Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0669/17
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:É de admitir o recurso de revista excepcional em que se coloca questão de saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis; bem como saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, por se tratar de questão de relevância social de importância fundamental e com um amplo interesse objectivo (transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e já que não se conhece pronúncia do STA sobre a matéria.
Nº Convencional:JSTA000P22086
Nº do Documento:SA2201707050669
Data de Entrada:06/02/2017
Recorrente:CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Caixa Económica Montepio Geral, vem, ao abrigo do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de Fevereiro de 2017, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgara improcedente o pedido formulado em acção administrativa especial tendo em vista a anulação do acto de indeferimento de recurso hierárquico de um pedido de benefício fiscal consistente na isenção de IMI de ½ de um prédio urbano e de concessão daquela isenção de IMI.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso versa sobre uma questão que reveste importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social, pois que,

2. Tendo em conta o número de PCUP existentes em Portugal, a questão controvertida, sendo aplicável a toda e qualquer PCUP, tem a virtualidade de se repetir em inúmeras ações.

3. Sendo ainda a admissão do Recurso – e consequente intervenção deste Venerando Supremo Tribunal - claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, visto que

4. Urge decidir quanto à (in)aplicabilidade do al. d) do n.º 1 da Lei 151/99 ao pedido de isenção de IMI no qual se fundam os presentes autos, tendo em conta, nomeadamente, o disposto no n.º 1 do artigo 28.º e nos n.ºs 1 e 6 do artigo 31.º, ambos do decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11.

5. Firmando-se jurisprudência quanto à aplicação da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14 de setembro e/ou da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF;

6. Acresce que, o douto Acórdão, salvo o devido respeito, que é muito, procede a uma errada aplicação do Direito.

7. Não se conformando a Recorrente com a tese segundo a qual a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 apenas tinha aplicação no âmbito da então Contribuição Autárquica, sendo que, no caso dos autos, o tributo em causa é o IMI, ao qual será aplicável exclusivamente a norma constante do EBF.

Na verdade,

8. Aquando da aprovação do denominado Código do IMI, aprovação esta feita através do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, foi o EBF expressamente alterado, tendo sido opção expressa e inequívoca do legislador, constante do artigo 10.º deste diploma, apenas alterar os artigos 41.º, 42.º e 45.º, tendo ainda aditado o artigo 40.º-A, deixando inalterado o então artigo 40.º, hoje correspondente ao artigo 44.º, todos do EBF.

9. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, nos textos legais onde seja referida a contribuição autárquica, deverão os mesmos ser tidos como referentes ao imposto municipal sobre imóveis.

10. Acrescentando ainda o artigo 31.º, n.º 6 daquele diploma legal que se mantêm em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI”.

11. Sublinha-se ainda o facto de, a norma que, nesta data, consta da alínea e) do artigo 44.º do EBF, se ter mantido inalterada desde o seu surgimento, em 1989, no então artigo 50.º, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, sendo certo que a Lei por cuja aplicabilidade pugna a Recorrente data de 1999.

12. Ora, se a disposição legal do EBF arredasse a aplicabilidade da norma constante da Lei n.º 151/99, por que motivo teria esta última surgido, quando aquela – do EBF – lhe é anterior?

13. Do exposto, forçoso é concluir, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal “a quo” que, não foi a alínea e) do artigo 44.º do EBF que veio arredar a aplicação da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, mas sim exatamente o contrário.

14. Ou seja, e de acordo com o disposto nos artigos 28.º, n.º 1 e 31.º, n.ºs 1 e 6 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, a isenção prevista na alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro, encontra-se em vigor, aplicando-se expressamente ao IMI.

15. Aferida que fica a disposição legal aplicável, cumprirá esclarecer o que deverá entender-se por “prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários”,

16. Sendo assente, conforme supra se demonstrou, que qualquer interpretação efetuada deverá ter sempre em linha de conta a expressa vontade do legislador em não exigir uma afetação direta àqueles fins.

17. Ora, analisando a evolução histórica dos tributos que, ao longo do tempo, oneraram e oneram a propriedade e titularidade de bens imóveis, verificamos que, já no âmbito da Contribuição Predial se considerava que os rendimentos produzidos por bens imóveis, ao financiarem os fins da respetiva PCUP, integravam a previsão de “destinados à realização dos seus fins estatutários”.

18. Sendo ainda assente que, em termos de IMT, a Autoridade Tributária, considerava que um imóvel se destina aos fins diretos e imediatos de uma PCUP quando o mesmo se destine a gerar rendimentos para financiar essa mesma PCUP.

19. Em tal sentido vai, igualmente, o Próprio Acórdão Recorrido, quando refere que “já quando são os rendimentos do prédio que estão afetos a utilidade pública da pessoa coletiva, a relação entre o prédio e os fins de utilidade pública não é direta, mas indireta”.

20. Ou seja, o próprio Tribunal ad quem advoga que, a afectação dos rendimentos gerados por um imóvel aos seus fins de utilidade pública, consubstanciará já uma afetação aos fins da pessoa coletiva, não em termos diretos, como exigido pelo artigo 44.º do EBF, mas em termos indiretos, conforme se basta a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99.

21. Assim, forçoso será concluir que, não exigindo o legislador a afetação direta dos prédios, a isenção cujo conhecimento foi requerido abrange não só os prédios que servem de instalações próprias, mas também aqueles que geram rendimentos às PCUP, tudo com vista a uma interpretação harmoniosa das normas fiscais, nomeadamente as isentivas.

22. Não devendo ser dadas interpretações diferentes a conceitos iguais, consoante o tributo ou imposto que esteja em causa, sob pena de violação do princípio da igualdade, na sua vertente de proibição de tratamento diferente de situações iguais, sob pena de essa mesma interpretação ser inconstitucional, o que desde já se alega e argui para todos os legais efeitos.

23. Encontra-se assente que a ora Recorrente, Caixa Económica anexa ao Montepio Geral – Associação Mutualista, IPSS, foi declarada PCUP por despacho do Primeiro-Ministro datado de 08/10/1991;

24. Nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 136/79, de 18 de maio, que vigorava à data dos factos, as Caixas Económicas estão/estavam impedidas de adquirir ou possuir imóveis que não fossem “necessários às suas instalações próprias, salvo quando lhe advenham por efeito de cessão de bens, dação em cumprimento, arrematação ou qualquer outro meio legal de cumprimento de obrigações ou destinado a assegurar esse cumprimento, devendo, em tais casos, proceder à respectiva liquidação no prazo de três anos.” (artigo 18.º n.º 1).

25. No caso dos autos, o imóvel sobre o qual recaiu a decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI, foi adquirido em processo de execução no qual a recorrente era credora e reclamante com hipoteca registada sobre o imóvel dos autos, ou seja, foi adquirido em reembolso de crédito próprio.

26. O que, por si só, manifestamente comprova que a detenção de tal prédio visa a realização dos fins estatutários da Recorrente.

Assim,

27. Provada que está a afetação do imóvel identificado nos autos aos seus fins estatutários,

28. Provada que está também a qualidade de Pessoa Coletiva de Utilidade Pública da recorrente, por declaração publicada em Diário da República.

29. E encontrando-se vigente e a produzir efeitos a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro,

30. Estão reunidos os pressupostos de aplicabilidade daquela isenção relativa ao IMI, devendo tal benefício ser concedido, sem mais, à ora Recorrente. Pois que,

31. Da análise às sucessivas alterações, quer à Lei n.º 151/99, quer ao EBF, quer ainda à Contribuição Autárquica, cujo nome foi alterado para IMI, pois que a sua ratio se mantém inalterada, resulta, a vontade expressa e inequívoca do legislador, em conceder e manter aquele referido benefício para as pessoas coletivas de utilidade pública, não sendo exigida a afetação direta aos fins estatutários.

Face ao exposto,

32. Deverá a decisão recorrida ser substituída por decisão que condene a Recorrida na prática do ato devido, isto é, a proferir decisão de deferimento do pedido de isenção de IMI apresentado pela Recorrente em relação ao imóvel identificado nos autos.

TERMOS EM QUE, ADMITINDO E CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, JULGANDO-O PROCEDENTE, E, EM CONSEQUÊNCIA, SUBSTITUINDO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, FARÃO V. EXAS., VENERANDOS CONSELHEIROS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, UMA VERDADEIRA E SÃ JUSTIÇA.

2 – Contra-alegou a recorrida, nos termos de fls. 237 a 246 dos autos, pugnando pela não admissão do recurso ou, caso assim não se entenda, pela sua improcedência.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 354 dos autos, no sentido da admissão da revista.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido.

Foram dispensados os vistos legais.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Da admissibilidade do recurso

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O caso dos autos é substancialmente idêntico ao submetido à apreciação deste STA no recurso n.º 1483/15, em cujo Acórdão, proferido em 2 de Março de 2016, se decidiu ser de admitir a revista,

Este julgamento tem sido, desde este primeiro Acórdão, reiterado em todos os processos idênticos submetidos à apreciação deste STA, que perfazem já algumas dezenas de acórdãos.

Acresce que no passado dia 22 de Fevereiro, foi proferido, em julgamento ampliado, o Acórdão relativo ao processo n.º 1678/15, que concluiu pelo erro de julgamento do Acórdão do TCA-Norte, recorrido naqueles autos, no que tange à inaplicabilidade da Lei n.º 151/99, daí que a admissão da presente revista se afigure necessária para assegurar a igualdade de tratamento perante todos os casos merecedores de tratamento igual.

A revista será, pois, admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.


Custas a final.

Lisboa, 5 de Julho de 2017. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Casimiro Gonçalves.