Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01190/18.1BEBRG
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Sumário:A regra da instauração da execução fiscal, pela qual se visa obter primacialmente o pagamento voluntário e combater situações de fraude fiscal, salvo as exceções previstas na lei, tem caráter vinculativo para os órgãos da Administração Tributária, conforme decorre dos artigos 88.º n.º1 e 148.º n.º1 do C.P.P.T., e 30.º n.º2 da L.G.T..
Nº Convencional:JSTA000P27490
Nº do Documento:SA22021040701190/18
Data de Entrada:03/06/2020
Recorrente:A………….., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I.Relatório

I.1. A………., Lda., melhor sinalizada nos autos, interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, exarada em 10/09/2019, que julgou totalmente improcedente a oposição à execução fiscal instaurada por dívidas respeitantes a IRC do ano de 2014, no montante exequendo de € 306.719,20.
I.2. O recurso foi admitido com efeito devolutivo.
I.3. A recorrente apresentou alegações que culminou com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal “a quo” que julgou a Oposição à execução apresentada pela Oponente improcedente.

B. Considera a Oponente que o Douto Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 52º n.º4 da LGT, 103º n.º4 do CPPT, 169º n.º2 e 199º n.º3 do CPPT.

C. Com efeito, em sede de Oposição à execução, a Oponente pugnou pela ilegalidade da instauração da execução, por entender que tendo a mesma apresentado Impugnação Judicial dentro do prazo de pagamento voluntário e tendo formulado um pedido de dispensa de prestação de garantia, estando o mesmo pendente de decisão, a execução não poderia ter sido instaurada.

D. Todavia, considerou o Tribunal “a quo” que, ao abrigo do disposto nos artigos 88º n.º1 e 188º n.º1 do CPPT, esgotado que esteja o prazo legal para o pagamento voluntário da dívida, a Administração deve extrair o título executivo (certidão da dívida) e proceder à sua cobrança coerciva mediante execução fiscal (exequibilidade).

E. Mas considerou que resulta do disposto no artigo n.º 4 do art. 103.º do CPPT, n.ºs 1 e 2 do artigo 169.º do CPPT, e 52.º, n.º 4 da LGT que, quando um determinado sujeito passivo da relação jurídica tributária, perante a emissão de uma liquidação (e também de autoliquidação), não proceda, no prazo estabelecido na liquidação ou nos prazos legalmente previstos para o efeito, ao seu pagamento voluntário, será extraída uma certidão de dívida que servirá de título executivo para a consequente instauração da execução fiscal.

F. Concluiu, assim, o Tribunal “a quo” que o pedido de dispensa de prestação de garantia e a apresentação da impugnação judicial, não tem a virtualidade de impedir a instauração da execução fiscal, pelo que a posição defendida pela Recorrente não pode ser acolhida.

G. Com a devida vénia, não pode a Recorrente concordar com a posição vertida pelo Douto Tribunal, pois que a mesma se distancia em demasia da letra do n.º 4 do artigo 103.° do CPPT, especialmente quando conjugada com as restantes disposições legais pertinentes, como o são o artigo o artigo 52.° n.º 4 da LGT.

H. Tal como resultou da factualidade provada, o prazo de pagamento voluntário do tributo teve lugar a 28/02/2018.

I. A 22/02/2018, foi apresentado pela Oponente requerimento a solicitar dispensa de prestação de garantia, e a 26/02/2018, foi apresentada pela ora Oponente impugnação judicial contra a liquidação.

J. Ora, atendendo ao disposto no artigo 52º n.º4 da LGT e 103º n.º4 do CPPT não é possível instaurar a execução fiscal quando se encontra pendente uma Impugnação judicial com pedido de dispensa de prestação de garantia formulado e não decidido.

K. Tal como nos diz JORGE LOPES DE SOUSA in CPPT anotado, pág. 176:
“É de notar que, no n.º4 do artigo 103º, relativamente à prestação de garantia remete-se para os “termos” previstos neste código que constam do artigo 199º: Dessa remissão para os “termos” e não apenas para as “formas” de prestação de garantia deverá concluir-se que é aplicável a globalidade do regime previsto naquele artigo 199º.”

L. Dispõe o artigo 199º n.º3 do CPPT que:

Se o Executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia deverá invocá-los e prova-los na petição”.

M. Assim, conjugadas as referidas normas, temos que o efeito suspensivo da liquidação no caso de ser prestada garantia, nos termos do n.º1 a 5 e 9 do CPPT, obsta a que seja instaurado processo de execução fiscal.

N. Conforme referido supra, nos presentes autos foi instaurada a execução quando já estava pendente a Impugnação Judicial com pedido de dispensa de prestação de garantia por decidir.

O. Com efeito, tanto no caso da impugnação, como no caso da oposição, não tem qualquer sentido útil que se proceda à penhora de bens do executado sem que se decida da questão prévia de atribuição a essa fase judicial iniciada (impugnação ou oposição) de efeito suspensivo, mediante a prestação (ou dispensa de prestação) de garantia, requerida pelo impugnante ou oponente.

P. Como resulta do disposto no art. 52.º, n.º 4 da LGT e 103º n.º4 do CPPT, a pendência de impugnação judicial só pode ser fundamento de suspensão da execução fiscal se for prestada garantia ou a prestação da garantia for dispensada pela ATA.

Q. Ou seja, só findo o prazo para pagamento voluntário do tributo liquidado, e havendo decisão final de indeferimento sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia é que a a AT deve extrair a certidão de dívida e instaurar a execução fiscal.

R. Reitere-se aqui a posição defendida por JORGE LOPES DE SOUSA in CPPT, Volume II, anotações ao artigo 103º, página 175:
“Só poderá ser assegurada a não instauração do processo de execução fiscal, se a impugnação judicial for deduzida antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo (..) Se eventualmente for instaurada execução fiscal quando já está pendente a impugnação judicial com garantia já prestada ou estando por decidir o pedido de prestação já formulado, essa instauração da execução será ilegal, podendo o interessado opor-se à execução, com fundamento nessa ilegalidade.”

S. Cite-se ainda o entendimento vertido no Douto Acórdão do STA de 21/03/2012, processo n.º 01145/11, disponível em www.dgsi,pt : “V - Pode constituir fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do 204.º do CPPT, o desrespeito pela suspensão da execução fiscal na pendência de impugnação judicial quando tenha sido prestada ou constituída garantia, quando o executado tenha sido dispensado de prestá-la ou quando existam bens penhorados que garantam o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.”

T. Acompanhando a linha de pensamento do STA no sentido de que constitui fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, o desrespeito pela suspensão da execução fiscal na pendência de impugnação judicial quando tenha sido prestada ou constituída garantia, ou quando o executado tenha sido dispensado de prestá-la, nunca a oposição à execução poderia ter sido instaurada contra a Oponente quando a mesma tinha pendente um pedido de isenção de prestação de garantia formulado antes da data do pagamento voluntário, e com Impugnação pendente.

U. Nesta conformidade, entende a Recorrente que, ao abrigo do disposto no artigo 52º n.º4 da LGT, 103º n.º4, 169º n.º2 e 199º n.º3 do CPPT, a execução fiscal não poderia ter sido instaurada, pelo que o Douto Tribunal “a quo “fez uma errada interpretação do disposto nos artigos supra mencionados.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO E REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, ASSIM SE FAZENDO, TÃO SOMENTE, A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA!

I.4. Não foram produzidas contra-alegações.

I.5. Remetido os autos ao S.T.A., o exm.º magistrado do Ministério Público teve vista, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso, com a fundamentação:

“1. Na sentença recorrida deu-se como assente que tendo sido notificada da “demonstração de acerto de contas” onde foi apurada a dívida de € 306.719,20 euros, com data limite de pagamento em 28/02/2018, a Recorrente solicitou em 22/02/2018, junto do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a dispensa de prestação de garantia e suspensão de todas as diligências tendentes à cobrança coerciva dessa dívida, tendo igualmente apresentado em 26/02/2018 impugnação judicial contra o ato de liquidação.
Mais se deixou assente que em 20/03/2018 foi instaurada no Serviço de Finanças de Viana do Castelo a execução nº 2348201801041096, com vista à cobrança da referida dívida, no âmbito da qual foi a Recorrente citada em 26/03/2018.
2. Para se decidir pela improcedência da ação considerou o tribunal “a quo” que decorrido que seja o prazo de pagamento voluntário do imposto liquidado será extraída pelo Serviço de Finanças certidão para efeitos de cobrança coerciva da dívida e só após instauração da execução fiscal é que esta pode ser suspensa mediante a prestação de garantia, nos termos do regime previsto nos artigos 52º da LGT, e 169º do CPPT.
Entendeu, assim, o tribunal “a quo” que «carece de qualquer fundamento a posição defendida pela Oponente, quando alega que resulta da interpretação do disposto nos artigos 103º, nº4, do CPPT, 52º, nºs 1,2, e 4 da LGT, e 169º, nºs 1 a 5 e 9 do CPPT, que não pode ser instaurada a execução quando a dívida exequenda tenha sido impugnada com pedido de dispensa de garantia pendente».
III. Análise do Recurso.
A questão que se coloca consiste em saber se perante a apresentação de impugnação judicial do ato de liquidação e pedido de dispensa de prestação de garantia, tal facto obsta à instauração de execução fiscal com vista à cobrança coerciva após o decurso do prazo de pagamento voluntário.
A Recorrente entende que «só findo o prazo para pagamento voluntário do tributo liquidado, e havendo decisão final de indeferimento sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia é que a a AT deve extrair a certidão de dívida e instaurar a execução fiscal», o que não ocorreu no caso concreto dos autos em que «a execução foi instaurada quando a dívida exequenda estava impugnada, com pedido de isenção de prestação de garantia pendente».
Para o efeito louva-se no entendimento de Jorge Lopes de Sousa (in CPPT, Volume II, anotações ao artigo 103º, página 175), que defende «“Só poderá ser assegurada a não instauração do processo de execução fiscal, se a impugnação judicial for deduzida antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo (...) Se eventualmente for instaurada execução fiscal quando já está pendente a impugnação judicial com garantia já prestada ou estando por decidir o pedido de prestação já formulado, essa instauração da execução será ilegal, podendo o interessado opor-se à execução, com fundamento nessa ilegalidade.”
Salvo o devido respeito por tal opinião, que se encontra sustentada na melhor doutrina, afigura-se-nos que a mesma não assenta na melhor interpretação do disposto nos artigos 103º, nº4, do CPPT, 52º, nºs 1,2, e 4 da LGT, e 169º, nºs 1 a 5 e 9 do CPPT, na redação aplicável à data dos factos.
Com efeito, os efeitos suspensivos que a lei confere aos meios impugnatórios da dívida estão gizados pelo legislador por referência ao processo de execução fiscal, no âmbito do qual deve ser apreciada a prestação ou dispensa de garantia.
Na verdade, a lei não atribui à instauração da impugnação judicial (ou qualquer outro dos meios impugnatórios da dívida) efeitos suspensivos da eficácia do ato tributário, motivo pelo qual decorrido o prazo de pagamento voluntário opera o vencimento da obrigação tributária e constitui fundamento para a extração de certidão de dívida, que gera o titulo executivo apto à instauração da execução fiscal (nºs 1 e 5 do artigo 88º e nº1 do art. 188º, ambos do CPPT).
Por outro lado atualmente é manifesto que a prestação da garantia é sempre apreciada pelo órgão de execução fiscal (Em redação anterior do nº4 do artigo 103º do CPPT (“A impugnação tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos nº s 1 a 5 e 9 do artigo 199º”.) a lei conferia ao tribunal competente para apreciação da impugnação o poder de apreciação da prestação de garantia), o que pressupõe a pendência desse processo e restringe os efeitos suspensivos da prestação de garantia ao prosseguimento da cobrança em sede desse processo.
Assim sendo, decorrido que seja o prazo de pagamento voluntário do ato de liquidação, nada obsta à extração de certidão e instauração de execução fiscal, como decorre do disposto no artigo 88º, nº1 e 5 do CPPT, a qual deve contudo ser suspensa após a citação da Recorrente, enquanto não seja apreciado pedido de isenção da prestação de garantia (Como neste particular defende Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotação 4 ao art. 169°, pp. 217 e 218.) «a isenção de prestação de garantia é um substitutivo desta prestação, pelo que lhe devem ser atribuídos os mesmos efeitos, pois se assim não fosse inutilizar-se-ia o efeito primacial desta isenção, que corresponde a um direito dos contribuintes, reconhecido pelo art. 52°, n°4, da LGT».)
Entendemos, assim, que a sentença não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.”
I.6. O objecto do recurso resulta delimitado quanto à questão de saber se se verifica ilegalidade na instauração de execução à oponente que formulara um pedido de dispensa de prestação de garantia e veio a apresentar impugnação judicial da dívida de imposto, relativamente ao que a recorrente imputa erro de julgamento, de direito, na interpretação e aplicação efetuada do disposto nos artigos 52º n.º4 da L.G.T., 103º n.º4, 169º n.º2 e 199º n.º3 do C.P.P.T..
I.7. Cumpre apreciar e decidir em conferência, remetido que foi o projeto de acórdão aos exm.ºs Conselheiros adjuntos com antecedência de cinco dias, e tendo os mesmos vista do processo em simultâneo através do SITAF.

II. Fundamentação.
II.I. De facto.

Na sentença recorrida foram fixados os seguintes factos provados:

1. Em 23-01-2018, a sociedade Oponente foi notificada da “Demonstração de acerto de contas” n.º 2018 00000539034, referente ao exercício de 2014, no montante a pagar de € 306.719,20, com data limite de pagamento de 28-02-2018 – facto não controvertido e conforme a documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido;

2. Em 22-02-2018, a Oponente apresentou, junto do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, requerimento a solicitar dispensa de prestação de garantia e suspensão de todas as diligências executivas tendentes à cobrança coerciva da nota de cobrança identificada no ponto anterior – facto não controvertido e conforme ao documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido;

3. Em 26-02-2018, a Oponente deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRC identificada em 1), o que deu origem ao processo n.º 695/18.9BEBRG e que corre termos neste Tribunal – facto não controvertido e conforme ao documento n.º 4 junto com a petição inicial, igualmente de conhecimento directo do Tribunal por consulta aos termos do processo n.º 695/18.9BEBRG na plataforma electrónica SITAF;

4. Em 20-03-2018, o Serviço de Finanças de Viana do Castelo instaurou o processo de execução fiscal n.º 2348201801041096, para cobrança coerciva das dívidas de IRC enunciadas no antecedente ponto 1), no montante exequendo de 306.719,20 € – facto não controvertido e conforme ao documento de fls. 55 do suporte electrónico dos autos;

5. Serve de base à execução referida no ponto anterior a certidão de dívida n.º 2018/513959 – cfr. fls. 53 e 54 do suporte electrónico dos autos e cujo teor se considera integralmente reproduzido;

6. A Oponente foi citada para os termos do processo de execução fiscal identificado em 4) em 26-03-2018 – cfr. fls. 55 e 56 do suporte electrónico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido;

7. A petição inicial dos presentes autos foi remetida, via postal, ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo em 12-04-2018 – cfr. fls. 57 e 58 do suporte electrónico dos autos.

*

Factos não provados:

Inexistem factos não provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.

II.2. De direito.

Encontra-se previsto que, findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias sem que tenha sido efetuado o pagamento da dívida de tributos, entre os quais, impostos, seja extraída pelos serviços competentes certidão com base nos elementos que tiverem ao seu dispor – artigo 88º, n.º 1, do C.P.P.T.- e que, extraída a certidão de dívida, o órgão de execução fiscal proceda à instauração da execução fiscal contra o executado, para que se proceda à cobrança coerciva, nos termos dos artigos 148.º n.º1 do C.P.P.T., seguindo a tramitação constante dos artigos 188.º e segs. do mesmo diploma

Tal regra, pela qual se visa obter primacialmente o pagamento voluntário, e combater situações de fraude fiscal, tem caráter vinculativo para os órgãos da Administração Tributária, conforme considerado na sentença recorrida, nomeadamente, por referência ao art. 30.º n.º2 da L.G.T..

Ainda que se considere que a mesma comporta exceções, não vigorando na totalidade o princípio “solve et repete” (“paga e reclama”), consideramos que nelas não se enquadra o caso de dispensa de prestação de garantia formulado depois de decorrido o prazo de pagamento voluntário e antes de ser apresentada impugnação judicial.

Aliás, Jorge Lopes Sousa, citado pela recorrente em sentido contrário ao que se defende, assinala, antes que “só poderá ser assegurada a não instauração o processo de execução fiscal, se a impugnação judicial for deduzida dentro do prazo de pagamento voluntário do tributo, pois, findo este prazo, é extraída certidão da dívida para efeitos de instauração de execução (arts. 88.º, n.ºs 1 e 4, e 162.º.º do CPPT)”.

E, analisando as disposições legais invocadas pela recorrente como violadas, de nenhuma delas resulta excluída a aplicação esta última regra.

No artigo 52º, n.º 4, da L.G.T. prevê-se que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”.

Ou seja, não se regula aí em que termos se suspende a execução em relação com o dito meio de impugnação judicial, no caso de ser formulado pedido de dispensa de garantia.

E a tal não respeita também o previsto no art. 103.º n.º 4 do C.P.P.T. na redação vigente em 2018, em que se previa que pudesse ser obtido efeito suspensivo, mediante requerimento para a prestação de garantia adequada pelo contribuinte e posterior notificação, a efetuar pelo tribunal no prazo de 10 dias, com respeito pelos critérios e termos dos n.ºs 1 a 6 e 10 do art. 199.º do C.P.P.T..

Por outro lado, no artigo 169.º n.º2 do C.P.P.T., após no seu n.º1 se prever a suspensão da execução na pendência de vários meios que tenham por objeto a legalidade da dívida, com constituição ou prestação de garantia ou penhora, veio a prever-se no seu n.º2 que “a execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda”.

Aí não se regula, pois, o caso de dispensa de garantia.

Sobre este rege especificamente o artigo 170.º do C.P.P.T., nos seguintes termos:

1 – Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior. 2 – Caso o fundamento da dispensa da garantia seja superveniente ao termo daquele prazo, deve a dispensa ser requerida no prazo de 30 dias após a sua ocorrência. 3 – O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária. 4 – O pedido de dispensa de garantia será resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação”.

Do referido art. 170.º do C.P.P.T. resulta que a dispensa de prestação de garantia pode ser requerida ao órgão de execução fiscal no prazo de 15 dias após a apresentação dos vários meios de reação possíveis (ou ainda posteriormente, caso o fundamento seja superveniente).

Assim, e tal como considerado pelo S.T.A. no seu acórdão de 22-8-2018, proferido no proc. 0753/18, acessível em www.dgsi.pt, “a dispensa de prestação de garantia deve ser pedida mediante requerimento apresentado no e dirigido ao órgão da execução fiscal, a quem a lei confere a competência exclusiva para decidir o pedido (cfr. art. 103.º, n.º 2, da LGT e arts. 150.º e 170.º do CPPT), sem prejuízo da possibilidade de o executado fazer sindicar judicialmente essa decisão (cfr. art. 276.º e segs. do CPPT).”.

De notar que, conforme o S.T.A. tinha já anteriormente considerado, tendo sido instaurada execução fiscal com pedido de dispensa de garantia pendente, não é possível proceder a penhora sem que o dito pedido de dispensa esteja decidido – cfr. ainda acórdão de 3-12-2014, proferido no proc. 01350/14, acessível na mesma base de dados.

Sobre o acórdão do S.T.A. invocado pela recorrente, proferido a 21-3-2012, no proc. 01145/11, consideramos que, devidamente contextualizado o respetivo sumário por aquela reproduzido, trata-se afinal de caso diverso, em que o pedido de dispensa de garantia foi formulado já na pendência de oposição, conforme no dito acórdão se pode ler.

Concluímos, pois, que, tendo o pedido de dispensa sido formulado após o prazo de pagamento voluntário, nos termos do art. 110.º n.º1 do C.I.R.C., mas antes de decorrido o de impugnação judicial, nos termos do art. 102.º, n.º1, a), do C.P.P.T., para que remete o art. 137.º n.º1 do C.I.R.C., era legítimo proceder à instauração de execução fiscal, de acordo com o disposto nos artigos 88.º n.º1 e 148.º n.º1 do C.P.P.T., tal como considerado na sentença recorrida.

Esta não padece do erro que é imputado pela recorrente.

III. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente – art. 527.º n.º1 do C.P.P.T.-, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 7 de abril de 2021. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.