Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0735/19.4BEBRG
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TAXA SIRCA
INCONSTITUCIONALIDADE
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - A Lei 9/2019, de 01/02, em vigor a 02/02/2019, por via do seu artigo 2.º aditou a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são, também, devidos juros indemnizatórios, “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determina a respetiva devolução”.
II - Nos termos do artigo 3.º da citada Lei 9/2019, a redacção da alínea d) do artigo 43.º da LGT aplica-se às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 01/01/2011.
III – In casu, em que estão em causa autoliquidações da taxa SIRCA de meses dos anos de 2015, 2016, e 2017, são devidos juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no artigo 43.º/2/ d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no artigo 61.º/5 do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P26980
Nº do Documento:SA2202101130735/19
Data de Entrada:10/30/2020
Recorrente:A......................, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1- RELATÓRIO

A..................................., LDA, vem recorrer da sentença proferida nos autos de impugnação judicial que, na sequência da reclamação graciosa apresentada, tacitamente indeferida, deduziu contra as taxas SIRCA (sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações) respeitantes a Dezembro de 2015 no valor de € 12.231,24, Janeiro, Fevereiro e Março de 2016, nos valores de € 11.659,25, € 13.280,76 e € 11.510,00 respectivamente e, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2017, nos valores, respectivamente, de € 12.311,80, 13.367,26, € 11.990,07 e € 20.431,26, pedindo a sua anulação e a restituição dos valores das taxas pagas acrescido de juros indemnizatórios e que foi julgada improcedente no que a estes juros tange.

Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:







Não foram apresentadas contra-alegações.

O EPGA junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso pelas razões a que infra se fará alusão.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2. 1 DOS FACTOS

A decisão recorrida deu como assente, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade resultante da prova documental, junta aos autos, incluindo os processos administrativos tributários (PAT), com a motivação dela constante:
“III – FACTOS PROVADOS:
1. A impugnante é proprietária de um estabelecimento industrial de abate de animais – Facto não controvertido.
2. No exercício da sua actividade a impugnante procedeu à emissão das declarações mensais, autoliquidações, da taxa SIRCA dos meses de Dezembro de 2015 no valor de € 12.231,24; Janeiro, Fevereiro e Março de 2016, nos valores de € 11.659,25, € 13.280,76 e € 11.510,00, respectivamente e, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2017, nos valores, respectivamente, de € 12.311,80, € 13.367,26, € 11.990,07 e € 20.431,26 – Cf. Docs. 1 a 9 juntos com a PI cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
3. A impugnante pagou os montantes das (auto) liquidações referidas em 02) – Facto não controvertido.
4. Em 28.12.2018 a impugnante reclamou graciosamente, junto da DGAV (DIRECÇÃO GERAL DE ALIMENTAÇÃO E VETERINÁRIA), das taxas referidas no ponto anterior – Cf. fls. 01/20 do PA apenso.
5. A DGAV não se pronunciou sobre a reclamação referida no ponto anterior – Facto não controvertido.
6. Em 30.01.2019 foi deduzida a presente impugnação – Cf. fls. 01 do processo físico.
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FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão a proferir, inexistem.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A decisão da matéria de facto provada efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do Procedimento Administrativo (PA), consoante se anota em cada ponto do probatório, bem como na posição da impugnada e impugnante nos seus articulados, designadamente quanto aos acervo documental que foi junto e não foi impugnado, assim como quanto aos pontos do probatório em que as partes não divergem.
Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como Provados – Cfr. art. 74º LGT, 76º nº 1 LGT e art. 362º e ss do CC.

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º41/2013, de 26 de Junho) ex vi do artigo 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença a qual julgou improcedente a acção na parte em que decidiu não serem devidos juros indemnizatórios, com o fundamento de que não há lugar ao pagamento de tais juros porquanto, tendo sido anulados os atos tributários por inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º/1 do DL 19/2011, que previa a Taxa Sirca, não ocorre erro imputável aos serviços, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.º da LGT.
Vejamos.
Na sentença recorrida, datada de 30.03.2020, apreciando a questão da INCONSTITUCIONALIDADE, foi delineado o seguinte discurso jurídico:
“Defende a impugnante que as taxas SIRCA em causa não são devidas mercê da inconstitucionalidade do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, por violação do princípio da igualdade e por violação do princípio da reserva de lei formal da Assembleia da República, nos termos previstos nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição da República Portuguesa (CRP). E, tem razão.
Na verdade, sobre a questão trazida é vasta a jurisprudência, consolidada, que afirma a taxa aqui em causa padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade.
As taxas colocadas em causa respeitam aos meses de dezembro de 2015, janeiro, fevereiro, março e abril de 2016, fevereiro, março, abril e maio de 2017, aplicando-se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de fevereiro de 2011, alterado pelo Decreto-Lei n.º 38/2012, de 16 de fevereiro, que define as regras de financiamento do SIRCA (sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações).
Não obstante o referido diploma legal ter sido revogado pelo artigo 17.º, al. d) do Decreto-Lei n.º 33/2017, de 23 de março, o valor da taxa SIRCA só foi definido no Despacho n.º 2905-A/2017, de 5 de abril, publicado na 2ª série do DR, n.º 69, de 6 de abril de 2017 e o procedimento previsto no artigo 8.º, n.º 2 do referido Decreto-Lei n.º 33/2017, só foi estabelecido pelo Despacho n.º 5738/2017, da Direção-Geral da Alimentação e Veterinária, publicado na 2ª série do DR, n.º 125, de 30 de junho de 2017.
Pelo que às taxas aqui em causa se aplica o supra identificado regime.
E, a este propósito é vasta a jurisprudência, como avançamos, que vem sublinhando a inconstitucionalidade da taxa SIRCA, configurada pelo Decreto-Lei n.º 19/2011, por violação do princípio da igualdade, na medida em que configura o estabelecimento de abate como contribuinte directo de tal tributo, quando o presumível beneficiário do serviço que tal taxa se destina a financiar é, não este, mas o titular da exploração.
Discorreu-se a este respeito no Acórdão do STA de 20-03-2019, proferido no processo n.º 0558/15.0BEMDL, o seguinte: “(…) O STA, de forma reiterada tem decidido que a TAXA SIRCA, tal como estava configurada no artigo 2.º do DL 19/2011, de 07/02, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência, cfr. entre outros, acórdãos de 03/05/2017-P. 0834/16, de 25/10/2017-P. 0659/17 e de 08/11/2017-P. 0829/17, acessíveis em www.dgsi.pt.
Não há agora razão para divergir desta orientação jurisprudencial por se manterem válidos os fundamentos de tais acórdãos no sentido de o tributo em causa ser inconstitucional, pois que configura o estabelecimento de abate como seu contribuinte direto, não sendo esta entidade o presumível beneficiário do serviço que a taxa visa financiar.
De facto, o beneficiário do serviço que a taxa visa financiar é, antes, o titular da exploração dona dos animais abatidos nas condições previstas no mencionado DL.”
Assim, sem mais considerandos temos que a impugnação terá de proceder, anulando-se, consequentemente, as taxas SIRCA postas em causa com a sua consequente restituição à impugnante em execução do que ora se decide (cf. art. 100º da LGT).
Contudo, no que tange a juros indemnizatórios não são os mesmos devidos na medida em que, para serem concedidos necessário se tornaria que o Tribunal concluísse que havia erro imputável à AT consoante se extrai do art. 43º da LGT que define os requisitos da sua concessão, e, não é esse o caso. E isto porque, o sucesso da impugnação verifica-se porque as autoliquidações foram anuladas mercê da inconstitucionalidade do diploma que não será de imputar aos serviços.
Ora, o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal, pressupondo que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”.
Porém, na situação trazida, a anulação das (auto)liquidações das taxas SIRCA aqui impugnadas não deriva de “erro imputável aos serviços”.
Sucede que, na senda das alegações da recorrente e do Parecer do EPGA, a posição sustentada pela sentença recorrida não tem, actualmente, qualquer apoio legal.
Isso porque (e passamos a citar o douto Parecer) “a Lei 9/2019, de 01/02, em vigor a 02/02/2019, por via do seu artigo 2.º aditou a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são, também, devidos juros indemnizatórios, “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determina a respetiva devolução”.
Nos termos do artigo 3.º da citada Lei 9/2019, a redação da alínea d) do artigo 43.º da LGT aplica-se às decisões judicias de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 01/01/2011.
Na situação em análise são, pois, devidos juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no artigo 43.º/2/ d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no artigo 61.º/5 do CPPT.”
Isso porque, como decorre do ponto 2 do probatório, estão em causa nos autos autoliquidações, da taxa SIRCA de meses dos anos de 2015, 2016, e 2017.
Procedem assim, as conclusões recursórias a impor a revogação da sentença no segmento em apreço e, consequentemente, a reconhecer à impugnante e ora recorrente o direito a juros indemnizatórios em cujo pagamento será condenada a ATA.

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3.- DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, no segmento objectado, e condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do artigo 61.º/5 do CPPT.

Custas pela recorrida.

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Lisboa, 13 de Janeiro de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.