Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01309/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir a revista quando não só a questão jurídica suscitada foi já conhecida por este Supremo Tribunal como a mesma não se mostra indispensável para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P22647
Nº do Documento:SA12017113001309
Data de Entrada:11/20/2017
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE SINTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………., S.A intentou, no TAF de Sintra, contra o Município de Sintra, acção administrativa especial pedindo (1) a anulação do despacho do Presidente da respectiva Câmara Municipal que ordenou a reposição das obras efectuadas em desacordo com o projecto aprovado e (2) a declaração de ilegalidade da norma do PDM de Sintra que classifica o parque industrial da Autora como “Classe de Espaço Urbano”.

Sem êxito já que aquele Tribunal julgou a acção improcedente e o TCA, para onde o Autor, apelou negou provimento ao recurso.
É desse Acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Resulta dos autos que a Autora procedeu à ampliação de um armazém em São João das Lampas sem, previamente, ter requerido o licenciamento dessas obras e, depois, manteve a ilegalidade dessa construção já que as prosseguiu em desacordo com a licença entretanto obtida. E por causa disso a Câmara Municipal de Sintra, primeiramente, procedeu ao embargo dessa obra e, mais tarde, proferiu o acto impugnado.
A Autora impugnou esse acto no TAF de Sintra mas este julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a entidade demandada do pedido.
Desde logo, porque não tinha havido erro nos pressupostos de facto e de direito já que “a Autora bem sabia que as alterações efectuadas no edificado no tocante à cércea (9m) e ao afastamento do limite da construção face ao limite do terreno (2,5m), eram insusceptíveis de legalização por parte daquela edilidade”. Sendo assim, e sendo as obras insusceptíveis de legalização, “não se percebe como poderia ser dado um prazo para apresentação de um projecto com vista a legalizar o «ilegalizável».”
Depois, não tinha havido violação do art.º 106° do RJUE nem dos princípios da proporcionalidade e da justiça porque, por um lado, quem pede a aprovação de obras já realizadas “não pretende uma autorização para exercer o direito de construir, mas uma aprovação para manter o ilegalmente realizado por falta de prévio licenciamentoe, por outro, porque a Autora se limitou a alegar a violação “dos princípios da proporcionalidade e da justiça, previstos nos artigos 5°, n° 2 e 6°, do CPA (então em vigor), sem concretizar para além do expendido quanto à alegada violação do art. 106° do RJUE.”
Ademais, não era verdade que a ordem de reposição das obras de acordo com o projecto aprovado decorria da “falta de correspondência entre a realidade presente naquela área em causa e os objectivos definidos para a "Classe de Espaço Urbano" conforme previstos no PDM”.
Finalmente, a “norma do PDM de Sintra que classifica o espaço na qual se insere o parque industrial da Autora como «classe urbano»” não só não era ilegal como a Autora não tinha justificado por que razão o mesmo deveria ser reclassificado como «espaço industrial». De resto, não havia concretizado em que medida a sobredita norma do PDM contendia “com os princípios imanentes à livre decisão da Administração, como sejam os plasmados nos artigos 266°, n° 1 e 2 e 267° n° 4 da CRP e nos artigos 4° a 6°-A, 9° e 11° do Código do Procedimento Administrativo (CPA).”
Concluindo: o acto impugnado não padece dos vícios que lhe são assacados pela Autora e insubsistem razões que determinem a desaplicação da norma do PDM de Sintra (1999), que classifica o parque industrial da Autora como inserido em "Espaço Urbano".”

Decisão que o TCA manteve por não lhe merecer qualquer censura a conclusão da sentença de que a recorrente executou obras em desacordo com o projecto aprovado seja no que respeita ao afastamento Norte que dista 2,5 m do limite do lote, quando a distância era de 5 metros, seja na que concerne à cércea do armazém construída com 9 metros, quando o projecto previa 6,5 metros, de acordo com os limites impostos pelo Regulamento do PDM de Sintra.” Por outro lado, o DL n° 165/2014, de 5/11, que instituiu um regime excepcional e transitório respeitante a um procedimento de eventual regularização aplicável aos estabelecimentos industriais, era “inaplicável ao caso dos autos em que está em causa um ato administrativo que é o despacho do Exmo. Senhor Presidente da CMS, de 30.09.2011, estando arredada a aplicação retroactiva do invocado diploma legal de 2014 ao ato impugnado praticado em 2011. Deste modo, não havia razões que justificassem “a desaplicação da norma do PDM de Sintra (1999), que classifica o parque industrial da Autora como inserido "Espaço Urbano". Tanto mais quanto era certo que “a matéria de facto sobre as características do terreno e do armazém que no mesmo está inserido não assume, ao contrário do que pretende a recorrente, qualquer relevância para a decisão deste processo.”
“Não se vê, assim, qualquer justificação para a recorrente não acatar a decisão de legalização baseada no projecto que ela própria apresentou mas que depois desrespeitou. Alteração do projecto esse que agora pretende legalizar!” Ademais tal construção encontrava-se em manifesto desrespeito com as normas do PDM, pelo que, na parte construída ilegalmente, não podia ser mantida já que, de outra forma, “a legalização pretendida, traduzir-se-ia na violação das referidas normas do PDM, acarretando a nulidade do acto impugnado.”
Não se vê, pois, como se pode defender a manutenção das obras ilegais, ao abrigo do determinado no nº 2 do art.º 106º do RJUE …. .
E também, não relevam as razões invocadas pela recorrente quanto aos alegados prejuízos por ela sofridos por ser evidente que os mesmos são resultantes da insuficiência da capacidade de armazenamento que seria suprida com a ampliação/construção do armazém e não do embargo decretado.

3. A Recorrente não aceita essa decisão e, por isso, requer a admissão desta revista não só por causa do relevo social e jurídico da questão como da evidente necessidade de melhor aplicação do direito. Com efeito, concluiu que era essencial que se reanalisassem as seguintes questões:
- o regime de regularização e legalização de obras já efectuadas e a circunstância da demolição ser a ultima ratio nesta matéria.
- a existência de um deficit de instrução que devia levar à anulação do Acórdão que sancionou tal deficiência.
- a legalidade das normas de classificação de terrenos que desconsideram a existência do que neles já estava edificado e consolidado.
- a possibilidade da legalização de obras que foram construídas com desrespeito pelo acto de licenciamento.

4. Como se acaba de ver, a questão que os autos colocam é, no fundo, a de saber se o acto que ordenou à Recorrente a reposição das obras que ela efectuou ilegalmente - primeiramente, por inexistir qualquer licenciamento e, depois, em desacordo com o projecto aprovado - é legal e se existe a possibilidade das mesmas serem legalizadas, atenta a circunstância de elas terem sido levadas a cabo num “complexo industrial vasto e pré-existente” e desse espaço não poder ser considerado como um espaço urbano.
As instâncias foram concordantes na solução dessa questão tendo concluído, com uma fundamentação similar, que aquela legalização era impossível uma vez que a Autora pretendia, tão só, manter o ilegalmente construído e que nenhuma irregularidade havia no facto do terreno onde as mesmas foram efectuadas ter vindo a ser classificado, de acordo com nova legislação, como «espaço urbano».

4. 1. Ora, não se evidencia que ao assim decidir tenham decidido mal uma vez que não só o seu julgamento foi convergente como foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor e da matéria de facto provada nos autos.
Por outro lado, e muito embora seja certo que a jurisprudência deste Supremo venha decidindo que a aplicação conjugada dos princípios da legalidade e da proporcionalidade impõe que a Administração antes de ordenar a demolição pondere se, apesar de construídas ilegalmente, as obras estão de harmonia com as disposições legais aplicáveis ou se são susceptíveis de o vir a estar, também o é que, no caso, foi isso que sucedeu uma vez que, após o embargo e a eventualidade da imediata demolição do ilegalmente construído, a Câmara licenciou o projecto onde as irregularidades foram corrigidas (Vd. Acórdão do Tribunal Constitucional de 23/10/2001, proc. 189/97 e a numerosa jurisprudência do STA de que se dá como exemplo os Acórdãos de 24/03/2011 (proc.90/10), da Secção e de 29/11/2006 (proc. 633/04) do Pleno.). Ora, a Autora não cumpriu esse licenciamento e manteve-se numa situação de ilegalidade.
Ora, não se pode exigir – como parece pretender a Recorrente - que, numa situação como a presente, a Administração fique paralisada sempre à espera de um novo projecto destinado a conferir legalidade ao ilegalmente construído e não possa exigir imediatamente a demolição do edificado.
Daí que, tendo as instâncias decidido com ponderação e de acordo com a legislação aplicável, a questão jurídica suscitada não só tem necessidade de ser novamente apreciada neste Tribunal como a revista não se mostra indispensável para uma melhor aplicação do direito. Sendo certo, por outro lado, que inexiste repercussão social do caso digna de nota.
Não estão, assim, preenchidos os requisitos de admissão de revista.

Decisão
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal decidem não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.