Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01160/13
Data do Acordão:01/21/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
DIVIDENDOS
SUJEITO PASSIVO NÃO RESIDENTE
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
Nº Convencional:JSTA000P18497
Nº do Documento:SA22015012101160
Data de Entrada:06/28/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (de fls. 424 a 477), que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A…… S.A.” (a seguir Recorrida ou Impugnante), na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, anulou as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dos anos de 2003 e 2004 por retenção na fonte efectuadas quando da colocação à disposição da Impugnante dos dividendos distribuídos pela sociedade, sua participada, “B……., SGPS, S.A.”, condenando a Fazenda Pública à restituição desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.
1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor ( ) Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):
«I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a retenção na fonte, à taxa liberatória de 25% sobre os dividendos distribuídos pela sociedade B........... SGPS, SA à impugnante, violava o princípio da livre circulação de capitais, em razão da localização da sede da impugnante, ou seja, haveria uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes porque, sendo a impugnante uma sociedade de direito espanhol estaria isenta de tributação, em Espanha.
II - Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede.
III - Relativamente à causa decindendi, a Administração Tributária aquilatou que a Douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.
IV - O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art. 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.
V - Ora, se é o Estado-Membro da impugnante, ou seja, Espanha, que isenta ou tributa, não se vislumbra como é que a legislação portuguesa viola o direito comunitário.
VI - Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, B............... SGPS, SA, efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.
VII - Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.
VIII - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos arts. 12.º, 46.º, 48.º e 56.º do Tratado CE.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais».
1.3 A Recorrida contra-alegou, formulando conclusões do seguinte teor:
«A) O Douto Tribunal a quo considerou procedente a impugnação judicial secundando o entendimento da Recorrida de que as liquidações de IRC que lhe foram efectuadas, aquando da percepção de dividendos da sociedade comercial anónima portuguesa, B................. SGPS, S.A., são incompatíveis com o Direito Comunitário por encerrarem uma discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal, em violação da liberdade de circulação de capitais então prevista no artigo 56.º do TCE – actual artigo 63.º do TFUE;
B) Não obstante a sólida fundamentação da pronúncia jurisdicional em referência, a Digna Representante da Fazenda Pública entende existir um erro de julgamento, invocando que o Douto Tribunal a quo apreciou erroneamente as razões de facto e de direito subjacentes «ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação do disposto no art. 90.º n.º 1 al. c), 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC»;
C) À luz do disposto nos artigos 685.º-A, n.º 1, e 684.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, sobre a Digna Representante da Fazenda Pública impende o ónus de alegar e formular conclusões, podendo nessa sede restringir, expressa ou tacitamente, o objecto do recurso;
D) Do exame das alegações de recurso apresentadas pela Digna Representante da Fazenda Pública, e respectivas conclusões, constata-se que o objecto recurso apresentado se circunscreve à questão da compatibilidade com a liberdade de circulação de capitais das disposições do CIRC ao abrigo das quais as retenções na fonte sofridas pela ora recorrida foram feitas;
E) Caso assim se não entenda, o que sem conceder por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá ser inteiramente acertada a posição adoptada pelo Douto Tribunal a quo relativamente às excepções apresentadas pela Fazenda Pública em sede de contestação, sendo a esse propósito de referir:
i) Por um lado, que o artigo 19.º da LGT não pode ser interpretado no sentido de não ser suficiente o mandato tributário conferido aos seus mandatários pela ora Recorrida, sob pena de violação do direito a tutela judicial efectiva – decorrente dos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP – e, bem assim, sob pena de discriminação indirecta com base na nacionalidade – incompatível com o artigo 18.º do TFUE, e
ii) Por outro lado, que o prazo para deduzir impugnação judicial na sequência do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa é de 90 dias de acordo com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, sendo certo que mesmo após o decurso do prazo para apresentação de reclamação graciosa a Administração Tributária tem o dever de anular actos tributários ilegais, incluindo os praticados por retenção na fonte, e o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever à luz e no prazo do artigo 78.º da LGT – impugnando judicialmente o indeferimento expresso ou tácito dessa pretensão –, como resulta de jurisprudência clara do Supremo Tribunal Administrativo;
F) Quanto à competência em razão da hierarquia desse Douto Tribunal ad quem, constata-se que a Digna Representante da Fazenda Pública imputa à pronúncia jurisdicional do Douto Tribunal a quo um erro de julgamento de direito, não encerrando as conclusões das alegações de recurso qualquer discordância relativamente à matéria de facto;
G) Encontrando-se perfeitamente estabilizada a matéria de facto subjacente ao litígio, o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo em conformidade esse Douto Tribunal Central Administrativo Sul incompetente para o respectivo conhecimento e competente o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, do CPPT;
H) Caso assim se não entenda, o que sem conceder por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que a Digna Representante da Fazenda Pública incumpriu com o ónus do artigo 685.º-B, n.º 1, do CPC, motivo pelo qual qualquer recurso sobre a matéria de facto deverá ser rejeitado;
I) A violação do artigo 56.º do TCE pela legislação fiscal portuguesa, no que à situação subjacente aos presentes autos diz respeito, decorre do regime vigente nos anos de 2003 e 2004 no Direito interno português, destinado a evitar ou mitigar a dupla tributação económica, nos termos do qual os accionistas não residentes de sociedades portuguesas eram discriminados em virtude dessa sua não residência em Portugal, sofrendo uma tributação que não era imposta a accionistas com residência fiscal em Portugal, em situações perfeitamente análogas e, nessa medida, objectivamente comparáveis;
J) No caso dos presentes autos, a ora Recorrida, ainda que preenchendo aquando do pagamento dos dividendos em causa os demais requisitos constantes do artigo 46.º, n.º 1, do CIRC, não pôde beneficiar de isenção de tributação idêntica à prevista no artigo 90.º, n.º 1, alínea c), do CIRC pelo facto de não ter a sua sede ou direcção efectiva em Portugal, o que torna evidente a existência de uma situação de discriminação em violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 56.º do TCE;
K) Face ao artigo 56.º do TCE, impende sobre o Estado Português a obrigação de, no âmbito do exercício da sua soberania tributária sobre os dividendos auferidos pela Recorrida, tratar essa distribuição de modo equiparável à auferida por um accionista residente em situação análoga – ou seja, uma obrigação de não discriminar entre accionistas residentes e não residentes;
L) Na medida em que coloca as sociedades residentes em Portugal, que adquirem participações sociais portuguesas, numa situação de vantagem relativamente às sociedades residentes noutros Estados-Membros da União Europeia que efectuem investimentos semelhantes, a discriminação assinalada é proibida pelo artigo 56.º do TCE, constituindo uma restrição à livre circulação de capitais aí prevista;
M) Na linha da sua jurisprudência anterior, no dia 22 de Novembro de 2010, em sede do Processo C-199/10 (Secilpar), o Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se expressamente sobre a desconformidade com o Direito Comunitário do regime português em referência, entendendo existir uma violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 56.º do TCE, atenta a discriminação face aos accionistas residentes em Portugal dos accionistas residentes noutros Estados Membros da União Europeia, como é o caso da Recorrida;
N) Inexistem quaisquer argumentos passíveis de justificar o tratamento discriminatório resultante da retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos distribuídos nos anos de 2003 e 2004, motivo pelo qual, ao contrário do sustentado pela Digna Representante da Fazenda Pública, os artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC, consubstanciam efectivamente uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 56.º do TCE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP;
O) O artigo 56.º do TCE não está condicionado à existência de medidas legislativas de implementação por parte dos Estados-Membros, assumindo ao invés a liberdade de circulação de capitais a natureza de liberdade comunitária fundamental, motivo pelo qual se reveste de efeito directo, gerando para os cidadãos da União Europeia direitos individuais de matriz comunitária que aos Tribunais nacionais incumbe proteger;
P) A conformidade do regime português destinado a evitar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos com a Directiva n.º 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, não pode justificar a existência de uma violação do disposto no artigo 56.º do TCE;
Q) Ao garantir inexistência de tributação sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade portuguesa aos seus accionistas residentes em Portugal em circunstâncias mais favoráveis do que as que resultariam do regime da referida directiva, o Estado português está obrigado, por força do artigo 56.º do TFUE e da obrigação de não discriminar daí decorrente, a estender esse regime mais favorável a todos os accionistas residentes noutros Estados-Membros que se encontrem em circunstâncias análogas;
R) A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativamente à interpretação dos artigos 63.º e 65.º do TFUE (ex-artigos 56.º e 58.º do TCE) – designadamente Acórdãos Verkooijen (Processo C-35/98), Lankhorst (Processo C-324/00), Bosal Holdings (Processo C-168/01), Saint Gobain (Processo C-307/97), Nicolas Decker (Processo C-1. 20/95), Manninen (Processo C-319/02), ACT4 (Processo C-374/04), FII (Processo C-446/04), Denkavit II (Processo C-170/05), Amurta (Processo C-379/05) Comissão/Itália (Processo C-540/07) e, especialmente, Secilpar (Processo C-199/10) –, reveste inteira aplicação no caso sub judice, determinando a conclusão de que os artigos 63.º e 65.º do TFUE (ex-artigos 56.º e 58.º do TCE) se opõem ao regime ínsito nos artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC;
S) Não obstante, caso esse Douto Tribunal ad quem tenha dúvidas quanto à desconformidade do regime ínsito nos artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC com os artigos 61.º e 65.º do TFUE (ex-artigos 56.º e 58.º do TCE), estando em causa uma questão de interpretação de Direito Comunitário primário que assume decisiva relevância para a questão sub judice, deverá suspender a presente instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE (ex-artigo 234.º do TCE) a seguinte questão prejudicial:
“Os artigos 63.º e 65.º do TFUE (ex-artigos 56.º e 58.º do TCE) opõem-se à legislação de um Estado-membro, como a dos artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC, que, no âmbito da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, muito embora respeitando os requisitos mínimos de participação previstos na Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, não dispensa de tributação as sociedades accionistas residentes noutro Estado-membro nas mesmas circunstâncias que as sociedades accionistas residentes em Portugal, exigindo para o efeito uma participação social mínima mais relevante, inviabilizando nessa medida por completo a eliminação da dupla tributação económica?”;
T) Padecendo as liquidações de IRC impugnadas de ilegalidade, assiste à Recorrida o direito à percepção de juros indemnizatórios em função da indisponibilidade dos montantes retidos, no valor global de EUR 3.389.968,04, com fundamento em erro imputável aos serviços da Administração Tributária, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, sob pena de violação do princípio da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, previsto no artigo 22.º da CRP;
U) Em face do exposto, não enferma de qualquer erro de julgamento a pronúncia jurisdicional do Douto Tribunal a quo, com o que deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Digna Representante da Fazenda Pública.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, não pode a pretensão da Digna Representante da Fazenda Pública deixar de ser desatendida, negando-se provimento ao recurso, tudo com as demais consequências legais, o que se requer».
1.4 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, indicando como tribunal competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido mediante requerimento da Recorrente.
1.5 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a impugnação judicial, com a seguinte fundamentação:
«[…] A nosso ver o recurso merece provimento, nomeadamente, pelas razões aduzidas pela recorrente, nas suas conclusões, cujo discurso fundamentador se subscreve.
O STA, já teve o ensejo de apreciar e decidir uma questão, exactamente, similar à, ora em apreciação, no acórdão de 20 de Fevereiro de 2013 1[1 Proferido no recurso n.º 01435/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt], cujo discurso fundamentador se subscreve e cujo sumário é o seguinte:
«I - Não decorre nem do Direito da União Europeia nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça para os sujeitos passivos não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável em território português (e residentes num Estado-Membro da União Europeia) um direito à igualdade de tributação em relação aos residentes (em matéria de impostos directos), prevendo, pelo contrário, o TFUE que a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63.º, n.º 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência [65.º, 1, alínea a), do TFUE].
II - A jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, em termos genéricos, que o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas Convenções sobre Dupla Tributação, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos.
III - No caso em apreço, a Administração Tributária, ao tributar os dividendos através da retenção na fonte à taxa de 10%, limitou-se a dar cumprimento ao estatuído no regime jurídico constante da referida Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, não incorrendo em qualquer ilegalidade, pois decorre do mesmo diploma que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um critério de imposto, nos termos do estatuído no art. 24.º, n.ºs 2 e 4, no País de residência, sendo que se pela via do direito do Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela referida Convenção, tal argumento não pode ser oponível ao Pais da fonte, que se limita a fazer do quadro legal vigente na sua ordem jurídica.»
No caso em análise a retenção na fonte foi efectuada ao abrigo da lei interna, artigos 4.º/3/c)/3, 80.º/2/ c), 88.º/1/ c) 3/ c)/5), todos do CIRC e artigo 59.º/1 do EBF, com respeito do estatuído no artigo 10.º/2/ b) da CDT Portugal/Espanha.
A retenção em causa será neutralizada pela aplicação de um crédito de imposto, nos termos do estatuído no artigo 23.º/1/ a) da referida CDT.
O facto do Direito Espanhol isentar de tributação os dividendos em causa, impedindo, assim, a efectivação do crédito de imposto conferido pela CDT não pode ser oponível a Portugal que se limita a fazer a aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica».
1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«A) A Impugnante é uma sociedade comercial de Direito espanhol – revestindo a forma jurídica de sociedade anónima – cuja actividade principal tem lugar no sector das telecomunicações (cf. cópia do certificado emitido pelas autoridades fiscais espanholas para efeitos de aplicação do artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes a fls. 71 e 73 dos autos).
B) A Impugnante não dispõe de sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais em Espanha, nos termos do artigo 4.º da “Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital” (“CEDT Portugal/Espanha”), uma vez que é aí considerada residente pela lei fiscal espanhola e aí se encontra sujeita e não isenta, sem possibilidade de opção, ao imposto espanhol sobre o rendimento de sociedades (“impuesto sobre sociedades”) (cf. cópia do certificado emitido pelas autoridades fiscais espanholas para efeitos de aplicação do artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes a fls. 71 e 73 dos autos).
C) Em 2 de Maio de 2003, e em 30 de Abril de 2004, a ora impugnante detinha uma participação directa na “B............., SGPS, S.A.” correspondente a 8,78% do respectivo capital social (cf. Documentos de fls. 75 e ss e 88 dos autos).
D) A participação referida no ponto anterior foi constituída ao longo do período compreendido entre 14 de Outubro de 1997 e 17 de Maio de 2004, tendo a impugnante adquirido ao todo 46.941.037 acções representativas do capital social da “B............., SGPS, S.A.” pelo valor de aquisição global de EUR 361.506.724,00, aquisição discriminada da seguinte forma (cf. Documentos de fls. 75, 77 e ss e 88 e ss dos autos):

Data de aquisição
N.º de acções
Valor de aquisição
Operação
14-Out-1997
6.650.000
EUR 247.780.349,00Compra
14-Jul-1999
665.000
EUR 24.937.500,00Aumento de capital
24-Nov-1999
36.575.000
EUR 0,00Renominalização
04-Dez-2000
7.445.625
EUR 69.988.875,00Aumento de capital
07-Dez-2000
2.000.000
EUR 18.800.000,00Compra
19-Jul-2001
920.412
EUR 0,00Aumento de capital
TOTAIS
[( )) Note-se que por, força da renominalização, para apurar o número de acções não se adicionam as duas primeiras parcelas.)] 46.941.037EUR 361.506.724,00
E) Em 02/05/2003, e em 30/04/2004, a impugnante auferiu os dividendos da sua participação na B........... SGPS, SA, respectivamente nos montantes de 7.510.565,92 €, e de 19.609.178,38 € (cfr. documentos de fls. 98, 100, e 102, todas dos autos).
F) Os dividendos distribuídos foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a 12,5% dos mesmos, no montante de 3.389.968,04 €, sido objecto de retenção na fonte a título de IRC, em resultado da aplicação conjunta dos artigos 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 3), 80.º, n.º 2, alínea c), e 88.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea c), e 5, do CIRC e do art. 59.º/1 do EBF (cfr. fls. 98 e ss dos autos).
G) Os dividendos distribuídos pela “B................, SGPS”, e colocados à disposição da Impugnante, em 2 de Maio de 2003 e 30 de Abril de 2004, foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal a título de IRC, de acordo com o art. 10.º, n.º 2, alínea b) da CEDT Portugal/Espanha nos seguintes termos (cf. documentos de fls. 98 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):

Data
Dividendo bruto
Dividendo líquido
Retenção
02/05/2003
EUR 7.510.565,92
EUR 6.571.745,28
EUR 938.820,74
30/04/2004
EUR 19.609.178,38
EUR 17.158.031,08
EUR 2.451.147,30
TOTAL :
EUR 3.389.968,04

H) Em 27 de Abril de 2007, por não se conformar com as liquidações de imposto por retenção na fonte acima referidas, a impugnante apresentou perante a Administração tributária um pedido de Revisão Oficiosa das mesmas, em sede da qual requereu o reembolso dos montantes retidos na fonte com fundamento numa discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal, e concomitante violação do princípio da livre circulação de capitais e, consequentemente, do primado do direito comunitário sobre o direito ordinário interno, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (cf. cópia do RI da reclamação a fls. 104 e ss. dos autos).
I) A impugnante não foi notificada de qualquer decisão relativa ao pedido de revisão a que se alude na alínea antecedente, nos 6 meses seguintes ao pedido de revisão (cfr. documentos junto ao Processo Administrativo).
J) A Impugnação foi apresentada junto do Tribunal Tributário de Lisboa em 25/01/2008 (cfr. carimbo, a fls. 2 dos autos)».
2.1.2 Embora fora do local onde se propôs registar a factualidade provada ( )) A lei, impondo que o julgamento da matéria de facto seja feito na sentença, designadamente que aí «[o] juiz discriminará […] a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões» (cf. art. 123.º, n.º 2, do CPPT), designadamente, tomando «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que […] deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer» (art. 659.º, n.º 3, do CPC, na redacção em vigor à data), não exige que o mesmo seja feito de forma autonomizada. No entanto, a praxis levou a que se considere de boa técnica que o julgamento de facto seja feito numa parte perfeitamente delimitada da sentença, a seguir ao relatório (cfr. art. 659.º, n.º 2, do CPC, na mesma redacção, e a que hoje corresponde o n.º 3 do art. 607.º).) – o ponto III, n.º 1 da sentença, que tem como epígrafe «Dos Factos» – a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa deu também como assente o seguinte facto, com relevo para a decisão:
«[…] os dividendos provenientes de Portugal recebidos pela Impugnante estão isentos de tributação em Espanha, conforme resulta da lei espanhola» (cfr. fls. 42 da sentença, a fls. 475).
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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrida é uma sociedade de direito espanhol e sujeita pelo Reino de Espanha a imposto sobre o rendimento (impuesto de sociedades) sem possibilidade de opção por isenção. Em 2003 e 2004, recebeu dividendos da sociedade nacional “B…..., SGPS, S.A.”, na qual detinha uma participação no capital social.
Esta última sociedade, quando da colocação desses dividendos à disposição da sociedade ora Recorrida, reteve IRC à taxa de 25%.
A sentença, anuindo à argumentação da ora Recorrida enquanto impugnante, considerou que se verifica a invocada violação do princípio comunitário por restrição não justificada à livre circulação de capitais, pois que no momento da ocorrência dos factos tributários estavam verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos arts. 46.º, n.º 1, e 90.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), pelo que, se a Impugnante fosse, à data de tais factos, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2003 e de 2004, relativamente aos valores em causa, e uma vez que se provou que os rendimentos auferidos pela Impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha.
Atenta a discordância da Fazenda Pública com o assim decidido, importa apreciar se as retenções de IRC efectuadas pela “B……….., SGPS, S.A.” sobre os dividendos distribuídos à Impugnante, ora Recorrida, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, por força da aplicação conjugada dos arts. 14.º e 89.º do CIRC (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), consubstanciam um tratamento diferenciado dos rendimentos auferidos pela Impugnante, violador dos princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos arts. 12.º, 43.º, 48.º e 56.º do Tratado CE.
Assim, como adiantámos em 1.7, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais.

2.2.2 DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS COMUNITÁRIOS DA NÃO DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA NACIONALIDADE E DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS

A referida questão tem vindo a ser colocada repetidamente a este Supremo Tribunal Administrativo, que lhe tem vindo a dar resposta uniforme, depois de um primeiro entendimento no sentido sustentado no parecer do Procurador-Geral Adjunto ( )) Referimo-nos aos seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 28 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 694/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3647 a 3665, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f4a62f5763b6f8a80257acc004f049c?OpenDocument;
- de 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 1435/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 936 a 948, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b8529491f996261f80257b2c0033bff6?OpenDocument.), mas que foi entretanto abandonado ( )) Vide o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo 1435/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/63f0674f3cf54ef680257d2c00551bb0?OpenDocument.). Por isso, como permite o n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil, vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação expendida no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1319/13 ( )) Publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1760 a 1769, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4f2d3a9f87f4023c80257ce7004a052d?OpenDocument.), que se insere na corrente jurisprudencial actualmente uniforme (( ) Vide, entre outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 27 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 654/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32240.pdf), págs. 4578 a 4589, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9d3b6c27269ccb6780257c36005262a6?OpenDocument;
- de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 568/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32240.pdf), págs. 5040 a 5054, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/276e073390b1069c80257c630035c0e0?OpenDocument;
- de 9 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1318/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1465 a 1488, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/227a56f3732597a980257cc4003c8e0f?OpenDocument;
- de 21 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1192/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1874 a 1885, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/83376c6f4f68659080257ce50031ca6e?OpenDocument;
- de 29 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1502/12, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3b2bfc55416d12bf80257d8600408b20?OpenDocument;
- de 12 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 461/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b2c5971a31e89bf80257d9000438a03?OpenDocument;
- de 26 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 1877/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9ae725112e40b1f080257da400549f42?OpenDocument.), dispensando a junção de cópia do acórdão, uma vez que o mesmo está já publicado no jornal oficial.
De acordo com essa fundamentação, concluímos que a sentença recorrida não padece do vício de ilegalidade que a Recorrente lhe imputa e, pelo contrário, fez, à luz do disposto no art. 8.º da Constituição da República Portuguesa, correcta interpretação e aplicação do direito comunitário, bem como do direito nacional, ao considerar que o regime previsto nos arts. 14.º e 89.º do CIRC (na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), consubstanciava, no caso concreto, um tratamento fiscal diferenciado dos rendimentos auferidos por entidades residentes em outros Estados da União Europeia, intolerável à luz dos princípios da não discriminação (art. 12.º CE) e da livre circulação de capitais (art. 56.º CE).
A fundamentação aduzida na sentença, aliás, não merece qualquer reparo, sendo antes de louvar pelo primor da sua argumentação jurídica, com uma correcta interpretação e aplicação do direito e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre casos similares.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal do acórdão para cuja fundamentação remetemos:
Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
*
Lisboa, 21 de Janeiro de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Aragão SeiaAscensão Lopes.

Segue acórdão de 18 de Março de 2015:


Pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Requerente), notificada do acórdão proferido nestes autos, que negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A………… S.A.” (adiante Requerida), anulou as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dos anos de 2003 e 2004 por retenção na fonte efectuadas quando da colocação à disposição da Impugnante dos dividendos distribuídos pela sociedade, sua participada, “B…………, SGPS, S.A.”, condenando a Fazenda Pública à restituição desse montante, acrescido de juros indemnizatórios, veio pedir a sua reforma quanto a custas, invocando o disposto nos arts. 616.º, n.º 1, e 666.º do Código de Processo Civil (CPC),

1.2 Sustenta a Requerente, em síntese, que, em face do valor da causa (€ 3.989.968,04), deve o Supremo Tribunal Administrativo usar da faculdade prevista na segunda parte do art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), de modo a dispensá-la do pagamento do remanescente da taxa de justiça em todas as instâncias, pois adoptou «um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os tribunais», o Supremo Tribunal Administrativo baseou a sua decisão em jurisprudência anterior e a fixação de custas num valor global de € 195.000,00 não tem tradução na complexidade do processo e viola os princípios do acesso ao direito e aos tribunais, da proporcionalidade e da correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos.

1.3 Notificada do requerimento, a Requerida não se pronunciou.

1.4 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, dada a simplicidade da questão a dirimir e a anterior fixação de critérios jurisprudenciais sobre a mesma, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTOS

2.1 DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

Pediu a Requerente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP.
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Ou seja, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, o acórdão ocupou-se da questão de saber se as retenções de IRC efectuadas pela “B…………, SGPS, S.A.” sobre os dividendos distribuídos à Impugnante, ora Requerida, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, por força da aplicação conjugada dos arts. 14.º e 89.º do CIRC (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), consubstanciam um tratamento diferenciado dos rendimentos auferidos pela Impugnante, violador dos princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos arts. 12.º, 43.º, 48.º e 56.º do Tratado CE, designadamente, se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais.
Apesar de a questão em si mesma não pode ser considerada de complexidade inferior à comum, antes pelo contrário, na medida em que exigiu, não só a apreciação de legislação nacional, como também do direito comunitário e de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a verdade é que havia já jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo consolidada sobre o tema; de tal modo que se entendeu, fazendo uso da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do CCP, remeter para a fundamentação expendida por acórdão anterior, dispensando a junção de cópia do mesmo, por ter já sido publicado no jornal oficial.
Podemos, pois, concluir que houve simplificação da tramitação processual, em razão do uso dessa faculdade.
Por outro lado, o valor a pagar a título de remanescente, afigura-se-nos elevado em face do serviço prestado, a justificar a dispensa do pagamento do pagamento do remanescente como modo de obviar à violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da necessidade.
Tudo visto, concluímos que a decisão de negar provimento ao recurso conduziu à condenação da recorrente em custas, como não podia deixar de ser, não decorrendo tal condenação em custas de qualquer erro, lapso ou sequer descuido em que tenha incorrido o acórdão cuja reforma é peticionada, antes da estrita aplicação das normas legais que determinam a responsabilidade por custas (art. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelo que nada há a reformar no acórdão quanto a custas.
No entanto, atento o que deixámos dito quanto à simplificação da tramitação processual, entendemos como justificada a dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pela Requerente ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, sendo também que a conduta processual das partes no recurso não merece censura que obste a essa dispensa.
Cumpre ainda ter presente que a decisão deste Supremo Tribunal Administrativo respeita exclusivamente à taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso. Quanto à taxa de justiça devida em 1.ª instância, entende-se ser o Tribunal a quo que deve pronunciar-se sobre a requerida dispensa do pagamento do remanescente.

2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se o montante da taxa de justiça devida se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, tendo em conta, designadamente, que a questão sujeita a recurso já foi anteriormente objecto de diversas decisões deste Supremo Tribunal e que o acórdão, usando da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do CPC, remeteu para a fundamentação expendida por aresto anterior.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em deferir o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça devido pelo recurso.
Sem custas.

*
Lisboa, 18 de Março de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Fonseca CarvalhoAscensão Lopes.