Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:012/15
Data do Acordão:02/21/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação.
Nº Convencional:JSTA00070545
Nº do Documento:SA220180221012
Data de Entrada:01/09/2015
Recorrente:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
DIR ADM CONT - ACTO
Legislação Nacional:LGT ART100.
CIVA ART16 N4 C
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC024101 DE 1999/09/22.; AC STA PROC025532 DE 2003/05/06.; AC STA PROC01973/02 DE 2003/03/26.; AC STA PROC0287/05 DE 2005/09/27.; AC STA PROC0588/10 DE 2011/12/01.; AC STA PROC0285/13 DE 2013/11/13.; AC STA PROC085/14 DE 2014/02/19.; AC STAPLENO PROC0298/12 DE 2013/04/10.
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 6ED PÁG421-422.
SALDANHA SANCHES - FISCALIDADE 7/8 JULHO/OUTUBRO DE 2001 PÁG63 E SEGS.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A AT – Autoridade Tributaria e Aduaneira vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, julgou procedente o recurso deduzido pela sociedade “A………..”, Ldª, melhor identificada nos autos, contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativos ao segundo trimestre do ano 2009.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I) Sendo entendido pela douta sentença ora recorrida que o valor tributável correspondente à operação em causa nos autos, deverá ser o valor correspondente ao custo suportado pelo sujeito passivo, cf. art. 16° n.º 4 al. c) do CIVA, ou seja o total do valor das rendas por si devidas e efectivamente suportadas, correspondentes às prestações efectuadas pelo locador, apurado cf al. B) do probatório em € 21.766,71, a anulação da liquidação impugnada deve ser apenas parcial, como decorre do art. 100º da LGT.
II) Devendo ser anulada a liquidação impugnada e correspondentes juros compensatórios apenas na parte em que foi considerado o valor tributável que excedeu o de € 21.766,71, e devendo subsistir a liquidação impugnada pelos montantes de € 4.353,42 a título de Imposto e de € 410,77 a título dos correspondentes juros compensatórios.
III) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada na parte objecto do presente recurso.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência da impugnação judicial deduzida contra liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios (2° trimestre 2009) no montante global de €33 536,17.
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: legalidade da anulação parcial de liquidação de IVA com fundamento em excesso na quantificação do valor tributável.
1. A possibilidade de anulação parcial do acto tributário tem sido afirmada, sem divergência, pela doutrina e pela jurisprudência, com fundamento na divisibilidade daquele e na natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, a qual se inspira no princípio da economia processual, permitindo que a sentença estabeleça de imediato uma definição da situação jurídica, sem necessidade de nova pronúncia pela administração tributária
O critério subjacente à anulação total ou parcial do acto exige a apreciação dos efeitos da ilegalidade praticada, no sentido de determinar se inquina total ou parcialmente o acto impugnado.
O tribunal não pode invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária substituindo-se à administração tributária na escolha dos critérios e na fixação da consequente matéria colectável.
As considerações precedentes alinham com doutrina qualificada e jurisprudência consolidada do STA-SCT (Saldanha Sanches Fiscalidade,7/8 Julho/Outubro 12001,pp.63 e sgs., Casalta Nabais Direito Fiscal 2 edição p.397/acórdãos STA-SCT 22.09.1999 processo n°24.101;26.03.2003 processo n° 1973/02; 12.01.2012 processo n° 965/10; 12.01.2011 processo n° 583/10; 4.05.2011 processo n° 21/11; 12.01.2012 processo n° 965/10; 10.10.2012 processo n° 533/12; 5.12.2012 processo n° 477/12; 10.04.2013 (pleno) processo 298/12; 30.04.2013 processo n° 1374/12; 13.11.2013 p. 1.2013 processo n°79/13; 19.02.2014 processo n° 85/14).
2.Aplicação das considerações ao caso concreto:
A recorrente aceitou o valor tributável em IVA fixado na sentença para a operação económica em causa (prestação de serviços configurada na cedência pelo locatário a terceiro, sem fixação do valor da contraprestação, da sua posição contratual em contrato de locação financeira de imóvel) correspondente ao valor total das rendas devidas e pagas pelo locatário cedente até à data da cessão da posição contratual, no montante de € 21 766,71 (cf. probatório B; aplicação conjugada dos arts.4° n°2 al. b) e 16° nº 2 al. b) e 4 al c) CIVA); e não ao valor global das quantias estipuladas no contrato de locação financeira, deduzido das rendas pagas pelo locatário cedente (como pretendia a administração tributária)
Assim sendo nenhum obstáculo existe à consideração daquele valor tributável como relevante para a aplicação da taxa e determinação da colecta devida, na medida em que o valor tributável reduzido não implica a realização de nova liquidação, antes a correcção da liquidação efectuada por mera operação aritmética.
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão anulatório da liquidação do imposto apenas na parte resultante de um valor tributável excedente a €21 766,71»

Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
4 – No Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
A) No decurso de uma acção inspectiva efectuada ao impugnante, foi elaborado o Projecto de Correcções pela I.T., devidamente notificado ao sujeito passivo, tendo exercido o direito de audição prévia, e concluído o procedimento com a notificação do relatório final com correcções dos elementos declarados em sede de IVA do período do segundo trimestre de 2009, no valor de € 153.223,29, correspondente ao valor do capital em dívida no acordo por si celebrado de cedência de posição contratual de locatário a favor de um terceiro sem fixação do valor da contraprestação, num contrato de locação financeira de um bem imóvel celebrado com uma instituição bancária, tendo-se liquidado o imposto em falta no montante de € 30.644,66 e respectivos juros compensatórios no valor de € 2 891,51.- cfr Relatório da I.T., de fls. 21 a 62, “D.C.” de fls. 177 a 178v. e de fls 184 a185 v., “Prints Informáticos” de fls. 179, requerimento no exercício do direito de audição de fls. 206 e segs
B) Foi celebrado pela impte (sic) um contrato de locação financeira e enquanto locatária, com a locadora relativa ao bem imóvel devidamente identificado, no âmbito do qual foram pagas as rendas no valor total de € 21.766,71. — cfr “Quadro de Amortizações” do Leasing Imobiliário de fls 237 a 241, e “Contrato de Locação Financeira”, de fls 242 a 254, do P.A. apenso doc. n.º 1, junto pela impte, de fls 28, dos autos.
C) Em 03.06.2009, foi celebrado pelo impte um acordo de cedência da posição contratual de locatário no contrato de locação referido em b), em favor do cessionário aí identificado, no qual se convencionou que este ultimo assume os direitos e obrigações emergentes daquele contrato de locação, sendo as rendas, o valor residual e despesas assumida pelo cessionário, e com a anuência do locador. -cfr Acordo de fls 233 a 236, do P.A. apenso, relativo às rendas de locação financeira mobiliária decorrentes da perda total dos bens locados, em função da resolução do contrato resultante das cláusulas contratuais estipuladas entre o locador e o locatário.

5. Do objecto do recurso
Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se incorre em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que anulou na totalidade, e não parcialmente, a liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios (2° trimestre 2009) impugnada, no montante global de €33 536,17.

Alega a recorrente, Fazenda Pública, que no caso em apreço era viável e legal a anulação parcial de tal liquidação de IVA com fundamento em excesso na quantificação do valor tributável.
Argumenta, em síntese, que sendo o IVA devido, como decorre da sentença recorrida, o correspondente ao incidente sobre o valor da rendas devidas pela Impugnante e por esta efectivamente suportadas no âmbito de um contrato de locação financeira, ou seja de € 21.776,71 (al. B) do probatório) e não o incidente sobre € 153.223,29, correspondente ao valor global do contrato de locação financeira, diminuído das rendas pagas, como sustentava a Administração Fiscal, a liquidação impugnada deverá ser anulada apenas parcialmente, de acordo com o artº 100º da LGT, na parte em que se considera a base tributável que excede o valor de € 21.776,71.
E conclui que a liquidação impugnada e correspondentes juros compensatórios, devem ser anulados apenas na parte em que foi considerado o valor tributável que excedeu € 21.766,71, e devendo subsistir a liquidação impugnada pelos montantes de € 4.353,42 a título de Imposto e de € 410,77 a título dos correspondentes juros compensatórios.
Em suma, e como decorre do exposto, a questão controvertida circunscreve-se à questão da possibilidade de anulação parcial da liquidação, argumentando a Fazenda Pública que a sentença recorrida, ao determinar a anulação total da liquidação sindicada incorreu em erro de julgamento e violação do disposto no artº 100º da LGT.


5.1 Da questão da cindibilidade dos actos tributários de liquidação e da possibilidade da sua anulação parcial.

Este Supremo Tribunal Administrativo tem entendido, em geral, que os actos administrativos que impõem a obrigação de pagamento de uma quantia, designadamente os actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial dos mesmos (art. 100º da LGT) - cf. entre outros, os acórdãos proferidos em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; em 12/01/2011, no processo n.º 583/10, o acórdão 285/13 de 13.11.2013, o acórdão 85/14 de 19.02.2014 e, em especial, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário 10/04/2013, proferido no processo 298/12.
Como se disse neste último aresto «se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira».
Sendo que o critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
Para além deste critério, que assenta na divisibilidade do acto tributário, também a doutrina (e a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo) têm admitido a possibilidade de anulação parcial do acto tributário com base na natureza de sentença de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto e por duas ordens de razões.
Por um lado por força do princípio da economia processual, para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária.
Por outro lado por razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação, num sistema de administração executiva como o nosso, no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa – neste sentido Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 6ª ed., pág. 421/422 e Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs.
Assim, quando um acto de liquidação se baseia em determinada matéria colectável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada, não há qualquer obstáculo a que o acto de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por qualquer ilegalidade.
Será essa, a nosso ver, a situação em análise nos presentes autos.

Como decorre da decisão sindicada estava em causa na impugnação judicial uma operação económica de prestação de serviços consubstanciada na cedência pelo locatário, a terceiro, da sua posição contratual em contrato de locação financeira de imóvel sem fixação do valor da contraprestação,
Estando em causa saber qual o valor tributável de tal operação em sede de IVA, foi pela sentença considerado que seria o correspondente ao incidente sobre o valor da rendas devidas pela Impugnante e por esta efectivamente suportadas no âmbito do contrato de locação financeira, ou seja de € 21.776,71 (al. B) do probatório), valor este determinado nos termos do artº 16º, nº 4 al. c) do CIVA, e não o incidente sobre € 153.223,29, correspondente ao valor global do contrato de locação financeira, diminuído das rendas pagas, como sustentava a Administração Fiscal,
Sucede que, não obstante o assim decidido, a sentença recorrida determinou a anulação (total) da liquidação de IVA controvertida.
Ora como bem notam a recorrente e o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu supracitado parecer, nenhum obstáculo existe à consideração do valor tributável considerado pela sentença recorrida como relevante para a aplicação da taxa e determinação da colecta devida, na medida em que o valor tributável reduzido não implica a realização de nova liquidação, antes a correcção da liquidação efectuada por mera operação aritmética.
Assim circunscrevendo-se a ilegalidade à determinação do valor tributável da prestação em causa, e mostrando-se esse valor definido nos termos da al. c) do nº 4 do artº 16º do CIVA, sendo passível de correcção mediante simples operação aritmética, haverá que proceder à anulação parcial da liquidação sindicada e não à sua anulação total.

6 - Decisão

Termos em que acordam os Juízes deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a impugnação, determinando a anulação da liquidação impugnada e correspondentes juros compensatórios apenas na parte em que foi considerado o valor tributável que excedeu o de € 21.766,71.

Custas pela recorrida e pela Fazenda Pública, apenas em 1.ª instância, na proporção do decaimento, e sem taxa de justiça pela recorrida neste recurso, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – António Pimpão.