VPT dos Lotes em apreço.

Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a V. Exas. que se dignem a julgar o presente recurso totalmente procedente, por provado, assim se revogando o segmento decisório recorrido, substituindo-se este por outro que, nos termos e com os fundamentos acima invocados, venha a considerar que os juros indemnizatórios a favor da Recorrente são devidos desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, com as devidas consequências legais».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, após sintetizar a objecto do recurso e a fundamentação expendida na sentença, se pronunciou nos seguintes termos:

«A questão suscitada pela Recorrente consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento ao ter considerado que os juros indemnizatórios eram devidos a partir da data da fixação do novo valor patrimonial tributário dos prédios, o que passa por saber se
(i) A anulação do procedimento de avaliação de imóveis implica a nulidade do acto de liquidação adicional consequente e a restituição do imposto pago; E
(ii) Se nesse caso há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto até à emissão da nota de crédito a favor do contribuinte; Ou
(iii) Se apenas há lugar a juros indemnizatórios a partir da data da fixação do novo valor patrimonial e no caso de o VPT ser inferior e dar lugar à restituição de imposto.
Para uma resposta cabal à enunciada questão importa enquadrar e caracterizar correctamente a situação em causa nos autos. Resulta em síntese da sentença recorrida que a liquidação adicional de IMT teve por base um acto de avaliação que foi posteriormente anulado1 [1 Desconhece-se em que termos, pois a sentença simplesmente omite esses termos, nem vislumbramos nos autos qualquer documento relativo à sentença do TAF de Sintra que determinou essa anulação. Ainda que o juiz tenha conhecimento dos termos dessa sentença, pelo exercício de funções no mesmo tribunal, mostra-se imperativo que o processo contenha tais elementos, uma vez que não se tratando de facto notório, não pode ser tido em consideração na decisão se não constar do processo (ainda que não se suscite controvérsia entre as partes), de acordo com a máxima do brocardo latino “Quod non est in actis non est in mundo” .], tendo decorrido novo procedimento de avaliação em que foi fixado um valor patrimonial inferior, ainda que superior ao valor declarado no contrato de compra e venda2 [2 Ainda que nos mereça sérias criticas a fixação dos factos na sentença, uma vez que não resulta clara a factualidade subjacente ao direito invocado e à pretensão deduzida (sendo certo que nos suscita séria reservas o meio processual utilizado, como aliás foi anotado no parecer do MºPº de 1ª instância, que o tribunal “a quo” simplesmente ignorou)].
Na sentença recorrida considerou o Mmo. Juiz [do Tribunal] “a quo” que em razão da nova fixação do valor patrimonial havia lugar à restituição do diferencial no imposto anteriormente liquidado e no pagamento de juros indemnizatórios a partir dessa data.
Defende a Recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT, que «a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética». E nessa medida, para além da restituição do montante pago, que lhe sejam liquidados juros indemnizatórios desde 30/03/2010, data do pagamento do imposto indevido.
Como decorre das alegações do recurso, a Recorrente delimita o seu recurso à parte da sentença relativa aos juros indemnizatórios devidos no período de 10/03/2010 (data do pagamento do imposto) a 12/03/2014 (data da decisão administrativa de fixação do VPT) sobre a quantia paga em excesso (€ 830.805,25) e resultante do diferencial dos valores patrimoniais atribuídos aos prédios no primeiro e segundo procedimento de avaliação.
O tribunal “a quo” considerou que a obrigação de reconstituição da situação anterior e consequente restituição do imposto pago apenas operou com a fixação do novo valor patrimonial, mas será que tal entendimento é o correto?
Aparentemente3 [3 Uma vez que o tribunal “a quo”, a nosso ver, não explicitou suficientemente as razões do entendimento adoptado.] tal entendimento é alicerçado no pedido formulado pelo Requerente da intimação, pois o tribunal “a quo” na enunciação da “questão decidenda” estabelece a ligação da obrigação de restituição do imposto com o acto de fixação do novo valor patrimonial dos prédios, destinando-se o meio processual de “intimação a um comportamento” a obrigar a Administração a dar execução a todos os efeitos decorrentes desse acto, ou seja, a restituir o imposto pago em excesso4 [4 E é este entendimento adoptado pelo tribunal “a quo” que subjaz à forma como abordou a questão.].
Resulta, assim, que o tribunal “a quo” não relevou outros efeitos à anulação do procedimento de avaliação, que não fosse a imposição à Administração de proceder a nova avaliação. Para o tribunal “a quo” a anulação do procedimento de avaliação apenas obrigava a ATA a encetar novo procedimento de avaliação e só perante o resultado deste segundo acto de avaliação é que se impunha a rectificação da liquidação e a restituição do imposto pago em excesso.
Afigura-se-nos, contudo, e salvo melhor opinião, que tal entendimento não é o correcto.
Desde logo porque o pedido formulado na acção por parte do contribuinte não contém essa restrição, uma vez que peticionou o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do seu pagamento (30/03/2010).
Ora, a partir do momento em que o primeiro procedimento de avaliação foi anulado, deixou de haver base legal para a manutenção do acto de liquidação adicional de IMT, por constituir um acto consequente do primeiro, como aliás o próprio tribunal “a quo” reconhece. E assim sendo impunha-se a restituição do imposto pago e eventual pagamento de juros indemnizatórios se a anulação do procedimento de avaliação tiver por fundamento a verificação de erro imputável à administração tributária. Com a fixação de novo valor patrimonial tributário aos prédios é que assiste eventualmente à AT novo direito a liquidação adicional de IMT se se verificar diferença para mais nesse valor.
Sucede que da sentença não se alcança qualquer elemento que permita concluir que o excesso da liquidação adicional de IMT se deveu a erro imputável à ATA, ou mais precisamente, que o procedimento de avaliação tenha sido anulado por erro imputável à ATA, e só neste caso é que há lugar à responsabilização desta última por acto ilícito, ao seja, ao pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT e art. 26.º, n.º 3, do CIMT.
Na verdade, tendo o primeiro procedimento de avaliação sido anulado (ainda que não tenham ficado esclarecidos os fundamentos dessa anulação), ao abrigo do qual foi feita a liquidação adicional do IMT, há lugar à reconstituição da situação anterior à do acto impugnado, nos termos do artigo 100.º da LGT, o que implica a restituição das prestações feitas ao abrigo desse acto. Com a anulação do acto de avaliação constituiu-se na esfera jurídica do contribuinte o direito à reconstituição da situação anterior, pois só com a fixação do novo VPT é que a AT passou novamente a poder exigir eventual diferença no imposto liquidado aquando da celebração do contrato de compra e venda.
Assim sendo, o facto de à ATA assistir a faculdade de renovar o acto de avaliação expurgado dos vícios que determinaram essa anulação, iniciando novo procedimento com esse fim, não significa que lhe assista o direito de suspender a restituição do imposto pago.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença incorreu em erro de julgamento, por ter apenas considerado que o direito à restituição do imposto pago se verificou com a fixação do novo valor patrimonial dos prédios e não com a anulação do anterior acto de avaliação»
Concluiu o Procurador-Geral-Adjunto:
«A anulação de ato de avaliação de imóvel, cujo VPT serviu de base à emissão de acto de liquidação adicional de IMT, origina a invalidade derivada (ou consequente) deste último acto tributário, recaindo sobre a ATA a obrigação de reconstituição da situação prévia à liquidação adicional, o que implica a restituição do imposto pago e eventual pagamento de juros indemnizatórios se aquela invalidade é imputável a erro da ATA.
O facto de a ATA ter a faculdade de renovar o acto de avaliação expurgado dos vícios que conduziram àquela anulação, não constitui obstáculo à restituição do imposto pago, pois o direito a eventual prestação tributária só ocorre com a fixação do novo valor patrimonial tributário e se este exceder o valor declarado aquando da aquisição do imóvel.
Atento que a sentença recorrida assim não o entendeu, impõe-se a sua revogação, determinando-se a baixa dos autos a fim de serem fixados factos sobre as razões da anulação do acto de avaliação, com vista a apreciar se há ou não lugar ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto»,

1.5 Cumpre apreciar e decidir.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra deu como provados os seguintes factos:

«A) Em 22.12.2005, a requerente celebrou contrato de compra e venda de parte de dois lotes de terreno para construção inscritos na matriz predial da Freguesia ………. provisoriamente sob os arts. P 3495 e P3496, à sociedade “B……….., S.A.”, a qual manteve a titularidade da parte restante, os quais se vieram a tornar definitivos na matriz sob os arts. 3545 e 3546 daquela Freguesia, pelo preço global de € 30.000.000,00 – cfr. cópia da escritura de compra e venda, de fls. 12 a 15 v., dos autos.

B) O requerente pagou o correspondente IMT pela referida aquisição, no valor de € 1.950.000,00, tendo a ATA iniciado um procedimento de avaliação dos referidos lotes, do qual foi fixado em 2.ª avaliação um V.P.T. superior ao valor declarado, tendo-se liquidado adicionalmente um IMT no montante total de € 912.964,26, do qual deduziu reclamação graciosa a qual foi indeferida, tendo apresentado recurso hierárquico que se encontra pendente, encontrando-se pago o imposto em execução fiscal desde 30.03.2010 – cfr. arts. 21.º, da p.i. e arts. 13.º e 14.º da resposta da F.P, Declaração p/ liquidação de IMT, de fls. 16 a 18, Documento de Cobrança, de fls. 18 v. e 19, “Extracto do Processo de Execução”, de fls. 19 v. a 24, requerimento de fls. 45 e segs. dos autos.

C) Os proprietários dos prédios referidos supra, apresentaram impugnações judiciais dos actos de fixação dos V.P.T., tendo sido determinado, na acção interposta pelo outro co-proprietário, a invalidade do procedimento avaliativo, ainda que o A. não tenha tido vencimento na acção por si interposta, tendo a ATA notificado o requerente para o novo procedimento avaliativo, o qual solicitou uma 2.ª avaliação para efeitos de IMT nos termos do disposto no n.º 3 do art. 76.º do CIMI – cfr. n.ºs 14.º e 15.º da p.i. e arts. 2.º e 3.º e arts. 5.º a 8.º da resposta da R e requerimento de fls. 36 e segs. dos autos.

D) Em resultado do novo procedimento avaliativo referido supra foi determinado o VPT dos imóveis em causa nos autos – cfr. ofício de fls. 44 e 44 dos autos.

E) Em 16.06.2014 o A. requereu à ATA o processamento do reembolso do imposto a mais suportado, o qual não mereceu qualquer resposta – cfr. requerimento de fls. 45 e segs., dos autos.

F) Da fixação do V.P.T referido em D), foi deduzido impugnação judicial pelo outro co-proprietário, o qual se encontra pendente neste Tribunal – cfr. arts. 9.º a 11.º da Resposta da F.P. ».

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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A ora Recorrente apresentou pedido de intimação para restituição do IMT indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios desde a data do pagamento até integral reembolso.
Em síntese, alicerçou esse pedido no facto de, em impugnação judicial deduzida por um dos comproprietários dos prédios cuja aquisição deu lugar ao pagamento do IMT, ter sido anulado o acto de 2.ª avaliação de que resultou a liquidação adicional de imposto, cujo montante pagou e que a AT não lhe devolveu, nem sequer decidiu o pedido que a ora Recorrente lhe efectuou nesse sentido.

2.2.1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferiu sentença na qual, se bem a interpretamos, julgando o pedido procedente e considerando que se deviam ter por anuladas as liquidações que haviam sido praticadas com base no VPT judicialmente anulado, intimou a AT a restituir os montantes de IMT liquidados, acrescido de juros indemnizatórios, mas, no que respeita ao dies a quo do prazo de contagem dos juros, situou-o na data da decisão administrativa que fixou o novo VPT aos prédios em causa e não, como tinha pedido o Requerente, na data do pagamento.

2.2.1.3 É dessa sentença que vem interposto o presente recurso pelo Requerente.
Sustenta, que os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento indevido e não, como decidiu a sentença recorrida, apenas desde a data em que foi fixado o novo VPT aos prédios em causa. Isto, em síntese, porque a anulação da liquidação implica o desaparecimento de todos os seus efeitos ex tunc, ficando a AT obrigada a reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, nos termos do disposto no art. 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), designadamente mediante a concessão de juros indemnizatórios à Requerente, ora Recorrente, que se viu indevidamente privado do montante de IMT que lhe foi liquidado com base num VPT que veio a ser anulado judicialmente, por excessivo, motivo por que estão verificados os requisitos de que o art. 43.º da LGT faz depender a concessão daqueles juros.
Mais salientou a Recorrente que não estamos perante uma daquelas situações, como as da anulação do acto tributário por iniciativa da AT ou da revisão oficiosa do acto por iniciativa do contribuinte em que a LGT fixa expressamente o momento inicial da contagem dos juros indemnizatórios em data diferente da do pagamento indevido [cf., respectivamente, as alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT], motivo por que não restam dúvidas de que a anulação dos actos de liquidação em consequência da anulação judicial do acto que fixou o VPT dos prédios dá origem a juros indemnizatórios a contar desde a data do pagamento indevido do imposto, nos termos do disposto no art. 61.º, n.º 5, do CPPT.

2.2.1.4 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando estabeleceu como termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios que intimou a AT a pagar à Requerente o dia em que a AT fixou o novo VPT aos prédios ou se, ao invés e como sustenta a Requerente e ora Recorrente, esses juros deveriam ser contados com início no dia em que foi pago o IMT liquidado com base no VPT que veio a ser anulado judicialmente.
Antes do mais, e tendo também em conta o teor do parecer do Procurador-Geral-Adjunto junto deste Supremo Tribunal, cumpre salientar que no âmbito deste recurso se não pode discutir se o meio processual escolhido pela Requerente para fazer valer o seu direito é o adequado, se a AT deveria ou não ter sido intimada, ou sequer se são devidos juros indemnizatórios: a todas essas questões deu resposta o Tribunal de 1.ª instância e, nessa parte, porque a AT não recorreu da sentença (Ou melhor, recorreu, mas, ainda antes de ser proferido despacho a apreciar a admissibilidade do recurso, a AT desistiu do recurso.), esta transitou em julgado, como decorre do disposto no art. 628.º do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável subsidiariamente ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT. Não pode, pois, este Supremo Tribunal reapreciar qualquer outra questão senão a que lhe vem trazida em sede de recurso, qual seja a do dies a quo do prazo de contagem dos juros indemnizatórios.

2.2.2 DO DIES A QUO DO PRAZO DE CONTAGEM DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Como bem referiu a Recorrente, a regra é a de que os juros indemnizatórios são devidos a partir do pagamento indevido da dívida tributária, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT; regra que, no caso, resulta aplicável por força do art. 46.º do Código do IMT, norma que tem como epígrafe «Reembolso do imposto», cujo n.º 3 dispõe: «São devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária que são liquidados e pagos nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
É certo que na mesma norma se exige, como condição para que sejam atribuídos juros indemnizatórios, que «se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços». Mas esse requisito deve ter-se já por verificado pelo Tribunal a quo, que reconheceu que são devidos os juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT, num segmento em que a sentença transitou em julgado. Na verdade, a liquidação adicional de IMT deve ter-se como anulada por erro imputável aos serviços, na medida em que a sua anulação é consequência da anulação do acto de fixação do VPT em impugnação judicial (deduzida pelo outro comproprietário dos imóveis) por ter sido fixado, ilegalmente, em montante excessivo.
Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, «O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte» (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, 2012, anotação 2 ao art. 43.º, pág. 342.).
Por outro lado, facto de esse erro ter ocorrido, não no acto de liquidação em sentido estrito, mas em fase anterior do procedimento de liquidação, não deixa de relevar, desde que tal erro se repercuta no acto final (Nesse sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume I, nota 5 b) ao art. 61.º, pág. 530, que diz: «Embora não se refira expressamente, no n.º 1 deste art. 43.º, que o acto viciado por erro deve ser um acto de liquidação, são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos daquele tipo que se reporta esta disposição. // No entanto, para afectar o acto de liquidação, o erro pode ocorrer em qualquer acto anterior, inserido no processo global de liquidação, desde que o acto final venha a nele assentar. Será o caso de erro no acto de fixação da matéria colectável que é a base do acto de liquidação».), como sucedeu no caso, em que o erro ocorreu na fase da determinação da matéria colectável mas se repercutiu no acto de liquidação.
Assim, e na ausência de norma especial que fixe outro dies a quo para a contagem dos juros indemnizatórios [v.g., as alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT], deve ter-se como aplicável o n.º 5 do art. 61.º do CPPT, como bem sustenta a Recorrente.
O que significa que os juros indemnizatórios são a contar desde a data do pagamento indevido do IMT, ou seja, desde 30 de Março de 2010.
A sentença, na medida em que decidiu em sentido diverso, não pode manter-se.

2.2.3 DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

Atento o valor do processo – € 1.006.981,49 – suscita-se oficiosamente a questão dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Ou seja, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, o recurso, na medida em que incidiu apenas sobre o termo inicial do prazo dos juros indemnizatórios, pode considerar-se de complexidade inferior à média.
Para além disso, o valor a pagar a título de remanescente afigura-se-nos elevado em face do serviço prestado, susceptível mesmo de ofender os princípios constitucionais do direito de acesso aos tribunais e da proporcionalidade decorrentes do estatuído nos arts. 20.º, n.º 2.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.
Assim, quer em face da menor complexidade do recurso quer para obviar à desproporção entre o serviço efectivamente prestado e o valor da taxa de justiça, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça pedida pela Requerente, sendo também que a conduta processual das partes no recurso não merece censura que obste a essa dispensa.

2.2.4 CONCLUSÕES

Em face ao exposto, o recurso será provido e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Na sequência da anulação judicial do VPT, por ter sido fixado em montante excessivo, a AT deve proceder oficiosamente à anulação do IMT liquidado com base nesse valor.
II - Nesse caso, deve a AT, não só restituir o imposto indevidamente pago, como também pagar juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até ao total reembolso do montante (cf. art. 43.º, n.º 1, da LGT, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 46.º do CIMT, e art. 61.º, n.º 5, do CPPT).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e intimar a AT a pagar os juros indemnizatórios desde a data do indevido pagamento (30 de Março de 2010) até integral reembolso do montante do imposto.

Custas pela Recorrida, que ficou vencida no recurso [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT] e que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal porque não contra-alegou o recurso, com dispensa do remanescente da taxa de justiça (cf. 2.2.3).

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Lisboa, 28 de Outubro de 2020. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Paulo José Rodrigues Antunes.