Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0209/13.7BECTB
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
EFEITOS
Sumário:I - De acordo com o n.º 1 do artigo 38.º da LGT, os efeitos tributários reportam-se ao momento em que os negócios jurídicos produzem os efeitos económicos pretendidos pelas partes;
II - O n.º 4 do artigo 36.º da LGT determina que a qualificação de um negócio jurídico pelas partes não vincula a AT.
III - A circunstância de se “qualificar” uma segunda escritura como uma rectificação da primeira quanto ao valor dos prédios permutados não vincula a AT a reconhecer a “rectificação” do valor dos imóveis que foram permutados para efeitos da tributação da respectiva transmissão.
Nº Convencional:JSTA000P28473
Nº do Documento:SA2202111100209/13
Data de Entrada:05/24/2021
Recorrente:A........... E OUTROS
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A……… e B……….., ambos com os sinais nos autos, impugnaram no TAF de Castelo Branco o despacho que indeferiu o pedido de revisão da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao ano de 2009, no valor de 364.690,88 EUR.

2 – Por sentença de 1 de Fevereiro de 2021, o TAF de Castelo Branco julgou a impugnação improcedente.

3 – Inconformados, os Impugnantes recorrem daquela decisão judicial para este Supremo Tribunal Administrativos, apresentando, para tanto, alegações que rematam com as seguintes conclusões:
«[…]
A) O presente recurso é interposto da douta sentença de fls. _ do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, proferida no processo de impugnação judicial n.º 209/13.7BECTB, relativa à manutenção da decisão de indeferimento do pedido de revisão do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2009, no montante de € 364.690,88 (trezentos e sessenta e quatro mil seiscentos e noventa euros e oitenta e oito cêntimos), a qual decidiu, salvo o devido respeito, mal, no sentido da improcedência daquela impugnação quanto aos vícios aí invocados pelos ora Recorrentes, designadamente, o vício de violação de lei, por transgressão do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, considerando que:
«(...) que a parte final do n.º 4 do artigo 78.º da LGT excepciona do âmbito de aplicação da revisão excepcional aí prevista as situações em que o erro seja imputável a comportamento negligente do contribuinte (condição aditada pela Lei n.º 60. º-A/2005, de 31.12). Ou seja, o vício que determina a reavaliação da matéria tributável não deve resultar de um comportamento negligente do contribuinte. Esta condição radica no entendimento de que, sendo o erro imputável ao contribuinte que negligenciou os seus deveres, então não deverá estar em causa uma injustiça grave ou notória na acepção do referido preceito legal. Naturalmente, é ao contribuinte que cumpre demonstrar que o erro é imputável a um seu comportamento negligente (o que decorre da regra geral do ónus da prova previsto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT).
Uma vez que o legislador não faz qualquer distinção, a negligência, para efeitos de imputação do comportamento do contribuinte, poderá ser simples ou grosseira e deve ser aferida de acordo com o padrão de comportamento do bonus pater familiae em face das circunstâncias do caso.
(...)
É certo que o sistema fiscal não é de fácil apreensão a um cidadão médio, contudo é também certo, resulta das regras da experiência comum (qualquer cidadão cumpridor das suas obrigações fiscais o sabe), que a declaração de rendimentos, seja preenchida em suporte de papel, seja preenchida em suporte informático, tem instruções quanto ao seu preenchimento. Acresce, como resulta do probatório (e havia sido alegado perante a administração) que os Recorrentes tiveram apoio de um técnico oficial de contas no preenchimento da declaração de IRS (aliás, tendo contabilidade organizada, era obrigatório o preenchimento da declaração por técnico oficial de contas, cfr. ponto 2 do probatório}, técnico esse que deverá ter conhecimento quanto às consequências da opção pelo englobamento dos rendimentos. Sendo assim, a declaração de rendimentos foi preenchida não por um cidadão médio (que até poderia, mesmo perante as instruções de preenchimento, ficar confuso com as regras do sistema, o que sempre careceria de prova) mas por pessoa com conhecimento qualificado na matéria. E, então, inegável que, no caso concreto, e tendo em conta a diligência exigida a um homem médio, se o que os Recorrentes pretendiam era pagar menos imposto, foram violados deveres de cuidado aquando do preenchimento da declaração (violação esta que, naturalmente, perante a administração tributária, é imputada aos Recorrentes). Em consequência, a conduta dos Recorrentes não pode deixar de se considerar negligente, o que sempre obstaria à revisão excepcional da matéria tributável.
Face ao exposto, a decisão de indeferimento do pedido de revisão não merece censura, pelo que improcede a alegação dos Recorrentes.»
B) Ora, não podem os Recorrentes conformar-se com a decisão recorrida, por entenderem que padece a mesma de erro de julgamento, claudicando na devida aplicação do direito aos factos, porquanto, considerou que o pedido de revisão formulado pelos aqui Recorrentes não preenchia os pressupostos/requisitos previstos no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, designadamente, quanto aos relacionados com a imputação do erro do ato tributário a comportamento negligente do contribuinte e quanto ao conceito de injustiça grave e notória.
C) Nos termos daquela disposição legal cumpre ao dirigente máximo dos serviços o poder­ dever de rever o ato de liquidação efetuado aos ora Recorrentes, por aquele enfermar de injustiça grave - i.e., por este impor uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada.
D) Ainda que juridicamente qualificado como indeterminado, o conceito de “injustiça grave” e “injustiça notória”, já foi objeto de esclarecimentos, por parte da própria Administração Fiscal - cfr. Ofício Circulado n.º 802/2002, de 8 de maio de 2002, da Direção de Serviços da Justiça Tributária da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) - no sentido de se considerar como injusta toda a situação que lese fortemente os interesses do contribuinte, designadamente, quando a matéria coletável e o imposto apurados forem marcadamente exagerados e desproporcionados com a realidade em termos de poder causar perturbações na vida do contribuinte e da sua empresa;
E) Nos mesmos termos, dever-se-á qualificar como "NOTÓRIA", uma injustiça patente, ostensiva ou inequívoco, não se requerendo que seja geralmente conhecida ou sabida de muita gente".
F) Deste modo, quando a prática de um determinado ato tributário enferme, assim, de injustiça grave, deverá o dirigente máximo dos serviços, revê-lo oficiosa e excecionalmente
G) Na verdade, esta questão de rever os atos tributários não se apresenta, assim, como uma questão extraordinária, mas sim uma questão de justiça e legalidade, a que a administração tributária está legalmente vinculada - entendimento não partilhado pela douta decisão recorrida - .
H) Neste conspecto, veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 9872/16.GBELSB, de 23 de abril de 2020, no sentido de que:
«I - A Administração Tributária, face ao consignado no artigo 78.º da LGT tem o poder/dever de proceder à reposição da legalidade quando identifique uma situação de cobrança ilegal de tributos.
II - Os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade, determinam que a Administração Tributária não possa demitir-se de tomar a iniciativa de revisão do ato, quando reconhece, expressamente, a ilegalidade do imposto liquidado.» (negrito nosso).
I) Mais referindo este aresto com interesse, nos presentes autos que:
«Por isso, a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo, em qualquer caso, limitar-se, na restrição dos direitos individuais, ao estritamente necessário para assegurar os fins que visa, não tratar discriminatoriamente os administrados, nem frustrar as expectativas que a sua actuação nestes tenha gerado". (destaques e sublinhados nossos).
Dir-se-á, portanto, que constituindo a lei simultaneamente o fundamento e o limite da atuação da Administração Tributária, esta tem o poder/dever de proceder à reposição da legalidade quando identifique ilegalidades e arrecadação indevida de imposto, ou seja, quando detete uma situação de cobrança ilegal de tributos.»
J) Veja-se, ainda, igualmente, a título de exemplo, o entendimento manifestado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido, a 25 de Novembro de 2009, no âmbito do processo n.º 0284/09, em que numa situação em que um contribuinte, ao preencher a sua declaração fiscal de rendimentos, omite, por erro, a inclusão do valor de uma dedução ao rendimento, resultante da aplicação um benefício fiscal, o TCAS considerou que tal situação, ao apresentar um impacto significativo na sua situação tributária, deveria ser qualificada como integrando uma situação de "injustiça grave", suscetível de reparação através do mecanismo de revisão oficiosa previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.
K) Entendimento este que deveria ter sido também aplicado ao caso em concreto.
L) Relativamente a este último aspeto, importará, de resto, referir, na linha do supramencionado Acórdão, que, no quadro do ordenamento jurídico português, não se pode manifestamente qualificar todo e qualquer erro do contribuinte como decorrente de um comportamento negligente deste. Em termos gerais, podemos definir a negligência ou mera culpa como a omissão do dever de diligência, sendo a diligência exigida aquela que teria um bom pai de família em face das circunstâncias do caso.
M) A aferição da diligência jurídica relevante não poderá, contudo, deixar de atender a que a diligência exigível ao homem comum terá necessariamente de diferir da diligência exigível às pessoas colocadas em situações especiais.
N) Ora, no presente caso - e tal como se verificava também na situação em apreciação no âmbito do processo n.º 0284/09, referido na alínea J) das presentes conclusões - estamos perante uma culpa ou negligência levíssima, ou, no limite, perante uma culpa ou negligência leve - mas nunca perante uma negligência grosseira (i.e., perante uma violação grave do dever de cuidado).
O) Em suma, parece manifesto, aos Recorrentes, concluir que não existe in casu qualquer comportamento negligente do contribuinte que obvie a que se aplique o mecanismo de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º, n.º 4 da LGT.
P) Existirá, isso sim, uma manifesta injustiça grave e notória, a qual se manifesta num montante de imposto a pagar, proveniente de rendimentos de mais-valias decorrentes da alienação de quotas, por si obtidos em 2009, tributados às taxas gerais de IRS (i.e., à taxa marginal de 42%), quando poderiam os mesmos ter sido tributados a uma taxa especial de apenas 10%, tudo porque assinalaram inadvertidamente a opção de englobamento na respetiva declaração de rendimentos.
Q) Ou seja, o resultado dos cálculos efetuados para um rendimento coletável de Euros 919.160,23, dos quais Euros 822.448,79 se referem a rendimentos de mais-valias -, os ora Recorrentes teriam sofrido uma tributação em sede de IRS, no valor global de Euros 110.391,86
- e não, como sofreram, de Euros 372.168,68, resultando numa diferença de Euros 261.776,82.
- É, pois, grave, é mais do que notório, é manifestamente exagerado e desproporcionado com a realizada.
Q) Ora, perante as considerações que supra se efetuaram, é manifesto que estamos perante uma clara injustiça grave da situação aqui objeto de apreciação,
R) ... injustiça e gravidade essa que a Mma Juiz a quo não relevou ou considerou para efeitos de alteração da decisão de indeferimento do pedido de revisão formulado pelos Recorrentes.
S) Mesmo admitindo que dúvidas não subsistem sobre a verificação in casu de todos os requisitos constantes do artigo 78.º, n.º 4 da LGT, valerá ainda pena a transcrever parte das considerações expressas no Acórdão enunciado na alínea H) destas conclusões:
"Sustenta, ainda, a ora Autora que o despacho impugnado afronta o princípio da justiça previsto no artigo 55º da LGT o qual impõe que a Administração Tributaria deve exercer as suas atribuições na prossecução do interesse público e, ainda, pelo respeito, entre outros, do princípio da justiça.
(...)
É com base nessa acepção que a Autora reclama que a Administração Fiscal deve prosseguir o princípio de justiça em todas as circunstâncias, em sobreposição a todo e qualquer aspecto de cariz subjectivo como seja a data em que os sujeitos passivos identificam a situação de injustiça. Evoca, em abono dessa tese, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 18 de Junho de 2002, proferido no recurso com o nº4587/00, em que refere que a justiça material constitui a "teleologia própria da tributação" devendo, por esse motivo, ser encarada como um valor absoluto que a Administração Fiscal, como entidade vinculada a prossecução do interesse publico e, simultaneamente, ao dever de imparcialidade, deve prosseguir sempre e em todas as circunstâncias.
E, na verdade, face ao princípio da justiça, se o contribuinte suportou imposto em montante superior ao devido ou, como sucede no caso em apreço, deduziu prejuízos fiscais em montante superior ao que resultaria da correcta aplicação da lei - diminuindo, consequentemente, o valor dos prejuízos reportáveis - deve a Administração Fiscal permitir a correcção desse erro sob pena de permitir a manutenção de uma situação injusta, frontalmente violadora do disposto no artigo 55º da LGT, pois, para seguir as palavras do Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão datado de 05/02/2003 e proferido no processo nº 01648/02, "manifestamente não é justo beneficiar a administração e prejudicar o administrado". (negrito nosso).
T) Na verdade, e tal como afere o supracitado aresto, temos que, em matéria tributária, a AT deverá agir em conformidade com a satisfação do interesse público, mas, sempre com respeito ao princípio da proporcionalidade na cobrança da receita, no sentido de apenas ser exigido ao contribuinte a sua parte, e nada mais, no pagamento dos impostos devidos.
U) Princípios estes que deveriam, numa primeira linha ter sido respeitados pela AT, e numa segunda linha, já em sede judicial, atendidos pelo Tribunal a quo, sob pena de, nesta, estarmos perante um manifesto erro de julgamento.
V) Em suma, e com o Douto suprimento que se invoca, enferma, assim, a douta sentença recorrida de uma errada aplicação do direito aos factos, em manifesta violação do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT e dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, que «determinam que a Administração Tributária não possa demitir-se de tomar a iniciativa de revisão do ato, quando reconhece, expressamente, a ilegalidade do imposto liquidado.» [Acórdão citado na alínea H) e I) das presentes conclusões]
W) Tal injustiça apenas poderá ser reparada se a douta sentença recorrida, que a negou, for revogada, e substituída por outra que autorize a revisão da liquidação de IRS dos Recorrentes, relativa ao ano de 2009, nos moldes pretendidos.
X) Segundo entendem firmemente os ora Recorrentes, deverá ser este último entendimento - que deverá ser sancionado por este Venerando Tribunal, e em consequência ser a sentença revogada em conformidade.
Em face do exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decida no sentido da procedência total da impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento de pedido de revisão da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referente ao ano de 2009, e a sua, consequente, revogação e anulação, por ilegal.
Assim se fazendo a verdadeira e costumada
JUSTIÇA
[…]».


3 – A Fazenda Pública não contra-alegou.


4 - O Excelentíssimo Representante do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpre apreciar a decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]
1. Em 28.05.2010 os Impugnantes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS, via internet, referente ao ano de 2009, acompanhada dos anexos A (rendimentos das categorias A e H), C (rendimentos da categoria B com contabilidade organizada), F (rendimentos da categoria F), G (rendimentos da categoria G) e H (benefícios fiscais e deduções) – cfr. declaração de rendimentos junta como documento 1 com a petição inicial.
2. No anexo C que acompanhou a declaração de IRS identificada no ponto anterior do probatório consta a identificação do técnico oficial de contas – cfr. declaração de rendimentos junta como documento 1 com a petição inicial.
3. No anexo G que acompanhou a declaração de IRS identificada no ponto 1 do probatório, os Impugnantes declararam, no quadro 8, a alineação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, no mês de Novembro, nos seguintes termos: partes sociais adquiridas pelo valor de 9.975,96 EUR alienadas pelo valor de 421.200,35 EUR, partes sociais adquiridas pelo valor de 3.990,38 EUR alienadas pelo valor de 168.480,14 EUR e partes sociais adquiridas pelo valor de 5.985,57 EUR alienadas pelo valor de 252.720,21 EUR – cfr. declaração de rendimentos junta como documento 1 com a petição inicial.
4. Na declaração de rendimentos os Impugnantes optaram pelo englobamento dos rendimentos incluídos nos quadros 8 e 9 – cfr. declaração de rendimentos junta como documento 1 com a petição inicial.
5. Pela declaração de rendimentos apresentada pelos Impugnantes foi apurado rendimento colectável, sujeito à taxa de 42 %, no valor de 919.160,23 EUR e imposto a pagar no valor de 364.690,88 EUR – cfr. certidão da liquidação de IRS, do ano de 2009, emitida em 29.04.2011, junta como documento 2 com a petição inicial.
6. Em 27.11.2012 a técnica superior da Divisão de Administração da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, elaborou a informação n.º 4722/12, sob o assunto “Revisão da matéria tributável – informação complementar. Erro no exercício da opção pelo englobamento. Mais-valias mobiliárias. IRS 2009. A…………..”, que aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“1. Através do seu mandatário, veio o contribuinte A…………., NIF …………., pedir que, ao abrigo do disposto no art. 78°, nº 4 da Lei Geral Tributária, lhe seja autorizada a "ratificação do erro cometido na declaração [de rendimentos relativa a 2009, emitida em 201º], optando-se pelo não englobamento das mais-valias, e consequentemente que se proceda a nova liquidação para que o requerente e a sua mulher possam pagar apenas o imposto que realmente seria devido". Para o efeito, o contribuinte alega que, por desconhecimento das questões relacionadas com as suas obrigações fiscais, solicitou a uma técnica que procedesse ao preenchimento da sua declaração anual de rendimentos. "A referida técnica contudo cometeu um erro ao preencher e enviar a declaração do requerente: no local onde deveria assinalar se pretendia que se procedesse ou não ao englobamento dos rendimentos tributados como mais-valias, em lugar de assinalar com uma cruz a opção não, por lapso colocou a cruz na opção sim. ( ... ). O requerente não tinha consciência dessa possibilidade de escolha nem das consequências que dela adviriam, tendo-se limitado a subscrever a declaração que a técnica elaborara. ( ... )". "Reconhece-se que não houve qualquer erro dos serviços na liquidação que efetuaram, e o erro existente é apenas imputável à técnica que elaborou a declaração e que está disposta a confirmá-lo. ( ... ). Em lodo o caso desse erro resulta gravíssimo prejuízo para o requerente e a sua mulher que em consequência dele ficaram obrigados ao pagamento de mais do triplo do imposto que seria devido se o preenchimento da declaração tivesse sido correto"

2. Sobre o mesmo incidiu a Informação de IRS nº 4149/12 (para a qual se remete e dá por integralmente reproduzida) que concluiu, em suma, que:

a) Face aos elementos disponíveis, não nos parece que se possa dar por preenchida a condição, prevista na parte final do nº 4 do art. 78° da LGT, que exige que o erro que tenha dado origem a uma situação de injustiça grave ou notória da tributação não possa ser imputável a um comportamento negligente do contribuinte (ou de terceiros por ele mandatados para efeitos, designadamente, de preenchimento da declaração anual de rendimentos).
b) Muito embora os requisitos previstos no art. 78°, nº 4 da LGT sejam cumulativos (pelo que o que se referiu na alínea anterior será, por si só, impeditivo do deferimento do pedido formulado pelo contribuinte). será também de ter em conta, na análise do referido pedido, que, em bom rigor e ressalvado melhor entendimento, não se poderá afirmar que a liquidação de IRS em crise esteja errada, ou que seja injusta ou ilegal. De facto, muito embora a opção exercida se tenha mostrado desfavorável aos contribuintes, não poderá ser desconsiderado que a tributação em vigor resulta diretamente do legitimo exercício, pelos contribuintes, de uma opção de tributação prevista na legislação em vigor e da aplicação dessa mesma legislação à informação livre e legalmente inscrita por esses mesmos contribuintes na declaração de rendimentos relativa ao ano 2009.

3. Em cumprimento do art. 60°, nº 1, alínea b) da Lei Geral Tributária, foi o mandatário do contribuinte notificado para se pronunciar sobre o teor do projecto de decisão, no prazo de 08 dias contados continuamente a partir do 3° dia posterior ao do registo.

4. O contribuinte veio, através do seu mandatário, exercer o seu direito de audição, alegando, em suma, que embora a liquidação vigente não padeça de qualquer erro, "existe sim erro gritante da sua própria declaração, pelo que não há que impugnar a liquidação mas que refazê-la por erro quanto à matéria coletável.".

O contribuinte entende que não lhe pode ser imputável qualquer comportamento negligente, dado que, precisamente para obtenção do apoio necessário para o cumprimento das suas obrigações declarativas, recorreu a uma técnica especializada nestas matérias, a qual reconhece por inteiro a exclusiva responsabilidade pelo erro no preenchimento da declaração de IRS. A este propósito, o contribuinte refere também que o impresso utilizado para declaração dos rendimentos em causa não esclarece quais as consequências inerentes ao exercício ou não da opção pelo englobamento das mais-valias mobiliárias.

O contribuinte conclui assim que o seu pedido deve ser deferido "pois de contrário causar-se-ia um enorme prejuízo ao contribuinte e o Fisco apropriar-se-ia de considerável quantia que bem sabe não lhe ser devida por justiça."

5. Analisados os argumentos apresentados no exercício do direito de audição prévia, não nos parece possível alterar a proposta nem os fundamentos para o indeferimento inicialmente projetado.

De facto há que ter em conta que a Administração Tributária é totalmente alheia à eventual escolha e designação, pelos contribuintes, de técnicos encarregues do cumprimento das suas obrigações declarativas. Por conseguinte, a responsabilidade, perante a Administração Tributária, pelo cumprimento das obrigações legais de natureza fiscal é dos próprios contribuintes (e, neste caso, do ora requerente), sem prejuízo, como é natural, do eventual direito de regresso sobre os referidos técnicos - os quais têm o dever reforçado, enquanto profissionais, de ter conhecimento das consequências inerentes ao exercício das opções que lhe são conferidas por lei.

A este propósito, aproveita-se para esclarecer que, nas instruções de preenchimento do quadro 9 do anexo G (ou seja, do quadro onde o contribuinte indicou que pretendia exercer o englobamento dos rendimentos incluídos no quadro 8) é expressamente referido o seguinte: "Na parte final deste quadro encontra-se um espaço reservado à formalização da opção pelo englobamento dos rendimentos inscritos nos quadros 8 e 9. caso os sujeitos passivos assinalem o campo 1. Neste caso, os rendimentos ficam sujeitos às taxas gerais. A opção pelo englobamento determina também a sujeição às taxas gerais dos rendimentos de aplicação de capitais referidos no quadro 48 do anexo E. Se for assinalado o campo 2, o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias será tributado à taxa de 10% (n.º 4 do art. 72.° do Código do IRS)" (sublinhados nossos). Assim, parece-nos, salvo melhor opinião, que cai por terra o argumento, agora invocado pelo requerente, segundo o qual a Administração não prestou os esclarecimentos necessários para uma livre escolha, pelos contribuintes, da opção a exercer no quadro 9 do anexo G.

6. Parece-nos, assim, ser de manter a proposta de indeferimento do pedido de revisão conforme proposto na Informação de IRS n° 4149/12, devendo-se, para os devidos efeitos, remeter os autos à Direção de Finanças de Portalegre.

(…)” – cfr. informação junta como documento 3 com a petição inicial.


7. Em 21.12.2012 a sub-directora geral da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares, ao abrigo de delegação de competências, exarou o seguinte despacho sobre a informação identificada no ponto anterior do probatório: “Indefiro o pedido de revisão oficiosa, com os fundamentos invocados.” – cfr. despacho exarado na primeira página da informação junta como documento 3 com a petição inicial.
8. Em 14.01.2013 foi expedido o ofício elaborado pela técnica de administração tributária, em substituição do chefe da Divisão de Tributação e Justiça Tributária, destinado a notificar o Impugnante do despacho de indeferimento do pedido de revisão de actos tributários – cfr. ofício junto como documento 3 com a petição inicial.
9. Em 17.04.2013 deu entrada, via fax, neste Tribunal, a petição inicial dos presentes autos – cfr. comprovativo de fls. 2 do processo físico.
*
Não existem quaisquer outros factos com relevo que importe fixar como não provados.
[…]».


2. Questões a decidir
A única questão que vem suscitada nos presentes autos é a de saber se existe erro de julgamento do Tribunal a quo quando considera que a factualidade assente nos autos não é subsumível ao disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT – revisão dos actos tributários em caso de injustiça grave ou notória.

3. De direito
3.1. A questão que vem suscitada nos autos é a de saber se se pode subsumir ao regime do n.º 4 do artigo 78.º da LGT – poder-dever de revisão dos actos tributário – a factualidade assente nos autos. Lembremos que está em causa o seguinte circunstancialismo fáctico: os sujeitos passivos auferiram mais-valias mobiliárias no exercício fiscal de 2009 e apresentaram a sua declaração de rendimentos com a indicação de opção pelo englobamento dos referidos rendimentos de mais-valias, o que determinou a sua tributação à taxa normal aplicável à globalidade dos rendimentos e não à taxa especial de 10%, como sucederia se não tivessem realizado aquela opção pelo englobamento.

3.2. A sentença recorrida, em alargada fundamentação, julga improcedente o pedido por considerar, basicamente, que: i) não está em causa uma situação qualificável juridicamente como ilegalidade ou injustiça grave e notória (sendo legítima a pretensão dos sujeitos passivos de optarem pela solução legal mais benéfica, i. e., de serem tributados à taxa especial legalmente prevista, que lhes permite pagar menos imposto; não pode, contudo, concluir-se que em caso de opção pelo englobamento, quando daí resulte um acréscimo de imposto a pagar, estejamos perante uma situação ilegal ou objectivamente injusta – o contribuinte tem direito à situação fiscal mais benéfica, mas ela não é legalmente imperativa, nem configura um direito indisponível); ii) estamos perante uma conduta negligente do sujeito passivo, na medida em que a factualidade trazida aos autos não permite concluir que a declaração apresentada com a opção de englobamento dos rendimentos de mais-valias se possa qualificar como “erro desculpável” dos sujeitos passivos face a uma conduta diligente – à luz do parâmetro do “homem médio” (bonus pater familiae).

3.3. Nas alegações de recurso, os Recorrente atacam precisamente estes dois pontos da fundamentação da decisão recorrida, sustentado que a mesma erra na interpretação que faz do conceito legal de “injustiça grave e notória”; e erra ao considerar que o comportamento dos contribuintes se pode qualificar como negligente.

3.3.1. Os requisitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT são, como bem se destaca na sentença recorrida, cumulativos, pelo que não basta provar que a factualidade configura uma “injustiça grave e notória”, no sentido de o sujeito passivo se ver confrontado com uma tributação “manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade” (artigo 78.º, n.º 5 da LGT), sendo ainda necessário provar que o mesmo adoptou um comportamento diligente.
3.3.1.1. No caso dos autos, os Recorrentes sustentam a existência de uma “injustiça grave e notória” no facto de, por “alegado erro na declaração” (optaram inadvertidamente pelo englobamento dos rendimentos), terem perdido a possibilidade que a lei lhes conferia de tributação das mais-valias realizadas no exercício de 2009 à taxa legal especial de 10%. Daí resultou um “agravamento” da tributação em €261.776,80, pois a colecta apurada com a opção pelo englobamento foi de €372.168,60 e sem essa opção teria sido de apenas €110.391,86 (ponto Q das conclusões).
Os Recorrentes alegam que a AT tinha o dever jurídico de corrigir esta situação em sede de pedido de revisão do acto tributário, na medida em que é patente a existência de uma situação de tributação exagerada. Mas sem razão. Vejamos.
Primeiro, é verdade que o n.º 4 do artigo 78.º da LGT visa situações em que esteja em causa uma factualidade na qual objectivamente se verifique “excesso manifesto de tributação” decorrente da aplicação normal das regras legais, diferenciando-se, por isso, dos casos em que o pedido de revisão dos actos tributários assenta em causas de ilegalidade na aplicação das normas fiscais [como sucedia no acórdão do TCA Sul de 23.04.2020, proc. 9872/16.6BCLSB, que vem referido no ponto H) das alegações e que não tem paralelo com o caso dos autos]. E é por essa razão – por essa diferença – que o prazo para formular o pedido neste caso é de apenas 3 anos (e não 4) e que a decisão tem de ser “autorizada pelo dirigente máximo do serviço”. Trata-se, como estes requisitos indiciam, de situações especiais e excepcionais.
Segundo, é verdade que a AT tem o poder-dever de — alertada para a existência de uma situação de “excesso manifesto de tributação” pelo pedido de revisão formulado pelo sujeito passivo — assegurar a efectividade, no caso concreto, dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade. É por essa razão que ela deve garantir a possibilidade de os sujeitos passivos corrigirem, dentro daquele prazo de 3 anos, erros manifestos das declarações apresentadas, sempre que a factualidade e o circunstancialismo do caso permitam verificar, de forma inequívoca, que existiu um erro.
No caso dos autos, não é evidente que o englobamento dos rendimentos possa ser qualificável como um erro [tal como sucedia no caso do acórdão do TCA Sul de 25 de Novembro de 2009 (proc. 02842/09), referido no ponto I) das alegações].
Primeiro, porque o erro para este efeito é uma factualidade objectivamente determinável (a não inclusão de um benefício fiscal ou de uma despesa dedutível à colecta na declaração de rendimento é um erro) e não uma factualidade determinável a partir de condicionantes volitivas (o englobamento de um rendimento sujeito a taxas liberatórias ou especiais é objectivamente uma opção legal e só com o apuramento dos elementos que determinaram a formação da vontade é que pode vir a ser qualificado como um erro) e os Recorrentes, como resulta da sentença recorrida, não trouxeram sequer aos autos a factualidade necessária para que o tribunal pudesse averiguar se tinha efectivamente existido um erro na formação da vontade ao declarar a opção pelo englobamento, razão pela qual não se justifica, sequer, saber em que medida um tal erro poderia relevar no âmbito da relação jurídico tributária para efeitos de desencadear o poder-dever da AT de rever o acto tributário.
3.4.1.2. A este elemento – que em si já relevaria para não se poderem considerar verificados os pressuposto de aplicação do n.º 4 do artigo 78.º da LGT – há ainda que acrescentar, como também se afirma na sentença recorrida, o comportamento negligente dos Recorrentes.
Trata-se de um comportamento negligente no momento da declaração, porquanto os Recorrentes expressamente fizeram a opção pelo englobamento sem terem previamente esclarecido o significado e as consequências jurídicas dessa opção, que – repte-se – tem de ser expressa e foi expressa.
Mas também de um comportamento negligente no momento da reacção perante o alegado erro, pois o pedido de revisão do acto tributário surge num momento temporal em que os Recorrentes já não estariam em prazo para, ao abrigo do artigo 59.º, n.º 3 do CPPT, apresentarem a declaração de substituição, que era o meio legalmente previsto que tinham de corrigir o alegado erro no englobamento dos rendimentos provenientes das mais-valias. E quer o pedido de revisão, quer a impugnação judicial do respectivo indeferimento são também omissos a respeito das razões que levaram os sujeitos passivos a não optar, em tempo, por apresentar uma declaração de substituição, quando, é um ónus dos requerentes do pedido de revisão alegar e provar que não existiu comportamento negligente da sua parte.

Assim, tem razão o Tribunal a quo quando julga improcedente o pedido impugnatório do acto de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário por considerar que não estão preenchidos in casu os pressupostos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.




III - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
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Custas pelos Recorrentes.
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Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.