Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01532/10.8BEBRG 0736/16
Data do Acordão:10/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:LIQUIDAÇÃO
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I – O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, susceptível de anulação parcial.
II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
III – Não é possível proceder-se à anulação parcial do acto se ela implicar uma nova liquidação, em consequência de a liquidação impugnada se basear em fundamento jurídico errado.
Nº Convencional:JSTA000P25052
Nº do Documento:SA22019102301532/10
Data de Entrada:06/15/2016
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.RELATÓRIO
1. A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 31 março 2016 a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por A………, Lda contra liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) no montante de € 22 997,02 e de Imposto do Selo (IS) no montante de € 3 455,65.

Apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
A) O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida que julgou totalmente procedente a impugnação judicial, determinado, em consequência, a anulação da liquidação de IMT n.º 2382947 e da liquidação de IS n.º 2382947, a qual, a nosso ver, e salvo o devido e muito respeito que nos merece, padece de erro de julgamento em matéria de facto e de direito.
B) São duas as questões que se colocam em sede do presente recurso: a primeira, relativa ao objeto do litígio considerado na douta sentença recorrida, na parte relativa ao Imposto do Selo [IS]; a segunda, respeitante à possibilidade de anulação parcial da liquidação do IMT, na parte correspondente ao excesso do imposto liquidado.
C) No que concerne ao objeto da impugnação, considerou o Tribunal «a quo» na douta sentença recorrida que o que está em causa nestes autos, é a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela impugnante em relação à liquidação de IMT n.º 2382947, no montante de € 28.077,14, bem como à liquidação de IS n.º 002382947, no montante de € 3.455,65.
D) De acordo com o requerimento apresentado pela Impugnante, na sequência do despacho proferido pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a determinar que viesse esclarecer qual o ato que pretendia ver sindicado com a presente impugnação, o objeto da impugnação visa, unicamente, a liquidação adicional de IMT, a que respeita a reclamação apresentada em 2009-11-17;
E) Foi esse o objecto da impugnação considerado pelo referido Tribunal na sentença proferida nos autos, em 2013-05-10;
F) Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do recurso interposto pela Impugnante, da supradita sentença, se pronunciou, unicamente, quanto à questão da caducidade do direito de impugnar o indeferimento tácito operado no procedimento de reclamação graciosa apresentada em 2009-11-17, relativa à liquidação de IMT - a única em discussão.
G) O Supremo Tribunal Administrativo ao determinar, em conformidade com a decisão de conceder provimento ao recurso, que os autos regressassem à 1.ª instância, a fim de aí se conhecer do mérito do pedido, só poderia visar o objeto da impugnação, o qual se prende com a liquidação do IMT;
H) Pelo que a douta sentença recorrida, proferida na sequência do supracitado douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, não poderia, a nosso ver, abranger a liquidação de IS.
I) Relativamente à decisão sobre a liquidação do IMT devido pela transmissão do prédio urbano inscrito sob o artigo 2111, da matriz predial urbana da freguesia ………., do concelho de …….., distrito de Viana do Castelo, de acordo com a douta sentença recorrida, o dissídio reside somente na questão do valor a atribuir ao ato para efeitos de tributação,
J) Reconhecendo-se aí que, a posição das partes evoluiu no sentido de considerar que o valor a atender deverá ser o da propriedade total do prédio, uma vez que a propriedade plena sobre o mesmo pertence hoje à impugnante, não fazendo sentido, por isso, separar os valores do direito de superfície e da propriedade da raiz.
K) Resulta dos documentos juntos aos autos que a Impugnante adquiriu, por contrato de compra e venda celebrado por escritura pública, em 2007-12-14, a propriedade plena do prédio urbano inscrito sob o artigo 2111, da matriz predial urbana da freguesia …….., do concelho ……….., distrito de Viana do Castelo, da qual, a propriedade do solo foi adquirida a "B……….., SA”, pelo preço de € 446.108,00, e o direito de superfície à sociedade "C………, Lda", pelo valor de € 454.448,00.
L) A Impugnante liquidou e pagou IMT, no valor de € 28.997,02, quanto à transmissão da propriedade do solo, e de € 29.538,86, quanto ao direito de superfície, no total de € 58.535,88, que incidiu sobre os valores declarados, ou seja, sobre € 446.108,00 e € 454.444,00, no montante total de € 900.552,00 [cfr, Doc. 6 junto pela Impugnante com a PI].
M) De acordo com o disposto no artigo 12.°, n.º 1, do Código do IMT, o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior, e, no caso, o valor patrimonial tributário do imóvel é superior ao valor do contrato.
N) A douta sentença recorrida reconhece que Se o código do IMT, no seu artigo 12. º, n.º 1, manda atender ao maior valor, então neste caso o valor a considerar para efeitos de liquidação de IMT é o valor patrimonial do prédio. E daí que, por essa razão, acabe por ser indiferente, como diz a Fazenda Pública em contestação, determinar o valor do direito de superfície nos termos da lei, no entanto, conclui pela ilegalidade das liquidações impugnadas.
O) A Fazenda Pública não concorda com o julgamento que é feito pelo Tribunal «a quo» quanto à liquidação de IMT, na medida em que a fundamentação de direito da sentença que conclui que, no caso concreto, a determinação dos valores do direito de superfície e da propriedade do solo é indiferente, já que o valor patrimonial tributário do imóvel será sempre, nos termos da lei, o valor a considerar para efeitos de liquidação, imporia, não uma anulação total, mas uma anulação parcial do ato de liquidação.
P) No mesmo sentido é o parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, em total consonância com a posição da Fazenda Pública exposta na contestação e que mereceu a concordância da Impugnante.
Q) A anulação total da liquidação, a manter-se, sempre consubstanciaria uma ilegalidade, em face das normas do Código do IMT, mormente do artigo 12.°, n,º 1, na medida em que se verificam todos os pressupostos para a tributação sobre o valor patrimonial tributário do imóvel e, como se lê na douta sentença recorrida, a impugnante apenas deve o valor liquidado da diferença entre o valor do ato e o valor do prédio, no total de € 13.484,12.
R) Motivo por que a sentença proferida pelo Tribunal «a quo» deveria ter sido no sentido da anulação meramente parcial da liquidação, em vez da sua anulação total.
5) O ato tributário, tanto por natureza, como pode definição legal, é susceptível de anulação parcial, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo [a título de exemplo, veja-se o acórdão proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário, em 2013-04-10, no processo n.º 0298/12, e o acórdão proferido em 2013-04-30, no processo n.º 01374/12].
T) Na situação em apreço, a ilegalidade do ato tributário apenas o afeta em parte, pelo que se justifica a anulação parcial da liquidação, nos termos do artigo 100.° da LGT.

1.2. A recorrida apresentou contra-alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
I - A Recorrida requereu nos autos que fosse ordenada a devolução à Direção de Finanças de Viana do Castelo a sua reclamação sobre a liquidação adicional de IS;
II - Assim não tendo sucedido, bem andou o tribunal "a quo" ao declarar nula a liquidação de IS nº. 2382947;
III - Concedendo à Recorrida o direito de exercer a sua defesa contra a liquidação adicional de IS, em observância do direito aplicável.

1.3.O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento parcial do recurso (processo físico fls.246/247)

1.4.Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre decidir em conferência


2.FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
A) Por escritura pública realizada em 25 de maio de 1998, a sociedade “D……….., Lda.” constituiu a favor da sociedade “C……….., Lda.” direito de superfície sobre o prédio sito no lugar da ………., da freguesia e concelho de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 898, pelo prazo de 30 anos – cf. documento de fls. 60 a 72 dos autos;
B) Por escritura pública realizada em 14 de dezembro de 2007, a Impugnante adquiriu:
a. À sociedade “B………., S. A.”, o direito de propriedade do solo do prédio urbano composto por edifício de um piso, destinado a supermercado, posto de abastecimento de combustíveis, quiosque e logradouro, situado no Lugar da ……….., freguesia e concelho de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valença sob o número 898, e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob os artigos 2111 e 2205, pelo preço de € 476.180,00;
b. À sociedade “C……….., Lda.”, o direito de superfície do prédio urbano identificado na alínea anterior, pelo preço de € 494.444,00 - cfr. documento de fls. 30 a 51 dos autos;
C) Para efeitos de realização da escritura referida na alínea anterior, a ora impugnante apresentou junto do serviço de finanças de Viana do Castelo a declaração modelo 1 do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, que deu origem à liquidação de IMT n.º 160907032515803, no valor de € 58.535,88, que foi paga em 12 de dezembro de 2007 – cfr. documento de fls. 36 a 41 da terceira parte do PA apenso;
D) A 3 de julho de 2007, os serviços da Administração Tributária elaboraram a liquidação n.º 2382947, referente ao IMT, no montante de € 28.077,14, tendo por base a declaração modelo 1 de IMT n.º 2007 000346436 – cfr. documento de fls. 26 dos autos;
E) A 5 de maio de 2009, o prédio referido na alínea B) inscrito na matriz sob o artigo 2111 foi avaliado pelos serviços da Administração tributária, tendo sido obtido o valor de € 1.108.000,00 – cfr. documento de fls. 25 dos autos;
F) A 17 de novembro de 2009, a impugnante apresentou, no serviço de finanças de Valença, reclamação graciosa das liquidações n.º 2382947, relativa a IMT, no montante de € 28.077,14, e n.º 2382947, relativa a IS, no montante de € 3.455,65 – cfr. documento de fls. 3 a 10 da terceira parte do PA apenso;
G) Na sequência da apresentação referida na alínea anterior, correu termos o procedimento de reclamação graciosa autuado com o número 2330200904000897 – cfr. terceira parte do PA apenso;
H) A 14 de novembro de 2010, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa referido na alínea precedente, os serviços da Direção de Finanças de Viana do Castelo elaboraram informação da qual se extrai, na parte que releva:
“(…)
DA APRECIAÇÃO E PROPOSTA DE DECISÃO
9. Verifica-se uma distorcida interpretação do que reza a alínea h) do art. 13.º/CIMT, para determinação do valor do solo, no caso aplicável ex vi art.12.º, n.º 4-3.ª/b), do citado CIMT, com implicação directa na determinação do valor do direito de superfície, nos termos da alínea i) do referido art. 13.º.
10. Com efeito, para a determinação do valor da propriedade do solo, abatem-se 10% ao valor da propriedade plena, por cada período de 5 anos que faltem para o decurso do direito de superfície temporário, num máximo de 80 %.
11. Na verdade, o que conta para a determinação de períodos completos de 5 anos é o tempo que falta e não o já decorrido: «… conforme o tempo por que aquele direito ainda deva durar…» (ex vi 13.º, h).
12. No caso sub judice entre 1998 (ano da constituição do direito) e 2007 (ano da venda), decorreram 9 anos, pelo que o direito de superfície ainda duraria 21 anos, a que correspondem 5 períodos de 5 anos.
13. Dado que a cada período corresponde a dedução de 10 %, o valor do direito da propriedade do solo determina-se deduzindo 50 % (10% x 5) ao valor patrimonial de € 1.108.000,00.
14. Donde, quer o valor da propriedade do solo quer o direito de superfície seriam de € 554.000,00 (1.108.000,00 – 554.000,00), o que resultaria na liquidação de € 36.010,00 (554.000 x 6,5 %) de IMT por cada, num total de € 72.020,00.
15. Como o resultado da avaliação com cópia de fls. 11 se reporta à propriedade total, conforme ficha de Dados de Avaliação anexo, datado de 29.04.2009, sendo a reclamante detentora da propriedade plena, a liquidação adicional de IMT deveria ser efectuada com a resultante da diferença entre o valor da avaliação de € 1.108.000,00 e o valor declarado na aquisição, de € 900.552,00 (446.108,00 + 454.444,00), ou seja: (1.108.000,00 – 900.552,00) = € 207.448,00 que dá origem ao IMT adicional de € 13.484,12 (207.448,00 x 6,5%).
16. Em consequência, é de atender, ainda que parcialmente, a pretensão da reclamante.
(…)” - cfr. documento de fls. 60 e ss. da terceira parte do PA apenso;
I) A 06 de outubro de 2010, foi proferido despacho pelo chefe da divisão de justiça tributária da direção de finanças de Viana do Castelo, que determinou a apensação a estes autos do procedimento de reclamação graciosa autuado com o número 2330200904000897 – cfr. documento de fls. 60 – 1, da terceira parte do PA apenso.

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questões decidendas:
Nulidade da sentença, por condenação em objecto diverso do pedido
Legalidade da decisão de anulação total da liquidação de IMT

2.2.2. Nulidade da sentença
Na sequência de notificação do TAF Braga para esclarecimento do acto tributário objecto da impugnação judicial a impugnante identificou explicitamente a liquidação adicional de IMT como único acto tributário cuja legalidade pretendia sindicar na reclamação graciosa apresentada em 17 novembro 2009 (processo físico fls.110).

Actuou no exercício do poder conferido ao autor de redução do pedido até ao trânsito em julgado da decisão final (art.265º nº 2 CPC/art.2º al. e) CPPT)
Em consonância, a sentença proferida no TAF Braga em 10 maio 2003 apenas se pronunciou sobre a liquidação adicional de IMT, julgando procedente a excepção da caducidade do direito de acção (processo físico fls.124/127).
O acórdão do STA-SCT proferido em 15 janeiro 2014, que apreciou o recurso da sentença interposto pela impugnante, igualmente apenas se pronunciou sobre a tempestividade da reclamação graciosa apresentada em 17.11.2009,tendo por objecto a liquidação adicional de IMT (processo físico fls.175/181; factos provados nº3)
Neste contexto a sentença recorrida proferida em 31 março 2016, ao anular a liquidação adicional de IS condenou em objecto diverso do pedido, enfermando de nulidade na medida da desconformidade com o pedido formulado pela impugnante (art.615º nº1 al. e) segundo segmento CPC)
Em consequência, deve o Supremo Tribunal de Administrativo, na qualidade de tribunal de revista, suprir a nulidade, expurgando do dispositivo da sentença recorrida a anulação da liquidação de IS (art.684º nº1 CPC/art.2º al. e) CPPT)

A apreciação jurídica deve prosseguir com pronúncia sobre a segunda questão decidenda (art.684º nº1 último segmento CPC)

2.2.3. Anulação total da liquidação de IMT
A possibilidade de anulação parcial do acto tributário de liquidação tem sido afirmada, sem divergência, pela doutrina e pela jurisprudência, com fundamento na natureza divisível, inculcada na sua substância quantitativa e na autoridade da plena jurisdição da sentença de anulação
Invoca-se o princípio da economia processual, permitindo que a sentença estabeleça de imediato uma definição da situação jurídica, sem necessidade de nova pronúncia pela administração tributária (Saldanha Sanches Fiscalidade, 7/8 Julho/Outubro 2001, pp.63 e sgs., Casalta Nabais Direito Fiscal 2ª edição p.397/ acórdãos STA-SCT 12.01.2011 processo nº 583/10; 4.05.2011 processo nº 21/11; 12.01.2012 processo nº 965/10; 10.10.2012 processo nº 533/12; 5.12.2012 processo nº 477/12; 10.04.2013 Pleno da SCT processo nº 298/12; 30.04.2013 processo nº 01374/12)

Com interesse para a análise do tema da divisibilidade e consequente anulação parcial do acto tributário transcreve-se excerto do discurso de doutrina qualificada:
Desta norma [art.100º LGT] infere-se a possibilidade de anulação parcial dos actos tributários. (…)
Porém, tal anulação parcial só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do acto, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial
Será o que acontece quando um acto de liquidação se baseia em determinada matéria colectável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada. Nestes casos não há qualquer obstáculo a que o acto de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por qualquer ilegalidade.
No entanto, se o acto de liquidação tem um único fundamento jurídico, não sendo nele possível distinguir entre uma parte que está conforme à lei e outra que a viola, não se pode decretar uma anulação parcial, mesmo que se entenda que, por força de outras disposições legais, uma liquidação poderia ter lugar.
Será, por exemplo, o caso de uma liquidação se ter baseado em determinada tabela de taxas de imposto e se vir a entender que a tabela legalmente aplicável seria outra.
Nestas situações, toda a liquidação assentará em fundamentos jurídicos errados, pelo que o acto deve ser integralmente anulado, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito (vício de violação de lei) Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume II pp.342/343).

Aplicando estas considerações doutrinárias às características do caso concreto:
A liquidação de IMT impugnada, no montante de € 28 997,024 incidiu sobre o valor da propriedade do solo declarado pelos outorgantes no contrato celebrado 14 dezembro 2007, no montante de € 446 108,00 (factos provados al. B); doc. fls. 52 processo físico)
A administração tributária efectuou duas liquidações autónomas de IMT, incidentes sobre o valor declarado da propriedade do solo (€ 28 997,02) e sobre o valor declarado do direito de superfície (€ 29 538,86) no montante global de €58 535,88 (doc.fls.52/53 processo físico)
Porém, actuou no pressuposto erróneo de uma transmissão separada da propriedade do solo e do direito de superfície a diferentes titulares; inexistente perante a circunstância de o último ter sido extinto pela reunião na pessoa da impugnante, (na data única dos dois contratos) do direito de superfície e do direito de propriedade do solo (art.1536º nº1 al. d) CCivil)
A impugnante efectuou o pagamento do IMT resultante da tributação autónoma do direito de superfície (€ 29 538,86) que não constitui objecto da reclamação graciosa nem da impugnação judicial subsequente (petição inicial art.23)
Neste contexto a liquidação sindicada enferma de erro na aplicação do regime jurídico (arts.12º nº4 2ª regra als. a) e b) e 13º als. h) e i) CIMT), na medida em que deveria ter sido considerado como valor tributável relevante o VPT resultante da avaliação da propriedade plena efectuada em 5 maio 2009, no montante de € 1 108 000,00 (art.12º nº1 CIMT).
A anulação parcial pretendida, resultante da consideração como valor tributável da diferença entre o VPT (€ 1 108 000,00) e a soma dos valores declarados no contrato (€ 446 108,00 + € 454 444,00 = € 900 552,00) correspondente a € 207 448,00, da qual resultaria uma colecta no montante de € 13 484,12 (€ 207 448,00 x 6,5%), não é possível porque as liquidações autónomas se basearam em fundamento jurídico errado que não pode ser corrigido por mera reforma da liquidação incorrecta, antes exigindo a prática de novo acto tributário com consideração do valor tributável juridicamente correcto (VPT da propriedade plena)

3.DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento parcial ao recurso;
em consequência
- declarar a nulidade da decisão que anulou a liquidação de IS
- confirmar a decisão que anulou a liquidação de IMT
Custas pela recorrente e pela recorrida, na proporção dos respectivos decaimentos (art. 527º nºs 1/2 CPC)

Lisboa, 23 Outubro 2019. – José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Bastos - Francisco Rothes.