Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01174/12
Data do Acordão:06/26/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:DOMÍNIO PÚBLICO
AFECTAÇÃO
DESAFECTAÇÃO
CONTRATO DE URBANIZAÇÃO
USUCAPIÃO
PRESUNÇÃO
CASO JULGADO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:I - A apreciação da questão da qualificação como dominial ou não duma parcela de terreno [quer se trate de atos de classificação ou de afetação] e eventual delimitação da mesma com outros bens de outra natureza mostra-se no quadro do ETAF/2004 incluída no âmbito da jurisdição administrativa.
II - O art. 15.º do CPTA, consagrando o princípio da devolução facultativa e não da devolução obrigatória, confere ao julgador uma liberdade de sobrestar na decisão ou de decidir a questão prejudicial com base nos elementos disponíveis nos autos com efeitos restritos ao processo.
III - À luz do quadro normativo então vigente em matéria de delimitação/definição do domínio público estadual [cfr. arts. 380.º e 382.º do CC/1867, 49.º da Constituição de 1933, o DL n.º 23565, de 12.02.1934, revogado, entretanto, pelo DL n.º 477/80, de 15.10] aplicável em termos de princípios gerais e com as devidas e necessárias adaptações ao domínio público das autarquias locais, uma parcela de terreno doada à edilidade unicamente para «zona verde», sob pena de reversão caso afeta a fim diverso, passa a constituir coisa pública mercê da afetação jurídica que lhe foi conferida pela escritura de doação, outorgada em 1961, no quadro do contrato de urbanização e do concreto arranjo urbanístico decorrente do Plano Parcial de Urbanização a Poente da então Vila da Amadora.
IV - Na ausência de regime normativo semelhante ao que vigora desde 1991 em matéria de cedência de parcelas de terreno para o ente público no quadro de operação loteamento [cfr. arts. 16.º, n.º 2 do DL n.º 448/91, 43.º e 44.º do RJUE], tal contrato de doação, celebrado no quadro da execução do referido Plano Parcial de Urbanização, constituiu o instrumento formal e material através do qual se operou a cedência jurídica da titularidade daquela parcela de terreno para a edilidade.
V - A afetação de uma coisa à utilidade pública é uma forma de lhe atribuir caráter dominial.
VI - A coisa pública não está sujeita às mesmas leis sobre a prescrição que as coisas do domínio privado e, por isso, é insuscetível de posse privada, pelo que os atos/condutas que hajam sido desenvolvidos pelos particulares quando incidentes sobre coisa do domínio público não poderão ser qualificados como atos de posse, não determinando o momento da desafetação.
VII - A desafetação tácita, enquanto forma de cessação da dominialidade, só ocorre quando a coisa pública deixe de servir ao fim de utilidade pública e passe a ser utilizada/usufruída pelos particulares por abandono intencional da entidade pública sua titular.
VIII - A desafetação tácita não poderá derivar ou resultar de ato ou de atuação praticada por um particular, sendo apenas na atitude da Administração, sua ação ou omissão, que importa encontrar o traço que vinque, claramente, o abandono intencional da coisa, abandono esse a resultar inequivocamente de atos praticados pela Administração.
IX - Para tal não bastará a simples constatação duma ausência, ainda que longa, da construção por parte da Administração dum jardim ou doutro tipo de arranjo urbanístico destinando o espaço a «zona verde», já que se exige mais do que uma simples e mera inércia por parte daquela e se desconhecem inteiramente motivações ou razões que estiveram na sua origem.
X - Tal desafetação não resulta ter ocorrido com a publicação do Regulamento PDM da Amadora [Resolução do CM n.º 44/94], mormente, por efeito do que se dispõe no seu art. 89.º, n.º 1, já que tal preceito não tem a virtualidade de fazer desaparecer do domínio público da edilidade R. as parcelas que haviam sido cedidas para arruamentos e «zona verde» pela referida escritura pública de doação.
XI - Improcede, assim, o erro sobre os pressupostos de facto/direito invocado, enquanto fundamento de ilegalidade assacado ao ato administrativo impugnado, se resulta demonstrado que a parcela de terreno em questão constitui bem do domínio público da edilidade e se mostra afastada a presunção do registo decorrente do art. 07.º do Código de Registo Predial, enquanto mera presunção “juris tantum” ilidível ou passível de destruição por prova em contrário [cfr. arts. 350.º, n.º 2 do CC e 01.º, 07.º, 08.º e 13.º do CdRP - demonstração da não existência do facto presumido e não só a criação de dúvidas a tal respeito].
Nº Convencional:JSTA00068816
Nº do Documento:SA12014062601174
Data de Entrada:08/05/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DA AMADORA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT.
DIR URB.
Legislação Nacional:CONST76 ART84 ART211 ART212.
CONST33 ART49.
ETAF02 ART1 ART4.
CPTA02 ART15.
CPC96 ART66 ART497 ART498 ART660 ART668 ART671.
CCIV867 ART1456-1477.
CCIV66 ART202 ART280-295 ART1251 ART1287 ART1304.
CCJ96 ART12.
CADM40 ART44-61 ART345.
CRP84 ART5 ART7.
CNOT35 ART163.
CNOT60 ART88 ART89.
RGEU51 ART24 N1 A ART43 ART44.
L 41/13 DE 2013/06/26 ART5 ART7.
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DL 35931 DE 1946/11/04.
DL 46673 DE 1965/11/29.
DL 560/71.
DL 289/73 DE 1973/06/06.
DL 400/84 DE 1984/12/31.
DL 448/91 DE 1991/11/29.
DL 555/99 DE 1999/12/16.
DL 280/07 DE 2007/08/07.
DL 303/07 DE 2007/08/24 ART11 ART12.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC014/10 DE 2011/03/03.; AC TCF PROC024/13 DE 2013/05/15.; AC TCF PROC039/13 DE 2013/11/05.; AC TCF PROC061/13 DE 2014/01/29.; AC TCF PROC058/13 DE 2014/02/06.; AC TCF PROC031/13 DE 2014/05/15.; AC STA PROC039114 DE 2001/11/07.; AC STA PROC01759/03 DE 2005/02/23.; AC STA PROC0301/09 DE 2009/12/09.; AC STA PROC0937/10 DE 2011/07/13.; AC STA PROC0267/11 DE 2011/09/08.; AC STA PROC0677/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC0774/13 DE 2013/10/10.; AC STA PROC0584/13 DE 2013/11/27.; AC STA PROC0528/08 DE 2010/03/18.; AC STJ PROC0286/07 DE 2012/02/16.
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MENEZES CORDEIRO - DIREITOS REAIS VOLI PAG181.
MENEZES CORDEIRO IN RLJ ANO64 PAG60.
Aditamento: