Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0146/18
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI JURIS
Sumário:Não é de admitir a revista quando o fundamento do indeferimento do pedido de suspensão de eficácia do embargo foi a inexistência de fumus boni iuris e as razões que determinaram esse indeferimento foram ponderadas e nada indica que as mesmas sejam erradas.
Nº Convencional:JSTA000P22960
Nº do Documento:SA1201802220146
Data de Entrada:02/09/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:ME
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A……….. intentou, no TAF de Almada, contra o Ministério da Educação, providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia do acto do Conselho Geral do Agrupamento de Escolas de ………. que recusou a sua recondução como Directora daquele Agrupamento e determinou a abertura de concurso para preenchimento desse lugar.
Indicou como contra interessada B………...

Sem êxito já que aquele Tribunal indeferiu a requerida providência.
Decisão que o TCA Sul manteve.

É desse acórdão que A……….. (art.º 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF indeferiu a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Geral do Agrupamento de Escolas de ………. que recusou a recondução da Requerente como Directora daquele Agrupamento pela seguinte ordem de razões:
Resulta patente do artigo 25.º do RAAG, que o mandato do diretor dos agrupamentos de escola é de 4 anos, recaindo sobre o Conselho Geral, até 60 dias antes do termo daquele mandato, a sua recondução ou a abertura de procedimento concursal com vista à realização de nova eleição (n.º 2).
Mais dimana daquele preceito legal que a decisão de recondução deve ser tomada por maioria absoluta dos membros do conselho geral em efetividade de funções (n.º 3).
…..
Ora, o mencionado n.º 2 do artigo 25.º do RAAG não exige que a deliberação de recondução ou de abertura de procedimento seja fundamentada, embora, no caso em apreço, tenha ocorrido a discussão do mandato da Diretora na reunião anterior à votação (alínea D) do probatório).
No caso também não se vislumbra que tenha sido negado, restringido ou afetado qualquer direito ou interesse legalmente protegido da Requerente, posto que não se considera existir uma expectativa legítima de recondução no termo do respetivo mandato, dado que é o regime legal aplicável que exige que o Conselho Geral delibere sobre a recondução ou não no cargo.
Mais argumentou a Requerente que «…a recondução baseada […] numa votação secreta sem que das respetivas atas decorra sequer que foi aprovada por 2/3 dos membros do Conselho Geral em efetividade de funções é uma deliberação nula, por violação dos normativos atrás citados» (artigo 21.º do RI).
Também aqui não se vislumbra que a pretensão da Requerente mereça provimento.
Tal como sobredito, a decisão de recondução deve ser tomada por maioria absoluta dos membros do conselho geral em efetividade de funções (artigo 25.º, n.º 3 do RAAG).
No caso dos autos, o Conselho Geral do Agrupamento de Escolas de ……….. é composto por 21 membros (alínea C do probatório). Resulta claro do teor da ata da reunião de 23/03/2017 que se encontravam presentes 19 votantes e que 17 dos membros presentes votaram contra a decisão de recondução da ora Requerente (alínea F) do probatório).

Ante o exposto, não se julga verificado o requisito do fumus boni iuris, por não se mostrar provável a procedência da ação principal.
Destarte, porque se tratam de requisitos cumulativos ….. Fica prejudicado o conhecimento das demais questões e argumentos invocados pelas partes.”

O Acórdão recorrido manteve essa decisão com a seguinte fundamentação:
Em primeiro lugar …. nessa reunião foram apurados 17 votos contrários à recondução e 2 favoráveis, referindo-se expressamente que a decisão do Conselho Geral foi de não recondução para um novo mandato de 4 anos e que se diligenciaria no sentido de abrir o procedimento concursal para a eleição do Director.
Em segundo lugar, a deliberação sobre a recondução de um Director que se encontre na recta final do seu primeiro mandato é legalmente imperativa, nos termos do art. 25.º, n.º 2 e 3 do RAAGE, quer o Director tenha ou não manifestado interesse na recondução.
Em terceiro lugar, ….. dúvida não há em como o Conselho Geral tinha fundamento legal e regulamentar para afastar a votação nominal e adoptar o escrutínio secreto, o qual se impunha de modo a tutelar devidamente os valores constitucionais e legais da reserva da intimidade da vida privada.
Em quarto lugar, o acto de não recondução também não ofendeu qualquer posição jurídica positiva detida pela Autora, nem lhe infligiu uma situação jurídica de desvantagem. …. É que o Director exerce um mandato cuja duração é cronologicamente limitada, não podendo exceder 4 anos (art. 25.º, n.º 1 do RAAGE), sendo que ainda antes de esgotado esse tempo – a não menos de 60 dias do termo do mandato -, o conselho geral, nos termos do nº 2 do art. 25 do RAAGE, “delibera sobre a recondução do diretor ou a abertura do procedimento concursal tendo em vista a realização de nova eleição”. Donde, contrariamente ao que a RECORRENTE parece pressupor, não existe um direito à recondução no cargo … . E se expectiva existiu … não se trata de uma expectativa legalmente tutelada, uma vez que nenhuma norma, a propósito da renovação, lhe aufere uma posição jurídica de vantagem. Por esta ordem de razões, não é aplicável ao caso o art. 152.º, n.º 1, al. a), do CPA.
Em quinto lugar, …. considerando a deliberação em concreto, não se detecta, desde logo, a injuntividade dessa fundamentação, nenhuma norma legal a prescrevendo. …
…..
… no actual regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma. E a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunem com a ideia de que os vícios devam ser apreciados exaustivamente.
Do exposto resulta que, caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo sumário e perfunctório de probabilidade de procedência da acção principal. …...
Assim, em face do que supra se evidenciou não é possível decretar a pretendida providência cautelar, pois que a acção principal destinada à anulação do acto suspendendo estará votada ao fracasso, não se antevendo o mínimo de probabilidade daquele acto vir a ser anulado na acção principal.
Donde, na falta de prova, ainda que sumária, da invalidade do acto suspendendo, não poderia deferir-se a providência requerida, tornando-se assim inútil, sequer conhecer do requisito do periculum in mora.”

3. A Recorrente sustenta que, no caso, se exigia a fundamentação da deliberação censurada e isto porque o Conselho Geral que a tomou foi convocado sem que na sua ordem de trabalhos constasse qualquer menção à questão da sua recondução. De resto, nessa reunião “houve várias intervenções críticas sobre questões pontuais e outras elogiosas, não existindo qualquer deliberação no sentido de não aprovação do mandato da Recorrente no seu todo e muito menos qualquer proposta sobre a não renovação do mandato da mesma, ou sequer reacção (positiva ou negativa), quanto àquela renovação, a não ser a menção no final da Ata de que a Recorrente tinha manifestado interesse em ser reconduzida no exercício do mandato para dar continuidade ao trabalho realizado durante o mandato que estava a terminar.”

4. Esta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que as mesmas constituem uma regulação provisória, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão deste recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica da situação apreciada no processo cautelar.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas por cada uma das partes e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).

No caso, está em causa o julgamento de indeferimento da requerida medida cautelar por ter sido entendido que não se verificava o fumus boni iuris.
E tudo indica que a Recorrente litiga sem razão quando sustenta que o Acórdão incorreu em erro de julgamento quando considerou que o acto que a não reconduziu como Directora do Agrupamento de Escolas não necessitava de fundamentação expressa. E isto porque as razões que justificaram o indeferimento da requerida providência foram largamente ponderadas, nada indicando que as mesmas sejam erradas.
Finalmente, ainda se dirá que a situação retratada nos autos não só é muito particular e muito circunscrita como a razão de direito que determinou o contestado indeferimento vai ser reapreciada, desta vez de forma mais aprofundada, na acção principal.

Decisão.
Termos em que, em conformidade com o exposto, os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.