Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0173/17
Data do Acordão:02/21/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:NOTIFICAÇÃO
Sumário:Não tendo a devedora originária sido validamente notificada da liquidação de IRC, no prazo de quatro anos, caducou o direito de liquidar o respetivo imposto.
Nº Convencional:JSTA000P22927
Nº do Documento:SA2201802210173
Data de Entrada:02/17/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…………………. deduziu oposição, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, ao processo de execução fiscal n.º 3050200501075780, que corre os seus termos no Serviço de Finanças de Coimbra-2, instaurado originariamente contra a sociedade B………….. III – Consultas Oftalmológicas, Lda., para a cobrança coerciva de dívidas de IRC, relativas aos exercícios de 2001 e 2003, no montante de 20.808,25€.

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1.2. Aquele Tribunal, por sentença 30/11/2016 (fls. 366/389), julgou a oposição procedente.
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1.3. É dessa decisão que é interposto o presente recurso, pela FP, em cujas alegações é formulado o seguinte quadro conclusivo, fls. 413:
«1 - A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a oposição à reversão contra o oponente levada a cabo pelo Serviço de Finanças de Coimbra 2, na qualidade de devedor subsidiário, no Processo de execução fiscal n.º 3050200501075780, instaurado originariamente contra a sociedade B…………. III – CONSULTAS OFTALMOLÓGICAS, LDA para cobrança coerciva de dívida de IRC dos anos de 2001 e 2003 no valor de € 20.808,25 (vinte mil oitocentos e oito euros e vinte cinco cêntimos).
2 - Considerou a Mma. Juiz, que no caso ocorreu falta de notificação das liquidações impugnadas à sociedade devedora originária, determinando a extinção da execução fiscal, com os seguintes fundamentos: “O Oponente alega, ainda que genericamente, que a dívida sob cobrança coerciva não lhe é exigível porque a liquidação do imposto não foi validamente notificada à sociedade devedora originária, o que cumpre apreciar.
A caducidade constitui uma garantia dos contribuintes na medida em que limita no tempo o poder da Administração Tributária liquidar impostos (e outras prestações tributárias), contribuindo assim para uma maior segurança e certeza jurídicas.
Nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da LGT “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.” No que respeita ao IRC o legislador não estabeleceu qualquer prazo especial, pelo que é aplicável o referido prazo geral de quatro anos.
Uma vez que o IRC é um imposto periódico o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. n.º 4 do artigo 45.º da LGT).
No caso em apreço o IRC reporta-se aos exercícios de 2001 e 2003, pelo que o termo inicial do prazo de caducidade ocorreu, respectivamente, em 31.12.2001 e 31.12.2003.
Do probatório resulta que em 02.09.2005 foram assinados os avisos de recepção dirigidos à sociedade “B…………. III – Consultas Oftalmológicas, Lda. referente ao envio das demonstrações de liquidação do IRC de 2001 e 2003, sem documento de cobrança (cfr. pontos 12 a 15 do probatório). Sucede que os referidos avisos de recepção foram assinados por alguém em representação da sociedade “B………. VI Microcirurgia Ocular, Lda.” cuja morada não coincide com a morada indicada no aviso de recepção para a sociedade B………… III- Consultas Oftalmológicas, Lda. (cfr. ponto 16 do probatório)
Sendo assim não é possível afirmar que a sociedade devedora originária tivesse sido notificada das liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2003, pois não foi assegurada a entrega de correspondência ao seu efectivo destinatário. E não tendo as referidas liquidações à sociedade devedora originária até 31.12.2005 e 31.12.2007, ou seja, dentro do prazo de caducidade, não assiste à Administração Tributária o direito de executar as mesmas.”
3 - Entendeu ainda a Mma. Juiz: “De qualquer modo, ainda que assim não se entendesse, é de notar que também não resultou provado que os documentos de cobrança referentes às liquidações adicionais de IRC de 2001 e 2003 tenham sido notificados à sociedade devedora originária (cfr. alínea A) da matéria de facto não provada). Com efeito, a liquidação sem documento de cobrança não contém a indicação do prazo de cobrança voluntário, nem o valor exacto a pagar, pelo que sempre se concluiria que não foi levado ao conhecimento da sociedade devedora originária o valor de imposto e o respectivo prazo limite de pagamento. Assim sendo o thema decidendum não estaria no facto de a liquidação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo de caducidade, mas no facto de no referido prazo, não ter ocorrido a notificação do imposto a pagar ou do prazo para o respectivo pagamento circunstância que torna a notificação do acto de liquidação ineficaz (...)
Então o imposto não poderia ser coercivamente exigido pois o responsável originário pelo seu pagamento não incorreu em mora, o que obsta à instauração da execução fiscal (cfr. n.º 1 do artigo 88.º do CPPT).”
4 - Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” e reconhecendo a profunda análise efectuada pela Mma. Juiz, entende esta Representação da Fazenda existir excesso de pronúncia, quanto à questão das notificações das liquidações/notas de cobrança de IRC à sociedade devedora originária.
5 - Com efeito, e como a própria Mma Juiz reconhece na douta sentença o Oponente invoca apenas que desconhece se as liquidações foram notificadas à devedora originária, ora da utilização desta expressão, não é possível concluir que está a invocar genericamente que não foram feitas as notificações (ou desconhece ou sabe que não foram).
6 - Não existindo um litígio a ser conhecido pelo tribunal, quanto a esta questão específica, como defendeu esta Representação em sede da contestação, todo o esforço no sentido de demonstrar uma questão que não está em discussão é, com todo o respeito, um excesso de pronúncia por partes do Tribunal “a quo” que ultrapassa o princípio do dispositivo a que o mesmo deve estar vinculado (art. 13.º, n.º 1 do CPPT).
7 - O que mais ainda vale para a questão da notificação das notas de cobrança, que nunca sequer foram afloradas por qualquer das partes.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.as, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pelo excesso de pronúncia da douta sentença recorrida, quando concluiu pela não notificação das liquidações de IRC de 2001 e 2003 e respectivas notas de cobrança, mantendo-se a reversão da dívida exequenda, levada a cabo contra o Oponente pelo Serviço de Finanças de Coimbra-2, (…).».
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1.4. O recorrido contra-alegou tendo concluído (fls. 451 e …) do seguinte modo:
«a) O ora recorrido alegou: “O oponente desconhece se as liquidações ora revertidas foram ou não notificadas à originária executada; Sendo certo que as mesmas devem ser efectuadas por carta registada com A/R; Inexistindo as competentes notificações as dívidas são inexigíveis”. Como facilmente se percebe a causa de pedir alegada foi a da não notificação das liquidações revertidas, devendo a alegação ser lida em bloco e não de forma sectária como a recorrente pretende.
b) Foi apresentado o requerimento de fls. 106 e segs. a solicitar que fosse julgada improcedente tal excepção ou a entender-se por alguma obscuridade, ser o ora recorrido notificado para suprir a existência da deficiência alegada, sendo que notificada a Fazenda Pública nada disse.
c) Acresce que na sequência do parecer do EMMP, a fls. 219, foi solicitada a notificação da FP para junção dos documentos comprovativos da notificação das liquidações à devedora originária, verificando-se também que para aquele ilustre magistrado a questão em causa era a de saber se tinha ocorrido ou não a notificação das liquidações revertidas.
d) Assim sendo, não se concede que o Tribunal a quo tenha incorrido em excesso de pronúncia ao conhecer de questão que lhe estava vedada, sendo completamente despropositada a alegação de que nunca se colocou em causa a notificação da nota de cobrança, pois que esta necessariamente tem que integrar o conteúdo dos actos de liquidação a notificar ao contribuinte.
e) E sendo este o único fundamento do recurso apresentado pela Fazenda Pública tem o mesmo que ser julgado improcedente.
f) O despacho do chefe de finanças não se pronuncia e omite a análise da prova apresentada pelo responsável subsidiário, não precisando sequer porque dispensou a inquirição das testemunhas, o que determina uma preterição de formalidade legal que inquina a decisão.
g) Será que se pode afirmar com segurança que inquiridas que fossem as testemunhas, a decisão administrativa não poderia ser outra que não aquela que foi?
h) Com o devido respeito, parece-nos que não, sendo que não existe juízo de prognose que possa ser feito no sentido de se considerar que os depoimentos das testemunhas então arroladas conduzissem a AT à mesma decisão, acrescendo que já no decurso do processo judicial o recorrido viu-se na necessidade de proceder à substituição de duas daquelas, pelo facto de ter perdido o contacto pessoal e profissional.
i) Não basta a AT afirmar que “os argumentos invocados pelo revertido não justificam a alteração da decisão administrativa nem a audição das testemunhas arroladas”, sem se explicar porquê, sendo ilegal a interpretação que o Tribunal para sufragar a posição daquela em clara violação do princípio da separação de poderes entre os tribunais e o executivo ou a administração, consagrado como princípio estruturante do sistema de poderes no artigo 111.º da Constituição.
j) Em parte alguma da notificação efectuada a fls. 95 e segs. consta a transmissão do conteúdo do auto de notícia, sendo que o mesmo apenas aparece no processo de Execução apenso a fls. 248 e segs., já depois de efectuada a reversão, bastando para o efeito verificar que da citação tal elemento também não consta e, assim sendo, temos que concluir que aquando da notificação para o exercício do direito de audição prévia não foram fornecidos todos os elementos necessários para o oponente se pronunciar, sendo manifestamente insuficiente afirmar a sua existência no processo individual da empresa B…………. III na Direcção de Finanças de Coimbra porque o oponente é pessoa distinta daquela sociedade e bem assim não se prova que o mesmo tivesse daquele conhecimento; e falso que a cópia se encontrasse junta aos autos pela razão supra, esclarecendo-se que qualquer consulta que pudesse ser feita ao processo executivo resultaria face ao exposto, inócua.
k) O Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica efectuada pelo recorrente como questão prévia no articulado nela referido.
l) A questão qualificada juridicamente como “questão prévia” consubstancia um fundamento de ilegalidade substantiva que foi alegada como causa de pedir da ilegalidade da reversão da dívida da originária devedora contra o oponente.
m) Mesmo admitindo alguma imprecisão da alegação, o juiz não pode deixar de considerar, na resolução da questão jurídica, “os factos instrumentais e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar” (art.° 590.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC), e a Fazenda Pública pronunciou-se sobre os mesmos.
n)Tal posição axiológica ilumina, de resto, outros momentos do processo como sejam o da incumbência ao juiz “de convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido” (art.º 590.º, n.º 4, do CPC) e o da exigência de que “a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão” e que são “atendíveis os factos que segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida” (art.º 611.º, n.°s 1 e 2, do CPC).
o) A definição da garantia de responsabilidade subsidiária e solidária nos termos decorrentes da operacionalidade do art.º 147.º, n.º 2, do CSC não só se ajusta à situação de facto e jurídica da responsabilidade subsidiária e solidária, que actualmente se verifica, como é aquela que melhor concretiza e realiza a responsabilidade pelas dívidas fiscais da sociedade dissolvida.
p) Mesmo consentindo que o alegado pelo recorrente sob a qualificação jurídica de “questão prévia” se consubstancie numa ampliação da causa de pedir, cuja admissibilidade se mostre sujeita ao estipulado nos art°s 264.º e 265.º, n.º 1, do CPC [aplicáveis ex vi do art.º 2.º, alínea e), do CPPT], sempre essa alteração deverá ser ajuizada como admitida por acordo ou, no mínimo, em consequência de confissão feita pela Ré Fazenda Pública, na sua contestação da oposição.
q) Na sua contestação apresentada nestes autos, a págs. 10, a Fazenda Pública, por citação do antes alegado no Proc. de Oposição n.º 738/06.O9BECBR, e fazendo disso transcrição, alegou o seguinte: “Por outro lado, ficou assente nos autos que a empresa original devedora já se encontra extinta e que o activo a favor de outra das empresas B……….., no caso, a número V. Esse negócio foi efectuado, tanto do lado da alienante como da adquirente, pelo sócio gerente comum a ambas, o agora oponente A……………... E foi feito sem que até hoje fossem pagas as dívidas tributárias agora revertidas”.
r) Estas asserções de facto da Fazenda Pública, que se aceitaram e continuam a aceitar, mais não representam do que o preenchimento expresso dos dados de facto integrantes da ilegalidade substantiva invocada como “questão prévia” e que tem constitui seguramente causa de pedir idónea da qual a sentença recorrida deve conhecer “de meritis”.».
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1.5. No despacho de sustentação (fls. 458) afirma-se o seguinte:
«Vem a Fazenda Pública invocar, em sede de alegações de recurso, excesso de pronúncia quanto à referência, na sentença, à falta de notificação das liquidações/notas de cobrança de IRC à sociedade devedora originária. Entende a Fazenda Pública que o facto de a Oponente referir que desconhece se as liquidações foram notificadas à devedora originária, não permite concluir, da utilização da referida expressão, que está a invocar que não foram feitas as referidas notificações.
Compulsada a petição inicial apresentada pelo Oponente resulta que nos artigos 75.º a 77.º é invocado o seguinte: “O oponente desconhece se as liquidações ora revertidas foram ou não notificadas à originária devedora; Sendo certo que as mesmas devem ser efectuadas por carta registada com A/R; Inexistindo as competentes notificações as dívidas são inexigíveis”. Esta alegação foi apreciada … no ponto intitulado “Da inexibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação à sociedade devedora originária”, tendo sido apreciada sob o prisma da caducidade do direito à liquidação e também da ineficácia da liquidação por falta de indicação do montante do imposto e do prazo de pagamento voluntário da liquidação. Em primeiro lugar, importa referir que o Oponente refere efetivamente que a notificação das liquidações inexistiu, conforme resulta da alegação transcrita. Por outro lado, a inexistência da notificação da liquidação resultou também da falta de notificação dos elementos essenciais que a devem acompanhar, designadamente o montante e o prazo de pagamento do imposto. Ora, estes elementos devem constar das notas de cobrança, que fazem parte integrante da notificação da liquidação, o que implicou que na sentença proferida nos presentes autos se fizesse referência à inexistência das referidas notas de cobrança. Atendendo ao exposto, concluí que a sentença proferida nos presentes autos não extravasou o alegado pelo Oponente. Deste modo, inexiste qualquer excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 125º, n.º 1 do CPPT pelo que, neste sentido, se mantém a decisão proferida.
Cumpridas as demais formalidades legais, subam os presentes autos ao Supremo Tribunal Administrativo.».
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1.6. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«A recorrente, FAZENDA PÚBLICA, vem sindicar a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, exarada a fls. 366/388, em 30 de Novembro de 2016, que julgou procedente oposição judicial deduzida contra execução fiscal em que se visa a cobrança coerciva de dívida relativa ao IRC de 2000 e 2003, ao abrigo do disposto no artigo 204.º/1/ i) do CPPT, uma vez que as liquidações/notas de cobrança não foram, devidamente, notificadas à sociedade comercial, devedora originária.
O recorrido, A………… requereu a ampliação do objeto do recurso, a título subsidiário, ao abrigo do estatuído no artigo 636.º/1 do CPC.
A recorrente assaca à decisão recorrida o vício formal de excesso de pronúncia.
Vejamos.
Nos termos do disposto nos artigos 125.º do CPPT e 615.º/1/d) do CPC constitui fundamento de nulidade da sentença a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Esta nulidade está conexionada com a segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, em que se estabelece que o juiz não pode ocupar-se de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora, ressalvado melhor juízo, contrariamente ao sustentado pela recorrente, entendemos não se verificar o apontado vício formal da sentença recorrida, como bem se fundamenta no despacho de fls. 458, cujo discurso fundamentador se subscreve.
Na verdade, o recorrido, nos artigos 75.º a 77.º da sua PI, alega que desconhece se as liquidações, ora, revertidas foram ou não notificadas à devedora originária; que tais notificações devem ser efetuadas por carta registada com A/R e que inexistindo nos autos as competentes notificações, as liquidações são inexigíveis.
Aliás, a propósito desta questão, a requerida apresentou, ainda, o requerimento que faz fls. 106/109, sendo certo que, sob promoção do MP, por despacho de fls. 120, foi determinada a notificação da Fazenda Pública para juntar aos autos as alegadas notificações das liquidações exequendas.
Portanto, temos como assente que a recorrida invocou, como fundamento da oposição a omissão de notificação das liquidações à devedora originária e consequente inexigibilidade da dívida.
No que concerne às notas de cobrança, também, analisadas pela sentença recorrida, embora seja certo que a recorrida não se refere, expressamente, a elas, na PI, a verdade é que, como se refere no douto despacho de fls. 458, as mesmas fazem parte integrante da liquidação, pelo a sentença podia e devia conhecer da questão da sua notificação à devedora originária.
Em suma, parece-nos que a sentença recorrida não conheceu de questões que não tivessem sido suscitadas pelo recorrido, pelo que, não se verifica a alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
A decisão recorrida, a nosso ver, não merece censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.».
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1.7. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. O Oponente é médico e exerce as suas funções por intermédio da sociedade devedora originária e de outras sociedades criadas para o efeito — cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 222 a 229 do processo executivo.
2. Até data concreta não determinada C……………. foi o técnico oficial de contas da sociedade devedora originária e das várias sociedades em que o Oponente detinha capital social — cfr. declarações de rendimentos de fls. 230 a 233 do processo executivo e depoimento das testemunhas ………….. e ……………..
3. Em data concreta não apurada o Oponente tomou conhecimento da existência de dívidas fiscais — cfr. depoimento das testemunhas ………… e …………..
4. Em data concreta não apurada foi escrito o documento intitulado “Declaração”, cuja cópia a fls. 131 do processo executivo aqui se dá por reproduzido e transcreve parcialmente:
“Eu, C…………., após uma análise sumária à escrita da Clínica Oftalmológica B……………. [ilegível] que retive indevidamente em proveito próprio a quantia de Esc. 26.157.950 (vinte e seis milhões cento e cinquenta e sete mil novecentos e cinquenta euros). Desde já me comprometo a repor aquela importância acrescida de juros e algumas despesas a [ilegível] pela não entrega atempada daquela valor Finanças.
(…)” — cfr. declaração de fls. 131 do processo executivo.
5. Em 14.01.2003 C………… subscreveu a seguinte declaração:
“Eu, C………………, após uma análise mais aprofundada das sociedades Clínica Oftalmológica B……….., Lda., B………. III, B……….. IV B………. V e B…………. VI, declaro que retive indevidamente e em proveito próprio a quantia de 50.124.650$00 (cinquenta milhões cento e vinte e quatro mil seiscentos e cinquenta escudos).
Naquela quantia está compreendida a quantia de 26.157.950$00 (vinte e seis milhões cento e cinquenta e sete mil novecentos e cinquenta escudos) referida na declaração de 18 de Julho de 2002.
Por ser verdade assino a presente declaração.
(...)”— cfr. declaração de fls. 132 do processo executivo.
6. Em 03.03.2003 foi proferido despacho de arquivamento no âmbito do processo no 18/02.9JIDCBR, que correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal do Distrito Judicial de Coimbra, referente ao inquérito instaurado contra, entre outras, a firma “B………. III — Consultas Oftalmológicas, Lda.”, cuja cópia a fls. 212 a 218 do processo físico aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“Na sequência de fiscalizações efectuadas pela divisão de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Coimbra, foram levantados autos de notícia, que deram origem ao presente Inquérito, contra as firmas (...), “B………… III — Consultas Oftalmológicas, Lda.” (…).
Todas essas empresas têm um único e comum sócio-gerente, A…………….
Os factos participados, descritos nos Relatórios de Inspecção Tributária juntos aos autos (principal e apensos) e, de forma mais sumária, no Parecer de fls. 357 e ss, que aqui se dão por reproduzidos, crime defraude fiscal, (…).
A vantagem patrimonial obtida, a nível de IRC e relativa aos anos de 1999 e 2000, é a referida no quadro de fls. 370, cujo teor aqui damos por reproduzido.
(...)
Conjugando as necessidades de prevenção geral com o princípio da culpa, entendemos que também as exigências de prevenção geral — que assumem um grau elevado, com a finalidade de afastar os contribuintes deste tipo de ilícitos, cuja prática de apresenta em número elevado — não se opõem em concreto, ao arquivamento dos autos.
Também as necessidades de prevenção geral se nos afiguram acauteladas, não se opondo, em concreto, ao arquivamento dos autos.
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Compulsados os autos, deparámo-nos com matéria de facto susceptível de constituir crime de natureza pública, concretamente crime de abuso de confiança agravado (...), sendo seu autor C……………
Então, atendendo às disposições conjugadas dos arts. 241º 242º, 243º e 247º do C.P.P. importa dar início à competente investigação.
(...)”- cfr. decisão de fls. 212 a 218 do processo físico.
7. Em 22.10.2003 C………… subscreveu a declaração cuja cópia a fls. 139 e 140 do processo executivo se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
C…………. (…) declaro para os devidos efeitos reconhecer que do valor dos cheques indicados na listagem anexa, composta por seis páginas, que me foram entregues [ilegível] me apropriei indevidamente do montante de € 501.287.99 (...) que deveria ter entregue ao Estado (…). Igualmente declaro que me apropriei da quantia de € 39.451.24 (...), referente a [ilegível] transferências que me foram efectuadas por aquela sociedade para pagamentos por conta de IRC de 2003. Reconheço-me ainda responsável pelo pagamento dos juros de mora, juros compensatórios e coimas que venham a ser aplicadas aquela sociedade, em virtude da não entrega atempada ao Estado dos montantes de que me apropriei, referentes a IRS e IRC do período compreendido entre 1 de Janeiro de 1999 e 22 de Outubro de 2003. (...)”— cfr. declaração de fls. 139 e 140 do processo executivo.
8. Em 03.12.2003 foi proferida decisão no âmbito do processo comum n.º 1095/02.8TACBR, que correu termos na Vara Mista de Coimbra, na qual C…………. foi condenado como autor de um crime de abuso de confiança agravado, na pena de dois anos e seis meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de três anos com a condição de o mesmo pagar a quantia de EUR 36.019,34 à lesada “D………………, Lda.”, cuja cópia a fls. 141 a 152 do processo executivo se dá por reproduzida – cfr. decisão de fls. 141 a 152 do processo executivo.
9. Em 11.05.2005 reuniram-se em assembleia geral os sócios da sociedade “B……….. III – Consultas Oftalmológicas, Lda.,”, com a seguinte ordem de trabalhos:
“Aprovação, discussão ou modificação do Balanço e Contas, respeitantes ao exercício de 2004.”, “Cedência do imobilizado da sociedade à sociedade “B……………. VI, Microcirurgia Ocular, Lda.,” e “Assunção pelo sócio gerente Senhor Professor Doutor A……………. das dívidas da sociedade, quer existentes quer venham a existir” a qual decorreu nos seguintes termos:
“(…)
Aberta a sessão os sócios analisaram o balanço e as contas e verificando a correcção das mesmas, deliberaram por unanimidade aprovar o balanço e as contas com a seguinte distribuição:
454.119,07€ - quatrocentos e cinquenta e quatro mil cento e dezanove Euros e sete cêntimos, para “Resultados Transitados
Com referência ao segundo ponto da ordem de trabalhos, no sentido de concentrar a actividade da sociedade numa outra sociedade, a saber “B……………… VI, Limitada”, cujas quotas são igualmente dos presentes, estes deliberam ceder de forma plena e definitiva todo o imobilizado que na contabilidade se encontra descrito.
Pedida a palavra pelo sócio Professor Doutor A………….., pelo mesmo foi referido que na sequência da concentração da actividade naquela sociedade B…………….. VI, Limitada e tendo em consideração o interesse legalmente protegidos dos eventuais credores, assume toda a responsabilidade pelo pagamento das dívidas existentes e das dívidas que venham a existir, pelo que nesta data a sociedade fica sem activo nem passivo.
Pelos restantes presentes foi referido concordarem com tal (...)” — cfr. acta número oito a fls. 239 (frente e verso) do processo executivo.
10. Em 11.05.2005, no Cartório Notarial de Condeixa-A-Nova, E……………….. F…………… e o Oponente outorgaram a escritura de “Dissolução de Sociedade”, pela qual, na qualidade de únicos sócios da sociedade por quotas “B…………… III — Consultas Oftalmológicas, Lda.” declararam o seguinte: “Que dissolvem a referida sociedade a partir desta data, tendo também sido encerradas e aprovadas hoje, as contas respectivas, não tendo a mesma passivo nem restando qualquer activo a partilhar.” – cfr. escritura exarada a fls. 131 e 132 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 199-D do Cartório Notarial de Condeixa-a-Nova a fls. 219 a 220 do processo executivo.
11. Em 17.05.2005 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade “B………… III — Consultas Oftalmológicas, Lda.” — cfr. Ap. 1/20050517 da certidão do registo comercial da referida sociedade a fls. 82 do processo executivo.
12. Em 02.09.2005 foi assinado por alguém em representação da sociedade “B………… VI Microcirurgia Ocular Lda.” o aviso de recepção dirigido à sociedade “B………….. III — Consultas Oftalmológicas, Lda.” referente ao envio do documento com o n.º 2005 00010281044 – cfr. aviso de recepção de fls. 334 do processo físico.
13. O documento com o n.º 2005 00010281044 respeita à demonstração de liquidação de IRC de 2003 e juros compensatórios, sem documento de cobrança – cfr. print com a lista de documentos associados à nota nº 2005 858018 a fls. 333 do processo físico e detalhe da demonstração de compensação a fls. 332 do processo físico.
14. Em 02.09.2005 foi assinado por alguém em representação da sociedade “B………… VI Microcirurgia Ocular Lda.” o aviso de recepção dirigido à sociedade “B…………….. III — Consultas Oftalmológicas, Lda.” referente ao envio do documento com o n.º 2005 00010147483 — cfr. aviso de recepção de fls. 336 do processo físico.
15. O documento com o n.º 2005 00010147483 respeita à demonstração de liquidação de IRC de 2001 e juros compensatórios, sem documento de cobrança – cfr. print com a lista de documentos associados à nota a° 2005 857757 a fls. 337 do processo físico e detalhe da demonstração de compensação a fls. 330 do processo físico.
16. As instalações da sociedade “B……….. VI Microcirurgia Ocular Lda.” e da sociedade “B……….. III — Consultas Oftalmológicas, Lda.” são localizadas no edifício 33/35, sito na Avenida ……….., em Coimbra, estando aquela primeira sociedade instalada na sala …….. e esta segunda sociedade instalada na sala ……….. — cfr. moradas constantes dos avisos de recepção de fls. 334 e 336 do processo físico.
17. Em 10.11.2005 foram extraídas as certidões de dívida provenientes da falta de pagamento de IRC dos anos de 2001 e 2003 e respectivos juros compensatórios, no valor total de EUR 20.808,25, cujo prazo voluntário de pagamento terminou em 02.10.2005 — cfr. certidões de dívida a fls. 77 e 78 do processo executivo.
18. Em 28.11.2006 o Inspector Tributário da Direcção de Finanças de Coimbra elaborou o auto de notícia contra a sociedade “B……….. III — Consultas Oftalmológicas, Lda.”, F…………., E………….. e o Oponente, cuja cópia a fls. 240 a 243 do processo executivo aqui se dá por reproduzida — cfr. fls. 248 a 252 do processo executivo.
19. Em 25.09.2008 foi proferida sentença no âmbito do processo de oposição n.º 738/06.9BECBR, que correu termos neste Tribunal e que foi instaurado pelo ora Oponente, cuja cópia a fls. 203 a 209 do processo físico aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“A………………., (...) deduzir oposição à execução contra si revertida. Fundamenta a sua pretensão na falta de fundamentação do despacho de reversão por não se ter pronunciado sobre o requerimento do direito de audição, ou, preterição legal que inquina o despacho de reversão. Por fim alega a falta de culpa na insuficiência patrimonial para solver as dívidas de impostos.
(...)
Matéria de Facto Provada:
a) Foi instaura execução n.º 3050-05/0101532.0 e apensos por dívidas do IRC mais J.C. do anos de 2001 a 2003, tudo no montante de 233.889.506 na qual é principal executada afirma B……………… III Consultas Oftalmológicas, Lda.;
b) Por auto de diligências de fls. 97 verificou-se não ter a executada bens e no seu seguimento ordenou-se despacho de reversão contra os gerentes (...).
(…)
Importa, assim, em face dos comandos legais mencionado aquiletar da suficiência ou não do despacho que chamou o oponente à execução?
O despacho de reversão, após o exercício de audição do oponente, assenta no seguinte: (...).
Esta fórmula não traduz um juízo sobre a realidade dos factos alegados, nada esclarece nem concretiza, trata-se de uma abstracção (...) nada se apurou ou nada se disse que contrarie os pressupostos em que se apoiou o projecto do despacho de reversão além de que passa ao lado da questão dos elementos de prova tal como a audição de testemunhas.
Tal fundamentação não permite ao oponente saber se a AT ponderou os argumentos por ele aduzidos em sede de audição prévia, em que medida o fez, e não lhe permite ficar a conhecer os motivos porque a AT entendeu não relevá-los, impedindo-o, deste modo, de optar conscientemente por conformar-se com o acto ou reagir contra ele.
Por fim, não permite aos Tribunais a quem compete sindicar a validade do mesmo acto aferir da correcção do entendimento da administração.
A insuficiência da fundamentação é equiparada à falta de fundamentação, tendo as mesmas consequências, anulação do acto (arts. 125º nº 2 e 135º do CPA).
Procedendo a ilegalidade invocada ficam prejudicadas as demais questões, nomeadamente a questão da ilegitimidade substantiva do oponente.
DECISÃO.
Nestes termos, julga-se a oposição procedente, por provada, nos termos exposto, e, em consequência, declara-se ilegal o despacho de reversão e o oponente parte ilegítima para a execução.
(…)” – cfr. sentença de fls. 203 a 209 do processo físico.
20. Em 19.06.2009 o Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 2 elaborou o “Projecto de decisão”, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3050200501075780, no qual é executada a sociedade “B……………… III — Consultas Oftalmológicas, Lda.”, cuja cópia a fls. 98 a 109 do processo executivo aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“(…)
Assim, face ao exposto há que fundamentar tanto as liquidações das dívidas a reverter como a responsabilidade subsidiária da gerência, a saber:
Da fundamentação da liquidação:
1) O processo de execução fiscal n.º 305 0200501075 780 foi instaurado em 22 de Outubro de 2005, contra a firma devedora originária, com base nas seguintes certidões de dívida:
a) Certidão de dívida 2005/379009, no valor de 19.779,30€, por dívida de IRC de 2001, cuja data limite de pagamento ocorreu em 02 de Outubro de 2005, conforme quadro abaixo indicado (print retirado da aplicação informática de fluxos financeiros da DGCI), onde se verifica a nota de cobrança e demonstração de liquidação, que deu origem ao presente processo de execução fiscal:
(…)
b) Certidão de dívida 2005/379021, no valor de 1.028,95€ por dívida de IRC de 2003, cuja data limite de pagamento ocorreu em 02 de Outubro de 2005, conforme quadro abaixo indicado (print retirado da aplicação informática de fluxos financeiros da DGCI), onde se verifica a nota de cobrança e demonstração de liquidação, que deu origem ao presente processo de execução fiscal:
(…)
Da reversão das dívidas:
Dos factos
Existe no processo individual da empresa B……….. III, na Direcção Geral de Finanças de Coimbra, um Auto de Notícia, cuja cópia se encontra anexa aos presentes autos, elaborado no decurso do procedimento externo no âmbito da colaboração dos serviços do Inspecção Tributária para resolução dos processo de execução fiscal de penhora, em cumprimento do Despacho do Sr. Director de Finanças de Coimbra, onde é referido o seguinte:
“B – Em 11/05/2005 no Cartório Notarial de Condeixa, foi efectuada a escritura de dissolução e encerramento da citada sociedade onde é referido que não há activo nem passivo, e efectuado o respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra, conforme apresentação n°1/20050517, onde refere como data de aprovação de contas o dia 11/05/2005.
C – Também em 11 de Maio de 2005 pelas dezanove horas, reuniram-se em assembleia-geral, na sede social da firma, os três sócio da mesma, pelo que foi elaborada a acta nº 8, donde consta a seguinte ordem de trabalhos:
… …
- Cedência do imobilizado da sociedade à Sociedade B………… VI Microcirurgia Ocular, Lda.;
- Assunção pelo sócio gerente Senhor Professor A………….. das dívidas da sociedade, quer existentes quer que venham a existir”
Com referência ao segundo ponto da ordem de trabalhos, no sentido de concentrar a actividade da sociedade a saber, “B………… VI, LIMITADA”, cujas quotas são igualmente dos presentes, estes deliberam ceder de forma plena e definitiva todo o imobilizado que na contabilidade se encontra descrito. Pedida a palavra pelo sócio Senhor Professor A………., foi referido que na sequência de concentração da actividade “B………… VI, Limitada” e tendo em consideração o interesse legalmente protegido dos eventuais credores, assume toda a responsabilidade pelo pagamento das dívidas existentes e das dívidas que venham a existir, pelo que neste data fica sem activo nem passivo.”
No auto de notícia são retiradas as seguintes conclusões em relação aos factos transcritos:
1- O contribuinte possuía dívidas fiscais e quando da escritura de dissolução referiu não possuir passivo, omitindo as dívidas existentes;
2 - Analisadas as declarações anuais de 2003, 2004 e 2005 demonstra-se que a sociedade era viável e dispunha de activos – disponibilidades financeiras, nomeadamente depósitos bancários e caixa, suficientes para solver as dívidas ao Estado. Também dispunha de um imobilizado vasto, o qual transferiu para a Sociedade “B………….. VI, Lda., com o NIPC …………….. dos mesmos sócios, conforme assumido na acta n.º 8 realizada em 11/05/2005
3 - As contas bancárias da empresa, ao longo dos anos 2005 e 2004, movimentaram valores elevados. A sociedade possuía e continuou a possuir depois da sua liquidação activos, nomeadamente depósitos a prazo, facto que foi omitido aquando da escritura de dissolução da sociedade, dado que referiu não existirem activos, Foi omitida, também, a existência de uma viatura BMFVX3 3.0D com a matrícula ………………., adquirida em Leasing.
4 - No decurso do ano de 2004, verificaram-se saídas de dinheiro sem justificação da sociedade em análise, demonstrando uma descapitalização da empresa.
5 - No ano de 2004 a empresa adquiriu imobilizado de grande valor: um servidor; computadores; material médico; uma viatura, equipamento óptico …
São deveres dos gerentes, nos termos do disposto no artº 64º do Código das Sociedade Comerciais, o dever de cuidado e de lealdade o que pressupõe a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado, o que no caso concreto, não foi cumprido, uma vez que o gerente tinha a obrigação de cumprir com as obrigações fiscais da referida firma e não o fez, deixando que a firma acumulasse um considerável número de dívidas fiscais, inclusivamente nem sequer foi diligente ao ponto de entregar os impostos devidos no prazo legalmente exigível, o que evidência, claramente, que estamos perante gerente imprudente, que praticou uma gestão desordenada e nada cuidada.
Por outro lado, estabelece o disposto no artº 6º do C.S.C. que “A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular” o que, no caso concreto vem reforçar a ideia que os actos praticados pelos gerentes em geral e em particular o gerente em causa, exteriorizam a vontade da sociedade comercial, existindo certos actos que são da responsabilidade exclusiva do gerente “quando essa actuação pressuponha a personalidade singular” como é o caso de não entregar os impostos em causa nestes autos.
De Direito:
São responsáveis subsidiários, por exercício de funções de administração/gestão, nos termos da alínea b), n.º 1 do art.º 24 da Lei Geral Tributária, nos períodos da que a dívida tributária respeita e foi exigível o pagamento ou entrega da dívida em causa:
Nome: A………………….
Cargo: Gerente da devedora originária desde o 1999-12-21
Assim, face ao exposto e verificando-se o período em que o gerente acima identificado exerceu funções de gerência, conclui-se que o(a) gerente, é responsável pela dívida identificada no item 1 deste projecto de decisão.
(...), notifique-se o (a) interessado(a), para, no prazo de 10 dias exercer o seu direito de audição por escrito, (...).
(...)“— cfr. projecto de decisão de fls. 98 a 109 do processo executivo.
21. Em 09.07.2009 foi assinado o aviso de recepção do ofício de notificação, com o n.º 3778, para audiência prévia (reversão), dirigido ao Oponente, elaborado no âmbito do processo n.º 3050200501075780 – cfr. ofício de notificação e aviso de recepção de fls. 95 e 112 do processo executivo.
22. Em 15.07.2009 o Oponente apresentou no Serviço de Finanças de Coimbra 2 um requerimento por meio do qual exerceu o seu direito de audição prévia cuja cópia a fls. 118 a 128 do processo executivo aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“(…)
As dívidas que se pretendem reverter são referentes a IRC.
Nos termos do art. 24º LGT. “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a esta e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
Sendo que a culpa relevante, não é a que eventualmente respeite apenas o incumprimento da obrigação de pagamento do imposto em execução, mas só aquela que se reporte substantivamente ao incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, quando desse incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património da sociedade para a satisfação dos créditos fiscais (Cfr. neste sentido, entre outros, os Ac. do 5714 de 29.1.90, in Acórdãos Doutrinais n.º 372, pág. 323 e segs. E de 12.11.97, Recurso nº 21.469).
Assim, os gerentes ou administradores das empresas serão responsabilizados pelo pagamento das dívidas fiscais destas, sempre que, material e objectivamente se prove ou sempre que legalmente seja de presumir – que a sua actuação foi censurável, sem causas de justificação ou de escusa, no tocante ao incumprimento de disposições legais destinadas à protecção dos credores de que resulte insuficiência do património da sociedade para o pagamento dessas dívidas (Cfr. neste sentido, o Ac. do STA da Secção do Contencioso Tributário do TCA de 20.1.98, in Ant. de Ac. do STA e TCA no 2 a pág. 280 e segs).
Devendo a culpa aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto – isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr. art 487º, nº 2 e 799º, nº 2 do Código Civil) – e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo causal que, em concreto, conduziu ao dano. A culpa relevante não é a mera culpa no incumprimento da obrigação tributária mas sim à culpa na insuficiência no património social da empresa para satisfação dos créditos fiscais, e daí que o incumprimento culposo da obrigação tributária apenas releve quando dele resulte a insuficiência do património social para a satisfação dos respectivos créditos.
Na situação em apreço o requerente, nunca praticou ou omitiu, alguma vez, censuravelmente, qualquer acto, que tivesse deixado de praticar ou omitir.
Antes foi completamente enganado e roubado pelo seu “técnico de contas” que se apropriou de avultados montantes que eram destinados ao pagamento de impostos e que fizeram com que a executada, à semelhança de outras sociedades, deixasse de ter possibilidade de proceder a todos os pagamentos.
Na verdade, até Junho de 2002 o Sr. C…………… prestou as funções de “técnico oficial de contas” nas várias empresas de que são detidas maioritariamente pelo ora requerente, a saber, a Clínica Oftalmológica B……….., Lda., a B……….. IV – Microcirurgia por Laser, Lda. B………….. III Consultas Oftalmológicas, Lda., B………….. V – Exames Complementares de Oftalmologia, Lda., B……….. VI – Microcirurgia Ocular, Lda., B……….. II Consultas Oftalmológicas, Lda. e B………… V – Exames Complementares de Oftalmologia, Lda.
Todas estas empresas, ligadas à oftalmologia, desenvolvem em torno dos conhecimentos, do know-how e da perícia técnica do ora requerente, médico especialista de oftalmologia e professor catedrático.
Até àquela data, o ora requerente confiou inteiramente naquele C…………, como técnico oficial de contas, depositando-lhe nas mãos todas as quantias necessárias à liquidação dos respectivos impostos, desde IRS, IVA, IRC, Imposto de Selo e Pagamentos por conta, seus e das suas empresas, bem como das contribuições para a Segurança Social.
Até ao momento em que recebeu uma notificação de uma execução fiscal e um relatório dos Serviços de Fiscalização Tributária e, tendo-se deslocado ao Serviço de Finanças competente, aí tomou conhecimento de que as dívidas fiscais, por falta de entrega daqueles impostos, ascendiam a muitos milhares de euros.
Nessa altura, o ora requerente soube que as quantias que entregou ao C…………. para pagamento dos impostos tinham sido por este ilegitimamente apropriadas.
Inicialmente foi apurada a quantia de 26.157.950$00, tendo aquele C…………. assumido que reteve indevidamente e em proveito próprio essa quantia (Doc. n.º 1 que se junta e dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
Tendo o ora requerente solicitado a um revisor oficial de contas uma auditoria às suas empresas, veio posteriormente a apurar que o C………….. se tinha apropriado ilegitimamente da quantia de 250.020,70 € (Doc. n.º 2 que se junta e dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
Entretanto, foi o ora requerente constituído arguido por fraude fiscal.
Este processo crime correu termos sob o Inquérito N.º 18/02.9IDCBR – 1.ª “Secção, tendo os autos sido arquivados quanto ao ora requerente e aberto inquérito oficiosamente quanto ao C…………… (Doc. n.º 3 que se junta e dá por inteiramente reproduzido para todos os eleitos legais).
Aliás, diga-se de passagem que aquele C…………. lesou algumas outras empresas de que era técnico de contas, nomeadamente, a G…………….., Lda., contribuinte fiscal n.º …………. (Doc. n.º 4 que se junta e dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais) e a outra empresa, a saber D………….. Lda., tendo já sido condenado quer no âmbito do processo n.º 1095/02.8TACB da ia Secção da Vara Mista de Coimbra quer no âmbito no processo movido por aquela G……….. Lda. (Doc. n.º 5 e Doc. n.º 6).
É óbvio que a conduta ilícita daquele C………… fez com que a originária executada ficasse numa situação económica depauperada, não tendo atingido o equilíbrio económico-financeiro que permitisse solver as suas dívidas.
Tendo o ora requerente, ilidido a presunção de culpa na insuficiência do património societário, concretamente, avultados valores monetários, que ficou delapidado graças sobretudo à conduta do identificado C……………., não é substantivamente responsável pelo pagamento das dívidas exequendas, pelo que, sendo parte ilegítima na execução, tem de proferir-se despacho de não reversão da execução fiscal, o que se requer a V.ª Ex.ª dando-se aqui por adquirida a doutrina administrativa constante do Ofício Circulado n.º 60043 de 25.1.2005 da Direcção Geral dos Impostos.
Sem prescindir,
A sentença proferida no âmbito do processo de oposição n.º 738/06.9BECBR do TAF de Coimbra fez caso julgado, não podendo a execução prosseguir novamente os seus termos, como se pretende.
Por ter interesse para o caso em apreço, começaremos, antes de mais, por fazer uma abordagem teórica dessa controversa afigura processual, que é o caso julgado, caracterizando-a.
Lembraremos antes que, após a revisão do Código de Processo Civil efectuada pelos DLs nºs 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/9, a figura do caso julgado passou a constituir uma excepção dilatória – ao contrário do que sucedia até então em que assumia a natureza de excepção peremptória (cfr. artº 494, aI. i)).
O caso julgado constitui, assim, uma das excepções previstas na lei adjectiva, que é de conhecimento oficioso e cuja ocorrência impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (cfr. art.ºs 495 e 493, n.º 2). Excepção essa que pressupõe, nos termos do artº 497, n.ºs 1 e 2, a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Isso mesmo acentua o Prof. Anselmo de Castro, (in “Processo Civil Declaratório, Vol. II pág. 2429, ao escrever “tal impedimento, destina-se a duplicações inúteis da actividade jurisdicional e eventuais decisões contraditórias”.
O caso julgado, como refere o Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil, 28 ed., p. 3079, consiste, assim, “há alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário ou então, como ensina o Prof Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305 e 306”), o caso julgado consiste em “na definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social”. O instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções uma função positiva e uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal (vide, por todos, o Prof Alberto dos Reis; in “CPC Anotado, vol. III pág. 93”).
Compreende-se, desse modo, a razão de tal autoridade do caso julgado pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.
Tanto mais que a decisão transitada pode até ter apreciado mal os factos e interpretado e aplicado erradamente a lei, mas no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça (cfr., a propósito, o Prof Alberto dos Reis in “Ob. cit., pág. 94”). Perante tais efeitos do caso julgado torna-se imperioso estabelecer, com nitidez, o conceito de repetição de uma causa. Tal resposta é-nos dada pelo artº 498, nº1, ao estatuir que a causa se repete “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. Por seu lado, os n.ºs 2, 3 e 4, desse mesmo preceito, concretizando melhor, dispõem que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”. Acrescentando-se, no último normativo, e para o caso que aqui nos importa, que “nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”.
Num esforço de ainda maior concretização daquela tríade de conceitos (e sem a existência cumulativa dos quais não se pode falar de excepção de caso julgado) podemos dizer, tal como se escreveu, entre outros nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e do Tribunal da Relação de Coimbra, respectivamente, de 6/1/94 e 9/12/81, (in, respectivamente, “CJ, ano IX, T1 - 198 e CJ, ano X, T5 – 79”’), que “às partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial”. Daí resulta que as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que as partes assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa acção e réus na outra (cfr., por todos, prof Lebre de Freitas, I “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º Coimbra Editora, pág. 319”). Por sua vez, e tal como se escreveu também no 10 daqueles arestos, haverá identidade de pedidos “se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter” e que a identidade da causa de pedir “pressupõe que o acto ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico”. A identidade da causa de pedir há, assim, que procurá-la na questão fundamental levantada nas duas acções (cfr., por todos, Ac. do STJ de 26/10/89, in “BMJ nº 390 – 3792).
Assim, em resumo e noutra linguagem, podemos dizer que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito (facto jurídico de que procede a pretensão deduzida) - em consonância, assim, com o princípio da substanciação consagrado pelo nosso ordenamento jurídico -, enquanto que o pedido se reconduz ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da acção interposta, traduzindo1ª-se na providência que o autor solicita ao tribunal – trata-se de um elemento fundamental, considerando as imposições do princípio do dispositivo: são os interessados que accionam os mecanismos jurisdicionais como ainda quem realiza a escolha das providências que os direitos subjectivos invocados garantem -, e, por fim, que o conceito de sujeito a atender para o efeito coincide com a noção (adjectiva) de parte.
A excepção de caso julgado consiste, assim, e para concluir, na constatação de que a mesma questão já foi deduzida num outro processo e nele apreciada e julgada por decisão que não admite reclamação ou recurso ordinária (cfr. artº 677).
Porém, e tal como já resulta do que supra deixámos expresso, importa dizer que a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado. Ambos são efeitos diversos da mesma realidade jurídica, havendo mesmo quem, a esse propósito, chegue a defender que para que autoridade do caso julgado actue não se exige sequer a coexistência das três identidades referidas no artº 498 (cfr., quanto a este último entendimento, Ac. da RC de 21/1/1997, in “G, Ano XXII, T1 – pág. 24” e sentença da 1ª instância publicada in “Cl, Ano IV, pág. 1654’). No desenvolvimento daquela afirmação, escreve o prof. Lebre de Freitas (in “Ob. Cit. pág. 325”), que “pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito” enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão” (...). “Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”. No mesmo sentido vai o Prof. Miguel Teixeira de Sousa (in “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, SMJ 325, págs. 49 e ss”) quando escreve: “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente” ainda, a propósito, Ac. do STJ de 26/1/1994, in “BMJ 433 – 515” e “Ac. da RC de 21/1/1997, In “CJ, Ano XXXII, T1 – pág. 24”). E tal questão (da autoridade do caso julgado) conduz-nos à polémica e muito discutida questão da extensão ou alcance do caso julgado.
Nos termos do disposto no art.º 671 nº 1, “transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material contravertida fica tendo força dentro do processo e fora dele”. Por sua vez, sobre a epígrafe de “alcance do caso julgado “preceitua o artº 673 que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga...”.
Resulta do exposto, que os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo. Por outro lado, é preciso atender-se aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade – valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência como seu conteúdo. Daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu (cfr., a propósito, e para maior desenvolvimento, os Profs. Manuel de Andrade, In “Ob. cit., pág. 285”, Castro Mendes, in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo em Processo Civil, 1968” e Miguel Te de Sousa, In “Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Rev. Dir. Est Sociais; XXIV, 1997, págs. 309 a 316”).
Sem prescindir,
A audiência dos interessados deve ter lugar «concluída a Instrução» e «antes de ser tomada a decisão final» (art. 100.º n.º 1, do C.P.A.).
Esta disposição tem vindo a ser interpretada pelo S.T.A. como impondo a audição dos interessados apenas nos casos em que é realizada instrução que se justifica em face do conceito amplo de instrução adoptado pelo C.P.A., em que se inserem não só actos destinados a fixação da matéria de facto como actos destinados ao esclarecimento de questões de direito. Na verdade, no C.P.A. incluem-se na Secção III do Capítulo IV da Parte III que têm a epígrafe «Da instrução», não só actos destinados à prova de factos como os próprios pareceres, que têm normal e primacialmente por objecto questões jurídicas (art. 99.º. (1) Na verdade, é inquestionável, em face do teor dos arts. 101.º, n.º 2, e 102.º, n.º 2, do C.P.A., em que se refere que estabelece que «a notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo poderá ser consultado» e que «na audiência oral podem ser apreciadas todas as questões com interesse para a decisão, nas matérias de facto e de direito» que o direito de audiência não se justifica só nos casos em que haja apreciação de factos, mas também tem lugar nos casos em que tenha de haver apenas apreciação de questões de direito. No mesmo sentido aponta a alínea a) do n.º 2 do art. 103.º ao prever a dispensa da audiência quando «os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas», o que inculca que o direito de audiência não tem por objecto apenas questões relativas às provas, isto é, à matéria de facto.
Sendo assim, nos casos em que há apenas lugar a apreciação de questões de direito, o direito de audiência deverá ter lugar sempre que vá ser apreciada na decisão final uma questão de direito sobre a qual o interessado não se tenha pronunciado, independentemente de ela ter ou não sido colocada num parecer, no âmbito da instrução, pois as razões que podem justificar que seja assegurada audiência quanto a questões de direito tanto valem no caso de elas serem colocadas num parecer como no caso de ser a própria entidade que irá proferir a decisão a colocá-las. Por outro lado, pela mesma razão, se as novas questões de direito só se colocarem num procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) deverá ser assegurado o direito de audiência antes da decisão final.
Isto significa, assim, que o alcance daquela n.º 1 do art. 103.º ao usar a expressão «concluída a instrução», não é o de apenas impor a audiência nos casos em que existiu instrução (2), mas sim o de determinar o momento procedimental em que aquela deverá ter lugar. Sendo este o alcance do direito de audiência no C.P.A., ele não poderá ser menor no âmbito da L.G.T, não só por não existir qualquer disposição que permita entrever uma restrição à matéria de facto, mas também porque, se restringisse esse alcance, o legislador da L.G.T. estaria a agir ao arrepio do sentido da autorização legislativa em que se baseou para a aprovar que, nesta matéria, era de «consagrar e aprofundar, em sede de procedimento» o princípio da audiência dos cidadãos [alínea 22) do art 2.º Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto]. Por isso, tratando-se de uma matéria integrante das «garantias dos contribuintes» e, por isso, incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, as normas da L.G.T. que estabelecessem uma restrição daquele direito seriam organicamente inconstitucionais.
Assim sendo, a notificação deveria ser acompanhada do que se considera apurado em termos de facto e de direito, com relevo para a decisão, pelo que, não se mostrando tal feito a notificação é inválida por não permitir ao ora requerente participar convenientemente na formação da decisão.
(...)” – cfr. requerimento de audiência prévia de fls. 118 a 128 do processo executivo e documentos de fls. 129 a 196 do processo executivo.
23. No requerimento identificado no ponto anterior do probatório o Oponente arrolou três testemunhas – cfr. requerimento fls. 118 a 128 do processo executivo.
24. Em 11.09.2009 o Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 2 elaborou a decisão final cuja cópia de fls. 198 a 214 do processo executivo se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“(...)
Análise da resposta à audição prévia:
O responsável subsidiário A………………, veio apresentar resposta à audição prévia, em tempo, alegando:
1. ter o requerente conseguido ilidir a presunção de culpa na insuficiência do património societário delapidado devido à conduta do seu contabilista C…………..
2. a sentença proferida no âmbito do processo de oposição nº 738/06.9BECBR do TAF de Coimbra fez caso julgado, não podendo a execução prosseguir novamente os termos.
3. a irregularidade da notificação para o exercício do direito de audição, solicitando em consequência a sua repetição
Dispõe o artigo 24.º, n.º 1, que: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. Assim, o ónus da prova pertence ao responsável subsidiário, cabendo-lhe demonstrar que não lhe é imputável a falta de pagamento
O responsável societário tem o ónus de afastar a culpa pela insuficiência do património. Esta culpa é aferida pelo seu comportamento como administrador face aos deveres estatutários e legais a que estava obrigado na prossecução do objecto social da executada e no dever de zelar pela manutenção do património societário
Aos gerentes por estarem numa posição que lhes permite influenciar e determinar o cumprimento das obrigações tributárias, designadamente, a que se reporta ao pagamento do imposto devido nos termos da lei fiscal aplicável, é que o legislador entendeu poder chamá-los a responder (ainda que em segundo plano) por dívidas fiscais dos sujeitos passivos onde exercem ou exerceram funções. Mas além desta função de procurar garantir o cumprimento das prestações tributárias que o legislador deixa trespassar em todo o instituto da responsabilidade tributária, existe, nitidamente, uma outra função importante: penalizar a actuação dos administrar/ores, gerentes e directores que, enquanto à frente dos destinos dos sujeitos passivas originárias não terão respeitado um dever fundamental de actuação. Está, concretamente, em evidência o dever de diligência, enunciado no art.º 64º do Código das Sociedades Comerciais, de acordo com o qual “os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores”.
Existe no processo individual da empresa B…………… III, na Direcção Geral de Finanças de Coimbra, um Auto de Notícia, cuja cópia se encontra anexa aos presentes autos, elaborado no decurso do procedimento externo no âmbito da colaboração dos serviços da Inspecção Tributária para resolução dos processo de execução fiscal de penhora, em cumprimento do Despacho do Sr. Director de Finanças de Coimbra, onde é referido o seguinte:
“B – Em 11/05/2005 no Cartório Notarial de Condeixa, foi efectuada a escritura de dissolução e encerramento da citada sociedade onde é referido que não há activo nem passivo, e efectuado o respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra conforme apresentação nº 1/20050517, onde refere como data de aprovação de contas o dia 11/05/2005.
C – Também em 11 de Maio de 2005 pelas dezanove horas, reuniram-se em assembleia-geral, na sede social da firma, os três sócios da mesma, pelo que foi elaborada a acta nº 8, donde consta a seguinte ordem de trabalhos:

- Cedência do imobilizado da sociedade à Sociedade B……….. VI, Microcirurgia Ocular, Lda.;
- Assunção pelo sócio gerente Senhor Professor A…………… das dívidas da sociedade, quer existentes quer que venham a existir”
Com referência ao segundo ponto da ordem de trabalhos, no sentido de concentrar a actividade da sociedade a saber, “B…………… VI, LIMITADA”, cujas quotas são igualmente dos presentes, estes deliberam ceder de forma plena e definitiva todo o imobilizado que na contabilidade se encontra descrito.
Pedida a palavra pelo sócio Senhor Professor A…………, foi referido que na sequência de concentração da actividade “B………… VI, Limitada” e tendo em consideração o interesse legalmente protegido dos eventuais credores, assume toda a responsabilidade pelo pagamento das dívidas existentes e das dívidas que venham a existir, pelo que neste data fica sem activo nem passivo.”
No auto de notícia são retiradas as seguintes conclusões em relação aos factos transcritos:
1- O contribuinte possuía dívidas fiscais e quando da escritura de dissolução referiu não possuir passivo, omitindo as dívidas existentes;
2- Analisadas as declarações anuais de 2003, 2004 e 2005 demonstra-se que a sociedade era viável e dispunha de activos – disponibilidades financeiras, nomeadamente depósitos bancários e caixa, suficientes para solver as dívidas ao Estado. Também dispunha de um imobilizado vasto, o qual transferiu para a Sociedade “B……….. VI, Lda., com o NIPC ………….. dos mesmos sócios, conforme assumido na acta nº 8 realizada em 11/05/2005;
3- As contas bancárias da empresa, ao longo dos anos 2005 e 2004, movimentaram valores elevados. A sociedade possuía e continuou a possuir depois da sua liquidação activos, nomeadamente depósitos a prazo, facto que foi omitido aquando da escritura de dissolução da sociedade, dado que referiu não existirem activos. Foi omitida, também, a existência de uma viatura BMW X3 3.0D com a matrícula ………….., adquirida em Leasing.
4- No decurso do ano de 2004, verificaram-se saídas de dinheiro sem justificação da sociedade em análise, demonstrando uma descapitalização da empresa.
5 - No ano de 2004 a empresa adquiriu imobilizado de grande valor: um servidor; computadores; material médico; uma viatura, equipamento óptico …
A culpa é aferida in casu pela diligência de um normal gerente, em face das circunstâncias do caso. Não se exige ao gestor a actuação que seria de exigir a um homem médio (estando pois afastado o critério do bom pai de família, enunciado no artº 487º n.º 2 do Código Civil) mas sim uma actuação e uma gestão à frente dos destinos da sociedade que sejam criteriosas e ordenadas (o que pressupõe o conhecimento das legis artis da gestão de empresas e a tomada de decisões sempre precedidas de ponderação, análise e informação adequada) e que reflictam os interesses da sociedade (e por conseguinte dos sócios e dos trabalhadores). O responsável subsidiário devia ter usado de uma diligência que não empregou, devia ter previsto e não fez o necessário para o evitar. No caso concreto o gerente não usou das adequadas cautelas para que o resultado se não produzisse, podendo dizer-se que o resultado danoso se ficou a dever fundamentalmente a deficiente gestão perpetuada pelo gerente em causa nestes autos, que desde sempre fez parte e participou na gerência, e nessa qualidade competia-lhe verificar se os impostos eram pagos, competia-lhe promover ou não impedir o pagamento das dívidas tributárias por parte da sociedade, violando, assim, o dever da boa prática tributária. O gerente violou, também, as obrigações legais e contratuais que visam a manutenção da garantia geral dos credores sociais - artigo 78º CSC, quando, em assembleia foi deliberado “ceder de forma plena e definitiva todo o imobilizado que na contabilidade se encontra descrito”.
O gerente da devedora originária, A……………, não acompanhou nem vigiou como lhe competia a actividade social, tendo, desta maneira, violado o dever de cuidado a que estava obrigado. Sendo o Técnico Oficial de Contas contratado pelos gerentes, são estes que têm o dever de acompanhar a contabilidade e a situação da sociedade sobre eventuais dívidas e créditos.
Acresce, ainda, o importante facto de o Sr. C………….. ter prestado funções de Técnico Oficial de Contas até Junho de 2002 e que apesar da dívida em apreço nos presentes autos ser referente a IRC do ano de 2002, o prazo de pagamento voluntário foi até 23 de Setembro de 2005, ou seja mais de 3 anos depois da saída do referido TOC da empresa, razão pela qual a responsabilidade pelo não pagamento do imposto neste período não ser desse TOC, mas antes do gerente à época. Por outro lado cumpre acrescentar que a empresa continuou a sua actividade normal, tendo nesse mesmo ano como matéria colectável a importância de 172.258,72€, conforme print da demonstração da liquidação, supra referido.
No momento da escritura de dissolução da empresa, que ocorreu no dia 11 de Maio de 2005, conforme escritura efectuada no Cartório Notarial de Condeixa-a-Nova, o contribuinte possuía dívidas fiscais, nomeadamente, dívidas de IRC dos anos de 2001, 2002, 2003, e 2004, uma vez que o apuramento do imposto relativo a este ano se encontrava liquidado na data em que a empresa foi dissolvida. Na verdade na assembleia-geral, realizada dia 11 de Maio de 2005, são aprovados, por unanimidade, o balanço e as contas do ano de 2004, com os seguintes valores:
Passivo:
- Estado e outros entes públicos: 368.483,28€
- Restantes credores: 559.878,99€
Activo:
Depósitos Bancários: 900.008,99€
Caixa: 479.136,30€
Outros devedores e Estado: 410.886,31€
Restante Activo: 99.575,82€
Resultado Líquido de Exercício: 454.119,07€
Fica demonstrado o facto de a empresa dispor de depósitos bancários e caixa para solver as dívidas ao Estado bem como dispor de vasto imobilizado que transferiu para a sociedade B………….. VI propriedade dos mesmos sócios, conforme acta nº 8 da assembleia geral realizada no dia 11 de Maio de 2005, sendo legítimo concluir que existiu por parte do gerente intenção de diminuir o património da empresa, no momento em que já existia conhecimento concreto da existência do tributo já liquidado.
A argumentação de que a sentença proferida no âmbito do processo de oposição nº 0738/069BECER do TAF de Coimbra fez caso julgado, não podendo a execução prosseguir novamente os termos não colhe pelas razões que se passam a expor.
A excepção de caso julgado tem lugar quando se repete uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior – artº 497º do Código do Processo Civil.
A causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida procede do mesmo facto jurídico – artº 498º do CPC.
A excepção de caso julgado consiste, portanto, na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário. Esta excepção, como meio de defesa facultado ao réu, constitui um dos aspectos em que se revela a força e autoridade do caso julgado.
Diz-se que se forma caso julgado quando uma decisão judicial adquire força obrigatória por dela não se poder já reclamar nem recorrer por via ordinária. Entende maioritariamente a jurisprudência que o caso julgado não abrange os fundamentos de direito da decisão, mas tão - somente esta. Sendo a decisão judicial uma sentença que verse a matéria de fundo da acção, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, manifestando-se fora dele, de tal modo que constitui impedimento a que outra acção idêntica seja proposta (com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir). Esta obrigatoriedade dentro do processo e fora dele caracteriza o caso julgado material.
Mas, se a decisão for sentença ou despacho que apenas se refiram à relação processual, então a sua força obrigatória limita-se ao processo em que são proferidos: é o que se designa por “caso julgado formal”. Sobre o “caso julgado formal” diz o artigo 672.º do Código de Processo Civil que «Os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (…)».
O despacho que recai unicamente sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito – cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, e outros, no Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2001, em anotação ao artigo 672.º. É o artigo 673.º do Código de Processo Civil que, sob a epígrafe “Alcance do caso julgado” define genericamente o alcance do caso julgado, tanto do “caso julgado material”, como do “caso julgado formal”: «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».
Assim, a determinação do âmbito do caso julgado postula a interpretação prévia da decisão, isto é, a determinação exacta do seu conteúdo, dos seus precisos limites e termos.
Fica claro do exposto que ao lado da excepção de caso julgado, assente sobre a decisão de mérito proferida em processo anterior, prevista nos art.ºs 494º, aI. i), e 671º, a que se chama caso julgado material, há a excepção de caso julgado, baseada em decisão anterior proferida sobre a relação processual, especialmente prevista no artº 672º, a que se dá o nome de caso julgado formal E, assim, temos que o primeiro cobre a decisão proferida sobre o fundo ou mérito da causa e tem força obrigatória, não só dentro do processo, mas principalmente fora dele, enquanto o segundo aproveita às decisões sobre as questões de carácter processual e apenas tem força obrigatória dentro do processo.
Conforme escreve o Prof João Castro Mendes, o «caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo», contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida.
Não se põe em causa que se verifica, em relação às duas acções, identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir. Simplesmente, defende-se que não existe a excepção de caso julgado porque a sentença proferida no âmbito do processo de oposição nº 738/06.9BECBR do TAF de Coimbra, julgou a oposição procedente com base na insuficiência da fundamentação. Na definição do art 672º do CPC, “os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem o recurso de agravo”. Ou seja, a excepção do caso julgado formal pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo, apenas dizendo, pois, respeito a decisões sobre questões de carácter processual. Não diz respeito ao fundo da causa ou à relação jurídica material deduzida em juízo, em que a decisão proferida constitui caso julgado material com a eficácia definida no art 671º do CPC. Desta feita tem que se analisar se estamos perante uma situação de caso julgado material, ou apenas formal, ou seja, importa averiguar se a decisão proferida no processo de oposição nº 738/06.9BECBR do TAF de Coimbra conheceu do mérito ou se limitou a julgar ilegal, por fundamentação insuficiente (equiparada à falta de fundamentação).
Pode dizer-se que, para efeitos de caso julgado, estamos perante uma situação de caso julgado formal, por a decisão anterior ter sido proferida sobre a relação processual. Trata -se, pois, de uma decisão transitada em julgado sim, mas como um caso julgado formal, sobre pressupostos processuais, que não sobre qualquer decisão de fundo, julgado formal esse que não obsta à propositura da presente acção.
Conclui-se, assim, que a decisão proferida no processo de oposição n° 738/06 9BECBR do TAF de Coimbra não incidiu sobre o mérito e que, portanto, se não verifica a excepção de caso julgado material.
Por último também não existem razões para concordar com o argumento de que a notificação para o exercício do direito de audição é irregular.
O n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Direitos e garantias dos administrados”, estabelece que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”, sendo o direito à notificação uma garantia procedimental não impugnatória dos contribuintes (cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 370), que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado, como também a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.
Por isso o n.º1 do artigo 36.º do CPPT estabelece que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
Em procedimento administrativo, concluída a instrução, a administração, em princípio, nos termos do estabelecido nos artº 100º a 103º do CPA, tem a obrigação de promover a audiência dos interessados, devendo informá-los não só sobre o “sentido provável” da decisão, como ainda dos aspectos relevantes nas “matérias de facto e de direito” em que se fundamenta o projecto ou proposta de decisão.
Tendo sido notificados ao interessado, em sede de audiência prévia, todos os elementos relevantes para decisão, nomeadamente os elementos de direito e os elementos de facto, mostra-se integralmente cumprido o dever que emerge dos artº 100º e 101º do CPA.
Integra o conceito de “instrução” nos termos e para os efeitos do disposto no artº 100º nº 1 do CPA, toda a actividade administrativa que, embora obedecendo a uma certa simplicidade, se dirija ao apuramento dos factos objecto de averiguação em procedimento administrativo, tendente a preparar e sustentar a emissão da decisão administrativa prevista na lei para a situação apurada.
Deste modo, constata-se que foram fornecidos ao defendente, em sede de audiência prévia, todos os elementos, quer de facto, quer de direito, relevantes para decisão, pelo que a notificação é considerada válida nos termos dos art.ºs 100º e 135º do CPA.
Assim, o acto encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, sem qualquer deficiência ou obscuridade em consonância com o teor dos artº 268º n.º 3 da CRP e os artº 124º e 125º do CPA. O direito de audição assegurado pelo CPA pressupõe que, como resulta das citadas disposições, ao interessado sejam fornecidos todos “os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito”. Através da notificação para o exercício de audição o recorrente fica efectivamente a conhecer todos os elementos aspectos que relevaram para a proposta de decisão, não se considerando, em consequência, tal notificação irregular.
Logo, os argumentos invocados pelo revertido não justificam alteração da decisão administrativa nem a audição das testemunhas arroladas. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a autoridade administrativa, para fundamentar a decisão final, não está obrigada a rebater todas as razões e argumentos aduzidos pelo particular, em sede de audiência de interessados, contra o projecto de decisão, estando apenas vinculada a ponderar ou ter em consideração tais contributos (cfr. Ac. Do Pleno de 13.04.2000 — Rec.41540).
Do disposto nos artigos 101º, nº 3 e 104º do CPA resulta que é ao órgão administrativo decisor que cabe o juízo sobre a utilidade ou conveniência das diligências complementares requeridas pelo interessado, O importante é averiguar da consistência da comprovação adquirida no procedimento para discernir da utilidade das inquirições requeridas. No caso em análise os factos em que se fundamentou o projecto de decisão radicam em factos comprovados no Auto de Notícia elaborado pela Inspecção Tributária, meio que confere à aquisição procedimental uma consistência probatória tal que permite desconsiderar a utilidade das requeridas inquirições. Esta é a posição defendida por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 211 edição: “O órgão instrutor é, porém – salvo violação de vínculos legais formais e recurso do acto final –, o único a quem compete “julgar” da necessidade dessas diligências em termos de instrução do procedimento administrativo e da consistência da comprovação já existente sobre as questões (de facto e de direito) relevantes”.
Por outro lado, estabelece o disposto no artº 6º do C.S.C. que “A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular” o que, no caso concreto vem reforçar a ideia que os actos praticados pelos gerentes em geral, e em particular o gerente em causa, exteriorizam a vontade da sociedade comercial, existindo certos actos que são da responsabilidade exclusiva do gerente quando essa actuação pressuponha a personalidade singular como é o caso de não entregar o imposto em causa nestes autos.
De Direito:
(…)” -cfr. decisão final de fls. 198 a 214 do processo executivo.
25. Em 14.10.2009 foi assinado o aviso de recepção do ofício de citação (reversão), com o n.º 5495, dirigido ao Oponente, no âmbito do processo de execução fiscal n°3050200501075780 – cfr. ofício de citação de fls. 197 e aviso de recepção de fls. 216 do processo executivo.».
*
3.1. A sentença recorrida apreciou o vício de forma do ato de reversão, por falta de pronúncia quanto a elementos novos e à prova testemunhal requerida, em sede de audiência prévia, concluindo que ao oponente, no exercício do seu direito de audição, foram identificados e devidamente ponderados pela AT a qual se pronunciou quanto à dispensa das testemunhas arroladas.
Concluiu, por isso, que o despacho de reversão está devidamente fundamentado pelo que improcede o alegado vício de forma do ato de reversão, por falta de pronúncia quanto aos elementos novos e à prova testemunhal requerida em sede de audiência prévia.
Apreciou a questão da ilegitimidade do revertido, por falta de culpa pelo não pagamento dos impostos e concluiu que o oponente não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si impende, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, pois não demonstrou cabalmente que a sua actuação se pautou sempre pelo grau de diligência exigido a um bonus pater familiae.
Concluiu que, não tendo o Impugnante provado a falta de culpa pela insuficiência do património social, é o mesmo parte legítima na execução fiscal e, por isso, improcede o fundamento de ilegitimidade alegado pelo oponente.
Apreciou a questão do vício de forma do ato de reversão, por preterição de audiência prévia, quanto a elementos novos que fundamentam o despacho de reversão, afirmando que, compulsado o despacho final de reversão, não se vislumbra qualquer elemento em que a AT se tenha baseado e que não tenha sido transmitida ao oponente em sede de audiência prévia.
Acrescentou que o despacho final de reversão não alude a qualquer elemento novo, impondo-se também concluir que todos os elementos factuais foram notificados ao oponente pelo que improcede o vício de forma por preterição da audiência prévia quanto a alegados elementos novos considerados no despacho final de reversão e por falta de notificação de todos os elementos necessários a uma cabal pronúncia em sede de audiência prévia.
O assim decidido não se encontra controvertido no presente recurso.
*
3.2. Apreciou a sentença recorrida a inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação à sociedade devedora originária pois que o oponente alegou que a Administração Tributária não o notificou da liquidação e do prazo para a impugnar e que desconhece se as liquidações foram notificadas à sociedade devedora originária, pelo que a dívida lhe é inexigível.
Concluiu julgando procedente o fundamento alegado pelo oponente pelo que determinou a extinção da execução fiscal.
É esta decisão que se encontra questionada no presente recurso sustentando a recorrente que a mesma sofre de vício formal de excesso de pronúncia quanto à questão das notificações das liquidações/notas de cobrança de IRC à sociedade devedora originária pois que o oponente invoca apenas que desconhece se as liquidações foram notificadas à devedora originária pelo que da utilização desta expressão, não é possível concluir que está a invocar genericamente que não foram feitas as notificações (ou desconhece ou sabe que não foram).
Segundo a recorrente FP não existindo um litígio a ser conhecido pelo tribunal, todo o esforço, no sentido de demonstrar uma questão que não está em discussão, é um excesso de pronúncia.
Que quanto à questão da notificação das notas de cobrança nunca sequer foram afloradas por qualquer das partes.
Acrescenta que deve a decisão recorrida ser revogada enquanto concluiu pela não notificação das liquidações de IRC de 2001 e 2003 e respetivas notas de cobrança, mantendo-se a reversão da dívida exequenda.
*
3.3. Importa, por isso, verificar se ocorre o mencionado vício formal de excesso de pronúncia.
Na verdade resulta dos artigos 125.º do CPPT e 615.º 1 d) do CPC que constitui fundamento de nulidade da sentença a pronúncia sobre questão que não deva conhecer.
Igualmente resulta do n.º 2 do artigo 608.º do CPC que o juiz não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Conforme refere o MP e contrariamente ao sustentado pela recorrente, não se verifica o referido vício formal da sentença recorrida, como se fundamenta no despacho de fls. 458.
Com efeito o oponente nos artigos 75.º a 77.º da PI, alega que desconhece se as liquidações, ora, revertidas foram ou não notificadas à devedora originária.
Acrescenta que tais notificações devem ser efetuadas por carta registada com A/R e que, inexistindo nos autos as competentes notificações, as liquidações são inexigíveis.
Ainda, como refere o MP, a propósito desta questão, o oponente apresentou, ainda, o requerimento de 106/109, sendo certo que, sob promoção do MP, fls. 219, por despacho de fls. 220, foi determinada a notificação da Fazenda Pública para juntar aos autos as alegadas notificações das liquidações exequendas pelo que é manifesto que o oponente invocou, como fundamento da oposição a omissão de notificação das liquidações à devedora originária e consequente inexigibilidade da dívida.
Acompanha-se, ainda, o MP quando afirma, no que respeita às notas de cobrança, também, analisadas pela sentença recorrida, embora seja certo que a recorrida não se refere, expressamente, a elas, na PI, a verdade é que, como se refere no despacho de fls. 458, as mesmas fazem parte integrante da liquidação, pelo que a sentença podia e devia conhecer da questão da sua notificação à devedora originária.
Entende-se, nos termos expostos, que a sentença recorrida não conheceu de questões que não tivessem sido suscitadas pelo recorrido.
Não ocorre, por isso, a questionada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
*
3.4. A recorrente FP sustenta, ao que parece, que as notificações da liquidação foram feitas validamente.
Parece continuar a sustentar que o oponente não alegou que as notificações não foram feitas validamente na pessoa da devedora originária.
Já vimos que o oponente alegou, nos artigos 75.º a 77.º da PI, que desconhece se as liquidações, revertidas contra o oponente foram ou não notificadas à devedora originária e que tais notificações deviam ser efetuadas por carta registada com A/R.
Acrescentou o mesmo oponente que, inexistindo nos autos as competentes notificações, as liquidações são inexigíveis.
A questão controvertida consiste em determinar se a dívida sob cobrança coerciva é exigível e se a liquidação do imposto foi validamente notificada à sociedade devedora originária.
A caducidade, como garantia dos contribuintes, limitadora no tempo do poder da AT para liquidar impostos, contribui para uma maior segurança e certeza jurídicas.
Por isso resulta do nº 1 do artigo 45.º da LGT que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.
É este o prazo aplicável ao IRC uma vez que o legislador não estabeleceu qualquer prazo especial.
Tratando-se de um imposto periódico, o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos termos do n° 4 do mesmo artigo 45.° da LGT.
Respeitando o IRC dos autos aos exercícios de 2001 e 2003 o prazo de caducidade iniciou-se, respetivamente, em 31.12.2001 e 31.12.2003.
Resulta do probatório que, em 02.09.2005, foram assinados os avisos de receção dirigidos à sociedade executada (B…………. II — Consultas Oftalmológicas, Lda.) referentes ao envio das demonstrações de liquidação do IRC de 2001 e 2003, sem documento de cobrança tal como consta dos pontos 12 a 15 do probatório.
Resulta, ainda, do probatório que os avisos de receção foram assinados por alguém em representação da sociedade “B……….. VI Microcirurgia Ocular, Lda.,” cuja morada não coincide com a morada indicada no aviso de receção para a sociedade “B………… III – Consultas Oftalmológicas, Lda” tal como consta do ponto 16 do probatório.
Como se escreveu na sentença recorrida assim sendo não é possível afirmar que a sociedade devedora originária tenha sido notificada das liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2003, pois não foi assegurada a entrega da correspondência ao seu efetivo destinatário.
É, por isso, de acompanhar a sentença recorrida quando afirma que não tendo as referidas liquidações sido notificadas à sociedade devedora originária até 31.12.2005 e 31.12.2007, ou seja, dentro do prazo de caducidade, não assiste à Administração Tributária o direito de executar as mesmas.
É, por isso, de manter a sentença recorrida.
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Não tendo a devedora originária sido validamente notificada da liquidação de IRC, no prazo de quatro anos, caducou o direito de liquidar o respetivo imposto.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente FP.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2018. – António Pimpão (relator) – Ana Paula Lobo – Ascensão Lopes.