Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0117/20.5BALSB
Data do Acordão:06/30/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27964
Nº do Documento:SAP202106300117/20
Data de Entrada:10/15/2020
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


1. Relatório
1.1. A…………, S.A., identificada nos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.º, n.ºs 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 25/09/2020, pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo n.º 893/2019-T, contradição com o decidido no acórdão da mesma entidade, de 15/11/2017, no processo n.º 179/2018-T.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:
«a) Da oposição no âmbito da mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento
A) É de sublinhar a identidade da questão tratada na decisão arbitral recorrida (processo n.º893/2019-T), de uma parte, e na decisão arbitral fundamento (processo n.º 179/2018-T), de outra parte: em ambos os casos o que está em causa é a mesma situação e a mesma questão fundamental, qual seja a apreciação da legalidade de liquidação de IRC no que respeita à taxa aplicável, com respeito a período de tributação não coincidente com o ano civil, iniciado em 2014 e terminado em 2015.
B) Dito de outro modo, questão fundamental de direito que em ambos os casos passou pela discussão de saber se ao período de tributação iniciado em 2014 e terminado em 2015 seria de aplicar a taxa de IRC em vigor em 2014, ou a taxa de IRC em vigor desde 1 de Janeiro de 2015.
C) A decisão arbitral recorrida decidiu que se aplicava a taxa em vigor em 2014, e a decisão arbitral fundamento, transitada em julgado, concluiu, pelo contrário, que se aplicava a taxa em vigor desde 01.01.2015.
D) Inexiste alteração da regulamentação jurídica aplicável entre um caso e outro.
E) Deve, pois, ser admitido o presente recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA, por remissão do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do RJAT (na redacção dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro), e fundado na oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida proferida em 22.09.2020 no processo n.º 893/2019-T, e a decisão arbitral fundamento de 15.10.2018 proferido no processo n.º179/2018-T, por se verificarem os requisitos exigidos para o efeito.
b) Disposições legais violadas pela decisão arbitral recorrida
F) A decisão arbitral recorrida viola isolada ou conjugadamente:
- o artigo 8.º, n.º 9, do CIRC, onde se dispõe que o facto gerador do imposto apenas se considera verificado no último dia do período de tributação (ocorrido em 2015 no caso,31.03.2015);- o artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015) onde se alterou para 21% a taxa de IRC via alteração do artigo 87.º do CIRC;- o artigo 261.º, n.º 1, da referida Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014, onde-se determina entre o mais que a citada alteração de taxa de IRC para 21% entra em vigorem 1 de Janeiro de 2015;- o artigo 12.º, n.º 1, da LGT, onde se dispõe (sem excepções) que as normas tributárias se aplicam aos factos posteriores à sua entrada em vigor;- e o artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, onde se determina que lei anterior (in casu o preceito que fixou a taxa de IRC em vigor durante 2014) é revogada, cessando a sua vigência, por lei posterior (in casu a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014,com entrada em vigor em 01.01.2015) que sobre a mesma matéria (taxa de IRC) disponha diferentemente.
c) Por que razão a um período de tributação findo em 2015, se aplica a taxa de IRC em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2015
G) In casu (e tal como na situação do acórdão fundamento) o último dia do período de tributação deu-se em 2015, mais concretamente em 31.03.2015 (cfr. facto dado como provado sob c), na pág. 6 da decisão arbitral recorrida).
H) Passando agora ao direito (a questão controvertida é puramente de direito), da articulação das normas que supra se referenciaram, resulta o seguinte:
I) Em sede de IRC o facto tributário dá-se no último dia do período de tributação (artigo 8.º, n.º 9, do CIRC), pelo que a taxa relevante, aplicável, é a em vigor nessa data por força do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da LGT. E não noutra data.
J) In casu a taxa em vigor nessa data do facto tributário, 2015, mais concretamente 31.03.2015, era a taxa fixada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014, entrada em vigor em 01.01.2015, e não a taxa anteriormente em vigor, fixada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.
K) Taxa anterior esta que foi justamente revogada/substituída/cessou vigência (artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil) em razão da nova taxa fixada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014, com efeitos a partir de (entrada em vigor em) 01.01.2015.
L) Que tipo de argumentação foi buscar a decisão recorrida para se furtar a esta conclusão, e impor a contrária? É o que se verá a seguir.
d) Que razão julgou ver a decisão recorrida para se furtar a esta conclusão?
M) Em suma, entende a decisão arbitral recorrida que o disposto na norma da anterior lei sobre a aplicação temporal da anterior taxa de (e outras disposições do) IRC, mudaria esta conclusão.
N) Com efeito, alega a decisão arbitral recorrida, dispunha o seguinte o artigo 14º da lei que fixou a anterior taxa do IRC, a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro:
Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014” (cfr. a transcrição desta disposição na pág. 12 da decisão arbitral atrás junta como Doc. n.º 2).
O) E pretende a decisão arbitral recorrida super impôr esta disposição transitória da anterior lei, à lei posterior que modificou a taxa de IRC.
P) O primeiro erro, salvo o devido respeito, na superimposição desta disposição transitória da lei anterior à lei posterior, que a decisão recorrida entendeu efectuar, está em ignorar, dar peso nenhum, à ressalva inicial “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º”.
Q) Se tivesse atendido a essa ressalva inicial, não teria avançado sequer mais um passo por onde avançou.
R) Com efeito, a redução de taxa para 21% operada pela subsequente e supra citada Lei n.º82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014, enquadra-se justamente no disposto no artigo 8.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, isto é, enquadra-se justamente na ressalva efectuada pela norma de aplicação temporal constante do artigo 14.º desta Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.
S) Efectivamente, o que se prevê (entre o mais) no artigo 8.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, é a descida da taxa de IRC em 2015 para 21%. Descida de taxa esta para 2015,ressalvada da aplicação da norma de aplicação temporal constante do artigo 14.º da citada Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, por esta mesma norma de aplicação temporal invocada pela decisão arbitral recorrida.
T) Sobre isto, sobre esta expressa ressalva de futuras descidas da taxa de IRC, efectuada no próprio artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, quer a decisão arbitral recorrida, quer a decisão arbitral anterior por ela seguida (processo n.º 411/2019-T), absolutamente nada dizem, antes esquecem por completo esta parte da norma que quiseram super impôr a lei posterior, na solução jurídica do caso.
U) Ouçamos agora as próprias palavras da decisão arbitral recorrida (cfr. a sua pág. 13, no Doc. n.º 2), onde se detecta o segundo erro, agora de carácter comissivo: “[t]endo agora em consideração o elemento sistemático, concluiu-se no âmbito do referido aresto [decisão no processo n.º 411/2019-T, que a decisão recorrida segue] que o preceito em análise, ao delimitar o âmbito de vigência temporal das disposições da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, teve “subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT.”, ou seja, pretendeu afastar a aplicação das regras gerais quanto à aplicação da lei tributária no tempo, constantes do artigo 12.º da LGT.”.
V) Isto não podia ser mais incorrecto.
W) Mesmo ignorando-se a ressalva logo no início do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, este não se afasta do artigo 12.º da LGT, antes prescreve o sentido geral deste regime: a nova norma fiscal dispõe para o futuro, isto é, no contexto específico e palavras do artigo 14.º da Lei n.º2/2014, “aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”.
X) O mesmo diz, de forma mais geral e abstracta, o artigo 12.º, n.º 2, da LGT: “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor”, onde se inclui, evidentemente, os períodos de tributação que se iniciem na vigência da nova norma, ou os factos tributários que ocorram já na vigência da nova norma.
Y) E mais, as palavras escolhidas pelo artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, designadamente a referência ao início do período de tributação como o marco temporal que desencadeia a aplicação da lei nova, nada têm de novidade, ou de especial.
Z) São o tipo de disposição sobre a aplicação temporal de um novo regime ou normas fiscais, recorrentemente utilizado de forma pelo legislador fiscal desde longa data.
AA) Como se recorda numa outra decisão arbitral, proferida no processo n.º 412/2019-T,com abundantes exemplos concretos.
BB) Nunca com respeito a este tipo de prescrições, a este tipo de normas de aplicação temporal de novas disposições, de uma longa linhagem de que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014,de 16 de Janeiro, é apenas uma das últimas manifestações, alguma vez se viu defender que as mesmas se imporiam a alterações futuras da norma fiscal cuja aplicação temporal estava em causa.
CC) Estranhamente, porém, com o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, andam algumas decisões arbitrais, entre as quais a ora recorrida, a fazer um grande filme (condensado na pág. 16 da decisão arbitral recorrida), perdoe-se a expressão, julgando ver nele, não obstante a natureza corriqueira do preceito, uma superimposição a lei posterior, uma superimposição à diminuição da taxa do IRC trazida por lei subsequente entrada em vigor em 01.01.2015 (trazida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014).
DD) Isto não tem qualquer base no texto legal vazado no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e pelo contrário, a propósito do tema das futuras alterações de taxa é desmentido, categoricamente, pelo próprio artigo 14.º, logo na sua ressalva inicial.
EE) O âmbito de aplicação da lei posterior (nova taxa, com a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro) impõe-se, porque de lei posterior se trata, ao âmbito de aplicação da lei anterior, a partir do momento de início de vigência por si (lei posterior) fixado.
FF) E não o inverso, não são os parâmetros de aplicação temporal da lei posterior a ceder aos parâmetros de aplicação temporal da lei anterior.
GG) Foi neste vício de raciocínio, neste virar de pernas para o ar do que comanda o quê (para além da omissão da própria salvaguarda contida logo no início da disposição transitório do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014), que caiu a decisão arbitral ora recorrida, e bem assim a decisão guiada mesma (processo n.º 411/2019-T), decisão-guia esta que aliás teve um voto de vencido, crê-se que mais do que justificado.
HH) Daí que seja irrelevante ao caso apurar se foi revogado ou não o artigo 14.º da Lei n.º2/2014, de 16 de Janeiro. Evidentemente que não foi revogado, concorda-se nisso sem reservas com a decisão arbitral recorrida.
II) Mas isso é completamente irrelevante porque o âmbito material de aplicação, o âmbito de competência, desta disposição transitória, é o início da aplicação da alteração de taxa para 23% promovida pela mesma Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.
JJ) O seu âmbito material de aplicação (ou competência) não é o início da aplicação da alteração de taxa para 21% promovida por uma outra e posterior lei, a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014, entrada em vigor em 01.01.2015.
KK) A finalizar, seja qual for a resposta ao caso, a da decisão recorrida ou aquela que a recorrente julga ser a lei, não haverá nunca violação do princípio da igualdade.
LL) O critério legal é igual para todos: a nova taxa, a nova lei fixando nova taxa, aplicas e a todos quantos o respectivo facto tributário se dê já no tempo de vigência da nova lei. Porque o exercício fiscal da recorrente terminado em 2015 preenche este critério, igual para todos, ele aplica-se igualmente a ela.
MM) Se o critério legal for outro, o vislumbrado na decisão recorrida, a mesma coisa: o critério legal será sempre igual para todos, seja um, ou seja outro. A questão é acertar em qual ele seja, em qual resulta realmente da lei.
TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO,- DEVE SER ADMITIDO O PRESENTE RECURSO POR SE VERIFICAREM OS PRESSUPOSTOS LEGAIS PARA O EFEITO,- DEVE SER ANULADA A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA,- E DEVE SER EMITIDO ACÓRDÃO POR ESTE TRIBUNAL DECIDINDO A QUESTÃO CONTROVERTIDA NOS TERMOS PETICIONADOS, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO PARCIAL DA AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC DO EXERCÍCIO FISCAL DA A……….. INICIADO EM 01.04.2014 E TERMINADO EM 31.03.2015, NA MEDIDA DA NÃO APLICAÇÃO DA TAXA DE IRC DE 21%, EM VIGOR DESDE 1 DE JANEIRO DE 2015 E A 31 DE MARÇO DE 2015, OMISSÃO DE APLICAÇÃO ESTA A QUE RESPEITA UM MONTANTE DE IMPOSTO (DIFERENCIAL DE 2 PONTOS PERCENTUAIS PARA A TAXA DE 23% IMPOSTA À AUTOLIQUIDAÇÃO PELO SISTEMA INFORMÁTICO DA AT) DE € 2.367.319,91, POR VIOLAÇÃO DE LEI, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO À RECORRENTE DO IMPOSTO SUPORTADO EM EXCESSO NO MONTANTE DE € 2.367.319,91, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS CALCULADOS, ATÉ INTEGRAL REEMBOLSO, QUANTO AO MONTANTE DE € 1.590.226,67 DESDE O SEU PAGAMENTO EM 28 DE AGOSTO DE 2015, E QUANTO AO REMANESCENTE DE € 777.093,24 DESDE O SEU PAGAMENTO EM 28 DE Abril de 2016.»


1.2. Admitido o recurso foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do RJAT.

1.3. A DIRETORA-GERAL DA AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

«a) A interpretação da Recorrente está a violar não só a intenção do legislador quando estabelece as taxas do orçamento de estado para cada ano, no caso concreto quando fixou a taxa de IRC para o exercício de 2014 com o orçamento de Estado de 2015, bem como, a interpretação que faz da aplicação da taxa de 21%, ao exercício de 2014, entendendo que tem um outro período de tributação diferente e como tal a taxa aplicada é aquela existente a 31 de março.
b) Ora tal interpretação viola frontalmente o princípio da igualdade, com respaldo, no artigo 13.º da C.R.P, na medida em que todos os outros contribuintes sujeitos a IRC, foram sujeitos a uma taxa de 23% relativamente ao exercício de 2014, estando a Recorrente a ser beneficiada relativamente a estes.
c) Acresce ainda, que a vencer a teoria interpretativa da Recorrente, estará o artigo 193.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (OE 2015), a distorcer regras elementares de concorrência e de uma economia de mercado que cabe ao Estado proteger e fomentar conforme dispõe o artigo 81.º, alínea f) CRP
32- Para além disso a fazer fé a interpretação da Recorrente, poderia ser equacionada a possibilidade de se consideraram como auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, porquanto estaria o Estado atribuir diferentes taxas que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções em clara violação do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, na medida em que determinados grupos económicos estariam a ser beneficiados por adotarem um diferente período de tributação relativamente ao mesmo exercício fiscal.

Nestes termos, e nos mais de direito, e com o mui douto suprimento de V. Ex.a deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as devidas e legais consequências.»

1.4. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, e, em consequência, revogada a douta decisão arbitral recorrida, proferindo-se acórdão no sentido adotado pela decisão arbitral fundamento.

1.5. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, há que decidir.



2. Fundamentação de facto
2.1. Dou por reproduzida a matéria de facto da decisão arbitral recorrida.

2.2. Dou por reproduzida a matéria de facto do acórdão fundamento.
3. Fundamentação de Direito
3.1. Da admissibilidade do recurso
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso, de acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA.

São pressupostos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência: i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo - artigo 25.º, n.º 2 do RJAT; ii) que exista contradição entre essa decisão e uma outra decisão arbitral ou com um acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT).

Depois, ainda que se verifique tal oposição, o recurso não prosseguirá seus termos se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 152.º n.º 3 do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

O não preenchimento de tais requisitos obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.

Não havendo controvérsia quanto ao preenchimento do primeiro dos requisitos referidos, o acórdão arbitral recorrido conheceu do mérito e pôs termo ao processo arbitral, impõe-se conhecer do segundo.

De acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo [cf. acórdão do Pleno da Secção Tributária de 4 de junho de 2014, recurso n.º 01763/13], para se apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento é exigível que:
i) o fundamento de direito seja o mesmo;
ii) não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;
iii) haja oposição na solução perfilhada nos dois arestos, o que pressupõe a identidade de situações de facto;
iv) a oposição decorra de decisões expressas, que não apenas implícitas (também não relevando a oposição de fundamentos).

Tais pressupostos evidenciam-se no presente recurso. Perguntando-se em ambos os arestos qual a taxa de tributação aplicável, em sede de IRC, ao sujeito passivo que adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, se a taxa que estava em vigor quando esse período se iniciou, em 2014, de 23%, ou a que estava em vigor no momento do seu termo, em 2015, de 21%. A decisão arbitral recorrida decidiu que se aplicava a taxa em vigor em 2014. A decisão arbitral fundamento concluiu, pelo contrário, que se aplicava a taxa em vigor desde 01/01/2015. As decisões em confronto são, assim, opostas, e foram proferidas num contexto de identidade substancial factual e legal, pelo que a invocada contradição sobre a mesma questão fundamental de direito invocada pela recorrente se confirma.

3.2. Do mérito do recurso
A questão fundamental de direito que importa dirimir no presente recurso foi recentemente apreciada pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 21/04/2021, proferido no processo 057/20.8BALSB, pelo que não trazendo as alegações das partes razões que obriguem a uma reflexão ou ponderação distintas das então efetuadas e que pudessem conduzir a uma solução diferente, adotamos e reproduzimos a solução e a fundamentação do referido aresto que se transcreve (impondo-se naturalmente uma leitura adaptada aos contornos particulares do presente caso, designadamente, tendo em conta que o período de tributação em ambos os casos os arestos se iniciaram em 2014 e terminaram em 2015, mas no acórdão que iremos citar o terminus teve lugar a 31 de janeiro, e no presente processo a 31 de março):

«Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões arbitrais e cuja questão de fundo se circunscreve à aplicação da taxa de IRC – ou de 23% prevista no artigo 87.º n.º 1, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ou de 21% prevista no artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC resultado da alteração introduzida pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado de 2015) - atendendo ao facto de o período de tributação de 2014 da recorrente ter terminado em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, estando nessa data já em vigor a nova taxa de IRC de 21%, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015.
Na tese da recorrente, a Decisão Arbitral Fundamento considerou a lei nova e, portanto, a taxa de IRC de 21% imediatamente aplicável aos factos posteriores à sua entrada em vigor, uma vez que só no momento da verificação do facto gerador do imposto é que o facto tributário está total e integralmente completo e verificado, o que pressupõe necessariamente que a tributação seja feita de acordo com a lei que esteja em vigor nesse momento, isto é, no termo no exercício.
É que, aduz a Recorrente, no seu caso, precisamente pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ter carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que, como a Recorrente, adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil.
Mais adita a recorrente que em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT.
Já a recorrida AT assume a posição que é, de resto, a posição do EPGA, de adoptar a solução prescrita no acórdão recorrido.
Fazendo apelo à fundamentação desse aresto, dela brota claramente que foi adoptado o entendimento, contrariando até a fundamentação de outro acórdão arbitral proferido em primeira linha, de que não está em causa determinar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 31 de Janeiro de 2015 era ou não 21%, nem aferir se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação impugnada se verificou naquela data, pois isso é inquestionável, mas, sim, aquilatar se, e em que termos, o aludido art.º 14.° estava, ou não, em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015.
Ora, no tangente a essa questão, expõem-se na decisão recorrida as razões porque considerou que «o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação», extraindo a conclusão de que, «aquele art.º 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano.», e, ainda, que «não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no art.º 12.° da LGT, na medida em que, como se expôs, o art.º 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele».
Coerentemente, ampara a decisão recorrida que «à luz da interpretação da norma do art.º 14.° da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.° da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.°, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação.
Deste modo, concluindo-se, nos termos expostos, que o art.º 14.° da Lei n.º 2/2014 se encontrava vigente a 31/01/2015, na parte em que impõe a aplicação do disposto naquela Lei à tributação em IRS e IRC que assente no período de tributação de 2014, haverá que concluir pela legalidade da atuação da AT, e pela consequente improcedência do pedido arbitral, incluindo os pedidos acessórios».
Entende-se, pois, na decisão recorrida, que a considerar-se que aquela norma vigorava a 31 de Janeiro de 2015, por força da mesma, ter-se-á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra pelo que importará, numa primeira plana, começar por definir o sentido e alcance do questionado art.º 14.º.
Aqui chegados, é altura de procurar classificar a norma para a sua correcta interpretação.
Ora, tradicionalmente, para além de outras delimitações irrelevantes para o caso em apreço, as normas jurídicas classificam-se em gerais, excepcionais e especiais.
As normas gerais são as “que correspondem a princípios fundamentais do sistema jurídico e por isso constituem o regime-regra do tipo de relações que disciplinam” – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, Coimbra Editora, 1973, 6.ª edição revista e ampliada, volume I, página 76.
“Excepcionais são, pelo contrário, as normas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele sector de relações.” Ibidem.
Finalmente, as normas especiais são as que “representam, dentro dessa classificação tripartida, os preceitos que, regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral”. Ibidem, página 79.
Assim, a doutrina considera disposições, normas ou mesmo leis excepcionais, aquelas que regulam, por modo contrário ao estabelecido na lei geral, certos factos ou relações jurídicas que, por sua natureza, estariam compreendidos nela; aquelas que precisamente se desviam dos princípios gerais, contrariando as últimas consequências que de tais princípios deveriam logicamente derivar, referindo-se a certas relações sociais que, por sua vez, também se desviam do tipo comum, assumindo uma índole especial ou seja, o direito comum é o direito de um género de relações jurídicas e o excepcional ou anómalo o de uma espécie dentro do género (CABRAL DE MONCADA); aquelas que consagram para certos casos, soluções contrárias às dos princípios gerais de direito admitidos em determinado sistema, revelando-se o carácter excepcional da norma algumas vezes do seu próprio contexto, outras resultando do comando que a contém (RODRIGUES BASTOS); ou aquelas que regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA).
“Há um certo parentesco entre as normas (ou leis) excepcionais e as normas (ou leis) especiais, mas também existem diferenças profundas. “O que distingue a norma geral da especial é que esta regula matérias ou assuntos diversos das reguladas por aquela, podendo deixar de ser opostas e incompatíveis as respectivas disposições. Pelo contrário, o objecto da lei excepcional é o mesmo da lei geral; simplesmente esta deixa de ser aplicada em certos e determinados casos que, sem a lei excepcional, seriam regulados pela lei geral; de modo que o preceito da lei excepcional é o oposto ou contrário ao da lei geral” (JOSÉ TAVARES).
“Adentro de todos os grupos mais ou menos vastos de relações jurídicas, há outros institutos ou grupos dessas relações cujas normas especiais se afastam das normas do tipo comum em que entram sem constituírem por isso um direito excepcional. Para achar o conceito de direito excepcional, devemos sempre atender, não às particularidades técnicas da regulamentação de cada instituto, ou figura jurídica, dentro de um grupo mais vasto de relações jurídicas, mas à índole especial dos grandes grupos de relações sociais que por razões de utilidade pública exigem uma regulamentação e um direito também excepcionais (CABRAL DE MONCADA)
“Enfim, as normas especiais representam, dentro da classificação tripartida (gerais, excepcionais, especiais) “os preceitos, que regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA)”.
As concepções antes ditas encontram-se nas seguintes obras e pela ordem indicada: Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs.; Lições de Direito Civil (Parte Geral), vol. I, Coimbra, 1959, págs. 42 e segs.; Das Leis, sua interpretação e aplicação (segundo o Código Civil de 1966), 1967, pág. 45; e Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1965, págs. 76 e segs.
Adita-se ainda que, evocando o ensinamento de DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321. “(...) o conceito de lei é um conceito relacional, ou seja, não há normas em si mesmas gerais ou especiais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou, determinadas matérias normativamente reguladas”.
O conceito de que se parte para a distinção das normas em gerais e especiais refere-se, pois, ao seu domínio de aplicação, devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género.
Nisto consiste a relação lógico-jurídica de especialidade, aditando o mesmo doutrinador que:
“As normas especiais podem configurar-se como desenvolvimentos destinados quer a concretizar princípios gerais ou como complementos deles, quer a integrar os aspectos específicos não contemplados naqueles mesmos princípios, mas também podem apresentar-se, em um ou outro ponto, como desvio ou derrogação aos princípios gerais.
Estas observações respeitantes à diversidade das funções das normas especiais (complemento, integração, derrogação) mostram como podem ser distintas, segundo tais funções, relações lógico-jurídicas intercorrentes entre as normas gerais e as especiais. Tais relações serão de cumulação quando se trate de normas especiais complementares ou integrativas, mas já serão de conflito quando se trata das normas especiais derrogatórias”.
Na sua forma pura, o relacionamento entre lex specialis e lex generalis pressupõe uma antinomia ou contradição normativa, isto é, a imputação, por duas normas, de soluções diferentes (embora referíveis a um mesmo princípio geral) para um mesmo caso (vide SÉRVULO CORREIA, A arbitragem voluntária no Domínio dos Contratos Administrativos, Estudos em Memória do professor Doutor JOÃO CASTRO MENDES, sem data (1995), pp. 240-241, citando BYDLNSKI, Juristische Methodenlehe und Rhtsbegriff, Viena-Nova Iorque, 1982, p. 465, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1987, p. 486, e SANTIAGO NINO, Introduccion al Análisis del Derecho, Barcelona, pp. 272-278.”
Volvendo ao caso controvertido e tendo em conta tais princípios e a sua doutrinação, seguindo a tese da recorrida, temos que da mera literalidade do normativo decorreria que, no caso de entidades como a Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013. E ainda se extrairia que as normas da Lei 2/2014, por força do seu art.º 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2014 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º havia sido revogado.
Nesse conspecto, o tribunal arbitral recorrido exteriorizou a necessidade de, em vista da correcta exegese do art.º 14.º da Lei 2/2014, de o intérprete recorrer a outros elementos que não a letra da lei, mormente à logicidade e teleologia normativa do preceito no segmento que apresenta o seguinte teor, “aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram”.
Nesse sentido, revela-se para nós coerente – o que não significa assertivo - o juízo formulado pelo decisor de que deverá atender-se a que a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, impostos estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas), o que inculca que a referência a “períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram” se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si.
Dito de outro modo: para a decisão sob escrutínio, o que o art.º 14.º da Lei 2/2014 pretenderá dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles.
Cabe também destacar o raciocínio da decisão recorrida no tocante à compulsação do elemento sistemático da hermenêutica do inciso legal, no sentido de que deve ser qualificado como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, que, o que ao caso releva, textua:
“1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.
2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
Daí que para a decisão recorrida e para a recorrida AT e a EPGA, o discutido art.º 14.º veio dispor sobre o âmbito da vigência temporal das disposições da Lei que integra, e apenas se pode explicar como tendo subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT.
A ser assim, conclui a decisão recorrida apoiada pela AT e pelo Ministério Público, que o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se aplicam ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação.
Tal entendimento seria potenciado pelo facto de que inexiste qualquer norma que tenha revogado expressamente aquele art.º 14.º, mormente a Lei n.º 82-B/2014, força a conclusão de que o art.º 14.º da Lei 2/2014 se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, pelo que é aplicável ao período de tributação de 2014 da Requerente, apesar deste somente ter findado na citada data de 31/01/2015.
Isso fundamentalmente porque, in casu, não regeria o disposto no art.º 12.º da LGT, dada a natureza de norma especial que o dito art.º 14.º assume perante os subsídios doutrinários supra citados, sendo, por isso, prevalecente na matéria que regula, não cedendo perante qualquer conclusão que se possa retirar do art. 12º da LGT.
Com efeito à guisa de sinopse breve, como veio de demonstrar-se, são amplamente conhecidos dois dos principais princípios da hierarquização das normas: o princípio de que a lei especial derroga a lei geral e de que a lei posterior derroga a lei anterior.
Estabelecem estes princípios, respectivamente, que:
(i) em tudo quanto uma lei geral se encontre em contradição com uma lei especial, valerá a lei especial;
(ii) em tudo quanto uma lei anterior se encontre em contradição com uma lei posterior, valerá a lei posterior.
Mas será que o polemizado artigo 14.º terá de ser classificado como norma especial, a qual, seguindo a lição de DIAS MARQUES DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321, mais não configura do que um desvio aos princípios gerais, complementando-os nos casos especiais que abarca, já que não se mostra oposto nem incompatível no confronto com esses mesmos princípios gerais? (Vide JOSÉ TAVARES, Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs).
Noutra vertente, há ainda que atentar no expendido na decisão recorrida no sentido de que a Lei do Orçamento para 2015 não inclui nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto no referido art.º 14.º, sendo que, a ausência de norma transitória, invocada pela Requerente, e notada na decisão arbitral supracitada, não deverá, de per si, ter-se como patenteando uma intenção revogatória.
É que, a existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vectores tão incisivos que a ela equivalham (cfr. Menezes Cordeiro, Da Aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias in Cadernos de Ciência e Legislação nº 7, 1993, págs. 17 e ss).
Acresce ainda segundo a decisão recorrida sufragada pela AT e pela EPGA, que o art.º 14.º em questão, não se reportará exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial.
Assentando em tal ângulo, sustenta-se no discurso da decisão sob escrutínio que “…, o único entendimento possível que se concebe neste domínio, seria o de que art.º 14.º em causa foi parcialmente revogado, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, e que tal revogação não se poderá retirar senão da entrada em vigor do art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, que alterou, novamente, aquele mesmo art.º 87.º/1 do CIRC.
Estaríamos, portanto, perante um caso de revogação tácita parcial da supra referida norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, na parte em impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º daquela mesma Lei.
Assim, como ensinava o insigne Mestre João Baptista Machado, “A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). É (...) tácita quando resulta de incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas”.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo 4117/2007-7:
“A revogação, que ora nos ocupa, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, e pode ser expressa ou tácita, total ou parcial.”
Da revogação que ora tratamos, a tácita, é resultante da incompatibilidade entre as disposições novas e as anteriores, ou ainda, quando a nova lei regula toda a matéria (substituição global).
Todavia, este juízo de incompatibilização decorrente da obrigação tácita entre a lei antiga e a nova lei não surge sempre em segurança para o intérprete. Se a nova lei geral sucede a uma especial, a regra é da coexistência, mas o inverso é duvidoso.
No nosso sistema jurídico vigora a presunção da subsistência do regime especial perante alteração de norma geral - artº 7, nº 3 do CCivil – só cederá perante uma interpretação segura, inequívoca da intenção revogatória do legislador.
Como proceder então perante esta aparente coexistência de normas reguladoras da mesma situação? A solução dependerá caso por caso de identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.”.
Efectivamente, julga-se ser este o critério a seguir na delimitação do âmbito de uma revogação tácita, ou seja, dever-se-á identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.
Ora, vistas as coisas assim, e à luz da interpretação da norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação.”
Na decisão recorrida também é afirmado e é perfilhado pela AT e pela EPGA – diga-se que, em abstracto, assertivamente – que em direito fiscal vigora o princípio da anualidade que se reveste de extrema importância no tangente aos impostos sobre o rendimento, porquanto segmenta em termos anuais o respectivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (Artigo 8.º do CIRC).
Vejamos, então, de que lado está a razão nas vertentes assinaladas.
A regra geral em IRC, por força do referido princípio da anualidade dos impostos, é a de que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil, sendo o IRC devido por cada período económico (cfr. artigo 8.º, n.º 1 do CIRC).
Como sobejamente visto a Recorrente adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil, tendo-se iniciado o período de 2014 a 1 de Fevereiro de 2014 e terminado a 31 de Janeiro de 2015.
Significa que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, no caso concreto, em 2015, que para a Recorrente teve início em 1 de Fevereiro de 2015?
Como é sabido, no final de cada ano civil, com a publicação do Orçamento do Estado, são introduzidas alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se vão aplicar ao período de tributação do ano seguinte.
No caso sub judice o litígio acaba por circunscrever-se à determinação da taxa de tributação aplicável, em sede de IRC à ora Recorrente que adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil estando em vigor, no momento em que esse período de iniciou, uma taxa de 23% e, no momento do seu termo, uma taxa de 21%. Dito de modo mais singelo: cumpre aferir se a taxa aplicável é a que vigora no momento em que se inicia o período de tributação ou aquela que está em vigor no seu termo.
Na estrutura do IRC, estatui o artigo 1.º do respectivo Código que este imposto incide sobre os rendimentos obtidos no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, explicitando o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), que o rendimento tributável, no caso de sociedades comerciais, é constituído pelo lucro que o n.º 2 do mesmo preceito legal define como a “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código.”
E o lucro tributável das pessoas colectivas, determinado a partir do resultado líquido do exercício, “é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” (cfr. artº 17.º, n.º 1, do CIRC).
O período de tributação segue a regra da anualidade, sendo, em princípio, coincidente com o ano civil, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 8º do mesmo Código, salvo nos casos expressamente elencados no artigo 8º, n.ºs 4 e 8 – anos do início e cessação de atividade, mudança de período de tributação, sujeição e cessação das condições de sujeição a imposto num mesmo ano, liquidação de pessoa colectiva.
Não obstante, consoante o disposto no n.º 2 do mesmo inciso legal, é facultado às pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as pessoas colectivas ou outras entidades sujeitas a IRC que não tenham sede nem direcção efectiva neste território e nele disponham de estabelecimento estável, a possibilidade de adoptarem um período anual de imposto não coincidente com o ano civil, na condição de o mesmo coincidir com o período social de prestação de contas e de dever ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos.
Salvo tratando-se de rendimentos obtidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, catalogados no artigo 8.º, n.º 10, estabelece o n.º 9 do mesmo preceito que “O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação.”
E, por injunção normativa do artigo 36.º, n.º 1, da LGT, é o facto gerador, normalmente designado por facto tributário, quer seja instantâneo, quer seja referido a um determinado período temporal, que determina a constituição da relação tributária.
No que para o caso releva, por força do prescrito no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC, a relação jurídica tributária, constitui-se no último dia do período de tributação, o que corresponde a dizer que o facto tributário só se completa no último dia do período de tributação.
Por assim ser, adversamente ao sustentado pela recorrente o apuramento da base tributável e da taxa aplicável são as definidas no âmbito da legislação em vigor no momento em que ocorre o facto gerador que, no caso do regime geral do IRC se considera verificado no último dia do período de tributação.
Na verdade, ao prescrever-se no já referido artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação" procurou o legislador impedir a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT que, como já visto, firmava uma regra para a aplicação da lei no tempo em caso de impostos periódicos (como são, por natureza, os impostos sobre o rendimento): "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.".
Sincronicamente, a fixação do facto de tributário no último dia do período de tributação, vai colocar o problema da sucessão da lei mais favorável no tempo no âmbito do n.º 1 daquele artigo da LGT, o qual, salvo na existência de norma que o afaste, fixa que: "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos."
Ora, o que tal significa é que, para um período de tributação (como sucede com o da Recorrente) iniciado em 1 de Fevereiro de 2014 e que termina a 31 de Janeiro de 2015, o facto tributário só se pode considerar verificado nesta última data.
A frase latina pro rata temporis, em particular em direito e economia, refere-se à distribuição de um valor monetário em segmentos de tempo correspondentes à duração desses segmentos de tempo. Pro rata também significa por proporção pelo que é uma divisão de um valor de acordo com a proporção determinada, é o rateamento do valor, usando como referência a proporcionalidade.
E, pelo acima exposto, nem sequer uma repartição do lucro tributável pro rata temporis (tal como enunciada pelo artigo 12.º, n.º 2 da LGT) é aqui aplicável.
Por esse prisma, é forçoso concluir que a lei aplicável é precisamente aquela que se encontrava plenamente em vigor à data da verificação do facto tributário, propendendo nós a considerar que era a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que estabelecia como taxa de IRC aplicável a taxa de 21%, soçobrando a tese da decisão recorrida quanto à especialidade normativa acima escalpelizada.
Na verdade, a Lei n.º 2/2014, de 16/01, modificou a redacção do artigo 87.º, n.º 1 do CIRC, aí passando a constar que “A taxa do IRC é de 23 %, excepto nos casos previstos nos números seguintes.”
E no tangente à sua aplicação no tempo, concilia o artigo 14.º da aludida Lei que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”
Resulta cristalino que a norma em exame, na sequência, aliás, de legislação anterior sobre a aplicação temporal de taxas de IRC em caso de alteração destas, se aplica aos períodos de tributação iniciados em 1/01/2014.
Aliás, mais diremos que, ao invés da posição sufragada na decisão recorrida, é nosso entendimento que a referência aí feita aos efeitos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 (que procedeu à Reforma do IRC) não abona em favor da aplicação da taxa de 23% que passou a vigorar por força de tal Lei.
É que tal disposição especial de aplicação da lei fiscal no tempo tem óbvias semelhanças com dispositivos similares que, ao longo do tempo, foram sendo introduzidos no ordenamento fiscal para regular as alterações de taxas de IRC.
Foi o que sucedeu com (i) - o artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, alterou o artigo 69.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa do IRC é de 36,5%, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo 41.º determinava: “O disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000.”; (ii) - o artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, alterou o então artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo este passado a estatuir que a taxa de IRC é de 30%, sendo que o n.º 7 do mesmo artigo 32.º estipulava o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002.”; (iii) - o artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, alterou o artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 25%, estipulando o n.º 2 do mesmo artigo 30.º o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004.”; (iv) - o artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, alterou o então artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 23%, determinando o artigo 14.º do mesmo diploma legislativo, na parte que aqui importa considerar, que “a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”.
Ora, é precisamente pelo facto de a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, não dispor de semelhante disposição que se levanta toda a presente questão: com a entrada em vigor da nova lei, a sua aplicação vale para os novos factos tributários (como aqueles que ocorrem em 31 de Janeiro de 2015).
Enfatiza-se que a norma em causa contém um segmento que não pode descurar-se e que é decisivo: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º.” o qual, no atinente à evolução das taxas de IRC, no sentido da sua progressiva redução, prescreve:
“1 - Tendo em conta os resultados alcançados pela reforma da tributação do rendimento das pessoas colectivas operada pela presente lei e em função da avaliação da evolução da situação económica e financeira do país, a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos.
2 - A redução da taxa de IRC prevista no número anterior para 21 % em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17 % e 19 % em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para o efeito.”
Assim, nesse preceito a dita Lei previa já uma redução geral da taxa normal de IRC ao longo dos próximos anos e, ainda que dependente de determinadas condições, uma possível redução de taxa de IRC para 21% já em 2015.
Ou seja, e em reforço do que já antes se disse, a norma ínsita no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, que rege sobre a sua aplicação no tempo, ao antecipar expressamente que a alteração de taxa aplicável aos exercícios iniciados em 2014 se faz “sem prejuízo” do disposto no artigo 8.º albergará a possibilidade de concretização da prevista redução de taxa para os próximos anos e, particularmente, da redução para 21% em 2015.
Nesse sentido, pontifica o facto de a prevista redução da taxa de IRC para 21% ter sido concretizada pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que alterou a redacção do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC.
Sendo embora certo que a lei é omissa quanto à sua aplicação temporal, haverá que concluir que a nova taxa é aplicável nos termos gerais, isto é, a todos os factos tributários que ocorram em ou após o seu início de vigência, conforme decorre do regime geral da aplicação no tempo da lei tributária, consagrado no artigo 12.º da LGT.
Assim, em consonância com o artigo 103.º, n.º 3, da CRP que estabelece o princípio da proibição da retroactividade em matéria tributária e com o princípio consagrada no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, prevê no seu n.º 1: “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.”
Tal interpretação é consentânea com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com o da aplicação imediata mas com respeito pela validade dos actos já praticados, com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artº 12º do Ccivil.
Na parte final do nº 1 deste preceito consigna-se que «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».
Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de protecção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional (cfr. artºs. 277º e 207º da Constituição da República).
Seguindo essa linha de raciocínio a Lei Nova só seria aplicável aos actos constituídos antes da sua entrada em vigor se fosse essa a vontade expressa do legislador.
Essa vontade está inequivocamente afirmada como se viu, devendo resolver-se a dúvida, se a houvesse - e não há - com a ressalva de retroactividade constante do nº 1 do artº 12º do Ccivil.
Coloca-se aqui a questão de saber quando é que se entendem produzidos pelos factos que a lei visa regular os efeitos jurídicos, a que o Prof. J. Baptista Machado dá resposta na sua obra «Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil», pág. 125:
«Um efeito de direito produziu-se sob o domínio da LA quando na vigência desta lei se verificaram o facto ou os factos que, de acordo com a respectiva hipótese legal da LA, o desencadeiam».
Assim e ainda de acordo com Baptista Machado, in ob. cit., págs. 99, 100 e Introdução. pág. 234, a lei nova respeita integralmente as situações jurídicas constituídas «ex lege», por força da verificação de certos factos. Por tal razão, além de acobertada dentro da ressalva da parte final do nº 1, também se acha englobada na previsão do nº 2, primeira parte, do referido artº 12º do C. Civil.
Deve por isso concluir-se que a Lei Nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão legal a partir do início da sua vigência.
Estamos, no entanto, perante um imposto periódico, em que o facto tributário é de formação sucessiva e o n.º 2 do artigo 12º da LGT consagra um critério de “pro rata temporis” prevendo:
“Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
O critério do pro rata temporis já foi por nós afastado mas, em reforço argumentativo, diga-se ainda que no campo da tributação do rendimento das pessoas colectivas, que é aquele em que nos encontramos, deparamo-nos com um imposto de periodicidade anual em que não se tributa cada rendimento isoladamente mas o englobamento de todos os rendimentos auferidos no período de tributação, deduzidos dos gastos inerentes, obtendo-se um resultado líquido apurado em conformidade com as normas contabilísticas e sujeito a correcções expressamente previstas no respectivo Código.
Todavia e como já se demonstrou, a regra geral compreendida na norma do n.º 2 do artigo 12.º da LGT soçobra face à determinação consagrada no artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC.
É que, no que concerne à aplicação da lei no tempo e em acatamento do princípio constitucional da proibição de retroactividade da lei fiscal, deve entender-se que a aludida norma do CIRC consagra, uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação o que vale por dizer que a lei nova, dada a inexistência de disposição legal em sentido diverso, será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor.
Destarte e em vista do caso concreto, uma vez que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 31/01/2015, termo do período anual de tributação por que optou a Recorrente e que nesse momento já estava em vigor a taxa de 21% prevista no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redacção que lhe foi outorgada pela Lei n.º 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014.
Daí que seja de seguir a doutrina do acórdão fundamento e validar a tese da recorrente apoiada nas seguintes asserções:
-pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ser carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil;
-em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT;
-assim, atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, é de excluir a aplicação da regra pro rata temporis constante do n.º 2 do artigo 12.º da LGT o que traz implicado que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período de tributação em que entra em vigor, uma vez que só no seu termo é que esses factos e situações adquirem a sua configuração integral, pelo que a sua tributação deve ser efetuada em consonância com a lei em vigor no termo do período de tributação;
-no domínio da tributação do rendimento das pessoas colectivas, por força do conceito, da configuração e do âmbito do facto gerador do imposto, o legislador consagrou uma regra especial quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroactividade. E esta regra especial resolve directamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo em matéria de tributação (como o do presente caso) e afasta a regra geral constante do artigo 12.º n.º 2 da LGT;
-destarte, como o período de tributação de 2014 da recorrente terminou em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, e nessa data já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015, era essa a taxa aplicável;
-nesse sentido pontificam as considerações doutrinais do Professor Doutor Rui Duarte Morais no sentido de que “ (…) O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (desde logo, com a alterações que são introduzidas na lei fiscal por força da Lei do Orçamento, também ele referido a um ano civil). Significa isto que aos sujeitos passivos cujo exercício não coincida com o ano civil serão aplicáveis, no cálculo do lucro tributável e do imposto a pagar relativamente a cada período de doze meses, regras diferentes daquelas a que está sujeita a generalidade dos sujeitos passivos. (...).”. (cfr. Apontamentos ao IRC, Reimpressão da edição de Novembro 2007, Almedina, 2009, págs. 47 e 48);
Por isso, e em conclusão, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.
*
Termos em que o recurso será provido, uniformizando-se jurisprudência no seguinte sentido: “Atento o disposto no n.°9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.”

Importa decidir nos mesmos termos da jurisprudência já fixada por este Tribunal.

3.3. Dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
Entende-se que deve ser consentida a redução de 90% do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais. Com efeito, in casu, o montante da taxa de justiça devido afigura-se desproporcional em face do concreto serviço prestado, mas deverá ser ponderado, por um outro lado, que a questão apreciada no presente recurso assume uma complexidade superior à comum e que antes da sua interposição, não havia sido tratada anteriormente pela jurisprudência, levando-se em ainda em conta a conduta dos litigantes e a utilidade económica das pretensões das partes.

4. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular a decisão arbitral recorrida, determinando-se a aplicação ao facto tributário formado em 31 de março de 2015, da taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de dezembro.

Custas pela Recorrida com redução de 90% do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a €275.000.

Comunique-se ao CAAD.
Lisboa, 30 de junho de 2021
Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora)

Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora) - assinado digitalmente pela Relatora, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes Juízes Conselheiros que integram a formação de julgamento: Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo