Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0940/13.7BALSB
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CONTRATO
ACÇÃO ADMINISTRATIVA
RESOLUÇÃO
INCUMPRIMENTO
Sumário:I - No contrato de concessão de um benefício fiscal, o objecto é um benefício fiscal, ou seja, um elemento essencial do imposto que concorre na sua determinação para o desagravamento do quantum daquela obrigação, sendo esta obrigação de base legal e estritamente vinculada, e o mesmo sucedendo com o benefício fiscal, que apenas pode ser concedido nos termos da lei e na medida da lei, contratualizando-se apenas a medida do benefício (o seu quantum) e os pressupostos em que radica o reconhecimento do mesmo.
II - Nos contratos de concessão de benefícios fiscais o Estado visa apenas conceder um estímulo financeiro por via fiscal aos investidores, “comprometendo-se”, mediante vínculo contratual, a reconhecer-lhes um crédito fiscal, o qual depende de os investidores co-contratantes conseguirem atingir os objectivos contratualmente fixados, pois caso não o consigam, o Estado resolve o contrato por incumprimento.
III - Nos contratos de concessão de benefícios fiscais não há partilha de risco e a gestão do contrato, a admitir-se, terá de realizar-se nos estritos termos previstos na lei que prevê a contratualização do benefício fiscal em causa.
IV - Os benefícios fiscais decorrentes de contrato constituem-se com a celebração do mesmo mas apenas adquirem eficácia com o cumprimento do contrato, o que significa que, em caso de incumprimento, essa eficácia nunca se desencadeia e, como tal, não se fundam expectativas legítimas do co-contratante à titularidade daqueles benefícios.
V - Na caducidade do direito à liquidação em caso de contratualização de benefícios fiscais aplica-se o disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, ou seja, o prazo de caducidade suspende-se, desde o início do mesmo até à resolução do contrato.
VI - A fundamentação do acto de resolução do contrato deve considerar-se cumprida nos casos em que a mesma resulte de remissão para o Relatório do CICIFI, sempre que o co-contratante tenha sido notificado do mesmo e revele ter conhecido, integralmente, o iter lógico em o mesmo se sustenta.
Nº Convencional:JSTA000P26767
Nº do Documento:SA2202011180940/13
Data de Entrada:09/18/2013
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A…………, S.A., com os sinais dos autos, intenta acção administrativa especial contra a Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério das Finanças (Autoridade Tributária e Aduaneira), com vista à anulação do acto administrativo consubstanciado na resolução de contrato de concessão de benefícios fiscais nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 09/2013. Cumula este pedido com o pedido de condenação ao cumprimento, total ou parcial, deste contrato fiscal.

2 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer tendo concluído “… pela procedência da presente acção, anulando-se o acto impugnado com base no invocado vício de falta de fundamentação, não implicando essa eventual anulação, salvo melhor entendimento, a procedência dos pedidos de cumulativa e subsidiariamente formulados, atenta a natureza formal do vício em causa que não impede que o conteúdo substancial do acto possa ser renovado, com expurgação do vício que o inquina”.

3 - Foi proferido despacho saneador não se suscitando questões quanto à competência do Tribunal em razão da nacionalidade, da hierarquia e do território, de igual modo não se suscitaram questões quanto à personalidade, capacidade e legitimidade da Autora e dos Réus.
Nesse despacho foi julgada improcedente a excepção da litispendência arguida na contestação pelo Réu Ministério das Finanças. No mesmo despacho foi considerada desnecessária a inquirição de testemunhas arroladas pela Autora, por se afigurar que a prova documental produzida nos autos é suficiente para a decisão da causa.
Finalmente, foi entendido não ser “possível conhecer imediatamente do mérito da causa neste despacho saneador, por a Autora não ter requerido a dispensa de alegações finais, conforme prevê a alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA”. Nesta conformidade foi determinado que a Autora e as entidades demandadas fossem notificadas para apresentar, querendo, alegações escritas.
4 - A Autora apresentou alegações escritas que concluiu do seguinte modo:
a) O acto que determina a resolução sancionatória do presente contrato de concessão de benefícios fiscais deve ter-se por ilegítima, desde logo, porquanto o mesmo, de acordo com uma adequada leitura das normas legais e cláusulas contratuais tidas como aplicáveis, feita à luz dos princípios da boa-fé e da proporcionalidade, se deve ter por integral ou, ao menos, parcialmente, cumprido;
b) Além disso, a resolução sancionatória do presente contrato estaria, sempre e em qualquer caso, dependente do incumprimento culposo, fruto de uma conduta censurável, da Autora, o que, no caso, manifestamente, não sucede (e daí também a ilegitimidade do acto de resolução sancionatória), dado que esta não só adoptou, sem solução de continuidade, a conduta própria de um bom pai de família, como, além disso, apenas circunstâncias anormais e imprevisíveis (ao menos no seu alcance efectivo ou no seu impacto real) a impediram de dar, mesmo que se adopte a perspectiva dos Réus (o que desde já se repudia) sobre os pressupostos de que era feito depender o efectivo cumprimento do contrato, plena resposta às exigências contratuais, ainda que consideradas nesta perspectiva enviesada;
c) Acresce, por outro lado, que, em face do disposto no art.º 46.º da LGT, os créditos tributários emergentes para a Autora do Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais ora em apreço já se haviam consolidado na sua esfera jurídica e isto na medida em que já havia caducado para a AT o direito à prática de qualquer acto de liquidação (adicional).
d) Por fim, o acto de resolução sancionatória do Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais deve, ainda, ter-se por ilegal atenta a sua falta de fundamentação e isto na medida em que não dá a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que esteve na base da sua adopção.
Termos em que se conclui como na Petição Inicial,
Requerendo-se que a presente acção seja julgada procedente, por provada, com as legais consequências.



5 - A Ré, Presidência do Conselho de Ministros, produziu as suas alegações escritas, tendo concluído do seguinte modo:
1.1. A A. nada aduz nas suas alegações escritas que permita concluir pela procedência da ação, limitando-se a tentar replicar às contestações anteriormente apresentadas;
1.2. De todo o modo, o ato impugnado é legal não padecendo de vício algum;
2.1. O Contrato de Investimento (CI) e o Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais (CCBF) celebrados entre o Estado Português e a A. tiveram como período de vigência o período compreendido entre 8 de junho de 2004 e 31 de dezembro de 2008 (cf. Cláusula Décima- Segunda do CI junto sob Doc. n.º 3 da PI);
2.2. A alegação de que a candidatura objeto do CI e do CCBF diz respeito ao período compreendido entre 2002 e 2006, não é correta, não tendo qualquer correspondência com o que consta dos mencionados Contratos, constituindo uma violação do art. 238.º do Cód. Civil;
2.3. Ademais, só excecionalmente os contratos podem ter eficácia retroativa, não constando nem do CI, nem do CCBF, a indicação de qualquer exigência imperiosa de direito público que justificasse tal putativa eficácia retroativa;
2.4. Isto é, nem a Autora, nem o Estado Português atribuíram eficácia retroativa ao CCBF;
2.5. Nos termos do CCBF, a atribuição, em definitivo, de benefícios fiscais à A. ficou dependente da percentagem («grau» na linguagem do CCBF) de cumprimento dos objetivos contratuais (Grau de Cumprimento do Contrato ou "GCC"), através da medição de 4 indicadores/condições constantes em 5.2., Cláusulas Sétima e Décima Segunda do CCBF no período compreendido entre 8 de junho de 2004 e 31 de dezembro de 2008 (Doc. n.º 3 da PI);
2.6. Quanto à resolução do CCBF, releva-se que, entre outros casos, ficou previsto o não cumprimento pela A. dos objetivos previsto nas suas Cláusula Quinta e Sétima, designadamente, o não cumprimento do GCC e a não manutenção de 1904 postos de trabalho no final de 2008 (cf. Cláusula Décima do CCBF junto sob Doc. n.º 3 da PI);
2.7. A verificação do preenchimento do GCC e o próprio processo de resolução do CI por não cumprimento GCC não são automáticos, dependendo:
- Do fecho dos respetivos exercícios por parte da A., o que, conforme é do domínio público, ocorre, no cenário mais curto, no final do primeiro trimestre do ano seguinte do exercício a analisar;
- Da fiscalização e do acompanhamento do cumprimento do CI e do CCBF;
- Da tramitação acordada nas Cláusulas Oitava a Décimas do CI, nos termos quais, haverá que se tomar em consideração, pelo menos um prazo adicional de mais 60 dias, contados de acordo com as regras fixada no CPA;
2.8. Nos anos subsequentes a 2004, o GCC pela A. foi sistematicamente inferior a 75%, concretamente de 69%, 70% e 71 %, respetivamente entre 2005 e 2007, e de 66% em 2008;
2.9. Em 2004, data da celebração do CI, a A. tinha ao seu serviço 1904 postos de trabalho, passando para 1139 em 2008, redução superior a 40%;
2.10. Assim, na vigência do CI e do CCBF os objetivos contratualmente fixados não foram cumpridos;
2.11. A própria A. confessa que não cumpriu o acordado no CCBF, quando tenta demonstrar que o período de verificação do GCC é outro que não o período fixado no mesmo;
2.12. Assim, impõe-se concluir que a A. não cumpriu as condições do CCBF que determinavam a atribuição do Incentivo Fiscal acordado, sendo correta a Resolução do Conselho de Ministros nº 9/2013, de 20 de janeiro - cf. Doc. n.º 1 da PI;
3.1. O direito de resolução da R. PCM do CCBF não depende de culpa, não estando em causa uma indemnização da A. ao Estado Português (nem sequer uma sanção ou um castigo);
3.2. Apenas o exercício de um direito potestativo, convencional, de resolução, consequência lógica e normal do não se terem verificado as condições de que dependia a concessão do benefício fiscal acordado, permitida nos termos do art. 432.º do Cód. Civil;
3.3. Ou seja, ao abrigo da autonomia privada, as partes acordaram que certos eventos objetivos - os previstos da Cláusula Décima do CCBF - conferiam a uma das partes - o Estado Português - o direito de, querendo, declarar resolvido o CI e o CCBF;
3.4. A tese da A. de que a resolução do CCBF teria se ser culposa levaria a um resultado absurdo e contrários às regras da boa-fé: o direito da A. a um benefício apesar de os resultados de que dependia a mencionada concessão não terem sido atingidos!;
3.5. Ademais, tal interpretação não tem um mínimo de correspondência no texto do CCBF, representando uma violação do artigo 238.º do Cód. Civil;
3.6. Com efeito, "facto imputável" apenas pretende significar o não cumprimento dos objetivos e obrigações do CCBF por um comportamento causal da A. ou dos seus sócios, isto é, por atos ou condutas dos mesmos, excluindo-se, assim e apenas, o não cumprimento por ato de terceiro;
3.7. De todo o modo, o não cumprimento da GCC só pode ser imputado à A., designadamente pela decisão de diminuir o número de postos de trabalho entre 2004 e 2008, na ordem dos 40%, através de despedimentos e/ou rescisões e/ou através da não contratação de novos trabalhadores em substituição dos trabalhadores que, nesse período, tenham decidido deixar de trabalhar com a A.;
4.1. Sem conceder, sempre se acrescentará que, ainda que o direito de resolução da R. PCM dependesse de um juízo de culpa da A., a mesma não demonstrou, como lhe competia, não ter atuado sem culpa (pelo menos, sob a forma de negligência);
4.2. A A. suporta a sua alegada diligência numa alteração das circunstâncias motivada por dois eventos, a saber: o 11 de setembro de 2001 e a liberalização do mercado dos têxteis em 2005;
4.3. Contudo, sem razão por ambas as situações serem antecipáveis pela A. à data da assinatura do Cl e do CCBF, 8 de junho de 2004, pelo que a A. necessariamente incorporou no contrato os riscos provenientes tais situações;
4.4. Quanto ao 11 de setembro de 2001, por razões óbvias, pois em 2004, os efeitos desse evento, designadamente no sector têxtil, já se sentiam;
4.5. Quanto à liberalização do mercado dos têxteis, porque apesar de a mesma só ter ocorrido em 2005, os seus efeitos negativos podiam (e deveriam) ter sido antecipados pela A. muito antes dessa data;
4.6. A dita liberalização já era conhecida desde 1995, ano em que se tinha iniciado um período de integração da indústria têxtil e de confeção no marcado regulador da Organização Mundial do Comércio, período esse que terminaria no início de 2005;
4.7. Assim resultou do Acordo Sobre os Têxteis e o Vestuário (ATV), relativo à Indústria Têxtil e Confeção, que previu um período de integração iniciado em 1995 e a finalizar no ano 2005;
4.8. Tratou-se, de um Acordo temporário, um acordo de transição 1994-2004, que tinha o propósito de acabar paulatinamente com o sistema de quotas imposto aos países em desenvolvimento pelo Acordo Multifibras (1974-1994);
4.9. O ATV pressupunha a progressiva integração dos produtos têxteis e de confeção na normativa reguladora da OMC, o que implicava uma eliminação das quotas dos países para os produtos do sector e uma nivelação mundial das taxas alfandegárias;
4.10. Por outro lado, no ano de 2000 (l ano antes de a A. se ter candidatado aos benefícios fiscais, e 4 anos antes de ter assinado o CI com o Estado Português), a Associação Portuguesa dos Têxteis e Vestuário fez publicar um Estudo intitulado "IMPACTO DA LIBERALIZAÇÃO DO COMÉRCIO MUNDIAL DE TÊXTEIS E VESTUÁRIO NA INDÚSTRIA PORTUGUESA" (estudo disponível no site da APTV em http://www.atp.pt onde a própria A. participou!);
4.11. Neste Estudo, entre outros aspetos, chamava-se a atenção para:
- Os riscos da invasão de produtos chineses da UE, tantos têxteis, como de confeção;
- A desaceleração geral das exportações portuguesas de produtos têxteis e de confeção;
- O facto de «a futura situação gerada pelo ATV implica uma série de riscos que variam em função da especialidade têxtil das empresas […]», designadamente um decréscimo do emprego deste setor;
4.12. Em face do exposto, uma alegada alteração das circunstâncias resultante da liberalização do mercado dos têxteis foi normal na medida em que era antecipável quer pela A., quer pelo Estado Português, pelo que foi integrada nos riscos próprios do contrato, isto é, do CI e do CCBF;
5.1. Por outro lado, mesmo que se considere existir uma situação de alteração anormal das circunstâncias, sempre a A. continua a ter culpa pelo seu não cumprimento;
5.2. Com efeito, o devedor que, podendo resolver ou modificar um contrato, com fundamento na alteração das circunstâncias (que não é o caso da A.), não o faça, permanece obrigado a cumprir as obrigações inicialmente assumidas e, não o fazendo, atua com culpa;
5.3. Ora, somente em abril de 2009 a A. pediu a renegociação do CI, mesmo então sem nunca invocar qualquer alegado direito potestativo de modificar o CI e/ou o CCBF com fundamento na alteração das circunstâncias;
5.4. Em abril de 2009, momento em que a A. se lembrou de pedir a renegociação do CI, já os critérios de pontuação fixados para medir o GCC tinham sido executados;
5.5. Ou seja, um alegado direito à modificação do CI pela A. não só era extemporâneo como inviável, na medida em que, por um lado, as condições de que dependia a atribuição do incentivo fiscal acordado tinham-se tornado, a partir de 31 de dezembro de 2008, definitivamente não verificadas e, por outro, o CI e do CCBF tinha terminado em 31 de dezembro de 2008;
5.6. O que permite concluir que a A. ao não ter optado por utilizar, em tempo, o mecanismo da alteração das circunstâncias (na hipótese, que não se aceita, de ser aplicável), aceitou cumprir o CI e o CCBF nas suas condições iniciais;
6.1. O crédito tributário da A. não se consolidou na sua esfera jurídica, pois a concessão dos incentivos fiscais acordador esteve sempre subordinado à constatação do cumprimento dos objetivos ou condições previstas na Cláusula Décima Segunda do CI (Doc. 3 da PI);
6.2. O facto que gera esta obrigação - a constatação do não cumprimento dos objetivos ou condições a que ficou subordinada a concessão de incentivos fiscais - só pode ser exercido a partir do ato revogatório dos benefícios provisoriamente concedidos, no caso a declaração de resolução, por resolução do Conselho de Ministros;
6.3. Uma vez que a concessão dos benefícios não tem por fonte um contrato stricto sensu, mas uma (em rigor 4) condição fixada nesse contrato, uma condição imprópria resolutiva - art. 270.º do Cód. Civil - isto é, um evento futuro e incerto: o GCC;
6.4. A lei é explícita que o prazo se suspende desde a sua celebração até à resolução do contrato e não, conforme sustenta a A. até à cessação da sua vigência;
6.5. Se o CI vigorou até 31-dez.-2008 e os benefícios fiscais então previstos ficaram condicionados a certos índices cuja verificação corresponde a um período que termina em 31-dez.-2008, não seria possível a R. PCM declarar resolvido o CI antes dessa data posto que, até lá, o fundamento da resolução não estava apurado;
6.5. O art. 46º da LGT determina a suspensão do prazo até à resolução do contrato, precisamente porque, sendo os benefícios da A. provisórios, o direito à liquidação e cobrança só pode ser exercido a partir da decisão que procede à sua resolução;
6.6. Não se encontra legalmente estabelecido qualquer prazo limite para a Administração considerar verificada, ou não, tal condição resolutiva, não consubstanciando, in casu, a respetiva verificação qualquer hipótese de prescrição, caducidade ou abuso de direito;
6.8. Em face do exposto, é forçoso concluir que o prazo de caducidade do direito à liquidação dos impostos devidos por força da declaração de resolução só pode contar-se a partir desta, pois só aí aquele podia ser exercido pela Administração (precisamente neste sentido, cf. 329.º do Código Civil, solução que cabe nos quadros do artigo 33.º do Código de Processo Tributário, tal como, aliás, nos do artigo 45.º da Lei Geral Tributária);
6.11. Em síntese, o não cumprimento dos objetivos que estiveram na base dos benefícios concedidos faz nascer, para a beneficiária-A., uma obrigação de restituição das importâncias correspondentes aos benefícios financeiros já recebidos e de pagamento das importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadas, conforme acordado pelas partes na Cláusula Décima Primeira do CBBF que ressalvou expressamente «independentemente do tempo entretanto decorrido desde a data da verificação dos respetivos factos geradores do imposto»;
6.12. Qualquer outra interpretação atentará contra o disposto no art. 238.º do Cód. Civil;
6.13. Esta tem sido, aliás, a posição do STA sobre o tema conforme acórdão de 1-out.-2008 (Miranda de Pacheco), Proc. n.º 0467/08, de 23-abr.-2008 (Brandão de Pinho), Proc. N.º 08/08, de 19-dez.-2007 (Jorge de Sousa), Proc. n.º 0617/07, disponíveis em www.dgsi.pt assim como de 2-fev.-2000, in AC, pp. 463-940;
7.1. A resolução da R. PCM (Doc. n.º 1 da PI), notificada à A. (Doc. n.º 1 da PI), contém o sentido da decisão e as razões de facto e de direito que a motivaram, nisto consistindo a sua fundamentação, tudo conforme os arts. 125.º do CPA e 77.º/1 da LGT, não se apresentando obscura, contraditória ou insuficiente;
7.2. Sem prejuízo, acrescenta-se que tem sido jurisprudência uniforme do STA – a partir do acórdão de 11-dez-1991, Rec. n.º 11.987 – que a falta de notificação da fundamentação não afeta a legalidade do ato, pois é um elemento exterior a este e não um requisito da sua perfeição. Assim, a eventual falta de notificação à A. desta fundamentação conduziria, apenas, à consequência prevista no art. 37.º do CPPT, podendo a A. ter requerido a notificação dos elementos alegadamente omitidos ou a passagem de certidão que os contivesse;
7.3. Por outro lado, como abundantemente tem sido entendido pela jurisprudência (v.g. Acs. do STA, de 15-jun.-1988, Rec. n.º 5073 e Ac, de 6-fev.-1991, Rec. n.º 13085), fundamentar um ato, uma decisão, uma deliberação consiste em indicar, concretamente, as razões de direito e de facto por se tomar a decisão com determinado sentido;
7.4. A A., destinatária da Resolução do Conselho de Ministros (Doc. n.º 1 da PI) ficou minimamente ciente do iter cognitivo e valorativo que determinou a prática daquele ato;
7.5. Com efeito, a mesma alude expressamente ao Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais celebrado em 8-jun.-2004 com a A., na sequência de Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2004, de 24 de junho, o que, por si só, permite à A., dado que celebrou tal contrato, saber perfeitamente a que realidade se estava a referir;
7.6. Por outro lado, consta da Resolução do Conselho de Ministros (Doc. n.º 1 da PI) que a resolução unilateral se fica a dever ao facto de a A. não ter cumprido integralmente os objetivos contratualmente fixados, verificando-se assim uma situação de incumprimento, sendo certo que a A. sabia quais eram os objetivos contratualmente fixados (nomeadamente os previstos na Cláusula Quinta) e que o não cumprimento dos mesmos, por facto exclusivamente atinente a A., constitua uma causa da resolução do CI;
7.7. Assim, apenas se pode concluir que a A. ficou minimamente ciente do iter cognoscitivo e valorativo que determinou a prática do ato de resolução pela R. PCM (tanto mais que, conforme alegou a A., foi-lhe dada a conhecer a decisão, e respetivos motivos, do Conselho Interministerial de submeter à aprovação do Conselho de Ministros a Resolução do CCBF (cf. arts 48.º e 49.º da PI e Doc. 28.º da mesma).
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicável, deve julgar- se improcedente, por não provada, a ação proposta contra a R. PCM, e, em consequência, absolver-se a mesma do pedido.
6 - O Réu, Ministério das Finanças, produziu as suas alegações escritas, tendo concluído do seguinte modo:
I - Através da vertente ação vem a A............ impugnar o ato administrativo consubstanciado na Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 09/2013, de 09 de fevereiro, que determinou a resolução do Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais (CCBF) celebrado com aquela, bem como formular pedido de condenação dos RR. ao cumprimento, total ou parcial, do CCBF, anexo ao Contrato de Investimento (CI), com o inerente pagamento à A. da quantia de € 1.847.657,60, acrescida de juros nos termos legais, correspondente aos benefícios fiscais atribuídos em conformidade com o clausulado naqueles contratos.
II - Para tal, defende a A. que a resolução unilateral do CCBF celebrado em 08.06.2004, declarada pela RCM nº 09/2013, padece de ilegitimidade jurídica, uma vez que, ao contrário do teor do ato impugnado, a A............ a) cumpriu o contrato, b) a ter existido incumprimento culposo do CI, o mesmo é resultado da alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; c) ocorreu a consolidação de créditos tributários na esfera jurídica da A.; d) o ato não se encontra fundamentado,
III - Todavia, não assiste razão à A., atento o enquadramento legal e contratual enunciado pelo R. nos arts. 38º a 79º do respetivo articulado de contestação e nas alegações antecedentes (cfr. págs. 3 a 12), para cujo teor se remete para os devidos e competentes efeitos.
IV - Assim, não se pode aceitar a invocação da A. no sentido de que o contrato foi cumprido.
V - Na verdade, o contrato não foi integralmente cumprido, sendo certo que a data da sua celebração - 08.06.2004 - é relevante não apenas em termos formais, mas também para efeitos de determinação do grau de cumprimento dos objetivos contratuais (GCC), o qual é reportado ao período de 2004-2008, como consta expressamente nos CI e CCBF, ambos outorgados livre e conscientemente pela A............ e que esta se obrigou a cumprir.
VI - Com efeito, estamos perante contratos que a lei impôs terem de revestir natureza formal e solene, pelo que somente poderão ser consideradas válidas as declarações negociais que observem a forma legalmente prescrita, ou seja, a forma escrita, sob pena de nulidade (arts. 219º, a contrario, 220º e 364º do CC).
VII - Por outro lado, quem negoceia com outrem para conclusão e celebração de um contrato, deve, tanto nos seus preliminares, como na formação do mesmo, agir de boa-fé (art. 227º do CC), pelo que não se pode aceitar o invocado pela A............ na presente ação, sob pena de se ter de concluir que a mesma fez uma declaração negocial sob reserva, o que não se quer crer.
VIII - Na verdade, face ao expressamente contratualizado entre o Estado Português e a A............, não faz qualquer sentido, nem se infere de qualquer critério de interpretação baseado na lei ou nas cláusulas contratuais - seja ela literal, sistemática, teleológica - a interpretação (forçada) expendida pela A., de que a Administração deveria considerar como "ano cruzeiro" no âmbito da medição do GCC, o ano de 2002, considerando, assim, que o GCC teria sido de 92,97%, pelo que a A............ teria direito à dedução integral do IRC correspondente a 10% das aplicações relevantes para o incentivo fiscal do projeto (€ 1.847.657,60), reportado aos exercícios de 1999, 2000 e 200, o que, não tendo sucedido, consubstanciaria agora o direito da A. ao reembolso de IRC em igual valor, a título de crédito tributário.
IX - É também de refutar o entendimento expendido subsidiariamente pela A. no sentido de que, mesmo atendendo ao período 2004-2008, sendo 2004 o "ano cruzeiro", se deveria considerar que a A............ tinha cumprido parcialmente o contrato (cl. 7ª, al. b), porquanto nesse ano o GCC atingido foi de 77,81%, pois tal entendimento implicaria desvalorizar - em proveito da A............ - a performance desta relativamente aos objetivos contratuais cumulativos fixados que teriam de se mostrar cumpridos (ou pelo menos, estar cumpridos numa percentagem igual a 75%) no termo de vigência do contrato (2008), ano terminal esse em que o GCC atingido pela A. foi apenas de 66%.
X - Não existem quaisquer dúvidas de que, nos termos das cláusulas contratuais a que a A. conscientemente se obrigou, o GCC dos objetivos contratuais fixados nas cl. 2ª do CI e 5ª do CCBF, medidos e ponderados nos termos definidos na cl. 7ª do CCBF, teria necessariamente de ter em conta os resultados e pontuação inerente atingidos no ano cruzeiro (2004) e no termo da vigência do contrato (2008), isto é, o GCC teria obrigatoriamente de ser medido nesses dois anos (ano cruzeiro e ano terminal).
XI - Se a A............ jamais atingiu um GCC igual ou superior a 75%, não poderá exigir ser-lhe reconhecido que cumpriu total ou parcialmente os objetivos contratuais.
XII - Igualmente se recusa a tese alternativa que o GCC se deveria aferir em termos médios por relação ao período entre 2002 e 2006, que teria sido de 78,55%, porquanto tal tese contraria frontalmente o estipulado contratualmente, designadamente quanto ao período a medir (2002- 2006), como quanto ao critério de medição (a média dos cinco anos).
XIII - Como linha secundária de defesa, a A............ invoca que, a ter existido um incumprimento contratual, o mesmo não foi culposo, resultando antes da ocorrência de um conjunto de circunstâncias não previsíveis aquando da celebração dos contratos, as quais consubstanciam uma alteração anormal das circunstâncias, nos termos previstos na Cl. 1.1. do CI.
XIV - Tais factos, que se repercutiram na execução do contrato, muito para além dos riscos cobertos pelo mesmo, derivariam, segundo a A., da atual crise económico-financeira que se arrasta desde 2008 até ao presente, e da crise específica que afetou o setor têxtil a partir do ano de 2005, que obrigou a A............ a vocacionar-se para uma única área de negócio por se ter tornado inviável a exploração económica de outra das suas principais áreas de atividade (mercado de fios e ramas).
XV - Porém, a A. não tem razão, por vários motivos:
XVI - Em primeiro lugar, recorde-se que a A. (Sociedade e Sócios) se comprometeu a realizar o projeto, nos termos, prazos e condições definidos no Contrato de investimento e a atingir os objetivos definidos na Cl. 2ª através da execução pontual do contrato - o que, aliás, decorre do estatuído no nº 1 do art. 406º do CC, segundo o qual o contrato deve ser pontualmente cumprido, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
XVII - Em segundo lugar, o direito civil prevê que, em caso de alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar - e desde que a exigência das obrigações assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato -, a parte lesada tem direito à resolução do contrato ou à modificação do mesmo segundo juízos de equidade (art. 437º, nº 1 do CC).
XVIII - A citada norma do CC encontrou eco na Cl. 1.1. do Contrato de Investimento, que prevê a figura da "alteração das circunstâncias", configurada como a "alteração anormal das circunstâncias em que as Partes fundaram a decisão de contratar desde que a exigência das obrigações assumidas pela Parte lesada afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do CONTRATO".
XIX - Ora, no âmbito específico do CI, os outorgantes acordaram que a existência de alteração de circunstâncias teria de ser reconhecida por conciliação das partes ou por recurso aos tribunais tributários (cl. 2.3. do CI).
XX - Da conjugação do regime legal geral e do regime contratual específico em causa resulta que as circunstâncias em que uma das partes pode, legitimamente, deixar de cumprir alguma das suas obrigações contratuais devem ser imprevistas e revestir natureza excecional, o que implica que não basta que uma das partes invoque a ocorrência de uma alteração anormal das circunstâncias em ordem a se eximir a uma ou mais obrigações contratuais, pedindo a modificação do contrato.
XXI - Na verdade, a parte que se considera lesada por factores que entende consubstanciarem uma anormal e imprevisível dos factos tem de i) invocar perante o co-contratante a ocorrência de uma ou mais circunstâncias anormais para o contexto anormal inicial do contrato; ii) concretizar o que considera ser essa ou essas circunstâncias anormais; iii) comprovar os factos concretos que entende consubstanciar as invocadas circunstâncias anormais; iv) concretizar e comprovar os danos ou prejuízos que para si resultam de ser obrigada a cumprir as obrigações contratuais tendo ocorrido a invocada alteração das circunstâncias; v) diligenciar por realizar tudo o supra enunciado quando o contrato ainda se mostra vigente.
XXII - Mais tem ainda de demonstrar que a alteração das circunstâncias em que fundou a sua decisão de contratar excedeu os normais e próprios riscos do negócio, principalmente quando essa parte contratante se trata de uma empresa comercial, que se move num mundo empresarial competitivo e global, tendo de lidar com a concorrência nacional e internacional;
XXIII - Por fim vii) incumbe-lhe demonstrar que a alteração das circunstância reveste tal anormalidade no contexto da atividade empresarial em que se habitualmente se move, e que se revelava imprevisível, aquando da celebração do contrato, prever essa ocorrência.
XXIV - No caso concreto, a A. jamais invocou, e comprovou, no prazo de vigência do contrato e nos moldes previstos no mesmo, a ocorrência de concretas e anormais alterações das circunstâncias, e de concretos danos ou prejuízos resultantes dessas alterações, sendo, inclusive de realçar que os factores invocados pela A............ como constituindo alteração anormal das circunstâncias são meras alegações vagas e genéricas e/ou desprovidas de qualquer nexo de causalidade com a realidade contratual.
XXV - A A. não cuidou de demonstrar, v. g., como é que a invocada crise específica que afetou o sector têxtil a partir do ano de 2005, a afetou em concreto, quais os prejuízos concretos sofridos, bem como se o facto de ter, alegadamente, redirecionado a sua atividade para uma única área de negócios foi resultado direto dessa crise global ou se, ao invés, resultou de uma mudança de estratégia empresarial e concorrencial ...
XXVI - Por outro lado, tendo o contrato cessado vigência em 31.12.2008, não se compreende - nem a A. o demonstrou minimamente - como é que "a atual crise económica e financeira que se arrasta desde o ano de 2008 até ao presente" teve influência no incumprimento dos objetivos e metas contratuais medidos e ponderados em 2008...
XXVII - Acresce que, mesmo a ficcionar-se como verdadeiro o cenário tecido pela A., o certo é que esta não solicitou, nessa sequência, ao contraente público, a renegociação do contrato, nos termos da cl. 2.3. do CI., somente tendo vindo a apresentar um pedido de renegociação do contrato em Abril de 2009, já após a cessação da vigência daquele, não sendo, então, natural e legalmente possível, modificar - ou até resolver - um contrato, cuja vigência já havia terminado em 31.12.2008.
XXVIII - Mais invoca a A. que, uma vez que o Conselho de Ministros só resolveu o contrato mais de 4 anos após o termo da sua vigência - ocorrido em 31.12.2008 -, já teria caducado o direito a liquidar tributos consubstanciados em benefícios fiscais de natureza contratual, tendo-se consolidado na esfera jurídica da A............ os créditos tributários inerentes.
XXIX - Porém, a A. parece querer fazer olvidar o teor do nº 2 da RCM nº 09/2013, de 9 de fevereiro, na qual expressamente se determinou que, nos termos do clausulado contratual celebrado com a A............, bem como do estipulado no art. 13º do DL nº 409/99, de 25 de outubro, a resolução do CCBF implica a perda total dos benefícios fiscais concedidos, bem como a obrigação de, no prazo de 30 dias, a contar da respetiva notificação e independentemente do tempo decorrido desde a data da verificação dos respetivos factos geradores de imposto, pagar, nos termos da lei, as importâncias correspondentes às importâncias fiscais não arrecadadas, acrescidas de juros compensatórios.
XXX - Ou seja, o que está aqui em causa não tem a ver com a Administração Tributária pretender efetuar liquidações adicionais de IRC relativas ao tempo de vigência do contrato, cujo direito caducaria 4 anos contados do termo do contrato, mas antes a obrigação da A............ pagar, no prazo de 30 dias, a contar da data da respetiva notificação, as importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadas, deriva do facto de o Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais ter sido resolvido em 09.02.2013, sendo o ato de resolução do contrato, motivado pelo incumprimento dos objetivos contratuais a que a A............ se tinha vinculado.
XXXI - Como está comprovado, a medição do GCC efetuada após a cessão do contrato e com referência a 31.12.2008 registou um GCC de apenas 66%, consubstanciador de uma situação de incumprimento contratual por parte da A., pelo que perante tais medição e resultado, o CICIFI remeteu em 2012 ao Conselho de Ministros a Decisão nº 221/2011, de 30 de Setembro, que submete à aprovação daquele a resolução do CI, e seus anexos, celebrados com a A.............
XXXII - Só com a decisão de resolução do Contrato, declarada em Resolução do Conselho de Ministros, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 12º, nº 1, al. a) e 13º do DL nº 409/99, de 15 de outubro, é que nasce o facto gerador da obrigação da A............ restituir as importâncias correspondentes aos benefícios fiscais concedidos e, ainda, da obrigação de pagar, no prazo de 30 dias contados a partir da respetiva notificação, as importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas de juros compensatórios.
XXXIII - Deste modo, i) revestindo os benefícios fiscais contratualizados natureza provisória, ii) estando condicionados à verificação do GCC no ano da cessação da vigência do contrato, e iii) constando-se que o GCC atingido pela A. em 2008 foi de 66%, ou seja, traduzindo situação de incumprimento contratual e fundamento legal para a resolução unilateral do contrato por parte do Estado Português, não pode a A. afirmar que se consolidou na sua esfera jurídica qualquer crédito tributário, improcedendo, necessariamente, tudo o por si alegado em sentido contrário.
XXXIV - Por último, afirma a A............ que a RCM nº 09/2013 padece do vício de falta de fundamentação, pois não lhe permite conhecer os fundamentos de facto e de direito que conduzem à resolução do contrato.
XXXV - Não tem a A. razão, pois o texto da RCM contém em si todos os elementos necessários e suficientes que lhe permitem conhecer os fundamentos da resolução, pelo Estado Português, do contrato celebrado em 08.06.2004, bastando, para tal, atentar no respetivo teor.
XXXVI - Com efeito, um intérprete mediano consegue facilmente compreender quais os fundamentos que subjazem a decisão ora impugnada, que são a) a empresa promotora em causa não cumpriu os objetivos fixados no contrato celebrado, tendo incorrido em situação de incumprimento; b) esse incumprimento impõe, nos termos contratualmente fixados (no CCBF e no CI celebrado), bem como previsto na lei (art. 12º do DL nº 409/99, de 15 de outubro), a resolução do contrato de concessão de benefícios fiscais.
XXXVII - Essas razões de facto e de Direito, facilmente percetíveis para um intérprete mediano, ainda mais claros e bastantes se tornam para a parte interveniente no Contrato, que outorgou esse instrumento, obrigando-se a cumprir pontualmente o mesmo, conhecendo as consequências penalizadoras do incumprimento dos objetivos contratuais, tal como estipuladas no Contrato e na Lei.
XXXVIII - Sendo certo que a A............ esteve, ao longo da vigência do Contrato, sujeita ao acompanhamento, controlo e fiscalização do projeto, pela API (atual AICEP) e pela Administração Tributária, com vista à medição do cumprimento dos objetivos definidos (Cls. 4ª e 10ª do CI, e cl. 8ª e 9ª do CCBF), conhecendo os resultados dos relatórios apresentados por estas entidades.
XXXIX - Por outro lado, a A. foi devidamente notificada, nos termos do art. 10º, nº 1, do DL nº 409/99, de 15 de outubro, da intenção do CICIFI submeter à aprovação do Conselho de Ministros a resolução dos CI e CCBF, intenção essa bastamente fundamentada nos termos da decisão nº 180/2011 - CICIFI, que foi notificada à A.,
XL - E relativamente à qual a A. se pronunciou ao abrigo do direito de audiência prévia, tendo assim oportunidade de conhecer as razões que conduziam a tal proposta, oferecendo argumentos para rebater aquelas.
XLI - A A............ não ignora que a RCM nº 9/2013 se fundamenta na Decisão n° 221/2011, de 30 de Setembro, do CICIFI, que contém todas as razões de facto e de Direito que confirmavam a sua decisão de submeter a aprovação do Conselho de Ministros a resolução do CI e seus anexos, celebrado em 08.06.2004,
I - Tendo a RCM nº 9/2013, publicada em Diário da República, optado por enunciar os fundamentos que subjazem à decisão de forma sucinta, mas clara, totalmente percetível para a interessada.
II - Assim sendo, não podem restar dúvidas que a A. conhece e compreende perfeitamente - mesmo que não as aceite, o que é coisa diferente - todas as razões, de facto e de Direito, que alicerçam o ato ora impugnado - compreensão total que ressalta à evidência do teor da douta petição inicial que deu azo aos presentes autos, e ao longo da qual a A. se refere a todos os fundamentos invocados pelo Estado Português para resolver unilateralmente o Contrato, e prolixamente os tenta refutar.
III - Mesmo a conceder-se razão à A. - hipótese a que apenas se alude para efeitos de raciocínio académico - o certo é que a falta de fundamentação do ato não geraria a invalidade do mesmo - nulidade ou anulabilidade -, como defende avalizada doutrina e reiterada jurisprudência (v.g., Acórdão de 30.10.2002, do Pleno da secção de CA do STA, proc. nº 48168ª, consultável em www.dgsi.pt).
IV - Mas a verdade é que, do teor do respetivo articulado e doutas alegações, dúvidas não existem de que a A............ bem compreendeu os fundamentos ínsitos na RCM nº 9/2013, tanto que nem cogitou recorrer ao mecanismo previsto no art. 60º, n9 2, do CPTA.
Termos em que,
Tal como em sede de articulado de contestação, se pugna pela improcedência de tudo o alegado e peticionado pela A, com as legais consequências.

7 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II - Fundamentação

1. De facto
Considerando o alegado pelas partes e a suficiência dos elementos probatórios que se mostram já produzidos nos autos, designadamente a prova documental, têm-se por provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
A - Em 8 de Junho de 2004, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2004, foi celebrado, entre o Estado Português (representado no acto pela Agência Portuguesa para o Investimento) e a Fábrica Têxtil A............, SA. a B………… – SGPS, Lda, o CONTRATO DE INVESTIMENTO, cujo teor integral se dá por reproduzido, e em cujas cláusulas sétima e oitava se prevê a concessão pelo Estado à A............, a título de benefício fiscal, de um incentivo fiscal com as seguintes condições:
«[…]
CLÁUSULA SÉTIMA (Incentivo Fiscal)

7.1 Tendo em consideração os objectivos e compromissos constantes do presente CONTRATO, o ESTADO PORTUGUÊS concederá à SOCIEDADE um INCENTIVO FISCAL, calculado sobre as APLICAÇÕES RELEVANTES do PROJECTO que vierem a ser efectivamente realizadas.

7.2 O INCENTIVO FISCAL inclui um crédito fiscal, em sede de IRC, correspondente a 10% (dez por cento) das APLICAÇÕES RELEVANTES PARA O INCENTIVO FISCAL até ao montante máximo de Euros: 1.647.657,6 (um milhão, oitocentos e quarenta e sete mil, seiscentos e cinquenta e sete Euros e sessenta cêntimos) e a isenção de imposto de selo previstos no artigo 4.° do DL 409/99, 15 de Outubro.

7.3 O INCENTIVO FISCAL será concedido à SOCIEDADE nos termos previstos no Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais, anexo ao presente CONTRATO e que dele faz parte integrante.

CLÁUSULA OITAVA (Atribuição do INCENTIVO FISCAL)

A atribuição do INCENTIVO FISCAL será concretizada através de um sistema de pontuação que medirá o grau de cumprimento dos objectivos contratuais (GCC) de acordo com o estipulado na Cláusula Sétima do Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais anexo ao presente CONTRATO.

[…]»

[Documentos 3 e 9 juntos com a P. I., fls. 102]

B - O contrato destinava-se a financiar o PROJECTO aí definido como:
«[…]
A modernização e a reestruturação da unidade fabril da SOCIEDADE com vista ao alargamento da gama de produtos e diminuição do prazo de entrega dos mesmos aos clientes, de acordo com o Plano de Investimento que constitui o Anexo 1 ao presente CONTRATO.

[…]»

[Documento 3 junto com a P. I., fls. 97]

C - Os “Objectivos contratuais do PROJECTO” incluíam:
«[…]
2.1.1 A modernização da unidade fabril da SOCIEDADE para o fabrico do PRODUTO, com a utilização de processos produtivos de conteúdo tecnológico actualizado e de acordo com as disposições existentes para o Ambiente e Qualidade.

2.1.2 O alcance de um valor de vendas de 115.652.228 Euros (cento e quinze milhões seiscentos e cinquenta e dois mil duzentos e vinte e oito Euros) a partir do ano 2004 e até ao final do período de VIGÊNCIA DO CONTRATO.

2.1.3 O alcance do valor mínimo anual de exportações de 89.758.203 Euros (oitenta e nove milhões setecentos e cinquenta e oito mil duzentos e três Euros) a partir do ano 2004 e até ao final do período de VIGÊNCIA DO CONTRATO.

2.1.4 A realização, durante o PERÍODO DE INVESTIMENTO, de um INVESTIMENTO TOTAL que se estima provisoriamente em Euros: 23.986.647 (vinte e três milhões, novecentos e oitenta e seis mil e seiscentos e quarenta e sete Euros).

2.1.5 A manutenção de 1904 (mil novecentos e quatro) postos de trabalho permanentes, até 31 de Dezembro de 2008.

[…]»

(Documento 3 junto com a P. I., fls. 98)

D - Do anexo II ao referido contrato de investimento consta o CONTRATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS, celebrado na mesma data entre o Estado (representado no acto pela Ministra de Estado e das Finanças) e a A............ e a B…………, cujo teor se dá aqui igualmente por reproduzido, e do qual consta o seguinte:

«[…]
CLÁUSULA QUARTA (Concessão do INCENTIVO FISCAL)

A SOCIEDADE obriga-se perante o ESTADO PORTUGUÊS a atingir os objectivos e cumprir as obrigações constantes do presente CONTRATO e do CONTRATO DE INVESTIMENTO, sendo o INCENTIVO FISCAL concedido composto pelos seguintes Benefícios Fiscais cumulativos:

4.1 Crédito fiscal em sede de IRC até ao máximo de 1.847.657,6 Euros (um milhão oitocentos e quarenta e sete mil seiscentos e cinquenta e sete Euros e sessenta cêntimos) correspondente a 10% (dez por cento) das APLICAÇÕES RELEVANTES PARA O INCENTIVO FISCAL do PROJECTO efectivamente realizadas que nesta data se estimam em 18.476.576 Furos (dezoito milhões quatrocentos e setenta e seis mil e quinhentos e setenta e seis Furos).

4.2 Isenção de Imposto de Selo devido em todos os actos e contratos necessários à realização do projecto.

4.3 O crédito fiscal em sede de IRC consiste na dedução ao montante apurado nos termos da alínea a) do n° 1 do Art.° 83° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas da quantia resultante da aplicação da percentagem referida no número 4.1 ao valor das APLICAÇÕES RELEVANTES PARA O INCENTIVO FISCAL realizadas em cada um dos exercícios que decorram até 31 de Dezembro de 2008.

4.4 A dedução a que se refere o número anterior será efectuada na liquidação de IRC respeitante ao exercício em que foram realizadas as APLICAÇÕES RELEVANTES PARA O INCENTIVO FISCAL, ou quando o não possa ser integralmente, a Importância ainda não deduzida poderá sê-lo, nas mesmas condições, na liquidação dos exercícios seguintes até ao termo da vigência do presente CONTRATO.

CLÁUSULA QUINTA (Objectivos Contratuais do PROJECTO)

Sem prejuízo do disposto no CONTRATO DE INVESTIMENTO, a concessão do INCENTIVO FISCAL fica especificamente condicionada à realização, no âmbito do PROJECTO, dos seguintes objectivos:

5.1 A realização do projecto de investimento nos termos do plano de investimento que constitui o Anexo I ao presente contrato (prazo de realização do investimento até 31 de Maio de 2001).

5.2 A manutenção de 1904 (mil novecentos e quatro) postos de trabalho até final da VIGÊNCIA DO CONTRATO;

5.3 O alcance do valor mínimo anual de Vendas, de 115.652.228 Euros (cento e quinze milhões seiscentos e cinquenta e dois mil e duzentos e vinte e oito Euros) a partir do ano de 2004 e até ao final do período de VIGÊNCIA DO CONTRATO;

5.4 O alcance do valor mínimo anual de exportações, de 89.758.203 Euros (oitenta e nove milhões setecentos e cinquenta e oito mil duzentos e três Euros) a partir do ano de 2004 e até ao final do período de VIGÊNCIA DO CONTRATO;

(…)

CLÁUSULA SÉTIMA

(Atribuição do INCENTIVO FISCAL)

A atribuição do INCENTIVO FISCAL será concretizada através de um sistema de pontuação que medirá o grau de cumprimento dos objectivos contratuais (GCC) em relação aos valores previstos na Cláusula Quinta, no que respeita a quatro indicadores xi:

- Os indicadores a medir são os seguintes:

(i) Realização do PROJECTO nos prazos previstos (x 1)

(ii) Manutenção dos postos de trabalho (x 2)

(iii) Valor de Vendas (x 3)

(iv) Valor das exportações (x 4)

Aos indicadores supra referidos serão atribuídos factores de ponderação, tendo em atenção os impactos macroeconómicos em que [β corresponde ao factor de ponderação do indicador xi,

β1=0,25; β2=0,25; β3=0,25; β4=0,25

atingindo o total: 1.00

Para cada um dos indicadores xl, será calculado um factor de realização µ (µ = xi’/xl) face aos objectivos previstos na Cláusula Quinta do presente CONTRATO, sendo o cálculo do GCC efectuado através da aplicação da seguinte fórmula:

onde

xi é o valor contratual do objectivo, relativo ao projecto;

x’i é o valor efectivo do objectivo relativo ao projecto medido nos termos da Cláusula Quinta.

a) Caso o GCC seja superior ou igual a 90% (noventa por cento), os objectivos contratuais consideram-se cumpridos e o INCENTIVO FISCAL atribuído corresponderá ao montante máximo estabelecido na Cláusula Quarta do presente CONTRATO.

b) Caso o GCC seja inferior a 90% (noventa por cento), mas igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento), os objectivas contratuais consideram-se parcialmente cumpridos e o INCENTIVO FISCAL atribuído sofrerá um reajustamento, em resultado da verificação do PROJECTO, no ano cruzeiro e no termo de vigência do contrato, respectivamente 2004 e 2008.

Este reajustamento será sempre proporcional à pontuação efectivamente obtida, em cada momento da verificação, face à pontuação desejável de 1.00, podendo assim consistir no decréscimo ou no acréscimo do valor anteriormente ajustado até ao montante máximo atribuído.

c) Caso o GCC seja inferior a 75%, os objectivos consideram-se não cumpridos, procedendo-se nos termos da Cláusula Décima Primeira do presente CONTRATO.

[…]»

[Documento 3 junto com a P. I., fls. 114 a 118]

A - A Cláusula 5.1. do contrato de Concessão de Benefícios Fiscais estipulava que

«[…]
A realização do projecto de investimento nos termos do plano de investimento que constitui o Anexo 1 ao presente contrato (prazo de realização do investimento até 31 de Maio de 2001).
[…]»
[Documento 3 junto com a P. I., fls. 115[

B - O Plano Global de Investimento incluído como anexo I ao contrato de investimento tinha o seguinte conteúdo:

[Documento 3 junto com a P. I., fls. 111]

A - As aplicações Relevantes para efeitos do incentivo fiscal contempladas no Anexo III tinham o seguinte conteúdo:

[Documento 3 junto com a P. I., fls. 123]

A - Em 24 de Junho de 2005, a A............ apresentou no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1 uma exposição dirigida ao Senhor Ministro de Estado e das Finanças, na qual solicitou o reembolso de €1.847.657,60 respeitante a IRC dos exercícios de 1999 a 2002 equivalente ao incentivo fiscal previsto no Contrato de Investimento celebrado em 8 de Junho de 2004 com o Estado Português, a qual foi convolada em Reclamação Graciosa e indeferida, em 3 de Abril de 2008, com o fundamento de não terem sido cumpridos os objectivos contratuais. [Documentos 11 e 13 juntos com a P. I., fls. 152-163 e 169-174];

B - Em 9 de Julho de 2008, a A............ interpôs recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa, tendo o mesmo sido indeferido por acto que foi notificado à Recorrente em 6 de Dezembro de 2010 [Documentos 14 e 23 juntos com a P. I., fls. 175-181 e 238-254];

C - Em exposição enviada ao Senhor Secretário de Estado Adjunto da Indústria em 2009, a Autora solicitou a «revisão dos objectivos, contratualizados em 2004, mas respeitantes a metas estabelecidas no contrato de investimento realizado no período de 1999 a 2001 nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 409/99 e no próprio Contrato» alegando que «[a] gravíssima crise económica internacional, que em 2008 se abateu sobre todas as actividades, alterou substancialmente as condições do mercado e, acrescida das dificuldades de facturação resultantes da redução de plafonds de crédito dos nossos clientes, inviabilizou a obtenção de um nível superior de facturação». [facto alegado no artigo 27.º por remissão para o teor do documento nº 16 junto com a p.i., confirmado pelo Réu Ministério das Finanças e valorado positivamente pelo tribunal]

D - Em 9 de Março de 2011, a A............ impugnou no TAF do Porto a correção da matéria tributável de IRC, relativa aos anos de 1999, 2000 e 2001, no valor de € 1 847 657,60, impugnação que aí corre termos sob o processo 530/11.9BEBRG;

E - Em 13 de Maio de 2011 o Conselho Interministerial de Coordenação dos Incentivos Fiscais ao Investimento notificou a A............ de que, tendo apurado para o ano de 2008 um Grau de Cumprimento do Contrato de 66%, inferior aos 75% previstos na alínea c) da cláusula sétima como percentagem mínima para o cumprimento dos objectivos contratuais, iria propor ao Conselho de Ministros a resolução do Contrato de Investimento celebrado em 8 de Junho de 2004 [Documento 26 junto com a P.I., fls. 303-304];

F - Em 16 de Junho de 2011, a A............ pronunciou-se no âmbito da audição prévia, pugnando pelo cumprimento dos objectivos contratuais nos seguintes termos:

«[…]
25.º
Sendo certo que o "presente CONTRATO entra em vigor e produz efeitos a partir da data da sua assinatura e será válido até ao termo de vigência do contrato” - Cláusula Vigésima Segunda do Contrato de Investimento.
26.º
Respectivamente, 8 de Junho de 2004 e 31 de Dezembro de 2008. Ou seja, fixou-se em consequência, contratualmente como ano cruzeiro o ano de 2004 e como termo de vigência do contrato o ano de 2008.
27.º
Este aspecto - definição do ano cruzeiro - assume particular relevância quando se observa que o período de investimento é o que decorre entre 1 de Janeiro de 1999 e 31 de Maio de 2001.
28º
Nestas circunstâncias, o ano cruzeiro deveria ter sido definido como sendo o ano de 2002, isto é, o primeiro exercício completo após a conclusão do projecto de investimento (Maio de 2001).
29.º
Aliás, como vertido nas projecções que a empresa apresentou no dossier de candidatura e como tal foi considerado, por exemplo, para aferição da meta do volume de emprego.
30.º
Meta que foi fixada nos objectivos contratuais - Manutenção dos postos de trabalho até 31/12/2008 - em 1904 postos de trabalho.
31.º
Ou seja, exactamente, o total de trabalhadores que a A…………, S. A. empregava na sua unidade fabril no ano de 2000.
32.º
Informação que é do conhecimento do IAPMEI entidade que à data detinha o pelouro de
Acompanhamento do Projecto de Investimento - veja-se a este propósito o teor da comunicação com esta entidade, data de 22 de Outubro de 2001- Doe. nº 13.
33.º
É assim, por demais evidente, que a morosidade na assinatura do Contrato de Investimento da Fábrica Têxtil A............, S. A. "empurrou" em 2 anos quer o "ano cruzeiro" quer ainda o termo de vigência do contrato.
34.º
Pela simples razão de que não era "curial" assinar um Contrato de Investimento cujo ano cruzeiro já tivesse ocorrido.
35.º
O que é facto é que, o "ano cruzeiro", definido como sendo o primeiro exercício completo após a conclusão do projecto -verificou-se no ano de 2002.
36.º
E, nestas circunstâncias, a empresa pode já colocar a apreciação a verificação do cumprimento das metas, segundo a fórmula constante do contrato:
i. Realização do projecto até 31/5/2001: concluído = 100% = 25 pontos
ii. N.º de postos de trabalho em 31/12/2002: 1.721/1904 = 90% = 22,6 pontos
iii. Valor das Vendas em 2002: 103.136.264/115.652.228 € = 89% = 22,3 pts.
iv. Valor das Exportações em 2002: 82.859.551/89.758.203 € = 93% = 23,1 pts.
De onde resulta um GCC>90%, mais precisamente 93%.
37.º
Pode, pois, concluir-se que os objectivos do projecto se encontram conseguidos no exercício de 2002.
[…]»

[Documento 27 junto com a P.I., fls. 315-336];

A - Em 21 de Novembro de 2012, o Conselho Interministerial de Coordenação dos Incentivos Fiscais ao Investimento confirmou a decisão de submeter à aprovação do Conselho de Ministros a Resolução do Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais [Documento 28 junto com a P.I., fls. 337-352];

B - O grau de cumprimento dos objectivos (GCC) estipulados no contrato supra foi de 77,81% em 2004, de 68,79% em 2005, de 69,57% em 2006, de 70,63% em 2007 e de 65,84% em 2008 [facto alegado no artigo 42.º da p.i. e confirmado quer na decisão do CICIFI, quer na contestação do MF – artigos 105.º e 113.º].

C - Em 9 de Fevereiro de 2013, o Conselho de Ministros determinou a resolução do Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais, a qual foi publicada no dia 20 de Fevereiro, na 1.ª Série do D.R. (ponto 1, al. b) da Resolução do Conselho de Ministros n.º 9/2013), tendo sido notificada à A............ em 18 de Abril de 2013 [Documentos 1 e 2 juntos com a P.I., fls. 90-92];

D - Em 27 de Maio de 2013, a A............ propôs a presente acção administrativa especial de impugnação do acto de resolução do contrato, cumulado com o pedido de condenação ao cumprimento do mesmo;

E - Por sentença de 30 de Setembro de 2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial deduzida no processo 530/11.9BEBRG [consulta do processo via SITAF, fls. 1087-1095];

F - Na sequência do recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, veio este Supremo Tribunal, por acórdão de 21 de Outubro de 2015, a revogar aquela sentença e a ordenar a baixa dos autos ao TAF do Porto para ampliar a matéria de facto e apurar se o acto de resolução do contrato havia ou não formado caso decidido [consulta do processo via SITAF, fls. 1169-1173];

Não resultaram provados ou não provados outros factos com interesse para a decisão.

1.1. Motivação da Decisão de Facto

A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se exclusivamente na prova documental (no conteúdo dos documentos) produzida através dos documentos trazidos aos autos pela Autora.

A prova documental teve por base, também, os elementos que constam do processo n.º 530/11.9BEBRG, onde os mesmos documentos foram apresentados e a sua autoria e autenticidade foram aceites pelas partes, o mesmo sucedendo no Processo Administrativo (PA) onde correu termos a convolada reclamação graciosa e o subsequente recurso hierárquico, que constam do referido processo e no qual os mesmos documentos foram apresentados como anexos. Improcede por esta razão a impugnação global da autenticidade dos documentos suscitada pela Recorrida nos artigos 4.º a 11.º da contestação.

A presidência do Conselho de Ministros impugnou de nomeada praticamente todos os factos alegados na p.i., alegando desconhecê-los e não ter a obrigação de os conhecer.

Porém, e tratando-se de elementos de prova que se encontrem em poder da Administração, o ónus de prova do contribuinte considera-se satisfeito com a identificação dos documentos – artigo 74.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

Esta regra, que foi instituída para o procedimento tributário, deve considerar-se também para os processos contenciosos, até porque é uma decorrência do princípio do inquisitório e do dever de investigação das entidades públicas, que, como se sabe, é muito intenso no direito tributário.

Assim, tratando-se de documento enviados aos diversos órgãos do Estado, caberia à Presidência do Conselho de Ministros inteirar-se do seu recebimento e do seu teor e impugná-lo especificadamente, conforme o caso.

Pelo que a alegação do seu desconhecimento não só não pode obstar a que lhe seja atribuído relevo probatório sempre que não existam outros elementos nos autos que se incompatibilizem com o seu teor, como ainda o teor da sua impugnação se afigura pouco cuidado, desajustado da personalidade judiciária do Estado e baseado numa conduta processual que está no limite do aceitável com o que se exige sob os parâmetros da boa fé.

Os documentos em que se funda a prova processual encontram-se devidamente referenciados em cada facto.


2. Questões a decidir
A principal questão controvertida na presente acção prende-se com a legalidade do acto que resolveu o contrato de concessão de benefícios fiscais. Para aquilatar da mesma cabe apurar: i) se existe ou não incumprimento contratual pela Autora; ii) se a resolução sancionatória de um contrato de concessão de benefícios fiscais também depende, para ser validamente emitida, da existência de um incumprimento culposo por parte do beneficiário; iii) se no âmbito dos contratos de concessão de benefícios fiscais releva a alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar; iv) se existe violação do princípio da tutela da confiança legítima; v) se há falta de fundamentação do acto.

3. De direito
O objecto da presente acção é um contrato fiscal, mais concretamente, um contrato de concessão de benefícios fiscais (celebrado ao abrigo do disposto o artigo 49.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção dada pela LOE/99 (A referida redacção artigo 49.º-A do EBF era a seguinte:
Artigo 49.º-A - Incentivos fiscais ao investimento de natureza contratual
1 - Os projectos de investimento em unidades produtivas realizados até 31 de Dezembro de 2010, de montante igual ou superior a 1 milhão de contos, que sejam relevantes para o desenvolvimento dos sectores considerados de interesse estratégico para a economia nacional e para a redução das assimetrias regionais, induzam à criação de postos de trabalho e contribuam para impulsionar a inovação tecnológica e a investigação científica nacional, podem beneficiar de incentivos fiscais, em regime contratual, com período de vigência até 10 anos, a conceder nos termos, condições e procedimentos a regulamentar por decreto-lei, de acordo com os princípios estabelecidos nos n.ºs 2 e 3.
2 - Aos projectos de investimento previstos no n.º 1 podem ser concedidos, cumulativamente, os incentivos fiscais seguintes:
a) Crédito de imposto determinado com base na aplicação de uma percentagem, compreendida entre 5% e 20%, das aplicações relevantes do projecto efectivamente realizadas, a deduzir ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRC, na parte respeitante à actividade desenvolvida pela entidade no âmbito do projecto;
b) Isenção ou redução de contribuição autárquica relativamente aos prédios utilizados pela entidade na actividade desenvolvida no quadro do projecto de investimento;
c) Isenção ou redução de imposto municipal de sisa relativamente aos imóveis adquiridos pela entidade destinados ao exercício da sua actividade no âmbito do projecto de investimento;
d) Isenção ou redução do imposto do selo que for devido em todos os actos ou contratos necessários à realização do projecto de investimento.
3 - Os incentivos fiscais a conceder não são cumuláveis com outros benefícios da mesma natureza susceptíveis de serem atribuídos ao mesmo projecto de investimento.
4 - Os projectos de investimento directo efectuados por empresas portuguesas no estrangeiro, de montante igual ou superior a 50 mil contos de aplicações relevantes, que contribuam positivamente para os resultados da empresa e que demonstrem interesse estratégico para a internacionalização da economia portuguesa, podem beneficiar de incentivos fiscais, em regime contratual, com período de vigência até cinco anos, a conceder nos termos, condições e procedimentos a regulamentar por decreto-lei, de acordo com os princípios estabelecidos nos n.os 5 a 7.
5 - Aos promotores dos projectos de investimento referidos no número anterior podem ser concedidos os seguintes benefícios fiscais:
a) Crédito fiscal utilizável em IRC compreendido entre 10% e 20% das aplicações relevantes a deduzir ao montante apurado na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRC, não podendo ultrapassar em cada exercício 25% daquele montante, com o limite de 200 mil contos em cada exercício;
b) Eliminação da dupla tributação económica nos termos e condições estabelecidos no artigo 45.º do Código do IRC, durante o período contratual, quando o investimento seja efectuado sob a forma de constituição ou de aquisição de sociedades estrangeiras.
6 - Excluem-se da aplicação do disposto nos números anteriores os investimentos efectuados em zonas francas ou nos países, territórios e regiões previstos na Portaria n.º 377-B/94, de 15 de Junho.
7 - No caso de os projectos de investimento se realizarem num Estado membro da União Europeia, o disposto no presente artigo aplica-se exclusivamente a pequenas e médias empresas, definidas nos termos comunitários.), cujo regime jurídico, à data, era regulado pelo Decreto-Lei n.º 409/99, de 15 de Outubro) inserido no âmbito de um contrato de investimento.
Tal como resulta do preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 409/99, estes benefícios fiscais, concedidos em regime contratual, tinham natureza excepcional e visavam atrair investimento a realizar em Portugal, capaz de desenvolver a capacidade produtiva no território português e aqui aumentar o emprego.

3.1. A A. começa por fundamentar a invalidade do acto de resolução do contrato na circunstância de aquele – o contrato – se dever ter por cumprido, contrariamente ao que resulta do acto impugnado. De acordo com o A. o contrato estava integralmente cumprido quando foi celebrado (artigo 66.º da P.I.) e o grau de cumprimento do mesmo tem de ser aferido reportando o “ano de cruzeiro” a 2002 e não a 2004 (artigo 75.º da P.I.).
Quanto a este argumento – o de que não houve incumprimento contratual – toda a tese da A. é estruturada sobre a ideia de que embora o contrato tenha sido formalmente celebrado para o período de 2004 a 2008 (v. Cláusula 12.ª do Contrato) ele deve ser reportado, para efeitos de apuramento do cumprimento das suas obrigações, ao período de 2000 a 2004, no máximo até 2006, na medida em que a realização dos investimentos teve lugar nos anos de 1999, 2000 e 2001. E os anos subsequentes, ou seja, o período de 2004 a 2008 apenas poderia ser tomado em consideração para efeitos de “reajustamentos nos benefícios fiscais a conceder”.
Trata-se, porém, de uma “tese” que não tem qualquer acolhimento na letra do contrato. E não é igualmente correcto apelar à circunstância de estarmos ante um contrato de concessão de benefícios fiscais integrado no contrato de investimento para considerar que daí resulta uma alteração dos pressupostos formais em que o contrato foi celebrado, pois nada no contrato de investimento permite indicar que seja de acolher a tese da A.. Pelo contrário, também este contrato (o contrato de investimento) se reporta ao período de 2004 a 2008 e também ele tem como pressuposto das obrigações da A. o horizonte temporal de 2008 – veja-se, por exemplo, o ponto 2.1.5. do contrato de investimento onde se refere expressamente que um dos objectivos do projecto é “a manutenção de 1904 (mil novecentos e quatro) postos de trabalho permanentes, até 31 de Dezembro de 2008”.
Com efeito, a cláusula sétima do contrato de concessão do benefício fiscal é clara relativamente à forma como se apura o grau de cumprimento do contrato e esse apuramento reporta-se aos indicadores e metas temporais previstos na cláusula quinta. E a letra do contrato é muito clara quanto ao prazo de realização do investimento (até 31 de Maio de 2001) e aos indicadores mínimos a registar em número de trabalhadores, vendas e valor das exportações a partir de 2004 e até ao fim do período de vigência do contrato, ou seja, até 2008.
É nesse momento – e só nesse momento – que se apura o grau de cumprimento do contrato e se verifica se o mesmo é igual ou superior a 90%, considerando-se então o contrato cumprido. Se assim for, declara-se o direito do contraente investidor ao benefício fiscal constituído por efeito da celebração do contrato nos termos da lei, i. e. só nesse momento é que se produzem os efeitos desencadeados pelo acto que declara o reconhecimento ao crédito fiscal em IRC, no montante máximo de 10% das aplicações relevantes para o incentivo fiscal, que neste caso era de €1.847.657,60.
Se naquela data o grau de cumprimento do contrato apurado for inferior a 90%, mas superior a 75%, o contrato considera-se parcialmente cumprido e haverá um reajuste no valor do benefício (do crédito fiscal), nos termos do disposto na al. b) da cláusula sétima. E sempre que o grau de cumprimento do contrato seja inferior a 75%, como é o caso aqui, em que o grau de cumprimento apurado em 2008 foi de 66% (ponto O da matéria de facto dada como provada) (V. documento 28 junto com a P.I., onde se afirma que apesar de o grau de cumprimento do contrato ser de 78% em 2004, a verdade é que em nenhum dos anos de vigência do contrato o mesmo conseguir superar os 75%, tendo sido de 69% em 2005, 70% em 2006 e 71% em 2007.) um valor que, de resto, a A. não contesta por considerar que existe um erro de cálculo à luz das regras do contrato, mas sim por considerar que aquelas regras não podem aplicar-se tal como foram estipuladas – haverá incumprimento do contrato e o benefícios fiscal não pode ser declarado e, como tal, não produz efeitos.
Na verdade, a argumentação expendida pela A. parece revelar que a mesma não compreendeu o sentido e a racionalidade deste tipo de contratos. Trata-se de um contrato de outorga de um benefício fiscal condicionado, ou seja, da constituição de um benefício fiscal que pressupõe o cumprimento das obrigações contratualmente definidas para que dele resulte o efeito declarativo do benefício fiscal (a eficácia do efeito constitutivo do mesmo), ou, o mesmo é dizer, no caso do benefício previsto no artigo 5.º do Decreto-lei n.º 409/99, do crédito fiscal, sob pena de, em caso de incumprimento contratual, ter lugar a resolução do direito ao benefício. Este é um contrato com condição resolutiva, o que significa que se o titular do benefício fiscal não cumprir o contrato (in casu, não alcançar, pelo menos, um grau de cumprimento igual ou superior a 75%), o Estado, através de resolução do Conselho de Ministros, pode resolvê-lo.
O desagravamento fiscal que se opera através deste instrumento jurídico-contratual visa dar cumprimento a um objectivo económico determinado, no quadro do investimento produtivo, ou seja, do investimento que desenvolva a capacidade produtiva e a criação de emprego e que se identifica como o interesse público extrafiscal que aqui e em concreto é superior ao da tributação que impede leia-se, aos impostos ou montantes de imposto devido segundo as regras legais, que o sujeito passivo ao qual seja reconhecido este benefício fiscal deixa de estar obrigado a cumprir (v. artigo 2.º, n.º 1 do EBF).
No caso dos benefícios fiscais contratualizados – como é o caso aqui – eles configuram-se, juridicamente, como benefícios dependentes de reconhecimento, ou seja, o direito ao benefício fiscal constitui-se sob condição resolutiva por efeito da celebração do contrato em conformidade com a lei que o regula e prevê, mas a sua eficácia fica dependente do reconhecimento, que, no caso, resulta do cumprimento do contrato (artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 e artigo 12.º do EBF). Se o contrato não for cumprido, não se desencadeiam os efeitos do benefício fiscal, ele nunca se torna eficaz, e acabará por extinguir-se mediante declaração resolutiva do Conselho de Ministros.
Em suma, um contrato de concessão de um benefício fiscal é um contrato celebrado com condição resolutiva, que tem por objecto as obrigações de cujo cumprimento se faz depender (elas são a condição) o reconhecimento do benefício fiscal (o efeito declarativo de eficácia do benefício) e que se não forem cumpridas nunca o direito alcança eficácia, tendo depois lugar a resolução do contrato por declaração do Conselho de Ministros (cf. artigos 1.º, 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 409/99).
Como é característico destes contratos, por razões de segurança jurídica, neles estipulam-se metas e métricas concretas, pois o direito ao benefício fiscal só pode adquirir eficácia (o reconhecimento do benefício fiscal só pode tornar-se eficaz) se os objectivos contratualizados forem cumpridos. E esses objectivos são concretos, quantitativos e especificamente determinados para cada caso (designadamente quanto ao montante máximo do crédito fiscal a atribuir – v. cláusulas 7.2 do contrato de investimento e 4.1. do contrato de concessão de benefícios fiscais) – por isso é que se utiliza neste caso um instrumento “estranho” à actividade tributária, como é o contrato em vez do acto – de modo a garantir que a despesa fiscal é juridicamente legítima, ou seja, que ela repousa na efectiva verificação de um objectivo concreto de política económica (no caso, volume mínimo de vendas, exportações e empregos).
Diferente das obrigações contratuais, são os pressupostos da contratualização do benefício fiscal, que, no caso, é o investimento (as “aplicações relevantes para o incentivo fiscal”), ou seja, um valor mínimo de investimento que justifique a utilização deste expediente de política económica fiscal – no caso dos benefícios fiscais contratualizados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 409/99 esse mínimo de investimento teria de ser um montante superior a 1.000.000.000$00 (€5.000.000,00) em aplicações relevantes que demonstrassem ter viabilidade técnica, económica e financeira. O investimento realizado pela A. foi de 18.476.576,00, o que lhe permitiu aceder à contratualização do benefício fiscal.
Contudo, para ter acesso ao benefício fiscal não basta efectuar o investimento, é necessário que se comprove que ele cumpre as finalidades económicas desejadas e por isso contratualizam-se prazos (aquele que se considera o mínimo adequado para que o investimento se possa qualificar de desenvolvimento económico, ou seja, de que surte efectivos resultados na economia nacional, neste caso esse prazo era até 2008),objectivos (como é o caso aqui em número de postos de trabalho, valores de vendas e exportações) e um protocolo de medição do cumprimento daqueles objectivos (a já por diversas mencionada cláusula sétima do contrato de concessão do benefício fiscal).

E o que sucedeu neste caso foi a aplicação do protocolo de medição contratualizado, nos termos estipulados no contrato, e a obtenção de um resultado em que o investimento efectuado pela A. não cumpriu os objectivos económicos impostos e, por essa razão, não lhe podia ser atribuído o benefício fiscal, o que explica e fundamenta a decisão de resolução do mesmo.
Em face do exposto, é fácil compreender que não tem qualquer sentido a tese interpretativa defendida pela A. no intuito de tentar demonstrar que cumpriu os objectivos do contrato em momento anterior ao que formalmente consta daquele, ou seja, querendo no fundo fazer coincidir o momento em que estão verificados os pressupostos para aceder ao regime de contratualização do benefício fiscal com o momento do cumprimento do contrato. Quando a A. refere que em 2002 o grau de cumprimento era de 78% já revela que acedeu à contratualização do benefício fiscal com um standard baixo face às exigências para o acesso àquele benefício fiscal e que em vez de melhorar a sua performance para poder cumprir os requisitos e alcançar o benefício fiscal, antes piorou o seu desempenho ao longo do período do contrato. E de nada servem as referências ao seu bom desempenho empresarial, pois o que permite obter o direito ao benefício fiscal ao abrigo deste regime contratual de benefícios fiscais é a realização dos objectivos fixados por indicadores exigentes de investimento intensivo que se traduzam em desenvolvimento económico e emprego, o que não está ao alcance de todas as empresas, por mais promissoras que posam revelar-se em outros indicadores.
Note-se, ainda, que a alegação de que o contrato foi pontualmente cumprido toma por pressuposto condições que, não tendo sido formalmente acordadas e aprovadas em resolução do Conselho de Ministros (nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 409/99, de 15/10), não lhe podem valer.
Isto porque, os negócios formais não podem ser interpretados com um sentido que não tenha correspondência no texto do documento, como deriva da regra a extrair do artigo 238.º do Código Civil, que, valendo para os contratos privados, não pode deixar de valer também nos contratos de concessão de benefícios fiscais, por maioria de razão.
Em suma, a tese defendida pela A. a respeito da interpretação correctiva das cláusulas contratuais não tem qualquer sustentação jurídica no regime jurídico dos benefícios fiscais outorgados por via contratual.

3.2. Tomando por base tudo quanto já expendemos sobre a caracterização do contrato de concessão de benefícios fiscais, resulta claro que o segundo argumento mobilizado pela A. para sustentar a ilegalidade do acto de resolução do contrato também não pode proceder. No essencial, a A. aduz argumentos relativos à conjuntura económica global, designadamente a “crise asiática” e o seu impacto no sector têxtil, para sustentar a inexistência de culpa no incumprimento do contrato e, como tal, a impossibilidade da respectiva resolução pelo Estado.
No essencial, a A. mobiliza argumentos típicos da execução contratual administrativa, designadamente da resolução sancionatória (hoje prevista no artigo 333.º do Código dos Contratos Públicos), para sustentar que o Estado não podia pôr termo unilateralmente ao contrato fiscal aqui em causa porque a factualidade não é subsumível a uma “grave violação das obrigações assumidas”. Contudo, não existe identidade entre a resolução ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 1 , al. a) do Decreto-Lei n.º 409/99, que é uma resolução por efeito da lei, e a resolução sancionatória contemplada no artigo 333.º, n.º 1, al. a) do CCP (ou nas normas com um conteúdo semelhante que antecederam este artigo).
O contrato de concessão de um benefício fiscal não tem como conteúdo ― já o demonstrámos a constituição de uma relação jurídica administrativa no âmbito da qual o investidor passe a actuar como “auxiliar do Estado” na execução de uma tarefa ou actividade pública ou de realização do interesse público. Em outras palavras, entre o investidor e o Estado não se constitui uma relação jurídica de realização do interesse público assente numa contratualizada partilha do risco na execução dessa tarefa. No contrato de concessão de um benefício fiscal, o objecto é um benefício fiscal, ou seja, um elemento essencial do imposto que concorre na sua determinação para o desagravamento do quantum daquela obrigação, sendo esta obrigação de base legal e estritamente vinculada, e o mesmo sucedendo com o benefício fiscal, que apenas pode ser concedido nos termos da lei e na medida da lei, contratualizando-se apenas a medida do benefício (o seu quantum) e os pressupostos em que radica o acto de reconhecimento do mesmo.
Com este contrato o Estado visa apenas conceder um estímulo financeiro por via fiscal aos investidores, “comprometendo-se”, mediante vínculo contratual, a reconhecer-lhes um crédito fiscal, o qual dependente de os investidores co-contratantes conseguirem atingir os objectivos contratualmente fixados, pois caso não o consigam, o Estado resolve o contrato por incumprimento, que se apura de forma objectiva, ou seja, independentemente de culpa e com base estritamente nos termos legais. E nenhuma partilha de risco existe neste tipo contratual. Mais, nenhuma partilha de risco pode existir neste contrato ex vi do carácter estritamente legal da obrigação tributária e do respeito pelos princípios da igualdade na contribuição para os encargos públicos e da indisponibilidade do crédito tributário. Se o Estado por via do contrato de concessão de benefícios fiscais assumisse algum risco inerente ao desempenho económico-financeiro do investimento do contribuinte no alcance das metas aí fixadas estaria a assumir que tributaria de forma mais desagravada um contribuinte em razão de uma alteração anormal e imprevisível de circunstâncias para além do que as regras legais sobre a tributação determinam e independentemente de ele não ter atingido os objectivos contratualmente fixados. Percebe-se que este é um resultado não admissível no quadro de uma obrigação tributária, seja porque a tributação incide sobre o rendimento legalmente determinado (objectivamente determinado), independentemente do quadro económico-financeiro em que ele foi apurado e da “culpa” ou da “ventura” do sujeito passivo para alcançar esse resultado, seja porque um desagravamento do imposto devido em razão da concessão de um benefício fiscal não pode ter lugar fora dos termos legalmente definidos e contratualmente determinados.
E precisamente por não estarmos no domínio dos contratos administrativos colaborativos e sim de contratos formais e legalmente conformados, o único instrumento de gestão que existe no âmbito da execução destes contratos é a renegociação, prevista no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 409/99, que pode ser pedida por qualquer das partes “caso ocorra algum evento que altere substancialmente as circunstâncias em que as partes fundaram a sua vontade de contratar”. Assim, a existirem os fundamentos que a A. alega para determinar a modificação do contrato por alteração das circunstâncias, a única possibilidade seria solicitar à AT a renegociação do contrato. A A. chega a alegar que tentou exercer este direito, mas que o mesmo lhe foi vedado por um comportamento da AT violador do princípio da boa fé (artigo 102.º da p. i.). Contudo, a A. não alega factos que pudessem sustentar esta alegação de violação da boa fé a conhecer neste processo por via incidental para aquilatar da ilegalidade do acto, designadamente, não prova que tenha efectivamente requerido junto da AT a renegociação do contrato, dentro do respectivo prazo de vigência e de forma expressa (v. ponto J da matéria de facto, de onde resulta um pedido não inequívoco de pretensa renegociação do contrato endereçado a entidade diversa do Ministro das Finanças e enviado depois de terminado o prazo do contrato).
Em suma, o acto de resolução impugnado não se confunde com a resolução sancionatória determinada pela culpa do contraente privado pelo não cumprimento das obrigações contratuais; neste caso trata-se apenas da resolução decorrente do accionamento da condição contratual pela imputação objectiva do resultado de não cumprimento contratual nos termos da cláusula sétima do contrato de outorga do benefício fiscal.
Improcede, por isso, também o segundo argumento da A..

3.3. Importa verificar, em terceiro lugar, se assiste razão à A. a respeito da consolidação dos créditos tributários na sua esfera jurídica ao abrigo do princípio da tutela da confiança legítima digna de protecção. Diga-se, primeiramente, que não procede a argumentação da A. para sustentar que a AT dispõe de quatro anos após o termo do prazo do contrato para liquidar imposto que não tenha sido pago em razão de um benefício fiscal que venha a ser revogado por efeito da resolução do contrato que o tenha concedido e que o mesmo prazo há-de valer para a revogação do crédito fiscal decorrente dos mesmos benefícios. Em outras palavras, a A. defende que decorridos quatro anos sobre o fim do prazo do contrato a AT não pode proceder à resolução do mesmo, ou, se o fizer, essa resolução não pode determinar a revogação daquele crédito fiscal.
Esta argumentação não procede por três razões: i) primeiro, porque o esquema jurídico em que repousa o direito ao crédito fiscal é muito complexo e, por isso, o benefício fiscal, mesmo constituindo-se com a celebração do contrato, é ineficaz e só produz efeitos com o cumprimento do contrato, que funciona como efeito declarativo do reconhecimento do benefício fiscal e condição da sua eficácia; assim, se o contrato não foi cumprido, o direito ao benefício fiscal nunca adquiriu eficácia (nunca foi oponível à AT) e, nessa medida, é duvidoso que pudesse ser fonte de confiança legítima; ii) segundo, não procede porque a al. b) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT (como sublinha a R.) dispõe expressamente que o prazo de caducidade se suspende, em caso de benefícios fiscais de natureza contratual, desde o início do mesmo até à resolução do contrato, o que significa que o prazo de quatro anos apenas começa a contar-se, ex vi legis, a partir do acto de resolução do contrato; e iii) terceiro, porque mesmo que estivesse em causa, como consequência do incumprimento contratual, uma liquidação adicional de uma dedução de imposto ou de uma isenção que supervenientemente se viesse a revelar ilegal, por indevida em razão do incumprimento do contrato, sempre esse acto de liquidação poderia ser praticado ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 409/99, onde se estipula que “A resolução do contrato nos termos do artigo anterior implica a perda total dos benefícios fiscais concedidos desde a data do mesmo e ainda a obrigação de, no prazo de 30 dias a contar da respectiva notificação, e independentemente do tempo entretanto decorrido desde a data da verificação dos respectivos factos geradores de imposto, pagar, nos termos da lei, as importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório, nos termos do artigo 83.º do Código de Processo Tributário” (sublinhado nosso)
Nestes termos, improcede também o argumento de que já teria caducado o direito da AT resolver o contrato ou, pelo menos, o de que essa resolução não poderia afectar o direito da A. ao crédito fiscal decorrente do benefício fiscal outorgado pelo contrato. Inexistindo caducidade do direito à liquidação por não terem ainda decorridos 4 anos sobre a data do acto que determinou a resolução do contrato, nenhuma expectativa legítima ou confiança digna de protecção jurídica ao crédito fiscal se constituiu na esfera jurídica da A.

3.4. Por último, a respeito do alegado vício de forma por falta de fundamentação do acto que resolveu o contrato de outorga do benefício fiscal, cabe sublinhar que também não tem razão a A., porquanto, como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, o dever legal de fundamentação considera-se cumprido sempre que o destinatário do acto, como sucede aqui, revele ter conhecido, integralmente, o iter lógico em o mesmo se sustenta, ainda que por via de um documento prévio que sustenta a motivação do acto, sempre que o mesmo lhe tenha sido devidamente notificado.
É esse o critério que o STA utiliza para considerar cumprida a obrigação legal de fundamentação de um acto tributário, quando a mesma resulte de um Relatório de Inspecção Tributária, impondo que o mesmo tenha sido devidamente notificado ao sujeito passivo, ainda que não conste do acto a referência expressa ao mesmo. Entende-se neste caso que «[…] o acto de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o relatório de inspecção e (…) o “cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se pode reflectir na validade do acto comunicando”. Ora, no caso, a existir alguma irregularidade (mera irregularidade), ela atem-se à falta de referência expressa no acto de liquidação aos elementos identificativos do relatório de inspecção; irregularidade que não prejudicou a correcta compreensão pelo sujeito passivo da relação entre ambos […]» (acórdão de 16.09.2020, no processo 0921/15.6BEPRT).
Um juízo que é transponível para o caso em apreço, pois também aqui a motivação do acto de resolução (docs. 1 e 2 juntos com a p.i.) é a que consta do Relatório do CICIFI (documento 28 junto com a p.i.), que foi devidamente notificado à A., e em relação ao qual ela exerceu o direito de audição prévia, pelo que a falta de referência ao mesmo no acto que determina a resolução do contrato, a significar juridicamente alguma coisa, será o cumprimento defeituoso do dever de comunicação, que se consubstancia numa mera irregularidade, e que, por isso, não afecta a validade do acto.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário em julgar improcedente a presente acção administrativa, absolvendo o Conselho de Ministros e o Ministério das Finanças dos pedidos contra eles formulados.

Custas pela A.


*

Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.