Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0982/10
Data do Acordão:05/04/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
PAGAMENTO DA QUANTIA EXEQUENDA
DÍVIDA EXEQUENDA
REVERSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário:I - Não tendo a execução fiscal sido declarada extinta pelo órgão da execução na sequência do pagamento parcial da dívida exequenda pelo responsável subsidiário, não pode o julgador extinguir a instância de oposição com fundamento em impossibilidade superveniente da lide.
II - A inutilidade superveniente da lide só faz sentido nas situações em que seja o devedor originário a pagar a dívida, e não já naquelas em que a oposição é o único meio processual que os oponentes/revertidos dispõem para atacar a ilegalidade do acto de reversão por violação do disposto nos artigos 23.º e 24.º da LGT e 153.º do CPPT, devendo o artigo 9.º nº 3 da LGT ser interpretado no sentido de incluir a oposição como forma de impugnar esse acto.
III - Pelo que, sendo o pagamento da dívida efectuado pelo responsável subsidiário para beneficiar da isenção de custas e multa nos termos do artigo 23.º n.º 5 da LGT, esse pagamento não implica a preclusão do seu direito de impugnar o despacho de reversão, não podendo extinguir-se a instância de oposição com fundamento em inutilidade superveniente da lide.
Nº Convencional:JSTA00066946
Nº do Documento:SA220110504982
Data de Entrada:12/09/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:LGT98 ART9 N3 ART22 N1 ART23 N5 ART24.
CPPTRIB99 ART153.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC714/09 DE 2009/10/07.; AC STA PROC985/08 DE 2009/03/25.; AC STA PROC24/10 DE 2010/05/26.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VII PAG89.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, no âmbito de processo de oposição à execução fiscal contra si revertida para cobrança de dívidas provenientes de Coimas, IVA e IRS liquidadas à sociedade B…, julgou extinta a oposição por impossibilidade superveniente da lide.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
1. O recorrente foi citado - depois de ter exercido o direito de audição prévia - no processo de execução fiscal para, como revertido, pagar a quantia de € 25.746,38 nos termos do art.° 23.° n.º 5 da Lei Geral Tributária, podendo, no mesmo prazo de trinta dias, opor-se;
2. Não se conformando com o despacho de reversão, deduziu oposição, sendo que anteriormente pagou a supracitada importância de € 25.746,38 no dia 23/12/2009;
3. Na petição inicial foram vertidos os factos que o então oponente, ora recorrente, entende suficientes para fundamentar a sua oposição à execução fiscal, entre outros, nomeadamente: ilegitimidade, inconstitucionalidade do art.° 24.° da Lei Geral Tributária, violação do art.° 30.° n.º 3 da Constituição da República Portuguesa na medida em foi transmitida a responsabilidade contra-ordenacional da devedora/executada originária.
4. Por douto despacho/sentença, o Meritíssimo Senhor Doutor Juiz do Tribunal “a quo” determinou a extinção da oposição por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.° 203.° n.º 5 do C.P.P.T. conjugado com o art.° 287.° alínea c) do C.P.C. e porque a execução fiscal se encontrava extinta de conformidade com os arts. 264.° e 269.° do mesmo C.P.P.T.;
5. Sempre salvo melhor entendimento, não deveria o Tribunal “a quo” considerar a execução fiscal como extinta, na exacta medida em que os respectivos juros de mora e custas processuais não se encontram pagas, conforme dispõe o art.° 264.° n.º 1 atrás citado na esteira do art.° 23.° n.º 6 da L.G.T. que mantém a obrigação do executado/devedor originário ou responsáveis solidários pagarem os juros e custas;
6. É entendimento do ora recorrente que o Tribunal “a quo” ao decidir, como decidiu, violou indubitavelmente princípios constitucionais no que tange ao acesso à justiça e à tributação segundo a capacidade contributiva – arts. 20.° n.º 1 e 268.° n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e também os arts. 9.° n.º 3 e 23.° n.º 6, ambos da L.G.T.;
7. O Serviço de Finanças de Sintra -2 não notificou o oponente, ora recorrente, da extinção da execução fiscal, numa clara violação ao comando elencado no art.° 36.° do C.P.P.T., sendo certo que à luz do arts. 264.º n.º 1 do mesmo C.P.P.T. conjugado com o art.° 23.° n.º 6 da L.G.T. tal extinção sempre exigiria o pagamento dos juros de mora e custas processuais, o que não aconteceu neste caso;
8. Isto é, não se encontrando pagos os juros de mora nem as custas processuais, deverá a execução fiscal ficar suspensa sendo que neste ínterim era dever da Administração Fiscal através da fiscalização/inspecção tributária averiguar da existência posterior de eventuais bens no activo da executada/devedora originária para que então o processo executivo continuasse seus termos tendo como escopo final a cobrança do que ainda se encontrava em divida - juros de mora e custas - estribado no já referido art.° 23.° n.º 6 da L.G.T. e, igualmente, também no 264.° n.º1 do C.P.P.T.;
9. Assim, a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” violou o primado da Lei Geral Tributária, verdadeiro direito substantivo – no que tange ao acesso ao direito e às garantias – sobre o direito adjectivo, isto é, normais processuais e procedimentais consignadas no C.P.P.T.;
10. Explicitando: “in casu” o mais importante são as normas de direito substantivo que, salvo melhor entendimento, se devem sobrepor ao direito adjectivo/processual, o que equivale a dizer que a norma constante do art.° 23.° n.º 6 da L.G.T. que mantém a obrigação do devedor/executado principal ou do responsável solidário pagarem os juros de mora e custas processuais numa interpretação à contrário impede a extinção da execução;
11. A douta sentença violou pois o princípio constitucional da capacidade contributiva aliado ao outro principio também constitucional que é o da igualdade tributária;
12. Deve pois a douta sentença proferida no Tribunal “a quo” ser declarada nula e ordenada a sua substituição por outra que apreciando o mérito da oposição deduzida, julgue o oponente, ora recorrente, parte ilegítima e, ordene o reembolso da quantia paga.
1.2. A Fazenda Pública (Recorrida) não apresentou contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, na medida em que «o processo de execução fiscal onde foi deduzida a oposição não foi relevantemente extinto: a) por falta de pagamento dos juros de mora e das custas processuais [informação fls. 78/79; arts.176° n°1 al. a) e 264° n°1 CPPT]; b) por falta de proferimento de despacho de extinção pelo órgão da execução fiscal (art. 269° CPPT). O pagamento da dívida tributária principal foi efectuado pelo recorrente (na qualidade de responsável subsidiário) para obter o benefício da isenção de juros de mora e custas (art. 23° n°5 LGT). O uso desta faculdade não deve ser interpretado como renúncia (ainda que implícita) ao exercício do direito de oposição à execução (arts. 189° n°1 CPPT; art. 9° n°3 LGT, embora directamente aplicável ao procedimento e ao processo tributário).».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é, em primeiro lugar, a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar que se verificava a impossibilidade superveniente da lide de oposição à execução fiscal revertida contra o Oponente em face da extinção da execução.
O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” julgou que «os processos de execução fiscal ora controvertidos se encontram extintos por pagamento efectuado pelo oponente em 23.12.09 - cfr art.° 5° e 6° da p.i. de fls. 6 e segs e “Documento de Cobrança” de fls.148. Nos termos do disposto no artº. 264° e art.° 269°, do CPPT, a extinção da execução controvertida nos autos determina a extinção da oposição por impossibilidade superveniente da lide. – cfr. nº 5 do art.° 203° daquele Código e alínea e), do art.° 287°, do CPC e Ac. do STA, de 15.06.05, proferido no Proc. n° 0426/05 e de 14.01.04, proferido no Proc. n°01655/03. Atento a que o pagamento da dívida exequenda se verificou após a instauração dos processos de execução, vai o A. condenado em custas - cfr. art.° 447° do CPC.».
Resulta da informação prestada nos autos a fls. 77/78 que «em 23 de Dezembro de 2009 o oponente procedeu ao pagamento da totalidade da quantia exequenda revertida contra si, e referente ao período que exerceu a gerência nos referidos autos de execução fiscal, no montante de € 25.746,38 (...), tendo dessa forma usufruído do benefício contido no n.º 5 do art.º 23º da Lei Geral Tributária (...). Em face do exposto extinguiu-se o instituto da reversão (...)».
Dela não consta, pois, que a execução fiscal tenha sido extinta. Nem poderia tê-lo sido, uma vez que, como também aí se afirma, a quantia em cobrança resulta de dívidas tributárias dos anos de 2004 a 2009 e ascende ao total de 35.118,71 €, e o Oponente foi chamado a pagar (e pagou) somente 25.746,38 €, por ser responsável apenas pelas dívidas constituídas até 15/05/2008. O que significa que a execução terá prosseguido para a cobrança da quantia restante, dos respectivos juros de mora e das custas processuais.
A decisão incorreu, pois, em erro ao julgar que ocorrera a extinção da execução fiscal e ao concluir, com base nesse único pressuposto, que a oposição se tornara impossível.
Por outro lado, embora o pagamento voluntário da dívida possa acarretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o certo é que, como esclarece JORGE LOPES DE SOUSA, no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”, II volume, pág. 89, e tem sido confirmado pela jurisprudência mais recente deste Tribunal (Cfr. Acórdãos proferidos em 7/10/2009, em 25/03/2009, e em 26/05/2010, nos Processo nºs 714/09, 985/08 e 24/10.), o pagamento efectuado pelo responsável subsidiário, dentro do prazo de oposição, para beneficiar da isenção de custas e multa nos termos do artigo 23.º, n.º 5 da LGT, não implica a preclusão do seu direito de impugnar o acto de liquidação, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º da LGT, que expressamente estabelece que «o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei». O pagamento efectuado pelo responsável subsidiário dentro do prazo da oposição enquadra-se na previsão desta norma, já que a isenção de juros de mora e custas que o artigo 22.º, n.º 1, da LGT inclui no âmbito da responsabilidade subsidiária constitui, como qualquer isenção, um benefício.
A inutilidade da lide faz sentido nas situações em que seja o devedor originário a pagar a dívida, mas não já naquelas em que, como no caso dos autos, o processo de oposição é o único meio processual que os oponentes/revertidos dispõem para atacar a ilegalidade do despacho de reversão, por violação do disposto nos artigos 23.º e 24.º da LGT e 153.º do CPPT, devendo o artigo 9.º nº 3 da LGT ser interpretado no sentido de incluir a própria oposição à execução como forma de atacar a ilegalidade do acto que ordenou a reversão contra os legais representantes da sociedade executada a título principal.
Em suma, o pagamento efectuado pelo Oponente para beneficiar de isenção de custas e acrescido não tem a virtualidade de precludir o seu direito de ver apreciada a oposição, não podendo manter-se a decisão recorrida que assim não entendeu.
3. Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à instância para, após fixação da matéria de facto pertinente, conhecimento das questões suscitadas na oposição.
Sem custas.
Lisboa, 4 de Maio de 2011. – Dulce Manuel Neto (relatora) - António Calhau - Brandão de Pinho.