Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0506/17
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22134
Nº do Documento:SA2201707120506
Data de Entrada:05/02/2017
Recorrente:BANCO A..., S.A.
Recorrido 1:DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. A recorrente Banco A………………., SA, notificada do acórdão do Secção de Contencioso Tributário de 31.05.2017, que consta de fls. 292/310, vem arguir e requerer a declaração de nulidade do referido acórdão ao abrigo do disposto nos artsº 195º 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, invocando, em síntese, os seguintes fundamentos:

1.1 Alega a recorrente que o acórdão sindicado é nulo por omissão parcial de pronúncia, porquanto «argumentou que a tutela antecipatória do interesse que o Recorrente visa prosseguir na acção principal, tutela esta a cujo pedido tem direito por força da Constituição da República Portuguesa, apenas é possível mediante a providência cujo decretamento peticionou
E sustenta que o acórdão, cuja nulidade invoca, «não analisa nem se pronuncia expressa ou implicitamente a propósito desta questão, que não é prejudicada pela decisão a respeito das outras questões suscitadas pelo Recorrente, tendo limitado a sua análise, conclusão e decisão ao âmbito infraconstitucional.»

1.2 Alega também que acórdão sindicado padece de nulidade por excesso de pronúncia, convocando os seguintes argumentos:
-como é admitido no acórdão agora relevante, o Tribunal Tributário de Lisboa não conheceu do mérito do peticionado pelo Recorrente.
No entanto, no acórdão de 31 de Maio de 2017 o Tribunal decide, expressamente, que "a pretensão do Recorrente não pode obter acolhimento" porque, "estando em causa interesses meramente patrimoniais, e sendo consabido e notório que a recorrente é uma entidade bancária, os montantes em causa na acção principal, numa óptica de valores relativos, nunca seriam aptos a pôr em causa, de forma irreparável, a sua actividade empresarial ou a causar-lhe prejuízos de muito difícil reparação" e "não existe razão para se temer que se estabeleça uma situação de facto consumado, já que a decisão de indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis e a própria liquidação não são irreversíveis, sendo sempre de configurar a possibilidade de anulação do imposto que a mais tiver sido liquidado com juros indemnizatórios legais sobre os valores indevidamente cobrados", "não sendo de aplicar o regime do n° 6 do art. 147º do CPPT."
Ora, e conforme lhe competia, na delimitação do presente recurso e na formulação do seu pedido o Recorrente reportou-se à decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, que não se pronunciou (nem tinha que se pronunciar, face à posição que assumiu) sobre o mérito do pedido efectuado nos presentes autos.
E acrescenta que «no acórdão de 31 de Maio de 2017 o Tribunal parece até pronunciar-se acerca do mérito da acção principal nos presentes autos, ao citar o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 145/2014, de 13 (indicado como 14 no acórdão) de Fevereiro de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 521/2013, no sentido da não inconstitucionalidade do número 6 do artigo 129.° do Código do IRC (actual artigo 139.°), o qual, aliás, em nada põe em causa a argumentação do Recorrente naquela acção».

1.3 Por fim imputa ao acórdão nulidade pela violação do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo pela não notificação do parecer do Ministério Público

No que concerne a este aspecto argumenta, em síntese, o seguinte:
- Constatou o Recorrente que o Ministério Público emitiu parecer prévio à prolação do acórdão de 31 de Maio de 2017.
- O Recorrente não foi notificado do parecer em causa, apenas dele tendo tomado conhecimento mediante a referência que é efectuada pelo Tribunal no acórdão de 31 de Maio de 2017.
- O princípio do contraditório previsto no número 3 do artigo 3.° do Código de Processo Civil, aplicável ao processo tributário por força da alínea e) do artigo 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como o direito a um processo equitativo no qual aquele princípio se integra, fundado in fine na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, são princípios basilares do direito processual, na medida em que permitem às partes pronunciarem-se sobre todas as questões suscitadas no âmbito do processo, participando activamente no seu desenvolvimento.

- Em observância dos referidos princípios, as partes deverão ser ouvidas sempre que o Ministério Público suscite questões que obstem ao conhecimento do pedido ou argua novos argumentos.
- Desta forma, sempre que o Ministério Público suscite uma questão nova, sobre a qual as partes não tenham tido a oportunidade de se pronunciar, os intervenientes deverão ser notificados, com vista a possibilitar-lhes a pronúncia sobre a questão suscitada ex novo.
- De acordo com as referências constantes no acórdão de 31 de Maio de 2017, o Ministério Público pronunciou-se "no sentido de que a alteração do pedido efectuada pel[o] Recorrente se mostra inviável, por o pedido efetuado não ter qualquer relação causal ou instrumental com o pedido formulado na ação principal, sendo-lhe indiferente."
- Ora, sobre tal questão, susceptível de influenciar o sentido final da decisão recorrida, não pôde o Recorrente pronunciar-se oportunamente.
- Nessa medida, a notificação do parecer do Ministério Público ao Recorrente não poderia ter sido dispensada nos presentes autos, como implicitamente foi, pelo que a omissão da mesma configura uma nulidade processual, que se invoca nos termos dos artigos 195.° e 199.° do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi da alínea e) do artigo 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para todos os efeitos legais.

2. Notificada do requerimento de arguição de nulidades interposto pela recorrente, a Fazenda Pública nada disse.

3. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

4.1 Da alegada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
Na tese da recorrente o acórdão sindicado padece de nulidade por omissão de pronúncia porquanto não analisa nem se pronuncia expressa ou implicitamente a propósito da questão suscitada relativa à «tutela antecipatória do interesse que o Recorrente visa prosseguir na acção principal, tutela esta a cujo pedido tem direito por força da Constituição da República Portuguesa, apenas é possível mediante a providência cujo decretamento peticionou», tendo limitado a sua análise, conclusão e decisão ao âmbito infraconstitucional.

Esta argumentação da recorrente não é porém, de acolher.

De harmonia com o disposto nos arts. 608º n.º 2 e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil ocorre omissão de pronúncia susceptível de demandar a nulidade de sentença ou acórdão, quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questão submetida pelas partes à sua apreciação e decisão e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia se o tribunal, pura e simplesmente, não tomar posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – vide, ente outros, Acórdãos de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06, in www.dgsi.pt.
No caso vertente a recorrente invocava na alínea e) das conclusões da sua alegação de recurso que «O resultado, a tutela antecipatória (a possível, nesta fase) do interesse que o Recorrente visa prosseguir na acção principal, tutela esta a cujo pedido tem direito por força da Constituição da República Portuguesa, apenas é possível mediante a providência cujo decretamento peticionou».
No desenvolvimento do seu discurso argumentativo alegava quanto esta questão que que o meio processual (do artº 169º do CPPT), que o Tribunal considerou próprio, pressupõe o ónus de contestar pela via administrativa e ou judicial a liquidação referida. Pelo que, em seu entender, o pedido de providência cautelar formulado – de suspensão de eficácia da liquidação, independentemente da prestação de garantia, sempre seria meio processual mais adequado à concreta pretensão de tutela jurisdicional que pretende obter.

Sucede que foi nesta perspectiva - do direito à tutela jurisdicional efectiva - que o acórdão configurou a questão ao referir que no artº 169º do CPPT se estabelece «um regime especial para a suspensão de actos de liquidação de dívidas susceptíveis de serem cobradas através de processo de execução fiscal, que opera imediata e oficiosamente, sem um procedimento cautelar de concessão e independentemente da verificação do requisito da existência de receio de prejuízo irreparável que é feita no nº 6 do artº. 147º do CPPT.
Por isso, tratando-se de um regime especial, está, em princípio, afastada a aplicabilidade do regime do nº 6 deste art. 147º à suspensão de eficácia de actos de liquidação de dívidas cobradas através de processo de execução fiscal.»

Não deixando de sublinhar que, pese embora a doutrina e alguma jurisprudência venham admitindo que poderá utilizar-se o regime de adopção de providências cautelares para obter a suspensão de eficácia de acto administrativo que determine o pagamento de quantia sem a prestação de garantia (ou da penhora que é equivalente, nos termos do nº. 1 do art. 169 º), quando existir o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária, não era esse o caso vertente dado que, «estando em causa interesses meramente patrimoniais, e sendo consabido e notório que a recorrente é uma entidade bancária, os montantes em causa na acção principal, numa óptica de valores relativos, nunca seriam aptos a pôr em causa, de forma irreparável, a sua actividade empresarial ou a causar-lhe prejuízos de muito difícil reparação», e «não existe razão para se temer que se estabeleça uma situação de facto consumado, já que a decisão de indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis e a própria liquidação não são irreversíveis, sendo sempre de configurar a possibilidade de anulação do imposto que a mais tiver sido liquidado com juros indemnizatórios legais sobre os valores indevidamente cobrados».

Para, a final, concluir que «dada a inexistência de fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação, a possibilidade de deduzir impugnação judicial e de requerer a suspensão de execução mediante prestação de garantia, ao abrigo do disposto no artº 169º do CPPT, garante no caso, a salvaguarda do direito à tutela judicial efectiva, não sendo de aplicar o regime do nº 6 do art. 147º do CPPT» - vide fundamentação do acórdão a fls. 307/309.


Ora do exposto, e nomeadamente desta última asserção, resulta expresso, e nem sequer meramente implícito, que o acórdão se pronunciou quanto à enunciada questão que se reconduz, no plano constitucional, ao direito à tutela jurisdicional efectiva.

Improcede, pois, a arguida nulidade.


4.2 Do invocado excesso de pronúncia.

Alega a requerente que o Tribunal Tributário de Lisboa não conheceu do mérito do peticionado pelo Recorrente e no entanto «no acórdão de 31 de Maio de 2017 o Tribunal decide, expressamente, que "a pretensão do Recorrente não pode obter acolhimento" porque, "estando em causa interesses meramente patrimoniais, e sendo consabido e notório que a recorrente é uma entidade bancária, os montantes em causa na acção principal, numa óptica de valores relativos, nunca seriam aptos a pôr em causa, de forma irreparável, a sua actividade empresarial ou a causar-lhe prejuízos de muito difícil reparação" e "não existe razão para se temer que se estabeleça uma situação de facto consumado, já que a decisão de indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis e a própria liquidação não são irreversíveis, sendo sempre de configurar a possibilidade de anulação do imposto que a mais tiver sido liquidado com juros indemnizatórios legais sobre os valores indevidamente cobrados", "não sendo de aplicar o regime do n° 6 do art. 147º do CPPT."
E acrescenta que «no acórdão de 31 de Maio de 2017 o Tribunal parece até pronunciar-se acerca do mérito da acção principal nos presentes autos, ao citar o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 145/2014, de 13 (indicado como 14 no acórdão) de Fevereiro de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 521/2013, no sentido da não inconstitucionalidade do número 6 do artigo 129.° do Código do IRC (actual artigo 139.°) (…)».

Esta alegação não pode no entanto proceder.
Vejamos.
Nos termos do artigo 615º, nº 1, als. c) e d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a sentença ininteligível ou o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento
Por outro lado, e no que concerne ao recurso importa ter em conta que são as conclusões que delimitam o respectivo objecto.
Nas conclusões o recorrente deve apresentar, de forma sintética, os fundamentos porque pede a alteração ou a anulação da decisão (artº 639º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Fundamentos esses que são traduzidos na enunciação das questões de direito cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido.

No caso vertente, como vimos, a recorrente alegava que o pedido de providência cautelar formulado – de suspensão de eficácia da liquidação, independentemente da prestação de garantia, sempre seria meio processual mais adequado à concreta pretensão de tutela jurisdicional que pretende obter, invocando o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado na Constituição (conclusão e) das alegações de recurso), sendo, aliás, este um dos pontos axiais da sua pretensão.

Ora, face à questão nestes termos suscitada e às razões de discordância com a fundamentação da sentença recorrida manifestadas pela recorrente, parece evidente que o acórdão recorrido não se desviou do objecto do recurso nem incorreu em excesso de pronúncia.
Como já referido supra, as considerações que no acórdão se fazem em relação à inexistência de fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação e à possibilidade de deduzir impugnação judicial e de requerer a suspensão de execução mediante prestação de garantia, ao abrigo do disposto no artº 169º do CPPT, têm em vista a análise da questão da adequação do meio processual utilizado sob a perspectiva do direito à tutela jurisdicional efectiva.

E a referência ao acórdão do Tribunal Constitucional 145/14, introduzida em anotação na parte expositiva do acórdão e não no seu segmento decisório, não é mais do isso, mera nota de carácter informativo, que constitui obiter dictum e que, como é evidente não integra, nem de forma aparente, a ratio decidendi do julgado.
Em suma o acórdão sob censura procedeu à análise das questões de direito enunciadas no recurso, tendo presente a fundamentação da sentença recorrida e os fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, sendo manifesto que não se desviou do objecto do recurso nem incorreu em excesso de pronúncia.

4.3 Da também alegada nulidade do acórdão, por violação do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo, decorrente da não notificação do parecer do Ministério Público

Invoca a recorrente que o Ministério Público se pronunciou "no sentido de que a alteração do pedido efectuada pelo Recorrente se mostra inviável, por o pedido efectuado não ter qualquer relação causal ou instrumental com o pedido formulado na ação principal, sendo-lhe indiferente" e que, sobre tal questão, susceptível de influenciar o sentido final da decisão recorrida, «não pôde o Recorrente pronunciar-se oportunamente».

Não cremos, porém, que se verifique a arguida nulidade, que a consubstanciar-se integraria uma nulidade processual, mas não do acórdão.
É certo que a recorrente não foi notificada do parecer que, já neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu a propósito do recurso jurisdicional em presença.
Porém, como vem sendo entendimento pacífico e reiterado, tanto do Supremo Tribunal Administrativo, como do Tribunal Constitucional, só há necessidade de notificar o parecer do Ministério Público e de observar o princípio do contraditório se no parecer forem suscitadas questões novas susceptíveis de influir na causa ou que obstem ao conhecimento do pedido (cfr., entre outros, os acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA de 29.06.2005, no recurso n.º 0432/05, de 30.11.2011, recurso 992/11, de 11.07.2012, recurso 237/12 e de 06.03.2013, recurso 842/12; os acórdãos da Secção de CA do STA e de 05.12.2007 no rec. n.º 3/07 e os acórdãos do Tribunal Constitucional de 02.05.2001, no rec. n.º 185/2001 e de 12.07.2001, no rec. n.º 361/01),
Ora no caso o Ministério Público não se pronunciou sobre questão que não tivesse sido apreciada no tribunal de primeira instância, limitando-se a emitir opinião sobre a solução do litígio que lhe pareceu mais adequada, sendo certo que a própria decisão recorrida era já uma decisão de absolvição da instância por impropriedade no meio processual e impossibilidade de convolação.
Ademais o acórdão cita o parecer, mas não se sustenta no mesmo.
Mais, não acompanha a abordagem a questão proposta pelo Ministério Público, seguindo outro rumo de argumentação, daí que, também por isso se entenda que a irregularidade cometida não tinha, como não teve, virtualidade de influir na decisão da causa.
Por isso se entende (e se entendeu) que não se justificava a abertura de debate contraditório sobre a argumentação jurídica do Ministério Público.
Neste contexto, a omissão da notificação do parecer do Ministério Público à recorrente, não influenciou no exame ou na decisão da causa e consequentemente não determinou a violação do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo.


Por tudo o que fica dito, improcedem as arguidas nulidades.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC;

Lisboa, 12 de Julho de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.