Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0556/17.9BESNT
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CUSTAS DE PARTE
HONORÁRIOS
DOCUMENTO COMPROVATIVO
RECURSO
PRESSUPOSTOS
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - O recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT possui natureza excepcional quer relativamente aos demais tipos de recurso previstos na legislação processual civil e processual administrativa quer quanto aos regimes consagrados nos n.ºs 1 e 2 do mesmo normativo.
II – A admissibilidade do recurso referido em I depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário.
III - Os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, em especial nos seus nºs 1 e 2, impõem que se conclua que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos, pelo que não pode, ao abrigo dessa disposição, ser admitido recurso do despacho que decidiu a nota justificativa prevista e disciplinada nos artigos 25.º a 26.º do Regulamento das Custas Processuais.
Nº Convencional:JSTA000P27110
Nº do Documento:SA2202102030556/17
Data de Entrada:07/28/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do nº 3 do artigo 280º do CPPT, visando a revogação do despacho de 24-01-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a reclamação apresentada pelo então Impugnante, A………………, melhor sinalizado nos autos, contra a nota discriminativa e justificativa de custas de parte aduzida pela AT, considerando ter o despacho recorrido perfilhado “solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito” (…) “com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário”, indicando para o efeito: o acórdão da secção de contencioso tributário do STA proferido no processo n.º 0794/09.8beprt de 19.06.2019; o acórdão do Pleno do STA proferido no processo n.º 348/18.8balsb de 03.04.2019; a decisão proferida no processo n.º 583/10.7bectb pelo TAF de Castelo Branco em 21.06.2019; a decisão proferida no processo n.º 168/10.8besnt pelo TAF de Sintra em 16.07.2019; a decisão proferida no processo n.º 2366/09.8beprt pelo TAF do Porto em 06.09.2019.


Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões:

I- Visa o presente recurso, apresentado nos termos do art.280 n.º 3 do CPPT, a revogação do despacho que julgou procedente a reclamação apresentada contra a nota discriminativa e justificativa de custas de parte elaborada nos autos pela Fazenda Pública, entendendo que não deve ser considerado para efeitos de custas de parte o montante de € 469,20 indicado na “rubrica 3) Honorários de mandatário”;

II- Aquando do trânsito em julgado do acórdão do STA proferido nos presentes autos, procedeu a Fazenda Pública, na qualidade de parte vencedora e em conformidade com a condenação em custas constante do referido aresto, à elaboração e remessa à parte vencida, de nota discriminativa e justificativa de custas de parte, nos termos dos art.ºs 25 e 26 do Regulamento das Custas Processuais;

III- Na referida nota foi solicitado o pagamento do montante total de € 652,80, sendo € 469,20 referente a honorários e fazendo-se constar expressamente que tal rubrica foi requerida nos termos dos artigos 26 n.º 3 al. c) e art.25 n.º 3 ambos do RCP;

IV- Contra a mesma veio o impugnante apresentar reclamação, considerando que não haveria lugar a pagamento de honorários de mandatário ao RFP.

V- Em 24 de janeiro de 2020, foi proferido despacho – contra o qual é apresentado o presente recurso - que julgou procedente a reclamação deduzida;

VI- Tal despacho determinou: “ (…) Note-se, por outro lado, que a sentença em causa nos autos foi proferida a 14.03.2018, ou seja, em data anterior à alteração introduzida ao art.26º do RCP pelo Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de Outubro, não se aplicando a nova redacção da norma, por força da norma transitória constante do respectivo art.4º. (…)”

VII- Tal decisão foi sustentada no facto da sentença em 1ª instância ter sido proferida em data anterior à entrada em vigor do decreto-lei n.º 86/2018 de 29 de outubro (facto esse, que, não determinou, no caso dos presentes autos, a constituição do direito a custas de parte);

VIII- A fundamentação do despacho recorrido assentou (por adesão e sem reserva) no acórdão proferido pelo STA no processo n.º 01367/16.4balsb, e julgou procedente a reclamação apresentada pelo impugnante concluindo que a FP não tem direito a receber, a título de custas de parte, o valor peticionado referente a honorários.

IX- Discordamos da decisão proferida por entendermos que o momento na mesma considerado como relevante para a constituição do direito a custas de parte, não é o momento em que foi proferida a sentença em 1ª instância, mas sim o momento da verificação do trânsito em julgado nos autos (com a definitividade da condenação em custas);

X- Nos termos do art.25º do RCP, o trânsito em julgado, é o momento que determina a constituição do direito a custas de parte (e claro, a correlativa obrigação no seu pagamento).

XI- A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou findo o prazo de 10 dias para a arguição de nulidades ou para o pedido de reforma do acórdão, nos termos dos arts. 615º e 616º do CPC, aplicáveis às decisões da segunda instância por via do disposto no art. 666º do CPC.

XII- No caso dos autos, a decisão que colocou termo ao processo, foi o acórdão do STA que não admitiu o recurso de revista interposto pelo impugnante, o qual foi notificado às partes por notificação(ões) datada(s) de 24 de outubro de 2019, consideram-se pois, as mesmas, notificadas em 28 de outubro de 2019 (1º dia útil seguinte).

XIII- Daí resultando, que o trânsito em julgado ocorreu em 7 de novembro de 2019, sendo essa a data que determinou o direito da FP a custas de parte, e não a data de 14.03.2018 indicada no despacho “sub judice”;

XIV- Foi essa - 7 de novembro de 2019 – a data em que a Fazenda pública remeteu à parte vencida e aos autos a nota discriminativa agora reclamada;

XV- O despacho ora recorrido desconsiderou que contra a sentença proferida em 1ª instância foi apresentado recurso, fazendo com que a mesma não transitasse em julgado nem tornasse, naquele momento, definitiva a condenação em custas do impugnante.

XVI- Nessa data, já estava em vigor a alteração introduzida ao art.25º do RCP pelo Decreto lei n.º 86/2019 de 29 de outubro, aplicando-se a mesma ao caso dos autos, nos termos da norma transitória constante do respetivo art.4º; pelo que, já se encontrava prevista a equiparação do patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito à constituição de mandatário para efeitos de compensação da parte vencedora a título de custas de parte.

XVII- A consideração da data de 7.11.2019 (do trânsito em julgado do acórdão que pôs termo ao processo) e não da data de 14.03.2018 (data da sentença), acarreta que a fundamentação do despacho posto em crise (por remissão, a fundamentação do acórdão proferido no processo n.º 1367/16.4balsb), não seja ajustada aos factos dos presentes autos, uma vez que o acórdão utilizado como fundamento não tem em conta a redação do art.26 º introduzida pelo Decreto-lei n.º 86/2018 de 29 e de outubro aqui aplicável.

XVIII- Daí tendo a ora recorrente convocado as decisões supra enunciadas, que estabeleceram em suma:
o acórdão da secção de contencioso tributário do STA proferido no processo n.º 0794/09.8beprt de 19.06.2019: “(…) II - O n.º 3 do art. 25.º do RCP, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de Outubro, equiparou, para efeitos de compensação da parte vencedora a título de custas de parte, o patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico à constituição de mandatário judicial.
III - Decorre do disposto nas normas de direito transitório constantes do art. 4.º, maxime da sua alínea b), do referido Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de Outubro, que aquela equiparação se aplica aos processos pendentes em que a condenação em custas seja ulterior à entrada em vigor daquele diploma legal.”
O acórdão do Pleno do STA proferido no processo n.º 348/18.8Balsb de 03.04.2019, parcialmente transcrito nas alegações de recurso supra, entendeu que a nova redação do n.º 3 do art. 25 do RCP tem aplicação quando a condenação em custas - entenda-se, definitiva e transitada em julgado – tenho ocorrido na vigência do Decreto-lei n.º 86/2018 de 29 de outubro;
a decisão proferida no processo n.º 583/10.7bectb pelo TAF de Castelo Branco estabeleceu que: “(…) Importa ter presente que até à entrada em vigor do DL n.º 86/2018, de 29/10, não estava prevista no RCP a obrigação da parte vencida compensar a parte vencedora, a título de custas de parte, pelos serviços prestados por juristas com funções de apoio judiciário. Tal obrigação veio a ser introduzida de forma inovadora com a alteração ao n.º 3 do artigo 25.º do RCP, operada pelo DL n.º 86/2018, (…) Posto isto, podemos assentar que o facto da Fazenda Pública não ser representada nos tribunais tributários por mandatário judicial, mas por funcionários da AT licenciados em direito [cf. artigo 53.º do ETAF], não afasta o direito a custas de parte a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do RCP, pois que o n.º 3 do artigo 25.º do RCP, na redação do DL n.º 86/2018, veio expressamente equiparar, para este efeito, o patrocínio de entidades públicas por licenciados em direito à constituição de mandatário judicial. (…)”
A decisão proferida no processo n.º 168/10.8besnt pelo TAF de Sintra, também entendeu que: “(…) Adotando o entendimento pugnado nos referidos acórdãos do Supremo tribunal Administrativo, conclui-se, em síntese, que se aplica o n.º 3 do art.º 25º do RCP, com a redação dada pelo Decreto-lei n.º 86/2018 de 29 de outubro, aos processos pendentes em que a condenação em custas ocorreu depois da entrada em vigor daquele diploma (isto é, depois do dia 30/10/2018, por força do art.º 5º do referido diploma). No caso dos autos, apenas com a prolação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em 05/12/2018, tornou-se definitiva a condenação dos impugnantes em custas nos presentes autos [cfr. alíneas c) e f) dos factos provados]. Ou seja, em data posterior à entrada em vigor do Decreto-lei n.º 86/2018, de 29 de outubro. Logo, aplica-se o disposto no n.º 3 do art.25º do RCP, na sua atual redação.(…)”
E por último de referir a decisão proferida no processo n.º 2366/09.8beprt pelo TAF do Porto: “(…)No caso dos autos, o acórdão do STA foi proferido 06/05/2019 em data posterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 86/2018 de 29 de Outubro, pelo que a condenação em custas ocorreu já na vigência deste normativo e, como tal, há lugar ao pagamento de compensação pelo patrocínio judiciário exercido por jurista nomeado pela AT(…)”

XIX- Em todas as decisões referidas, foi entendido haver lugar ao direito da FP à compensação prevista na alínea c) do n.º 3 do art.26º do RCP, aplicando a redacção dada ao n.º 3 do art.25º do RCP pelo Decreto Lei n.º 86/2018 de 29 de outubro, uma vez que a condenação em custas definitiva e irrecorrível ocorreu na sua vigência;

XX- Ora, o despacho “sub judice”, que decidiu a reclamação de nota discriminativa e justificativa de custas de parte, deve ser revogado e substituído por decisão que considere e aplique a nova redação do n.º 3 do art. 25º do RCP conferida pelo Decreto Lei 86/2018, de 29 de Outubro (com entrada em vigor no dia seguinte ao da publicação do referido Decreto Lei, cf. artigos 4º e 5º), que veio preceituar que o patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, equivale à constituição de mandatário judicial, para efeitos de compensação da parte vencedora a título de custas de parte.

XXI- Terá sido intuito do legislador, crê-se, com a nova redação do n.º 3 do artigo 25.º do RCP, que a equiparação do patrocínio por advogado à representação "em juízo por licenciado em Direito” fosse consequente em toda a sua extensão, concretizando a equidade entre os intervenientes processuais, materializando, agora em matéria de custas de parte, a igualdade de tratamento que já se verificava quanto às taxas de justiça;

XXII- Consubstanciando, segundo entendemos, o (justo) reconhecimento pelo legislador de que o patrocínio judiciário e a representação em juízo das Entidades Públicas por licenciados em direito seus funcionários, longe de ser gratuito, acarreta efetivos custos, decorrentes da concreta afetação de recursos humanos ao processo, necessários para o estudo e análise do processo, elaboração de peças processuais e intervenção nos seus correspondentes atos, não podendo o Ente Público disponibilizar o Trabalhador para a realização de outras tarefas ou funções.

XXIII- Nessa conformidade, por força do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RCP, as entidades públicas, cujo patrocínio seja assegurado por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, estão legalmente legitimadas a, sendo a parte vencedora, e aquando da elaboração da respetiva nota discriminativa e justificativa de custas de parte, incluir uma rubrica atinente à “compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário”, conforme previsto na alínea c), do n.º 3, do artigo 26.º, em conjugação com a alínea d), do n.º 2, do artigo 25.º, ambos do RCP – disposições legais expressamente referidas na nota discriminativa reclamada.

XXIV- No que concerne ao cálculo do montante, lamentavelmente, o legislador, pelo Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de outubro, bastou-se com a previsão da equiparação para efeitos de compensação da parte vencedora a título de custas de parte, sem cuidar, contudo, em regulamentar, ou sequer prever tal regulamentação, no que respeita à forma como tais custos com o processo, pelas entidades públicas, podem ou, melhor, devem ser apurados/calculados, recaindo pois, sobre o intérprete, a dificuldade de determinar a forma do cálculo do “dispêndio”, no caso, da AT, com este concreto patrocínio.

XXV- A alínea c), do n.º 3, do artigo 26.º do RCP estabelece que a parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento, a título de custas de parte, do valor de «50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior.»

XXVI- Assim, a dificuldade em fixar um “quantum” ao patrocínio da entidade pública por licenciado em direito, pertencente aos seus quadros, nos termos do n.º 3 do artigo 25.º do RCP, seria superada pela convocação, sem mais, do disposto na alínea c) do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP, aplicando-se-lhe, assim, o argumento de inerência do direito em receber o montante compensatório pelo limite máximo dos 50% das taxas de justiça pagas.

XXVII- Montante cujo pagamento foi solicitado pela Fazenda Pública na nota discriminativa e justificativa de custas de parte reclamada, calculado da seguinte forma:
Taxa de justiça paga pela FP - € 183,60
Taxa de Justiça paga pelo impugnante - € 367,20 + € 183,60 + € 204,00
Soma - € 938,40
Alínea c) do n.º 3 do art.26º do RCP - € 612,00/2 = € 469,20

XXVIII- Pelo exposto, e face à desconformidade com as decisões enunciadas, deverá ser revogado o despacho posto em crise, substituindo-se por outro que reconheça o direito da Fazenda Pública a custas de parte nos termos que foram solicitados na nota reclamada, ou seja, com a inclusão da rubrica atinente à compensação com honorários nos termos do RCP com a redacção dada pelo Decreto-lei n.º 86/2018 de 29 de outubro, uma vez que a condenação em custas se tornou definitiva na sua vigência.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V.Ex.ªs, se requer a revogação do despacho que julgou procedente a reclamação entendendo que a Fazenda Pública não poderia incluir na nota a rubrica 3) referente a honorários, sendo o mesmo substituído por despacho que indefira a reclamação apresentada determinando-se o direito da Fazenda Pública a custas de parte nos termos solicitados na nota discriminativa remetida nos termos e prazos dos arts. 25º e 26º do RCP, ou seja, com a inclusão da rubrica atinente a compensação a titulo de honorários em conformidade com o Decreto lei n.º 86/2018 de 29 de outubro aplicável aos autos.
PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
Junta: 3 (três) decisões: decisão proferida no processo n.º 583/10.7bectb pelo TAF de Castelo Branco; decisão proferida no processo n.º 168/10.8besnt pelo TAF de Sintra; decisão proferida no processo n.º 2366/09.8beprt pelo TAF do Porto;

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, no seguinte parecer:

“1 – AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA vem recorrer da douta decisão proferida nos autos, a fls.292 e segs, que julgou procedente a reclamação do impugnante relativa à solicitada custas de parte apresentada pela ora recorrente. Decisão com a qual se não conforma.
Para tanto, alega nos termos conclusivos que constam de fls. , e, no essencial e em síntese, entende que a decisão “a quo” peca por de erro de julgamento na medida em que deveria ter sido decidida em sentido contrário, sendo que está em oposição com decisões já transitadas em julgado sobre a mesma questão de direito.
Pede, a final, a revogação da decisão com as consequências daí decorrentes.
2 – Não houve contra-alegações.
3 – Da análise da matéria controvertida, entendemos que o presente recurso deverá improceder e, desde logo, porque o raciocínio da recorrente está eivado de vício na medida em que parte de premissa de que os efeitos da condenação em custas se conta, no caso, a partir da data do trânsito do acórdão proferido nos autos.
Porém, o recurso de revista, interposto nos autos, não foi admitido. Ora, não tendo, por isso, havido qualquer alteração do decidido na 1ª instância, ocorrendo o trânsito em julgado, os efeitos da decisão contam-se desde a data em que a mesma foi proferida que se mantém nos seus precisos termos.
4 – Emite-se, assim, parecer no sentido da improcedência do presente recurso.”

A recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira veio responder ao Parecer do MP, nos seguintes termos:

“Tendo a Representação da Fazenda Pública junto do Supremo Tribunal Administrativo sido notificada em 14/09/2020 do douto Parecer do Ministério Público, vem sobre o mesmo referir que:
1.
No seu recurso a Fazenda Pública explica aprofundadamente a relação entre o trânsito em julgado e o pedido de custas de parte, mantendo-se válidos todos os argumentos ali expostos e aplicável ao caso dos autos a jurisprudência ali citada.
2.
No seu parecer o Ministério Público vem defender que não tendo havido alteração ao decidido na 1ª instância, ocorrendo o trânsito em julgado, os efeitos da decisão contam-se desde a data em que a mesma foi proferida que se mantem nos precisos termos.
3.
Sucede que, o Impugnante apresentou 2 recursos nos presentes autos, um primeiro recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA Sul), sendo que relativamente ao mesmo foi proferido Acórdão que apreciou o seu mérito, tendo o recurso sido improcedente, e foi o impugnante condenado em custas, e seguidamente apresentou novo recurso, agora para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo sido novamente proferido Acórdão e o Impugnante condenado em custas. Resultando absolutamente evidente que a sua responsabilização por custas não é apenas decorrente da condenação em custas em 1ª instância, tendo sido condenado em custas quer no TCA Sul quer no STA.
4.
Efetivamente o Impugnante foi condenado nas custas do processo em 1ª instância, mas não poderemos esquecer que é também responsável pelas custas do processo respeitantes ao processamento subsequente dos autos.
5.
Não tendo ocorrido o trânsito em julgado da decisão de primeira instância em virtude do recurso interposto pelo Impugnante para o Tribunal Central Administrativo do Sul, a Fazenda Pública teve de continuar a assegurar o acompanhamento do processo por um Representante da Fazenda Pública, sendo que com a interposição de recurso relativamente ao Acórdão do TCA Sul para o Supremo Tribunal Administrativo, que impediu o trânsito em julgado do processo, continuou a Fazenda Pública a ter de assegurar o acompanhamento do processo por um Representante da Fazenda Pública, não tendo sido esgotada a participação da Fazenda Pública no processo com a sentença proferida em 1ª instância.
6.
Assim, é com o trânsito em julgado do processo que nasce o direito ao pedido de custas de parte, como resulta da jurisprudência invocada no recurso interposto pela Fazenda Pública.
7.
Refira-se que quando o impugnante apresentou o seu recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (em 26/03/2019), já tinha conhecimento por notificação eletrónica (vide sitaf fls 208 e segs) da apresentação de um anterior pedido de custas de parte da Fazenda Pública respeitante ao processado até ao Acórdão do TCA Sul, altura em que já constava da nota discriminativa e justificativa de custas de parte um montante respeitante a honorários de mandatário judicial [nos termos dos art.º 26.º n.º 3 al. c) e art.º 25.º n.º 3, ambos do RCP].
8.
Em virtude do recurso interposto pelo Impugnante para o STA e da condenação em custas decorrente do Acórdão subsequente, foi apresentado novo pedido de custas de parte pela Fazenda Pública respeitante a todo o processo, que na sequência da reclamação do impugnante veio a ser objeto do despacho relativamente ao qual a Fazenda Pública interpôs o presente recurso.
9.
A Fazenda Pública, entende assim que o seu pedido de custas de parte se encontra correto à luz da legislação e jurisprudência que refere no seu recurso, em nada se diferenciando, quanto ao essencial, a situação dos autos das situações objeto da jurisprudência ali invocada, até porque, a Fazenda Pública mesmo após a sentença proferida em 1ª instância continuou a disponibilizar no processo o trabalho de um Representante da Fazenda Pública para acompanhamento e análise das incidências do processo, nomeadamente dos requerimentos apresentados e dos acórdãos proferidos nos autos, que lhe continuaram a ser notificados, e para apresentação das peças eventualmente necessárias (sendo que evidentemente o Representante da Fazenda Pública, enquanto se ocupa dos autos, fica impossibilitado de ser afeto ao desempenho de outras funções, representando essa afetação um efetivo custo para a Fazenda Pública).
10.
É de notar que, nos termos da lei, a Fazenda Pública, na situação inversa à dos autos, nos processos em que é condenada nas custas, procede ao pagamento das custas de parte devidas que lhe são apresentadas pela parte, e que para efeitos do cálculo do limite dos honorários de mandatário dessas custas de parte pode ser e é incluído o montante respeitante às taxas de justiça suportadas pela Fazenda Pública (que nesses casos é a contraparte) relativamente ao seu impulso processual no TCA e STA, mesmo nos casos em que a decisão de 1ª instância é confirmada nas instâncias superiores e mesmo quando o mandatário da parte não apresenta contra alegações de recurso.
12.
Nestes termos, a vingar a tese do Ministério Público, que, tal como vem formulada, não tem qualquer sustentação legal, não havendo razões para tratar o pedido de custas de parte da Fazenda Pública, a este respeito, de forma diferente, estaremos perante uma violação do princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP.”

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Os autos vêm à conferência depois de satisfeitos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. – O despacho recorrido tem o seguinte teor:

“Notificado da nota discriminativa e justificativa da conta de custas de parte, veio o Impugnante, em requerimento a fls. 186 dos autos (em suporte físico, sendo doravante a indicação desse suporte), apresentar reclamação, alegando que a Fazenda Pública requereu, nos termos da al. c) do n.º 3 do art. 26.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), o pagamento da quantia de € 469,20, a título de honorários de mandatário, sem que fizesse acompanhar a nota do respectivo recibo. Mais argumentou que sendo o Representante da Fazenda Pública um funcionário público, que recebe o respectivo vencimento, não pode o mesmo receber quaisquer outros valores.
Devidamente notificada, a ERFP nada disse ou requereu.
Dada vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, o mesmo emitiu parecer, de fls. 193 dos autos, no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
Estabelece o artigo 26.º do RCP (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de Outubro) que:
“(…) 3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:
c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior; (…)”.
Como decorre do disposto nos arts. 25.º, n.º 2, d) e 26.º, n.º 3, c) do RCP, na redacção aplicável, a nota de custas de parte deve ser apresentada de forma discriminada e justificada, apresentado as várias rúbricas, designadamente, relativas aos valores suportados com as taxas de justiça e honorários do mandatário, estes com o limite referido na alínea c) do n.º 3 do citado art. 26.º.
Neste caso, porém, a Administração Tributária foi representada em juízo pela Representação da Fazenda Pública, nos termos previstos no art. 15.º do CPPT, não havendo, por isso, lugar à apresentação de qualquer nota de honorários ou respectivo recibo.
Note-se, por outro lado, que a sentença em causa nos autos foi proferida a 14.03.2018, ou seja, em data anterior à alteração introduzida ao art. 26.º do RCP pelo Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de Outubro, não se aplicando a nova redacção da norma, por força da norma transitória constante do respectivo art. 4.º.
Ora, relativamente aos casos em que a representação em juízo é assegurada por funcionário designado, como fez notar o Impugnante, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 01367/16.4BALSB, em acórdão de 24.04.2019, a cuja fundamentação aderimos na íntegra e sem reserva, nos seguintes termos:
“(…) Os honorários dos advogados compreendem uma parte de remuneração pelo trabalho prestado e uma outra destinada ao reembolso de preparos e despesas em que aqueles incorreram enquanto mandatários de um determinado cliente e a propósito de uma determinada causa. Da leitura do RCP, designadamente da leitura do seu artigo 25.º, n.º 2, al. d) (“Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos: (…) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º”. Esta norma é bastante clara pois, partindo da ideia de que a parte vencida tem que pagar à parte vencedora qualquer coisa a título de honorários com o seu advogado, é imprescindível que da nota justificativa de custas constem as quantias pagas, precisamente, a título de honorários de mandatário, sendo que a nota de honorários é entregue pelo advogado ao seu cliente em momento oportuno. A mesma norma – e nenhuma outra – contempla a situação em que a parte vencedora é o PM e certos Ministérios representados em juízo por juristas designados que integram serviços jurídicos dos Ministérios em causa ou da Presidência do Conselho de Ministros. Mas, não sendo o mandatário que os representa um advogado externo a quem foram pagos honorários, obviamente que não pode agora pretender-se que a parte vencida pague uma parcela de honorários com advogado que, na realidade não foram pagos. Nesses casos, a parte vencedora (v.g., in casu, o Ministério da Justiça) não referirá qualquer montante a título de honorários de advogado. Uma interpretação adequada do artigo 25.º, n.º 2, al. d), do RCP é a de que só devem constar da nota justificativa as quantias efectivamente pagas a título de honorários de mandatário. Não se vê como esta interpretação possa pôr em causa a igualdade das partes. Verdadeiramente, a obrigar-se a parte vencida a pagar uma parcela de honorários com advogado que não foram efectivamente pagos o que teríamos era uma situação de enriquecimento sem causa e uma restrição arbitrária ou, pelo menos, irrazoável, ao direito de acesso à justiça (art. 20.º da CRP). Mais ainda, se o nosso “legislador” entendeu que a parte vencida não teria de pagar a totalidade dos honorários cobrados pelo mandatário da parte vencedora, por maioria de razão não deverá pagar honorários “virtuais”.
Não se vê, ainda, como o argumento segundo o qual o direito a receber um montante correspondente a parte dos honorários a título de custas de parte não é um reembolso mas uma custa processual possa ter qualquer relevância. Efectivamente, qualquer que seja a caracterização jurídica que se atribua a esta obrigação da parte vencida, uma coisa é certa: só devem contar para o efeito os honorários efectivamente pagos com base em contrato de prestação de serviços previamente celebrado.
De idêntico modo, não se vê como o argumento da equiparação do patrocínio por advogado à representação em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, agindo o representante da pessoa colectiva pública como os demais mandatários e estando sujeito aos mesmos deveres deontológicos (art. 11.º, n.º 2, do CPTA), possa confortar juridicamente pretensão dos ora reclamados. Efectivamente, estamos perante uma equiparação funcional com as consequentes repercussões a nível deontológico, mas dela não se retira em linha recta e de forma cristalina que, tendo os Ministérios e a PCM serviços de apoio jurídico com especialistas que, entre outras, têm como função representar estes serviços públicos e órgãos em juízo – serviços e respectivos juristas pagos pelos impostos dos portugueses – devam depois as partes vencidas em litígios que têm com o “Estado” ter de compensá-lo pelas “despesas”, ou seja, pelo pagamento dos respectivos vencimentos (de parte deles), relativas à sua prestação funcional em juízo num determinado caso. O mesmo vale, mutatis mutandis, para o argumento de que se trata de apoio jurídico especializado por juristas inscritos na OA e de que é obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais administrativos (art. 11.º, n.º 1, do CPTA). Daqui não deriva, certamente, a obrigação de compensar em questão. (…)”.
Em conformidade, aderindo ao decidido, julga-se procedente a reclamação apresentada pelo Impugnante, pelo que a ERFP não tem direito a receber, a título de custas de parte, o valor peticionado referente a honorários.
Custas do incidente a cargo do Impugnante, que se fixam no mínimo legal (art. 7.º, n.º 8 do RCP).
Notifique.
*
Oportunamente, arquive.”
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida no despacho, a qual julgou procedente a reclamação apresentada pelo então impugnante, da nota justificativa e discriminativa de custas de parte que a Fazenda Pública requerera, deve ser revogado e substituído por decisão que considere e aplique a nova redacção do n.º 3 do art. 25º do RCP conferida pelo Decreto-Lei nº 86/2018, de 29 de Outubro (com entrada em vigor no dia seguinte ao da publicação do referido Decreto Lei, cf. artigos 4º e 5º), que veio preceituar que o patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, equivale à constituição de mandatário judicial, para efeitos de compensação da parte vencedora a título de custas de parte.
Aquilatando.
É patente que o cerne da questão, radica em determinar se a decisão vertida no despacho recorrido padece de erro de julgamento, por ter considerado que da nota justificativa apresentada pela parte vencedora, devem constar, em rúbrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários ao mandatário, mas apenas quando sejam de valores iguais ou inferiores ao valor previsto no artigo 26.º, n.º 3, alínea c) do RCP, sendo estes os montantes a pagar pela parte vencida, omitindo, porém, a obrigação de exibição do documento comprovativo desse pagamento.
Porém, esta conferência, por razões de uniformidade e de boa aplicação do direito, adopta a solução ditada no recente Acórdão deste STA de 28-10-2020, no processo nº279/18.1BEMDL, publicado em www.dgsi.pt em que foi relatora a Exmª Conselheira Anabela Russo e intervieram o relator e o 1º adjunto desta formação, Sr. Conselheiro Aníbal Ferraz, como 1º e 2º adjunto, respectivamente e cujo discurso fundamentador, com a devida vénia, passamos a transcrever:
“(…)
2. OBJECTO DO RECURSO
2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].
Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
2.2. No caso, são duas as questões que este recurso suscita.
A primeira é a de saber se estão verificados no caso concreto os pressupostos de admissibilidade do recurso consagrados no artigo 280.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
A segunda, saber se a parte vencedora que pretende beneficiar do direito consagrado no artigo 26.º, n.º 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais (RCP) tem de comprovar documentalmente que pagou honorários ao seu mandatário e o valor que despendeu a esse título, independentemente desse valor ser inferior ou superior a 50% do somatório das taxas de justiça pagas por ambas as partes.
3. Fundamentação de Direito
Vejamos, pois, o que nos oferece dizer sobre as questões suscitadas pela Recorrente.
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«De acordo com o art.º 26.º, n.º 3, al. c) do RCP, a parte vencida é condenada ao pagamento de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior.
Este preceito (art.º 25.º, n.º 2, al. d) dispõe o seguinte:
“2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:
(…)
d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;
(…)”
Portanto, e apesar de não fazer explicitamente menção de que os honorários suportados superam o montante de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, tem se entender que, face ao disposto no art.º 25.º, n.º 2, al. d) do RCP citado, a parte vencedora não está obrigada a indicar, em rubrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários de mandatário, só estando obrigada a indicar tais quantias quando elas sejam inferiores.
Pelo exposto indefiro o requerido
Custas pela Requerente
Notifique.».
Sendo assim, comecemos por transcrever a norma em que a Recorrente fundou este recurso -artigo 280.º n.º 3 do CPPT:
«Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário.»
A simples leitura deste preceito permite que se extraiam de imediato dois tipos de conclusões.
Por um lado, que se conclua que estamos perante uma regulamentação excepcional, quer porque o legislador destacou que o meio de reacção neste normativo acrescia aos demais recursos “previstos na lei processual civil e administrativa”, quer porque o legislador, antes mesmo de enunciar os pressupostos de que dependia a admissibilidade desse recurso, vincou claramente que a sua admissão não dependia “do valor da causa e da sucumbência”. Foi, de resto, com este carácter de excepcionalidade que a doutrina e a jurisprudência desde sempre o conformaram.
Por outro, que se identifique o objectivo do legislador processual fiscal com a consagração deste recurso excepcional como sendo o de regular de forma especial a sindicância do julgamento de direito de determinadas decisões judiciais, ou seja, das decisões que, sem que ocorra uma alteração do quadro jurídico vigente, vêm a perfilhar uma solução de direito oposta à vertida em mais de três sentenças proferidas pelo mesmo ou outro tribunal tributário.
A opção legislativa pela consagração deste recurso, que se afasta de forma impressiva dos critérios ou pressupostos de admissibilidade estabelecidos para os recursos jurisdicionais ordinários e que apresenta também acentuadas particularidades (formais e substantivas) relativamente aos pressupostos exigíveis para a admissão de recurso de uniformização de jurisprudência (cfr. artigo 284.º do CPPT), tem, no entanto, de comum com o último recurso referido constituir uma via de concretização do princípio constitucional de igualdade de tratamento imanente ao princípio da justiça constitucionalmente consagrado em situações concretas que o legislador entendeu serem dignas de especial necessidade de protecção.
Sendo há muito reconhecido que os critérios de admissibilidade do recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT são idênticos aos requisitos globais para o conhecimento dos recursos interpostos com fundamento em oposição de acórdãos que antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/19, de 17-9, estavam consagrados no artigo 284.º, n.º 1 do CPPT, (Neste sentido, vide, na doutrina, Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 11 c) ao artigo 280.º, pág. 422, e anotação 5 ao artigo 284.º, pág. 466; na jurisprudência, por todos, acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29-5-2019, processo n.º 17/16.3BEAVR, integralmente disponível em www.dgsi.pt.) há que concluir (por da revogação do regime de recurso previsto naquele último artigo e das alterações de redacção introduzidas pela citada Lei n.º 118/19 ao artigo 280.º do CPPT não apontam noutro sentido) (Era a seguinte a redacção deste preceito antes da última reforma processual fiscal que a lei identificada concretizou: “A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.”) que a admissibilidade do recurso interposto à luz do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário.
Ora, não é discutível que a questão de direito suscitada em todas as “decisões” invocadas pela Recorrente é a mesma – exigibilidade, ou não, de comprovação documental das despesas relativas a honorários com mandatário judicial qualquer que seja o valor que a esse título seja pago pela parte vencedora face ao preceituado nos artigos 25.º e 26.º do RCP - nem que há distinção de relevo entre as situações fácticas nelas contempladas e que a solução oposta foi proferida em idêntico quadro de regulamentação jurídica. Porém também é inquestionável que as “decisões” convocadas (em número capaz de justificar o pressuposto exigido) não assumem a qualidade de sentenças.
Efectivamente, constituindo todas as “decisões” invocadas (cujas cópias constam dos autos) despachos relativos a incidentes de reclamação de conta, não parece ser discutível que não possuem formalmente a natureza de sentenças.
É verdade que esses despachos constituem decisões de incidentes e, nessa medida, conhecem do mérito da questão aí colocada.
Porém, salvo o devido respeito, não foi para este tipo de decisões (despachos), que o legislador previu o recurso excepcional do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.
Que assim é, resulta desde logo, a nosso ver, da letra deste preceito que expressamente estabelece que a oposição de decisões se revela em sentenças, impedindo que o âmbito de aplicação do preceito se estenda a despachos de incidentes, por, em conformidade com o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil (CC), não haver correspondência destes com a letra do citado n.º 3 do artigo 280.º do CPPT.
Acresce que, na unidade do sistema jurídico e nas circunstâncias em que este preceito com a nova redacção se manteve no ordenamento jurídico-processual tributário, não é possível ter outro entendimento.
Desde logo, porque o legislador fiscal não ignorava que, por força do artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP, só há recurso da decisão/despacho que decide a reclamação da nota justificativa em um grau se o valor da nota justificativa for superior a 50 UC. Note-se que não nos referimos ao valor da causa ou de sucumbência, pois como deixámos dito antes, o legislador excluiu-os de pressupostos de admissibilidade do recurso em causa, antes nos reportamos ao valor da nota justificativa.
No mínimo seria estranho que o legislador que, para efeito de recurso ordinário, não atribui relevo jurídico a uma decisão de reclamação da nota justificativa quando esta não excede o valor de 50 UC, viesse a reconhecer a essa decisão valor jurídico suficiente para constituir objecto de recurso excepcional para o Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.
Acresce ainda que não podemos olvidar que o regime consagrado no Regulamento foi revisitado pelo legislador no mesmo ano em que surgiu a reformulação do artigo 280.º do CPPT (conforme resulta do artigo 5.º da Lei n.º 27/19, de 28-3, que procedeu à décima terceira alteração do RCP), não tendo sido a norma que ora se analisa (artigo 26.º-A), objecto de qualquer alteração.
Portanto, a nosso ver, a unidade do sistema jurídico também impõe o entendimento de que este tipo de despacho não cabe no artigo 280.º n.º 3 do CPPT.
Diga-se por fim, que a última reforma processual tributária, na parte respeitante aos recursos jurisdicionais, foi determinada por um objectivo de apreciação das competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com o firme propósito de libertar este Tribunal dos recursos relativos a questões consideradas de menor importância, em termos idênticos aos anteriormente reconhecidos ao Supremo Tribunal de Justiça e à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (cfr., respectivamente, artigos 678.º do CPC e 151º do CPTA). (Cfr. Despacho da Ministra da Justiça de 13-10-2016 (cuja publicação em Diário da República não logramos encontrar) e a “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, disponível para consulta em https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/proposta_de_lei_n.o_168-xiii_-_cppt_cpta_et_al.pdf)
E embora seja certo que com esse objectivo se visava a criação de condições adequadas ao exercício da primordial função que deve estar reservada àquela Secção – de orientação e uniformização da jurisprudência tributária - e que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT teve em vista precisamente a uniformização de decisões, é evidente que também se tem de reconhecer que o legislador considerou que apenas as decisões contidas em sentenças (citado n.º 3 do artigo 280.º) ou em acórdãos (conforme artigo 284.º também do CPPT) revestiam dignidade suficiente para assumir a qualidade de “questão carecida de uniformização de decisões”.
Em suma, o legislador não considerou que a existência de meros despachos de incidentes, que decidam em sentido oposto questão de mérito incidental assumam relevância bastante para poderem ser objecto do recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.
Entender o contrário seria, aliás, admitir que o legislador simultaneamente legislou em sentidos opostos, ou seja, enquanto, nas situações de recurso per saltum, restringia significativamente as competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo a decisões de mérito da causa (n.º 1, do artigo 280.º do CPPT), contrariamente, permitia que fossem susceptíveis de recurso jurisdicional quaisquer despachos proferidos pelos tribunais fiscais em sentido oposto, bastando para tanto mais de três despachos em sentido oposto, qualquer que fosse a sua natureza ou valor, desta forma vulgarizando um recurso que o legislador manifestamente quis que fosse excepcional (cfr. n.º 3, in fine, do artigo 9.º do CC)
Note-se que a redacção do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT foi modificada de forma a harmonizá-la com o regime geral dos recursos e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 118/19, designadamente com a introdução no processo fiscal do critério da sucumbência (artigo xxx do CPPT) e com a restrição da admissibilidade do recurso per saltum no contencioso tributário às situações em que a decisão proferida conhece do mérito da causa (artigo 280.º, n.º 1 do CPPT), passando ainda a impor que, nas situações em que ocorra oposição com decisões de tribunais superiores, incluindo do Supremo Tribunal Administrativo, essa oposição se tenha de verificar relativamente a mais de três decisões. («iii) Recurso per saltum: restringiu-se a aplicabilidade do recurso per saltum no contencioso tributário, previsto no n.º 1 do artigo 280.º, através da exclusão do seu âmbito das questões processuais, nomeadamente a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo, entre outros, assumindo o STA como um verdadeiro tribunal de cúpula da jurisdição administrativa, limitando o recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para além do já admitido requisito da fundamentação exclusivamente em matéria de direito, às situações em que a decisão proferida for de mérito» - cfr. “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, integralmente disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/proposta_de_lei_n.o_168-xiii_-_cppt_cpta_et_al.pdf)
Ou seja, as circunstâncias em que este tipo de recurso foi mantido na ordem jurídica não permitem que seja outra a interpretação a dar à norma contida no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT.
Não é, pois, de admitir o recurso jurisdicional interposto ao abrigo do preceituado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT, por falta de verificação dos seus pressupostos.
Todavia, porque o despacho que decidiu o incidente de reclamação da nota justificativa é recorrível nos termos gerais – uma vez que nem constitui um despacho de mero expediente nem foi proferido no uso de um poder discricionário (artigos 152.º, n.º 4 e 630.º do CPC), importa apurar se estão preenchidos os pressupostos para a sua admissibilidade, uma vez que, se tal se verificar, há que determinar a sua convolação em conformidade com o preceituado nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT. Efectivamente, é hoje e há muitos anos, uniforme o entendimento na doutrina e na jurisprudência (quer da jurisdição comum quer, o que ora nos importa relevar, da jurisprudência deste Supremo tribunal administrativa, que perfilhamos, que deve incluir-se nesse dever de convolação por “erro na forma de processo” as alterações ditadas pela indevida utilização do meio processual “reclamação para a conferência” em vez do meio processual recurso, bem assim, as correcções processuais decorrentes da utilização de um determinado tipo de recurso em vez de outro, se a tal não obstarem os pressupostos processuais de cujo preenchimento depende essa convolação. (Neste sentido, a título exemplificativo, na doutrina, Jorge Lopes de Sousa, “Código de procedimento e de Processo Tributário”, anotação ao artigo 280.º, n.º 5 (actual n.º 3 do mesmo normativo), volume IV, Áreas Editora, página 422; na jurisprudência, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18-6-2008, processo 1145/06, in DR, I Série, de 29-09-2008; de 14-10-2010 e de 26-6-2014, proferido no processo n.º 1831/13, estes últimos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt)
Ora, considerando que a Recorrente ficou vencida e interpôs o recurso antes de decorrido o prazo de 30 dias, há que concluir pela verificação dos pressupostos de legitimidade (artigos 280.º e 631.º, respectivamente, do CPPT e CPC) e tempestividade (cfr., artigos 281.º e 282.º, n.º 1 do CPPT).
Acontece, porém, que o artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP dispõe que que só é admissível recurso da decisão que decide a reclamação da nota justificativa se esta tiver um valor superior a 50 UC, isto é, só é admissível recurso jurisdicional se a nota tiver um valor superior a € 5.100 [€102 x50 - por força do determinado no artigo 210.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2020, que estipulou que “Em 2020, mantém-se a suspensão da atualização automática da unidade de conta (UC) prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2019.”).
No caso, sendo o valor da nota justificativa de € 114, 74 (cfr. fls. 105 a 113), há que concluir que não está verificado o pressuposto de admissibilidade previsto no artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP e, consequentemente, pela inutilidade da convolação por nós equacionada.”
Ora, sendo o valor da nota justificativa de €469,20, também no caso dos autos não está verificado o pressuposto de admissibilidade previsto no artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP e, consequentemente, pela inutilidade da convolação nos sobreditos termos.
Neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão de 16/12/2020, tirado no Recurso nº 264/16.8BEMDL e produzido por esta mesma formação.
À guisa de conclusões, assumem-se as tiradas no douto aresto que vimos seguindo:
I - O recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT possui natureza excepcional quer relativamente aos demais tipos de recurso previstos na legislação processual civil e processual administrativa quer quanto aos regimes consagrados nos n.ºs 1 e 2 do mesmo normativo.
II – A admissibilidade do recurso referido em I depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário.
III - Os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, em especial nos seus nºs 1 e 2, impõem que se conclua que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos, pelo que não pode, ao abrigo dessa disposição, ser admitido recurso do despacho que decidiu a nota justificativa prevista e disciplinada nos artigos 25.º a 26.º do Regulamento das Custas Processuais.

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3. DECISÃO

Em face de tudo quanto ficou exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, não admitir o recurso interposto pela Fazenda Pública.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.