Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0118/14.2BEBRG
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
REVERSÃO DA EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário:I -Existe excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 608.º, n.º 2, do CPC).
II - Constitui ónus processual do oponente alegar correctamente os vícios que assaca ao despacho de reversão, estando vedado ao Tribunal conhecer de vícios (de uma causa de pedir) não invocados por este, por mais evidente que seja que os mesmos resultam da factualidade provada.
Nº Convencional:JSTA000P26961
Nº do Documento:SA2202101130118/14
Data de Entrada:10/30/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – O representante da Fazenda Pública recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 5 de Novembro de 2017, que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 2348201301055321, instaurada contra a sociedade B……., Lda. e revertida contra A………, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, relativas ao ano de 2011 no valor global de €10.355,13, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
I – O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, a qual julgou a Oposição totalmente procedente por ter considerado, em síntese que “No caso dos autos, a administração tributária fez reverter as dívidas exequendas com base na alínea b) do nº 1 do artigo 24º, não tendo, contudo, demonstrado que o Oponente continuou a ter uma actuação determinante na condução da sociedade após a declaração de insolvência.”, pelo que entendeu “Nestes termos, não resta senão concluir que a reversão da execução fiscal, efectuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, não foi acompanhada, como legalmente se impunha, da prova dos respectivos pressupostos, determinando a procedência da oposição por ilegitimidade do oponente para a execução fiscal aqui em causa.”
II - Douta sentença essa que, a nosso ver, e salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, tendo na génese uma errónea interpretação das questões suscitadas pelo Oponente na petição inicial, padece, inequivocamente, de vício de excesso de pronúncia, o qual, como causa de nulidade de sentença está previsto no último segmento da norma do nº 1, do artigo 125º do CPPT, e na segunda parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615º do CPC

III - Na verdade, ao que se depreende da sentença aqui posta em crise, entendeu a M. ma Juíza do Tribunal “a quo” que o Oponente suscitou na petição inicial, como fundamento concreto da presente Oposição, a questão da sua ilegitimidade para a execução fiscal aqui em causa, decorrente do não exercício de facto, no prazo legal de pagamento das dívidas tributárias aqui em causa, das funções de gerente da devedora originária (daí a referência à norma da alínea b), do nº 1, do artigo 24º da LGT).

IV - Sucede porém que, percorrida a petição inicial da presente Oposição, facilmente se constata que, ao contrário do que foi entendido na douta sentença aqui posta em crise, o Oponente em parte alguma da mesma suscita, de forma explícita ou meramente implícita, a questão da sua ilegitimidade para a execução fiscal aqui em causa, decorrente do não exercício, de facto, das funções de gerente na devedora originária (outrossim, o Oponente confessa, de forma explícita, ter exercido de facto funções de gerência na devedora originária).

V - Assim, aqui chegados impera concluir-se, a nosso ver, ter o tribunal conhecido de uma questão não suscitada pelas partes e que não é de conhecimento oficioso, o que é expressamente proibido pelo disposto na segunda parte, do nº 2, do artigo 608º do CPC (norma legal essa da qual resulta não poder o juiz “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”), aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto na alínea e), do artigo 2º do CPPT, com todas as legais consequências.

VI - Assim sendo, no caso em apreço, sendo notório ter o tribunal tomado conhecimento de uma questão que não foi suscitada pelas partes (oponente) e que não é de conhecimento oficioso, impera concluir-se, a nosso ver, padecer a douta sentença aqui em análise de nulidade por excesso de pronúncia.

VIII - Pelo que deverá revogar-se a douta sentença em apreço com fundamento na última parte, do nº 1, do artigo 125º do CPPT, conjugado com disposto na segunda parte, do nº 2, do artigo 608º do CPC, e com o disposto na última parte, da alínea d), do nº 1, do artigo 615º do CPC, aplicáveis ao processo judicial tributário por força do disposto na alínea e), do artigo 2º do CPPT.

IX - Revogação essa que, respeitosamente, se requer a V. Exas, com todas as legais consequências.

com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, deverá a douta sentença aqui posta em crise ser julgada nula, por excesso de pronúncia, com todas as legais consequências.


2 - O recorrido não contra-alegou.

3 – Por decisão sumária de 10 de Outubro de 2019, o TCA Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia e declarou este Supremo Tribunal Administrativo competente para conhecer do referido recurso.

4 – O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

5 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Contra a sociedade em liquidação B………, Lda., foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Viana do Castelo, o PEF n.º 2348201301055321, para cobrança coerciva de IVA e juros compensatórios do mês de Dezembro de 2011, no montante global de € 10.355,13 – cfr. fls. 1 e ss. do apenso;

2. Em 29.08.2013, foi remetida carta registada ao ora Oponente para se pronunciar sobre uma possível reversão da execução fiscal – cfr. fls. 3 e 4 do apenso e fls. 45 dos autos;

3. Em 17.09.2013, foi lavrado despacho de reversão da execução fiscal contra o aqui Oponente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. fls. 6 do apenso;

4. A reversão operada no PEF identificado em A. contra o aqui oponente teve como fundamento a verificação da fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores – processo de insolvência n.º 1117/12.4TBVCT- G – nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do art. 153.º do CPPT;

Mais se provou que:

5. Por sentença judicial, proferida em 13.04.2012, no processo nº 1117/12.4TBVCT, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, foi declarada a insolvência da sociedade B……., Lda. e nomeado administrador judicial, o Dr. ………. – cfr. fls. 144 e ss. dos Autos;
6. O prazo para pagamento voluntário da dívida exequenda terminou em 17.07.2013 – cfr. verso de fls. 1 do apenso.

Factos não provados
Com interesse para a boa decisão da causa, inexistem.




2. Questões a decidir
A única questão que vem suscitada no âmbito do pressente recurso é a de saber se a sentença do TAF de Braga enferma da alegada nulidade por excesso de pronúncia.


3. De direito

3.1. O Representante da Fazenda Pública alega que existe excesso de pronúncia na medida em que a decisão de ilegitimidade do oponente foi proferida sem que a mesma tivesse sido suscitada por aquele na petição inicial.

3.2. No Despacho do juiz do TAF de Braga, de fls. 183 do SITAF, que sustenta a sentença, afirma-se que a redacção do articulado da P. I. não é claro na alegação da ilegitimidade do executado enquanto revertido, mas conclui-se que, do que se alega na petição inicial, resulta evidente – quer pelo uso dos verbos na forma do pretérito, quer pela factualidade alegada e depois dada como assente – que, quando teve lugar a citação do Oponente-revertido, em 29.08.2013 [ponto 2 da matéria de facto assente], já tinha sido declarada judicialmente a insolvência da sociedade executada (devedor originário), por sentença de 13.04.2012 [ponto 5 da matéria de facto assente].

Na mesma linha sustentou-se na sentença que, tendo a reversão da execução fiscal tido como fundamento a verificação da fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores [ponto 4 da matéria de facto assente], a mesma operou-se com base no disposto no artigo 24.º, n.º 1, al a) da LGT, ou seja, por o aqui Revertido ter exercido funções de administração ou gestão do devedor originário e estar em causa a cobrança coerciva de dívidas cujo facto tributário se verificou no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega havia terminado depois deste, quando fosse por culpa sua que o património da sociedade se tornara insuficiente para aquela satisfação.

Acresce que da factualidade assente resulta provado que o Oponente-revertido, mesmo que tivesse efectivamente exercido de facto as funções de gerente (o que não foi alegado nem provado pela Fazenda Pública, como era seu ónus), já não as exercia à data em que a dívida exequenda foi posta à cobrança, uma vez que, por efeito da sentença de 13.04.2012, e nos termos do disposto no artigo 81.º, n.º 1 do CIRE, todos os poderes de administração e disposição de bens da massa insolvente passaram para o administrador da insolvência.

Assim, a sentença recorrida concluiu que, caso a Fazenda Pública quisesse fazer uso do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT onde se dispõe que “[P]elas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento” teria de ter provado que, não obstante a declaração judicial de insolvência, ele continuou de facto a praticar actos de gestão relativamente ao devedor originário e que esses actos se prolongaram até à data em que terminou o prazo de pagamento das quantias em dívida. Ou mesmo reunir prova de que teria sido por facto imputável ao Oponente-revertido que o património da sociedade devedora originária se tornara insuficiente para o pagamento das dívidas constituídas antes da insolvência, embora as mesmas só se tivessem vencido depois de a mesma ter sido decretada. Porém, nada disso foi alegado e provado pela Fazenda Pública.

3.3. Contudo, a Fazenda Pública não contesta a correcção ou incorrecção jurídica da fundamentação expendida na sentença recorrida, limita-se a pedir a este Supremo Tribunal Administrativo que esclareça se aquela fundamentação e respectiva decisão são compatíveis com a limitação decorrente do disposto no n.º 1 do artigo 275.º do CPPT (e na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), de que o juiz não pode pronunciar-se sobre questões que não deva conhecer, atento o facto de a ilegitimidade do revertido e o não preenchimento dos pressupostos da reversão não terem sido alegados por aquele na respectiva petição inicial.

Com efeito, o Oponente limita-se a alegar na sua P. I., como causa de ilegalidade da reversão, a falta de notificação para exercer o direito de audição naquele procedimento, ou seja, a violação do artigo 23.º, n.º 4 da LGT, bem como uma alegada indevida utilização de métodos indirectos.

Mesmo a considerar-se, como propõe o digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer de fls. 225 do SITAF, uma “interpretação substancial da P. I., devidamente integrada com a factualidade apurada”, não se nos afigura possível considerar que tenha sido formulada, de modo minimamente aceitável, a questão da ilegitimidade do Oponente a partir do disposto no artigo 16.º da P. I., quando aí se afirma, em jeito de consideração a latere, que a presunção legal de culpa não está in casu demonstrada. É que importa não esquecer que constitui ónus processual do Oponente alegar correctamente os vícios que assaca ao despacho de reversão, estando vedado ao Tribunal conhecer de vícios (de uma causa de pedir) não invocados por este excepto, claro, os casos em que existam causas de invalidade de conhecimento oficioso ―, por mais evidente que seja que os mesmos resultam da factualidade provada. É, de resto, pela necessidade de assegurar a correcta defesa dos direitos dos sujeitos passivos que a lei processual impõe a constituição de mandatário judicial para a representação em juízo (artigo 6.º do CPPT).

Pelas mesmas razões, também não pode acolher-se a fundamentação utilizada pelo MMo. Juiz do Tribunal a quo, quando defende, no já mencionado despacho de sustentação da sentença, que a alegação da ilegitimidade se pode aferir do disposto no artigo 36.º da P.I. ― designadamente quando o Oponente aí afirma, no contexto da refutação dos valores que estão na origem da liquidação adicional do imposto e que ele imputa a uma alegada utilização de métodos indirectos pela AT, que a sociedade estava a passar por dificuldades financeiras, tanto assim, que acabaria por se apresentar à insolvência ―, pois as expressões aí utilizadas e a sua interpretação contextual não permitem concluir que o Oponente com elas alegou a sua ilegitimidade processual.

Em suma, devemos concluir que se verifica neste caso a nulidade por excesso de pronúncia que vem alegada pela Fazenda Pública, a qual consubstancia uma expressão da afirmação da posição “supra partes” que o Tribunal tem nos processos judiciais e que o impede de suprir as deficiências das peças processuais, para além das situações legalmente previstas em que está autorizado a convidar as partes a fazê-lo.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, declarar a nulidade da sentença do TAF de Braga por excesso de pronúncia e, nos termos do disposto no artigo 665.º, n.º 6 do CPC, ordenar a baixa dos autos para que o Tribunal a quo produza a prova necessária e conheça das questões que ficaram prejudicadas.


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Custas pelo Recorrido [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário], sem taxa de justiça porque não contra-alegou.
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Lisboa, 13 de Janeiro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.