Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0556/17.9BESNT |
Data do Acordão: | 02/03/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | CUSTAS DE PARTE HONORÁRIOS DOCUMENTO COMPROVATIVO RECURSO PRESSUPOSTOS CONVOLAÇÃO |
Sumário: | I - O recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT possui natureza excepcional quer relativamente aos demais tipos de recurso previstos na legislação processual civil e processual administrativa quer quanto aos regimes consagrados nos n.ºs 1 e 2 do mesmo normativo. II – A admissibilidade do recurso referido em I depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário. III - Os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, em especial nos seus nºs 1 e 2, impõem que se conclua que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos, pelo que não pode, ao abrigo dessa disposição, ser admitido recurso do despacho que decidiu a nota justificativa prevista e disciplinada nos artigos 25.º a 26.º do Regulamento das Custas Processuais. |
Nº Convencional: | JSTA000P27110 |
Nº do Documento: | SA2202102030556/17 |
Data de Entrada: | 07/28/2020 |
Recorrente: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A............................ |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do nº 3 do artigo 280º do CPPT, visando a revogação do despacho de 24-01-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a reclamação apresentada pelo então Impugnante, A………………, melhor sinalizado nos autos, contra a nota discriminativa e justificativa de custas de parte aduzida pela AT, considerando ter o despacho recorrido perfilhado “solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito” (…) “com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário”, indicando para o efeito: o acórdão da secção de contencioso tributário do STA proferido no processo n.º 0794/09.8beprt de 19.06.2019; o acórdão do Pleno do STA proferido no processo n.º 348/18.8balsb de 03.04.2019; a decisão proferida no processo n.º 583/10.7bectb pelo TAF de Castelo Branco em 21.06.2019; a decisão proferida no processo n.º 168/10.8besnt pelo TAF de Sintra em 16.07.2019; a decisão proferida no processo n.º 2366/09.8beprt pelo TAF do Porto em 06.09.2019. Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões: I- Visa o presente recurso, apresentado nos termos do art.280 n.º 3 do CPPT, a revogação do despacho que julgou procedente a reclamação apresentada contra a nota discriminativa e justificativa de custas de parte elaborada nos autos pela Fazenda Pública, entendendo que não deve ser considerado para efeitos de custas de parte o montante de € 469,20 indicado na “rubrica 3) Honorários de mandatário”; II- Aquando do trânsito em julgado do acórdão do STA proferido nos presentes autos, procedeu a Fazenda Pública, na qualidade de parte vencedora e em conformidade com a condenação em custas constante do referido aresto, à elaboração e remessa à parte vencida, de nota discriminativa e justificativa de custas de parte, nos termos dos art.ºs 25 e 26 do Regulamento das Custas Processuais; III- Na referida nota foi solicitado o pagamento do montante total de € 652,80, sendo € 469,20 referente a honorários e fazendo-se constar expressamente que tal rubrica foi requerida nos termos dos artigos 26 n.º 3 al. c) e art.25 n.º 3 ambos do RCP; IV- Contra a mesma veio o impugnante apresentar reclamação, considerando que não haveria lugar a pagamento de honorários de mandatário ao RFP. IX- Discordamos da decisão proferida por entendermos que o momento na mesma considerado como relevante para a constituição do direito a custas de parte, não é o momento em que foi proferida a sentença em 1ª instância, mas sim o momento da verificação do trânsito em julgado nos autos (com a definitividade da condenação em custas); X- Nos termos do art.25º do RCP, o trânsito em julgado, é o momento que determina a constituição do direito a custas de parte (e claro, a correlativa obrigação no seu pagamento). XI- A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou findo o prazo de 10 dias para a arguição de nulidades ou para o pedido de reforma do acórdão, nos termos dos arts. 615º e 616º do CPC, aplicáveis às decisões da segunda instância por via do disposto no art. 666º do CPC. XII- No caso dos autos, a decisão que colocou termo ao processo, foi o acórdão do STA que não admitiu o recurso de revista interposto pelo impugnante, o qual foi notificado às partes por notificação(ões) datada(s) de 24 de outubro de 2019, consideram-se pois, as mesmas, notificadas em 28 de outubro de 2019 (1º dia útil seguinte). * Os autos vêm à conferência depois de satisfeitos os vistos legais. * 2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1. – O despacho recorrido tem o seguinte teor: “Notificado da nota discriminativa e justificativa da conta de custas de parte, veio o Impugnante, em requerimento a fls. 186 dos autos (em suporte físico, sendo doravante a indicação desse suporte), apresentar reclamação, alegando que a Fazenda Pública requereu, nos termos da al. c) do n.º 3 do art. 26.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), o pagamento da quantia de € 469,20, a título de honorários de mandatário, sem que fizesse acompanhar a nota do respectivo recibo. Mais argumentou que sendo o Representante da Fazenda Pública um funcionário público, que recebe o respectivo vencimento, não pode o mesmo receber quaisquer outros valores. Devidamente notificada, a ERFP nada disse ou requereu. Dada vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, o mesmo emitiu parecer, de fls. 193 dos autos, no sentido da improcedência da reclamação. Cumpre apreciar e decidir. Estabelece o artigo 26.º do RCP (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de Outubro) que: “(…) 3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior; (…)”. Como decorre do disposto nos arts. 25.º, n.º 2, d) e 26.º, n.º 3, c) do RCP, na redacção aplicável, a nota de custas de parte deve ser apresentada de forma discriminada e justificada, apresentado as várias rúbricas, designadamente, relativas aos valores suportados com as taxas de justiça e honorários do mandatário, estes com o limite referido na alínea c) do n.º 3 do citado art. 26.º. Neste caso, porém, a Administração Tributária foi representada em juízo pela Representação da Fazenda Pública, nos termos previstos no art. 15.º do CPPT, não havendo, por isso, lugar à apresentação de qualquer nota de honorários ou respectivo recibo. Note-se, por outro lado, que a sentença em causa nos autos foi proferida a 14.03.2018, ou seja, em data anterior à alteração introduzida ao art. 26.º do RCP pelo Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de Outubro, não se aplicando a nova redacção da norma, por força da norma transitória constante do respectivo art. 4.º. Ora, relativamente aos casos em que a representação em juízo é assegurada por funcionário designado, como fez notar o Impugnante, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 01367/16.4BALSB, em acórdão de 24.04.2019, a cuja fundamentação aderimos na íntegra e sem reserva, nos seguintes termos: “(…) Os honorários dos advogados compreendem uma parte de remuneração pelo trabalho prestado e uma outra destinada ao reembolso de preparos e despesas em que aqueles incorreram enquanto mandatários de um determinado cliente e a propósito de uma determinada causa. Da leitura do RCP, designadamente da leitura do seu artigo 25.º, n.º 2, al. d) (“Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos: (…) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º”. Esta norma é bastante clara pois, partindo da ideia de que a parte vencida tem que pagar à parte vencedora qualquer coisa a título de honorários com o seu advogado, é imprescindível que da nota justificativa de custas constem as quantias pagas, precisamente, a título de honorários de mandatário, sendo que a nota de honorários é entregue pelo advogado ao seu cliente em momento oportuno. A mesma norma – e nenhuma outra – contempla a situação em que a parte vencedora é o PM e certos Ministérios representados em juízo por juristas designados que integram serviços jurídicos dos Ministérios em causa ou da Presidência do Conselho de Ministros. Mas, não sendo o mandatário que os representa um advogado externo a quem foram pagos honorários, obviamente que não pode agora pretender-se que a parte vencida pague uma parcela de honorários com advogado que, na realidade não foram pagos. Nesses casos, a parte vencedora (v.g., in casu, o Ministério da Justiça) não referirá qualquer montante a título de honorários de advogado. Uma interpretação adequada do artigo 25.º, n.º 2, al. d), do RCP é a de que só devem constar da nota justificativa as quantias efectivamente pagas a título de honorários de mandatário. Não se vê como esta interpretação possa pôr em causa a igualdade das partes. Verdadeiramente, a obrigar-se a parte vencida a pagar uma parcela de honorários com advogado que não foram efectivamente pagos o que teríamos era uma situação de enriquecimento sem causa e uma restrição arbitrária ou, pelo menos, irrazoável, ao direito de acesso à justiça (art. 20.º da CRP). Mais ainda, se o nosso “legislador” entendeu que a parte vencida não teria de pagar a totalidade dos honorários cobrados pelo mandatário da parte vencedora, por maioria de razão não deverá pagar honorários “virtuais”. Não se vê, ainda, como o argumento segundo o qual o direito a receber um montante correspondente a parte dos honorários a título de custas de parte não é um reembolso mas uma custa processual possa ter qualquer relevância. Efectivamente, qualquer que seja a caracterização jurídica que se atribua a esta obrigação da parte vencida, uma coisa é certa: só devem contar para o efeito os honorários efectivamente pagos com base em contrato de prestação de serviços previamente celebrado. De idêntico modo, não se vê como o argumento da equiparação do patrocínio por advogado à representação em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, agindo o representante da pessoa colectiva pública como os demais mandatários e estando sujeito aos mesmos deveres deontológicos (art. 11.º, n.º 2, do CPTA), possa confortar juridicamente pretensão dos ora reclamados. Efectivamente, estamos perante uma equiparação funcional com as consequentes repercussões a nível deontológico, mas dela não se retira em linha recta e de forma cristalina que, tendo os Ministérios e a PCM serviços de apoio jurídico com especialistas que, entre outras, têm como função representar estes serviços públicos e órgãos em juízo – serviços e respectivos juristas pagos pelos impostos dos portugueses – devam depois as partes vencidas em litígios que têm com o “Estado” ter de compensá-lo pelas “despesas”, ou seja, pelo pagamento dos respectivos vencimentos (de parte deles), relativas à sua prestação funcional em juízo num determinado caso. O mesmo vale, mutatis mutandis, para o argumento de que se trata de apoio jurídico especializado por juristas inscritos na OA e de que é obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais administrativos (art. 11.º, n.º 1, do CPTA). Daqui não deriva, certamente, a obrigação de compensar em questão. (…)”. Em conformidade, aderindo ao decidido, julga-se procedente a reclamação apresentada pelo Impugnante, pelo que a ERFP não tem direito a receber, a título de custas de parte, o valor peticionado referente a honorários. Custas do incidente a cargo do Impugnante, que se fixam no mínimo legal (art. 7.º, n.º 8 do RCP). Notifique. * Oportunamente, arquive.” * 2.2.- Motivação de Direito O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT. No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida no despacho, a qual julgou procedente a reclamação apresentada pelo então impugnante, da nota justificativa e discriminativa de custas de parte que a Fazenda Pública requerera, deve ser revogado e substituído por decisão que considere e aplique a nova redacção do n.º 3 do art. 25º do RCP conferida pelo Decreto-Lei nº 86/2018, de 29 de Outubro (com entrada em vigor no dia seguinte ao da publicação do referido Decreto Lei, cf. artigos 4º e 5º), que veio preceituar que o patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, equivale à constituição de mandatário judicial, para efeitos de compensação da parte vencedora a título de custas de parte. Aquilatando. É patente que o cerne da questão, radica em determinar se a decisão vertida no despacho recorrido padece de erro de julgamento, por ter considerado que da nota justificativa apresentada pela parte vencedora, devem constar, em rúbrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários ao mandatário, mas apenas quando sejam de valores iguais ou inferiores ao valor previsto no artigo 26.º, n.º 3, alínea c) do RCP, sendo estes os montantes a pagar pela parte vencida, omitindo, porém, a obrigação de exibição do documento comprovativo desse pagamento. Porém, esta conferência, por razões de uniformidade e de boa aplicação do direito, adopta a solução ditada no recente Acórdão deste STA de 28-10-2020, no processo nº279/18.1BEMDL, publicado em www.dgsi.pt em que foi relatora a Exmª Conselheira Anabela Russo e intervieram o relator e o 1º adjunto desta formação, Sr. Conselheiro Aníbal Ferraz, como 1º e 2º adjunto, respectivamente e cujo discurso fundamentador, com a devida vénia, passamos a transcrever: “(…) 2. OBJECTO DO RECURSO 2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)]. Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 2.2. No caso, são duas as questões que este recurso suscita. A primeira é a de saber se estão verificados no caso concreto os pressupostos de admissibilidade do recurso consagrados no artigo 280.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). A segunda, saber se a parte vencedora que pretende beneficiar do direito consagrado no artigo 26.º, n.º 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais (RCP) tem de comprovar documentalmente que pagou honorários ao seu mandatário e o valor que despendeu a esse título, independentemente desse valor ser inferior ou superior a 50% do somatório das taxas de justiça pagas por ambas as partes. 3. Fundamentação de Direito Vejamos, pois, o que nos oferece dizer sobre as questões suscitadas pela Recorrente. O despacho recorrido tem o seguinte teor: «De acordo com o art.º 26.º, n.º 3, al. c) do RCP, a parte vencida é condenada ao pagamento de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior. Este preceito (art.º 25.º, n.º 2, al. d) dispõe o seguinte: “2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos: (…) d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º; (…)” Portanto, e apesar de não fazer explicitamente menção de que os honorários suportados superam o montante de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, tem se entender que, face ao disposto no art.º 25.º, n.º 2, al. d) do RCP citado, a parte vencedora não está obrigada a indicar, em rubrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários de mandatário, só estando obrigada a indicar tais quantias quando elas sejam inferiores. Pelo exposto indefiro o requerido Custas pela Requerente Notifique.». Sendo assim, comecemos por transcrever a norma em que a Recorrente fundou este recurso -artigo 280.º n.º 3 do CPPT: «Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário.» A simples leitura deste preceito permite que se extraiam de imediato dois tipos de conclusões. Por um lado, que se conclua que estamos perante uma regulamentação excepcional, quer porque o legislador destacou que o meio de reacção neste normativo acrescia aos demais recursos “previstos na lei processual civil e administrativa”, quer porque o legislador, antes mesmo de enunciar os pressupostos de que dependia a admissibilidade desse recurso, vincou claramente que a sua admissão não dependia “do valor da causa e da sucumbência”. Foi, de resto, com este carácter de excepcionalidade que a doutrina e a jurisprudência desde sempre o conformaram. Por outro, que se identifique o objectivo do legislador processual fiscal com a consagração deste recurso excepcional como sendo o de regular de forma especial a sindicância do julgamento de direito de determinadas decisões judiciais, ou seja, das decisões que, sem que ocorra uma alteração do quadro jurídico vigente, vêm a perfilhar uma solução de direito oposta à vertida em mais de três sentenças proferidas pelo mesmo ou outro tribunal tributário. A opção legislativa pela consagração deste recurso, que se afasta de forma impressiva dos critérios ou pressupostos de admissibilidade estabelecidos para os recursos jurisdicionais ordinários e que apresenta também acentuadas particularidades (formais e substantivas) relativamente aos pressupostos exigíveis para a admissão de recurso de uniformização de jurisprudência (cfr. artigo 284.º do CPPT), tem, no entanto, de comum com o último recurso referido constituir uma via de concretização do princípio constitucional de igualdade de tratamento imanente ao princípio da justiça constitucionalmente consagrado em situações concretas que o legislador entendeu serem dignas de especial necessidade de protecção. Sendo há muito reconhecido que os critérios de admissibilidade do recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT são idênticos aos requisitos globais para o conhecimento dos recursos interpostos com fundamento em oposição de acórdãos que antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/19, de 17-9, estavam consagrados no artigo 284.º, n.º 1 do CPPT, (Neste sentido, vide, na doutrina, Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 11 c) ao artigo 280.º, pág. 422, e anotação 5 ao artigo 284.º, pág. 466; na jurisprudência, por todos, acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29-5-2019, processo n.º 17/16.3BEAVR, integralmente disponível em www.dgsi.pt.) há que concluir (por da revogação do regime de recurso previsto naquele último artigo e das alterações de redacção introduzidas pela citada Lei n.º 118/19 ao artigo 280.º do CPPT não apontam noutro sentido) (Era a seguinte a redacção deste preceito antes da última reforma processual fiscal que a lei identificada concretizou: “A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.”) que a admissibilidade do recurso interposto à luz do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário. Ora, não é discutível que a questão de direito suscitada em todas as “decisões” invocadas pela Recorrente é a mesma – exigibilidade, ou não, de comprovação documental das despesas relativas a honorários com mandatário judicial qualquer que seja o valor que a esse título seja pago pela parte vencedora face ao preceituado nos artigos 25.º e 26.º do RCP - nem que há distinção de relevo entre as situações fácticas nelas contempladas e que a solução oposta foi proferida em idêntico quadro de regulamentação jurídica. Porém também é inquestionável que as “decisões” convocadas (em número capaz de justificar o pressuposto exigido) não assumem a qualidade de sentenças. Efectivamente, constituindo todas as “decisões” invocadas (cujas cópias constam dos autos) despachos relativos a incidentes de reclamação de conta, não parece ser discutível que não possuem formalmente a natureza de sentenças. É verdade que esses despachos constituem decisões de incidentes e, nessa medida, conhecem do mérito da questão aí colocada. Porém, salvo o devido respeito, não foi para este tipo de decisões (despachos), que o legislador previu o recurso excepcional do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT. Que assim é, resulta desde logo, a nosso ver, da letra deste preceito que expressamente estabelece que a oposição de decisões se revela em sentenças, impedindo que o âmbito de aplicação do preceito se estenda a despachos de incidentes, por, em conformidade com o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil (CC), não haver correspondência destes com a letra do citado n.º 3 do artigo 280.º do CPPT. Acresce que, na unidade do sistema jurídico e nas circunstâncias em que este preceito com a nova redacção se manteve no ordenamento jurídico-processual tributário, não é possível ter outro entendimento. Desde logo, porque o legislador fiscal não ignorava que, por força do artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP, só há recurso da decisão/despacho que decide a reclamação da nota justificativa em um grau se o valor da nota justificativa for superior a 50 UC. Note-se que não nos referimos ao valor da causa ou de sucumbência, pois como deixámos dito antes, o legislador excluiu-os de pressupostos de admissibilidade do recurso em causa, antes nos reportamos ao valor da nota justificativa. No mínimo seria estranho que o legislador que, para efeito de recurso ordinário, não atribui relevo jurídico a uma decisão de reclamação da nota justificativa quando esta não excede o valor de 50 UC, viesse a reconhecer a essa decisão valor jurídico suficiente para constituir objecto de recurso excepcional para o Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT. Acresce ainda que não podemos olvidar que o regime consagrado no Regulamento foi revisitado pelo legislador no mesmo ano em que surgiu a reformulação do artigo 280.º do CPPT (conforme resulta do artigo 5.º da Lei n.º 27/19, de 28-3, que procedeu à décima terceira alteração do RCP), não tendo sido a norma que ora se analisa (artigo 26.º-A), objecto de qualquer alteração. Portanto, a nosso ver, a unidade do sistema jurídico também impõe o entendimento de que este tipo de despacho não cabe no artigo 280.º n.º 3 do CPPT. Diga-se por fim, que a última reforma processual tributária, na parte respeitante aos recursos jurisdicionais, foi determinada por um objectivo de apreciação das competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com o firme propósito de libertar este Tribunal dos recursos relativos a questões consideradas de menor importância, em termos idênticos aos anteriormente reconhecidos ao Supremo Tribunal de Justiça e à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (cfr., respectivamente, artigos 678.º do CPC e 151º do CPTA). (Cfr. Despacho da Ministra da Justiça de 13-10-2016 (cuja publicação em Diário da República não logramos encontrar) e a “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, disponível para consulta em https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/proposta_de_lei_n.o_168-xiii_-_cppt_cpta_et_al.pdf) E embora seja certo que com esse objectivo se visava a criação de condições adequadas ao exercício da primordial função que deve estar reservada àquela Secção – de orientação e uniformização da jurisprudência tributária - e que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT teve em vista precisamente a uniformização de decisões, é evidente que também se tem de reconhecer que o legislador considerou que apenas as decisões contidas em sentenças (citado n.º 3 do artigo 280.º) ou em acórdãos (conforme artigo 284.º também do CPPT) revestiam dignidade suficiente para assumir a qualidade de “questão carecida de uniformização de decisões”. Em suma, o legislador não considerou que a existência de meros despachos de incidentes, que decidam em sentido oposto questão de mérito incidental assumam relevância bastante para poderem ser objecto do recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT. Entender o contrário seria, aliás, admitir que o legislador simultaneamente legislou em sentidos opostos, ou seja, enquanto, nas situações de recurso per saltum, restringia significativamente as competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo a decisões de mérito da causa (n.º 1, do artigo 280.º do CPPT), contrariamente, permitia que fossem susceptíveis de recurso jurisdicional quaisquer despachos proferidos pelos tribunais fiscais em sentido oposto, bastando para tanto mais de três despachos em sentido oposto, qualquer que fosse a sua natureza ou valor, desta forma vulgarizando um recurso que o legislador manifestamente quis que fosse excepcional (cfr. n.º 3, in fine, do artigo 9.º do CC) Note-se que a redacção do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT foi modificada de forma a harmonizá-la com o regime geral dos recursos e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 118/19, designadamente com a introdução no processo fiscal do critério da sucumbência (artigo xxx do CPPT) e com a restrição da admissibilidade do recurso per saltum no contencioso tributário às situações em que a decisão proferida conhece do mérito da causa (artigo 280.º, n.º 1 do CPPT), passando ainda a impor que, nas situações em que ocorra oposição com decisões de tribunais superiores, incluindo do Supremo Tribunal Administrativo, essa oposição se tenha de verificar relativamente a mais de três decisões. («iii) Recurso per saltum: restringiu-se a aplicabilidade do recurso per saltum no contencioso tributário, previsto no n.º 1 do artigo 280.º, através da exclusão do seu âmbito das questões processuais, nomeadamente a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo, entre outros, assumindo o STA como um verdadeiro tribunal de cúpula da jurisdição administrativa, limitando o recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para além do já admitido requisito da fundamentação exclusivamente em matéria de direito, às situações em que a decisão proferida for de mérito» - cfr. “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, integralmente disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/proposta_de_lei_n.o_168-xiii_-_cppt_cpta_et_al.pdf) Ou seja, as circunstâncias em que este tipo de recurso foi mantido na ordem jurídica não permitem que seja outra a interpretação a dar à norma contida no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT. Não é, pois, de admitir o recurso jurisdicional interposto ao abrigo do preceituado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT, por falta de verificação dos seus pressupostos. Todavia, porque o despacho que decidiu o incidente de reclamação da nota justificativa é recorrível nos termos gerais – uma vez que nem constitui um despacho de mero expediente nem foi proferido no uso de um poder discricionário (artigos 152.º, n.º 4 e 630.º do CPC), importa apurar se estão preenchidos os pressupostos para a sua admissibilidade, uma vez que, se tal se verificar, há que determinar a sua convolação em conformidade com o preceituado nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT. Efectivamente, é hoje e há muitos anos, uniforme o entendimento na doutrina e na jurisprudência (quer da jurisdição comum quer, o que ora nos importa relevar, da jurisprudência deste Supremo tribunal administrativa, que perfilhamos, que deve incluir-se nesse dever de convolação por “erro na forma de processo” as alterações ditadas pela indevida utilização do meio processual “reclamação para a conferência” em vez do meio processual recurso, bem assim, as correcções processuais decorrentes da utilização de um determinado tipo de recurso em vez de outro, se a tal não obstarem os pressupostos processuais de cujo preenchimento depende essa convolação. (Neste sentido, a título exemplificativo, na doutrina, Jorge Lopes de Sousa, “Código de procedimento e de Processo Tributário”, anotação ao artigo 280.º, n.º 5 (actual n.º 3 do mesmo normativo), volume IV, Áreas Editora, página 422; na jurisprudência, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18-6-2008, processo 1145/06, in DR, I Série, de 29-09-2008; de 14-10-2010 e de 26-6-2014, proferido no processo n.º 1831/13, estes últimos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt) Ora, considerando que a Recorrente ficou vencida e interpôs o recurso antes de decorrido o prazo de 30 dias, há que concluir pela verificação dos pressupostos de legitimidade (artigos 280.º e 631.º, respectivamente, do CPPT e CPC) e tempestividade (cfr., artigos 281.º e 282.º, n.º 1 do CPPT). Acontece, porém, que o artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP dispõe que que só é admissível recurso da decisão que decide a reclamação da nota justificativa se esta tiver um valor superior a 50 UC, isto é, só é admissível recurso jurisdicional se a nota tiver um valor superior a € 5.100 [€102 x50 - por força do determinado no artigo 210.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2020, que estipulou que “Em 2020, mantém-se a suspensão da atualização automática da unidade de conta (UC) prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2019.”). No caso, sendo o valor da nota justificativa de € 114, 74 (cfr. fls. 105 a 113), há que concluir que não está verificado o pressuposto de admissibilidade previsto no artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP e, consequentemente, pela inutilidade da convolação por nós equacionada.” Ora, sendo o valor da nota justificativa de €469,20, também no caso dos autos não está verificado o pressuposto de admissibilidade previsto no artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP e, consequentemente, pela inutilidade da convolação nos sobreditos termos. Neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão de 16/12/2020, tirado no Recurso nº 264/16.8BEMDL e produzido por esta mesma formação. À guisa de conclusões, assumem-se as tiradas no douto aresto que vimos seguindo: I - O recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT possui natureza excepcional quer relativamente aos demais tipos de recurso previstos na legislação processual civil e processual administrativa quer quanto aos regimes consagrados nos n.ºs 1 e 2 do mesmo normativo. II – A admissibilidade do recurso referido em I depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário. III - Os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, em especial nos seus nºs 1 e 2, impõem que se conclua que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos, pelo que não pode, ao abrigo dessa disposição, ser admitido recurso do despacho que decidiu a nota justificativa prevista e disciplinada nos artigos 25.º a 26.º do Regulamento das Custas Processuais. * 3. DECISÃO Em face de tudo quanto ficou exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, não admitir o recurso interposto pela Fazenda Pública. Custas pela Recorrente. * |