Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0640/17.9BEPNF
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
HORÁRIO DE TRABALHO
TURNOS
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão quaestio juris que assume relevo jurídico e social, já que releva de dificuldade/complexidade jurídica, para além de suscetível de ser recolocada em casos futuros, e cuja dilucidação quanto aos aspetos dubitativos e no contexto apurado carece também de melhor análise/ponderação por parte deste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P28297
Nº do Documento:SA1202110070640/17
Data de Entrada:07/21/2021
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………… SA [doravante A.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 09.04.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 291/314 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário] [sustentado quanto à arguida nulidade pelo acórdão de 02.07.2021 - fls. 407/408], que negou provimento ao recurso e manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante TAF/PNF], que havia julgado improcedente a ação administrativa pelo mesmo instaurado contra Ministério do Trabalho, Solidariedade, e Segurança Social e Ministério da Economia e Transição Digital [doravante RR.], na qual peticionara a anulação do indeferimento do pedido de autorização para laboração contínua que havia formulado e a condenação dos RR. a praticarem o ato de deferimento daquele seu pedido.

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 335/347], na relevância jurídica e social da questão colocada, que reputa revestir de importância fundamental [respeitantes ao trabalho por turnos e à sua organização, em particular a consideração do conceito de descanso semanal relevante exigido pelo n.º 5 do art. 221.º do Código de Trabalho (CT)] e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», fundando esta, para além da arguida nulidade de decisão, no acometido erro de julgamento em que terá incorrido o TCA/N no acórdão sob impugnação, já que lavrado com incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente nos arts. 221.º, n.º 5, do CT, 16.º, n.º 3, da Lei n.º 105/2009, de 14.09, 279.º, al. d) do Código Civil (CC), 02.º, 61.º, n.º 1, e 80.º, al. c), da Constituição da República Portuguesa (CRP), e 05.º da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04.11.2003.

3. Os RR. produziram per se contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr., respetivamente, fls. 371/381 e fls. 384/398] nas quais pugnam, desde logo, pela não admissão da presente revista.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PNF julgou a pretensão deduzida pela A. como totalmente improcedente, absolvendo os RR. do pedido [cfr. fls. 122/136].

7. O TCA/N negou provimento ao recurso de apelação e manteve a decisão do TAF/PNF, fundando o seu juízo na consideração de que «[i]dentificou o tribunal que “o ponto de discórdia entre as partes resulta da questão de saber se legalmente se impõe a existência de um dia de calendário completo como dia de descanso ou se é possível que esse descanso seja de 24 horas, distribuído por dois dias”», sendo que «efetivamente, é como dia de calendário completo que deve entender-se a referência do artigo 221.º, n.º 5, do CT, à exigência de um dia de descanso», tanto mais que «sem dúvida razoável, a norma nacional mostra-se conforme» com o art. 05.º da referida Diretiva 2003/88/CE, pelo que é «apodítico que considerar o dia de descanso semanal como dia de calendário completo sempre abrange o/um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, previsto na Diretiva (sem postergar que se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.° da Diretiva; na legislação nacional “sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito – art. 221º, nº 5, do CT)”».

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. Tal como repetidamente tem sido afirmado constitui questão jurídica de importância fundamental aquela que, incidindo sobre direito substantivo ou adjetivo, apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que revistam de particular repercussão na comunidade.

11. Presente a quaestio juris em discussão nos autos e que se mostra colocada na presente revista nos termos supra explicitados, temos que a mesma reveste de relevância jurídica e social fundamental dadas as implicações que assume no quadro da organização e das relações laborais, e, nessa medida, das posições jurídicas dos sujeitos na mesma envolvidos.

12. Trata-se de questão cuja elucidação envolverá análise de alguma complexidade/dificuldade, mormente concatenando os quadros normativos da União e nacional, que ainda não foi objeto de apreciação por este Supremo, cientes de que a temática mostra-se suscetível de ser repetida e recolocada em casos futuros.

13. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas. D.N..
Lisboa, 7 de outubro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.