Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01950/13
Data do Acordão:07/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
REVISÃO OFICIOSA
INDEFERIMENTO TÁCITO
Sumário:I - Não apenas o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa, mas também o pedido de revisão oficiosa da liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços apresentado no prazo de 4 anos, aproveitam ao sujeito passivo para efeitos de lançar mão da impugnação judicial em caso de indeferimento tácito.
II - É que, não estando legalmente estabelecida a distinção entre as duas situações para efeitos de utilização da presunção de indeferimento tácito, não cabe ao juiz distingui-las na tentativa de obviar a que os prazos de impugnação administrativa e contenciosa possam ser “contornados”, antes se lhe impõe o conhecimento das pretensões dos contribuintes feitas valer através dos meios que o legislador coloca ao seu dispor para tutela dos seus direitos.
Nº Convencional:JSTA00068836
Nº do Documento:SA22014070201950
Data de Entrada:12/23/2013
Recorrente:A............
Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:LGT98 ART56 ART57 N1 N5 ART78 N1 N7 ART95 N1 N2 D.
CPPTRIB99 ART97 N1 D ART102 N1 D.
L 66-B/12 DE 2012/12/31.
L 64-B/11 DE 2011/12/30.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0140/13 DE 2013/05/29
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 14 de Março de 2012, que, na impugnação judicial por si deduzida do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de liquidação de IRS relativa ao ano de 2003, no valor de €3.578,02, julgou verificada a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, absolvendo a Fazenda Pública do pedido.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª A liquidação fiscal impugnada está ferida de várias ilegalidades que convergem no seguinte:
- inclui indevidamente na sua incidência um ganho (mais valia) efectivamente obtido, mas que não é todavia passível de tributação, pelas razões jurídicas que vão alegadas na petição inicial – seus n.ºs 12 a 17.1 – e respectiva documentação anexa, razões que estão em correspondência com a realidade efectivamente ocorrida, e contrariante de forma inequívoca, da realidade que os serviços fiscais imaginaram; releva, obviamente, a realidade efectiva, comprovada pela documentação junta aos autos e à p.i., a qual, como vem alegado não é passível de tributação por força do disposto no n.º 5 al. a) do art. 10.º do CIRS;
2.ª As ilegalidades antes referidas, porque patentes no pedido de revisão apresentado nos termos do art. 78.º da LGT, pelo contribuinte/recorrente, deviam ter sido reconhecidas pelos serviços fiscais competentes que, aparentemente desatentos, omitiram a decisão expressa desse pedido, que é obrigatória por lei (art. 56.º da LGT), confiantes no indeferimento tácito que entretanto ocorreu, também ele com cobertura legal;
3.ª Só que essas ilegalidades, imputáveis sem dúvida aos serviços fiscais também podiam e deviam ter sido oficiosamente por eles corrigidas, nos termos e por força, conjugadamente, dos art.ºs 54.º, n.º 1 c/ e 78.º, n.º 1 da LGT e art. 93.º do CIRS, no prazo de 4 anos (v. supra n.º 9);
4.ª O tribunal recorrido, na sua aliás douta sentença, devia ter conhecido destas ilegalidades, tanto mais quanto é certo, elas, legalmente, devem ser objecto de conhecimento oficioso (v. supra n.ºs 10 e 11 e n.º 2, sua parte final, do art. 660.º do CPC);
5.ª A sentença recorrida terá assim e também cometido erro de julgamento ao considerar procedente a excepção invocada pela Administração Tributária de caducidade do direito de acção do recorrente, por uso intempestivo deste direito, com absolvição da Fazenda pública do pedido formulado; seguramente não terá ocorrido essa intempestividade como vem referido supra sob o n.º 9;
6.ª Em consequência, impunha-se ao Tribunal competente conhecer do mérito da presente acção judicial, designadamente nos seus aspectos substantivos, proposta pelo contribuinte, de modo a tomar em consideração os factos provados por documentos e fixados no probatório da sentença recorrida, fazendo o exame critico dessas provas, resolvendo todas as questões submetidas à sua apreciação e conhecendo oficiosamente as antes referidas ilegalidades da liquidação fiscal impugnada, como é imperativo legal (v. arts. 659.º, n.º 3 e 660.º, n.º 2 do CPC e arts. 123.º e 124.º do CPPT); isso não aconteceu.
7.ª A sentença recorrida terá assim violado os seguintes preceitos legais:
CIRS: arts. 10.º n.º 5 a/ e 57.º n.º 3;
LGT: arts. 54.º, n.º 1 c), 55º, 56º, 58º, 78º e 99.º, n.º 1;
CPPT: arts. 13.º, 45.º, 123.º e 124.º;
CPC: arts. 659.º n.º 3 e 660.º n.º 2
CRP: art. 268.º n.º 4.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, se espera que o presente recurso, uma vez aceite e comprovado, venha a ser considerado totalmente procedente, mediante a revogação da douta sentença recorrida e a prolação de uma nova decisão, pelo Tribunal de recurso ou pelo Tribunal recorrido, como melhor se entender, com legais consequências, nomeadamente com reembolso ao recorrente dos valores da liquidação impugnada e já pagos, acrescidos dos juros indemnizatórios conforme pedido na petição inicial, como nos parece de elementar, JUSTIÇA

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 123 e 124 dos autos, concluindo no sentido de que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É apenas a de saber se, como decidido, é intempestiva a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IRS sindicado no qual a ora recorrente solicitava a revisão oficiosa da liquidação.

5 – Matéria de facto:
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
1. A impugnante adquiriu por compra, em 1989, uma casa destinada a sua habitação própria e permanente pelo montante de €9.975,96 (informação, a fls. 45);
2. Por escritura de 24/09/2003, vendeu aquele imóvel pelo preço de €187.050,00 (fls. 30 do apenso instrutor);
3. Apresentou, em 30/04/2004, declaração de rendimentos mod. 3/IRS relativa ao ano de 2003 acompanhada do Anexo G, no qual declarou a venda do artigo 135-U, Fracção “F” da freguesia de ………, concelho de Lisboa, pelo valor de €187.050,00, adquirido em 1989, pelo preço de 9.975,96, tendo preenchido o campo 503 do quadro 5 com o valor do empréstimo bancário ainda em dívida de €5.636,00 e o campo 504 do anexo com o valor que pretendia reinvestir de €159.615,00 (fls. 77 do apenso instrutor);
4. Em Julho/2005, a impugnante adquiriu, por compra, para sua habitação própria e permanente uma outra casa, pelo preço de €194.531,18;
5. Aquisição essa titulada por escritura de “compra e venda e mútuo com hipoteca”, lavrada em 29/07/2005 dela constando como valor de aquisição, os referidos €194.531,18 e de mútuo, a importância de €55.000,00 (fls. 16 do apenso instrutor);
6. Em 2006, apresentou declaração de rendimentos mod. 3/IRS relativa ao ano de 2005, acompanhada do respectivo anexo G, tendo preenchido o campo 508 do quadro 5 com o valor reinvestido de €181.414,00 na aquisição do artigo 02251-U da freguesia de ………, concelho de Torres Vedras (fls. 79 e informação a fls. 80, ambas do apenso instrutor);
7. Com referência ao ano de 2003, foi efectuada a liquidação n.º 2004 5004115199, de 29/09/2004, na importância de €3.578,02, com data limite de pagamento em 08/11/2004 (demonstração de liquidação de IRS, a fls. 76 do apenso instrutor);
8. A referida liquidação foi paga em 30/12/2004 (vinheta de pagamento aposta na demonstração de liquidação, a fls. 12 e informação a fls. 38 do apenso instrutor);
9. Em 13/09/2006, a impugnante requereu ao sr. Chefe de Finanças, ao abrigo do disposto no art. 78.º, n.º 2, da LGT, “a revisão da liquidação n.º 20045004115199, relativa ao ano de 2003, na importância de €3.578,02, operada em 25-09-2004, pelo Serviço Central de IR da DGCI” – vd. Fls. 70 do apenso;
10. A presente impugnação deu entrada no então Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures em 07/03/2007, conforme carimbo aposto na petição inicial, a fls. 2;
11. Até à apresentação da impugnação judicial, nenhuma decisão recaíra sobre o pedido de revisão oficiosa da liquidação (informação, fls. 44).

6 – Apreciando.
6.1 Da julgada extemporaneidade da impugnação judicial
A decisão recorrida, a fls. 89 a 95 dos autos, julgou verificada a excepção de caducidade do direito de impugnar, suscitada pela Fazenda Pública na sua contestação e corroborada pelo Ministério Público em 1.ª instância, no entendimento de que apenas o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa aproveita ao sujeito passivo para efeitos de lançar mão da impugnação judicial em caso de indeferimento tácito, nos termos do preceituado no art. 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, não valendo o mesmo para os outros casos de revisão do acto tributário (em que o pedido não é efectuado dentro do prazo de impugnação administrativa), mesmo quando a denominada «revisão oficiosa» é pedida pelo sujeito passivo (cfr. decisão recorrida, a fls. 94 dos autos). Em conformidade, entendeu a sentença recorrida que, tendo em conta, por um lado, que a declaração de rendimentos foi apresentada em 30/04/2004; que a liquidação por ela originada tem data de 29/09/2004, o prazo de pagamento voluntário em 08/11/2004 e foi paga em 30/12/2004, e que, por outro lado, o pedido de revisão oficiosa deu entrada nos serviços em 13/06/2006, logo se alcança que o pedido de revisão foi apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa (…) pelo que, não pode o sujeito passivo prevalecer-se da presunção de indeferimento tácito para lançar mão da impugnação judicial, como fez, pois que, a não se entender assim, estaria encontrada a via para contornar os prazos de reacção graciosa e contenciosa dos actos tributários previstos nas leis tributárias (idem).
Discorda do decidido a recorrente, imputando à decisão recorrida erro de julgamento ao considerar procedente a excepção invocada pela Administração Tributária de caducidade do direito de acção do recorrente, por uso intempestivo deste direito, com absolvição da Fazenda Pública do pedido formulado e alegando que seguramente não terá ocorrido essa intempestividade como vem referido supra sob o n.º 9 (cfr. conclusão 5.ª das suas alegações de recurso).
O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto no seu parecer junto aos autos pronunciou-se no sentido no provimento do recurso, pois que «(…), como decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º n.º 7 da LGT). // O indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão é susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação, não prejudicando essa possibilidade, salvo melhor entendimento, a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação “por iniciativa de administração tributária”. // Ora, nos termos do art. 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT, na redacção anterior à Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dez., era de 90 dias, contados a partir da formação do indeferimento tácito, o prazo para a dedução da impugnação. // Sendo de 6 meses o prazo para a formação do indeferimento tácito, nos termos do disposto no art. 57.º, n.º 1, da LGT, na redacção anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dez., e tendo o pedido de revisão sido formulado em 13.06.2006 (ponto 9 do probatório), é de concluir que o indeferimento tácito se formou em 13.12.2006, momento a partir do qual se contavam os 90 dias para a apresentação da impugnação, nos termos do art. 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT. //Tendo a impugnação dado entrada no TAF de Loures em 07.03.2007 (ponto 10 do probatório) a mesma será tempestiva.»
Pouco mais há a acrescentar, para fundamentar a procedência do recurso, do que o que consta do parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, no trecho transcrito no parágrafo precedente.
Apenas uma nota adicional, para consignar que a interpretação constante da decisão recorrida – que nega a possibilidade de lançar mão do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação para efeitos de impugnação judicial, admitindo-a apenas nos casos de revisão oficiosa solicitada pelo contribuinte no prazo de reclamação administrativa (a que se refere a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária - LGT) –, procede a uma distinção que nem tem apoio legal, nem se mostra minimamente adequada, porquanto, uma vez admitida a possibilidade de a “revisão oficiosa” da liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços ser desencadeada por iniciativa do sujeito passivo (o que constitui jurisprudência pacífica desta Secção – cfr., por todos o Acórdão de 29 de Maio de 2013, rec. n.º 0140/13, e demais jurisprudência aí citada -, e a própria lei admite – cfr. o n.º 7 do artigo 78.º da LGT), e havendo dever legal de decisão desta por parte da Administração tributária (artigo 56.º da LGT), ter-se-á de admitir a impugnabilidade da decisão que sobre tal pedido venha a ser proferida ou de reagir contra o silêncio que sobre ele recair (desde que, obviamente, tempestivamente apresentados).
Não cabe ao juiz estreitar a via para contornar os prazos de reacção graciosa e contenciosa dos actos tributários previstos nas leis tributárias quando a lei a franqueia, menos ainda estreitá-la em prejuízo do direito de acesso aos tribunais por parte dos contribuintes para tutela dos seus direitos.

O recurso merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar tempestiva a impugnação, baixando os autos ao tribunal “a quo” para que prossigam, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.

Lisboa, 2 de Julho de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Fonseca Carvalho.