Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0486/16.1BEVIS
Data do Acordão:10/09/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Sumário:I - O valor de aquisição do imóvel a título oneroso, calculado nos termos do n.º 3 do artigo 46.º do CIRS, é determinado a partir da inscrição matricial do imóvel quando ele ingressa na titularidade do proprietário, não estando legalmente consagrada a possibilidade de aquisição gradativa ou por fases.
II - O que a lei determina no apuramento das mais valias respeitantes a um imóvel que tenha sido construído pelo sujeito passivo e posteriormente valorizado mediante a realização de obras de ampliação que não originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada, nos 12 anos anteriores à data da sua transmissão onerosa, é que se possa fazer acrescer ao valor de aquisição, apurado nos termos do artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, o valor dos encargos com aquelas obras de ampliação, sempre que o mesmo seja declarado nos termos do disposto no artigo 51.º, al a do CIRC, e desde que sejam comprovados esses custos.
III - A realização de obras de ampliação que não originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada, mesmo que sejam causa de um aumento significativo do valor patrimonial tributário do imóvel, não consubstanciam um novo valor de aquisição do imóvel a título oneroso para efeitos de apuramento do ganho tributável como mais-valia.
Nº Convencional:JSTA000P24993
Nº do Documento:SA2201910090486/16
Data de Entrada:09/27/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A representante da Fazenda Pública interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em 15 de Maio de 2018, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………. contra a liquidação adicional dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.ºs. 20145005359981, 20145005448037, 2015500000000946 e 2015500000000945, referentes ao exercício de 2013, no valor global de €34.348,75, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
A - Incide o presente recurso sobre a sentença proferida em 15 de Maio de 2018, que julgou procedente a impugnação, da liquidação adicional de IRS respectivos juros compensatórios, do exercício de 2013, no montante global de € 34.348,75.
B - Elegendo como questão a decidir errónea qualificação e quantificação da liquidação, que a impugnante faz decorrer da não consideração, no valor de aquisição para apuramento da mais-valia ocorrida com a venda do imóvel em 2013, do valor das obras de ampliação (garagem e arrumos) realizadas em 2005.
C - Considerou o Meritíssimo Juiz a quo que “se a liquidação impugnada decorreu da consideração dos elementos apresentados na declaração apresentada pela Impugnante decorre dos autos que a AT desconsiderou os elementos que aquela posteriormente comunicou e que alteraram, para mais, o valor de aquisição do bem vendido e, consequentemente, das mais-valias decorrentes da venda ocorrida em 2013, pelo que aquela liquidação deveria ter sido reformulada, em conformidade”.
D - Pretende o Meritíssimo Juiz a quo que os cálculos que suportam os valores foram dados a conhecer à AT por via da reclamação graciosa apresentada pela impugnante em 14 de Abril de 2016 (já após ter procedido ao pagamento da liquidação que lhe foi efectuada na sequência de apresentação da declaração de substituição, por ela entregue para suprir a falta de entrega do anexo G – relativo às mais-valias obtidas no exercício de 2013 com a venda de imóvel).
E - Alicerça o Tribunal a quo a sua convicção na análise e apreciação crítica dos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados, que dá como reproduzidos.
F - Primeira crítica à sentença é a ausência de qualquer apreciação crítica dos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados.
G - A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão deve conter, de modo completo e conciso, a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, entendendo-se por esta, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não outro.
H - A fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto – no caso vertente, limita-se o Tribunal a quo a uma mera indicação dos documentos, nada consequenciando relativamente a nenhum deles.
I - Balizando legalmente o valor de aquisição pelas normas previstas nos artigos 10.º, n.º 4, al. a) e 46.º, n.º 1 e 3 do CIRS; olvidando a norma contida no artigo 51.° (despesas e encargos), afirma o Meritíssimo Juiz a quo que “o aumento do valor patrimonial originado por obras realizadas pela impugnante (obras cujo valor custo se desconhece e por isso esse custo não pode acrescer àquele valor) não deve integrar o conceito de mais-valia, antes aquele aumento do VPT deve acrescer ao valor de aquisição”.
J - Contudo, não indica qualquer razão para tal nem faz apelo a qualquer normativo legal ou sequer princípios jurídicos que o fundamentasse; o que, em nosso entender, potenciou erro de julgamento da matéria de facto e de direito por errónea interpretação e errada aplicação dos art.º 10.º, n.º 4, al. a) e 46.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CIRS.
K - O vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art.º 125, n.º 1, do CPPT.
L - Tendo presentes, quer a breve nota decorrente da análise comparativa dos dois últimos documentos da reclamação, que retratam as avaliações verificadas em 2005 e 2012 deixada pelo Meritíssimo Juiz a quo previamente à conclusão exarada na sentença, quer a factualidade provada em A), no que ao VPT concerne (€ 234.790,00) como validar os aludidos cálculos da impugnante, efectuados com base no VPT de € 343.560,00 – e qual deles serviria de referencial para o aumento do VPT que deveria acrescer ao valor de aquisição, como preconiza o Meritíssimo Juiz?
M - A ser como preconiza o Meritíssimo Juiz a quo, não deveríamos relevar ambos os VPTs mencionados no probatório (alíneas A) e D)), à data da venda?
N - Ocorre, em função do que ficou dito supra, vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, que se concretiza numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto e oposição entre a fundamentação e a decisão relativamente aos VPTs referenciados, atenta a relevância que lhes atribuiu o Meritíssimo Juiz a quo (acréscimo ao valor de aquisição).
O - Pelo que se mostra a sentença ferida de nulidade por ausência de exame crítico da prova e falta de indicação, interpretação e aplicação de normas nas quais se baseia a decisão, nos termos do art.º 152.º do CPPT e 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT.
P - Laborando o Meritíssimo Juiz a quo em erro de julgamento, por errónea interpretação e errada aplicação dos art.º 10.º, n.º 4, al. a) e 46.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CIRS, como pela desconsideração da norma contida no artigo 51.° daquele diploma legal (que rege em sede de despesas e encargos a considerar para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto); pois que da prova (apenas documental) integrante dos autos, jamais poderia o Tribunal a quo concluir pela anulação da liquidação por errónea qualificação e quantificação.
Termos em que deve ser provido o presente recurso, declarando-se nula a sentença por falta de apreciação crítica da prova e da indicação, interpretação e aplicação de normas em que se baseia a decisão, potenciadora de erro de julgamento; substituindo-a por outra que julgue improcedente, por não provada, a presente impugnação.»

2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
I. Nenhum reparo merece a douta Sentença do Tribunal a quo que determinou a anulação total das liquidações objecto de impugnação judicial.
II. Em primeiro lugar, a douta Sentença não está ferida de nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito, nulidade essa prevista no n.º 1 do art.º 125.º do CPPT.
Efectivamente,
III. A simples leitura da Sentença evidencia que esta encerra toda a fundamentação de facto e direito que legalmente estava obrigada a conter e bem assim procede à apreciação concreta e crítica da prova documental.
IV. Aliás, verifica-se que o Mmo. Juiz procedeu à apreciação concreta dos argumentos e posição jurídica das partes, confrontando-as com os probatórios existentes, indicando expressamente os factos assentes.
V. Sendo que, a Fazenda Pública aceitou os factos assentes, pois nem na sua Contestação, nem agora em sede de Alegações os questionou.
VI. O Tribunal a quo na douta Sentença, contrariamente ao que refere a Fazenda Pública, fez igualmente a apreciação critica dos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados – fê-lo à frente dos factos provados e depois na fundamentação de facto e direito – e não se limitou simplesmente a enumerar os documentos.
VII. Acresce que, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, é gera a nulidade prevista no artigo 125.º do CPPT.
VIII. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
IX. Pelo que, a douta Sentença não está ferida da nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e direito.
X. A douta Sentença também não padece de nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão, nulidade essa prevista igualmente no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
Com efeito:
XI. A nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão (contradição) apenas ocorre quando os fundamentos invocados na sentença deviam conduzir, num processo lógico, a solução oposta à que foi adoptada na decisão.
XII. Da análise da douta Sentença não se retira que os fundamentos invocados pelo Mmo. Juiz teriam de conduzir necessariamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto, o que ocorreria se das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele tivesse extraído uma conclusão oposta à que, logicamente, deveria ter extraído.
XIII. Dos factos provados e da fundamentação do Mmo. Juiz verifica-se que o mesmo só podia concluir, como fez, que a liquidação impugnada tinha que ser anulada por a AT ter desconsiderado os elementos apresentadas pela Recorrida na sua reclamação e que aumentaram para mais o valor de aquisição do imóvel vendido.
XIV. E os factos provados nos pontos A) e D) só podiam logicamente conduzir a que o Mmo. Juiz concluísse que os cálculos efectuados pela Recorrida na sua impugnação judicial estavam correctos e que nenhum reparo mereciam, atenta a regra constante do n.º 3 do artigo 46.º do CIRS e uma vez que o imóvel vendido foi construído pelo sujeito passivo em dois momentos distintos, 2001 e 2005, o que determinou, em cada um desses momentos, a sua avaliação com a consequente fixação do valor patrimonial.
XV. Sendo certo que, no que se refere aos cálculos apresentados pela Recorrida a verdade é que a Fazenda Pública no decurso do processo limitou-se a dizer que estes não lhe foram evidenciados e que se mostrava destituídos de suporte legal, mas em momento algum, nem mesmo agora em sede de Alegações, os contra-argumentou ou apresentou outros.
XVI. Pelo que, os fundamentos invocados pelo Mmo. Juiz na douta Sentença apontam logicamente no sentido da decisão tomada.
Finalmente,
XVII. A Fazenda Pública alega abstractamente que o Tribunal a quo procedeu à errónea interpretação e aplicação dos artigos 10.º, n.º 4, al. a), 46.º, n.ºs 1 e 3 e 51.º do CIRS.
XVIII. Mas nem nas alegações, nem nas conclusões, especifica e concretiza o que foi incorrectamente interpretado, nem explica como é que essas normas deviam ser interpretadas e aplicadas.
XIX. Não obstante isso, a verdade é que a douta Sentença proceda à correcta interpretação e aplicação das referidas normais legais uma vez que o valor das mais-valias a pagar pela Recorrida implicam que o valor de aquisição e o valor da realização têm que ser separados e que devem ter em conta o valor da construção inicial e o valor das obras de ampliação, em observância do disposto no n.º 3 do artigo 46.º e na al. a), do n.º 2 do artigo 50.º, ambos do CIRS, sob pena de se tributar um ganho inexistente.
Termos em que, em face do exposto e do mais que por certo V. Exas. não deixarão de doutamente suprir, deve negar-se provimento ao presente recurso, confinando-se a douta Sentença recorrida, com o que este Venerando Tribunal fará justiça».

3. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer com o seguinte sentido:
- existência de imprecisões na especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, mas não suficientes para fundamentar a nulidade da sentença, e inexistência de contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo por isso de rejeitar a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT;
- provimento do recurso e revogação da sentença recorrida com fundamento em erro na interpretação e aplicação do artigo 46.º, n.º 3, do CIRS.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Impugnante procedeu, em 2013, à venda de prédio urbano composto por casa de habitação, dependência e logradouro, inscrito na matriz da freguesia de ........, sob o artigo 2492.º, com o valor patrimonial de €234.790,00, pelo preço de €240.000,00 [cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial (PI), o demais que resulta doutros documentos que a seguir se referirão e não ser factualidade questionada que a FP. Aquele e os documentos infra referidas dão-se aqui por reproduzidos].
B) Não tendo apresentado, relativamente ao ano de 2013, o anexo G), da declaração de rendimentos mod. 3 de IRS, apesar de ter auferido rendimentos da categoria G, foi notificada para apresentar declaração de substituição, o que fez, em 2014.12.23, indicando como valor de realização o já referido de €240.000,00€, de aquisição €65.025,00, despesas e encargos no montante de €14.760,00 [vide doc. N.º 2 da PI].
C) Com base na declaração vinda de referir foi emitida liquidação nestes autos impugnada, no valor total de €34.348,75€, pago pela Impugnante em 10-02-2015 [cfr. docs. n.º 3 e 4, e o demais invocado pelas Partes].
D) Em 14-04-2016, invocando nulidade da referida liquidação, apresentou reclamação solicitando reformulação da liquidação e restituição do indevidamente pago defendendo que o prédio vendido foi inscrito na matriz em 2002 como prédio urbano 2494, com o valor patrimonial de 65.025.00€, na sequência de edificação concluída ao abrigo do processo de licenciamento camarário de 09/11/99; prédio que foi objecto de ampliação em cumprimento do licenciamento camarário de 13/07/2004, na sequência da qual foi avaliado no valor patrimonial de 343 560.00€, ampliação que deve ser considerada nos valores de aquisição [vide petição da reclamação e documentos que a instruíram, docs. 5 e segs da PI, replicados no apenso (mormente o documento n.º 4 que constitui cópia do Alvará n.º 188/2004)].
E) Reclamação que obteve proposta de indeferimento por intempestividade datada de 7 de Junho de 2016, comunicada à Reclamante através de carta expedida em 8 de Junho e a que Ela respondeu no dia 27 de Junho defendendo a tempestividade [cfr. fls. 14 e segs. do apenso].
F) A Impugnante, em 3 de Novembro de 2016, alegando o indeferimento tácito da reclamação, apresentou a PI que deu origem aos presentes autos [vide as duas primeiras folhas do processado].

Na sentença afirma-se ainda inexistirem factos não provados.

2. Questões a decidir
Para além da verificação da existência ou não das alegadas causas de nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão e por oposição dos fundamentos com a decisão (artigo 125.º do CPPT), cumpre ainda decidir se – para efeitos de tributação das mais-valias resultantes de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (artigo 10.º, n.º 1, al. a, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – CIRS) –, no apuramento do saldo entre o valor de realização e o valor de aquisição, quando o imóvel tenha sido construído pelo sujeito passivo e posteriormente objecto de ampliação, a actualização do valor patrimonial tributário do imóvel, após as referidas obras de ampliação, se pode qualificar como novo valor de realização para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 46.º do CIRS ou se essas obras de ampliação (mais concretamente o montante dos respectivos custos documentalmente comprovado) apenas podem ser quantificadas enquanto encargos a acrescer ao valor de aquisição, nos termos do disposto no artigo 51.º do CIRS.

3. De direito
3.1. Nulidades da sentença
Acompanha-se, nesta parte, o parecer do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal.
3.1.1. Com efeito, tem sido entendimento reiterado do Supremo Tribunal Administrativo que “[A] nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão só se verifica quando ocorre falta absoluta de fundamentação, a qual se distingue da motivação deficiente, medíocre ou errada” (neste sentido, v., por todos, acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 01411/16). Só no primeiro caso – “falta absoluta de fundamentação” – se pode considerar que, por não serem indicados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a sentença enferma de nulidade (artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e 615.º, n.º 1, al b do CPC), i. e., a mesma padece de um vício intrínseco à formação da própria decisão. Já quando a fundamentação apresentada seja deficiente, medíocre ou errada estaremos perante erros de julgamento, dos quais cabe conhecer em sede de recurso, podendo os mesmos originar a revogação da decisão.
Ora, no caso em apreço não estamos perante uma “falta de fundamentação”, uma vez que a sentença indica os factos provados e não provados e, ainda que de forma imprecisa, como é destacado no parecer do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto, é possível extrair do seu texto um juízo crítico sobre os mesmos, bem como o iter lógico em que se baseia a decisão. O mesmo vale para a interpretação que propugna das normas que mobiliza como ratio decidendi, pois embora não explique directamente a construção normativa em que ancora a solução alcançada, é possível depreender da fundamentação expendida que a mesma se escuda numa interpretação do n.º 3 do artigo 46.º do CIRS.
Por estas razões, improcede o vício de nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

3.1.2. Do mesmo modo não se verifica, no caso concreto, a segunda causa de nulidade da sentença invocada pelo recorrente, i. e., uma oposição dos fundamentos com a decisão. Esta causa de nulidade da sentença verifica-se quando a fundamentação apresentada suporta um sentido de decisão contrário àquele que vem a ser adoptado. Ora, tal não se verifica no caso em apreço, pois os argumentos mobilizados fundam-se no entendimento de que o valor patrimonial tributário do imóvel determinado após a realização das obras de ampliação em 2005 não pode reconduzir-se ao conceito de mais-valia, o que “justifica” a decisão de concluir pela alteração (acréscimo) do valor de aquisição para efeitos de cômputo da base tributável do rendimento a título de mais-valia. Veremos, em seguida, que esta interpretação normativa sufragada na sentença enferma de um erro na interpretação e aplicação do direito. Mas, no que importa para efeitos de nulidade da sentença, verificamos também que no caso não existe uma contradição entre os fundamentos apresentados e a decisão, pelo que, improcede igualmente o vício de nulidade da sentença com este fundamento.

3.2. Erro na interpretação e aplicação do direito
A questão em apreço reporta-se ao apuramento de mais-valias prediais para efeitos da respectiva tributação a título de rendimento da categoria G do IRS, a qual resulta da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do bem imóvel (artigo 10.º, n.º 1, al a e n.º 4, al a do CIRS).
No caso, existe consenso entre as partes quanto ao valor de realização, que corresponde ao valor da escritura de venda celebrada em 2013 (€240.000,00), o qual é superior ao valor patrimonial inscrito na matriz, que é de €234,790,00 (artigo 44.º, n.º 1, al f e n.º 2 do CIRS).
O objecto do litígio – já o dissemos – prende-se então, exclusivamente, com a determinação do valor de aquisição a título oneroso, por estarmos perante um bem imóvel construído pelo sujeito passivo em 2001 e inscrito na matriz em 2002, sob o artigo urbano 2494, com o valor patrimonial de €65.025,00, e posteriormente objecto de uma operação urbanística de ampliação. Aquela operação urbanística de ampliação, que ocorreu em 2005, teve como consequência o aumento do valor patrimonial tributário do imóvel (aumento comprovado mediante avaliação para efeitos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis) para €343.560,00.
O acto de liquidação que foi objecto de impugnação apurou um montante de imposto a pagar de €34.348,75€, com base nos valores indicados na declaração do sujeito passivo, em que o valor de realização era de €240.000,00€ e o valor de aquisição de €65.025,00 (valor patrimonial tributável inscrito na matriz em 2002), acrescido de despesas e encargos no montante de €14.760,00.
Em reclamação graciosa apresentada posteriormente, veio a impugnante tentar obter a anulação dos actos de liquidação, por considerar que o cálculo do valor de aquisição estava errado, na medida em que, na sua opinião, ele deveria repercutir também o valor patrimonial tributário do imóvel após a respectiva ampliação em 2005. A reclamação graciosa foi indeferida por extemporânea e o sujeito passivo impugnou judicialmente a liquidação.
A sentença recorrida dá razão à impugnante e anula a liquidação por considerar que a mesma deveria ter sido reformulada, de modo a contabilizar o valor de aquisição segundo as regras invocadas na reclamação e reproduzidas na petição inicial, inferindo-se da fundamentação apresentada, que a decisão é sustentada numa interpretação do artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, segundo a qual a actualização em 2005 do valor patrimonial tributário do imóvel inscrito na matriz, em resultado das obras de ampliação, dá lugar a uma “reformulação” do valor de aquisição a título oneroso para efeitos de apuramento das mais-valias.
A sentença limita-se, quanto a este ponto, a aderir à tese sufragada pelo sujeito passivo – primeiro na reclamação e posteriormente na impugnação – quanto ao modo de cálculo do valor de aquisição a título oneroso; tese que é baseada numa fórmula segundo a qual aquele valor teria de ser determinado a partir da soma de uma percentagem dos dois valores patrimoniais tributários em causa (o de 2002 e o de 2005). Esta tese assenta no pressuposto de que, sendo a construção do imóvel realizada por fases, também o valor de aquisição onerosa do imóvel terá de ser “apurado por fases”; trata-se, contudo, de uma tese que não tem qualquer acolhimento na letra ou no sentido das normas legais que disciplinam a matéria.
Com efeito, a quantificação do valor de aquisição, segundo a regra do artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, deve fazer-se de acordo com o seguinte: “[O] valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele”. Quer isto dizer que o legislador, no caso em que o imóvel tenha sido construído pelo sujeito passivo, admite que o mesmo possa, para efeitos de cálculo do ganho a partir do qual se apura a mais-valia a tributar, beneficiar do maior de um dos seguintes valores: valor patrimonial tributário do imóvel originário (quando este seja depois objecto de reconstrução total, dando origem a um novo imóvel) ou valor do terreno (calculado segundo as regras do n.º 1 e 2 do artigo 46.º do CIRS ex vi n.º 4 do mesmo artigo), acrescido do valor dos custos de construção.
O que o valor de aquisição não pode deixar de ser é o valor apurado no momento da aquisição – seja o valor patrimonial do imóvel inscrito na matriz àquela data, seja apurado a partir do somatório do valor do terreno e dos custos de construção –, i. e., o valor do imóvel determinado no momento em que o mesmo ingressa na titularidade do adquirente (ou reportado a esse momento, caso o mesmo tenha sido adquirido através de um contrato de locação financeira – artigo 46.º, n.º 5 CIRS). É precisamente por essa razão que a regra para o apuramento do valor de aquisição do imóvel a título oneroso é o valor de aquisição para efeitos de liquidação do IMT (artigo 46.º, n.º 1 CIRS), por se tratar do valor contemporâneo ao momento da transmissão, leia-se, momento em que ocorreu a respectiva transmissão onerosa para o sujeito passivo.
E o valor de aquisição é único, fixado quando a aquisição tem lugar, não se admitindo actualizações do mesmo ao longo do tempo. A partir do momento em que ocorre a transmissão onerosa para o sujeito passivo, todas as valorizações que o imóvel alcançar – seja por intervenção do sujeito passivo através de obras de valorização, seja por factores externos à sua vontade – consubstanciam ganhos, que serão apurados e tributados a título de mais-valias no momento da respectiva realização e de acordo com os critérios legalmente estabelecidos nessa data.
É o caso, precisamente, da realização de obras de ampliação do imóvel, sempre que essas obras não consubstanciem a “construção de um novo imóvel”, devendo interpretar-se como tal “[A]penas as obras de ampliação ou outras que originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do Código da Contribuição Autárquica, (…) [por serem] consideradas como factos modificativos, não apenas do conteúdo originário do direito, como também da titularidade da parte ampliada susceptível de utilização independente, a qual se reportará à data relevante, para efeitos de inscrição matricial e de sujeição a tributação” (v., acolhemos, neste caso, a interpretação proposta na Circular 8/92, de 3 de Junho de 1992, da Direcção de Serviços do IRS, reproduzida no acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Setembro de 2019, proferido no processo n.º 225/12.6BEBJA, por se afigurar um critério razoável de interpretação do preceituado na lei).
Resulta desta interpretação que só na hipótese de as obras de ampliação originarem um novo imóvel, com diferente inscrição matricial em artigo independente, é que se coloca o problema de estarmos perante um facto tributário que deve dar lugar ao apuramento de mais-valias. No caso em apreço isso não sucedeu; verificou-se apenas a reavaliação do imóvel para efeitos de determinação da matéria colectável em IMI.
Desta interpretação não resulta, porém, que o valor que os sujeitos passivos despendem com obras de ampliação e valorização dos imóveis possa ser objecto de tributação. Tal não sucede porque o legislador consagrou a regra de o valor de aquisição, determinado a partir da inscrição matricial do imóvel no momento em que ele ingressa na titularidade do proprietário, ser depois complementado (para além da correcção monetária do artigo 50.º do CIRS, que não está em discussão neste caso) pelo disposto no segmento inicial do artigo 51.º, al a) do CIRS. De acordo com este último artigo, na determinação das mais-valias, ao valor de aquisição (apurado, como vimos, segundo as regras do artigo 46.º, n.º 3 do CIRS) acrescem os encargos com a valorização do bem (designadamente, os custos das obras de beneficiação, como é o caso da ampliação do imóvel sempre que a mesma não dê origem à constituição de um novo imóvel ou de novos imóveis), desde que comprovadamente realizados nos últimos 12 anos (o prazo legal era, na redacção do artigo 48.º, al. a do CIRS aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, de 5 anos, mas foi ampliado para 12 anos pela revisão do CIRS aprovada pelo Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho, revisão da qual resultou também a renumeração desta disposição para artigo 51.º), i. e., realizados nos 12 anos anteriores à data da alienação.
Com esta regra complementar é possível deduzir ao montante do ganho (apurado – lembramos – a partir da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição) – ou seja, fazer acrescer uma dedução a favor do sujeito passivo – as quantias despendidas para incrementar o valor do imóvel (os custos das obras de valorização, neste caso de ampliação). Despesa que tem de qualificar-se como actividade económica intencionalmente desenvolvida pelo sujeito passivo e que, por isso, não pode integrar o cômputo da mais-valia. Já a valorização de mercado que o bem alcança após a realização dessas obras, corresponde ao conceito de mais-valia enquanto ganho externo à actividade do sujeito passivo.
Assim, as obras de ampliação, neste caso, teriam de ter sido documentadas e declaradas à AT para efeitos da respectiva contabilização a título de despesas e encargos, nos termos do disposto no artigo 51.º, al. a do CIRC, o que não sucedeu.

3.3. Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
1. O valor de aquisição do imóvel a título oneroso, calculado nos termos do n.º 3 do artigo 46.º do CIRS, é determinado a partir da inscrição matricial do imóvel quando ele ingressa na titularidade do proprietário, não estando legalmente consagrada a possibilidade de aquisição gradativa ou por fases.
2. O que a lei determina no apuramento das mais valias respeitantes a um imóvel que tenha sido construído pelo sujeito passivo e posteriormente valorizado mediante a realização de obras de ampliação que não originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada, nos 12 anos anteriores à data da sua transmissão onerosa, é que se possa fazer acrescer ao valor de aquisição, apurado nos termos do artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, o valor dos encargos com aquelas obras de ampliação, sempre que o mesmo seja declarado nos termos do disposto no artigo 51.º, al a do CIRC, e desde que sejam comprovados esses custos.
3. A realização de obras de ampliação que não originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada, mesmo que sejam causa de um aumento significativo do valor patrimonial tributário do imóvel, não consubstanciam um novo valor de aquisição do imóvel a título oneroso para efeitos de apuramento do ganho tributável como mais-valia.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.

Custas pela recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e, do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


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Lisboa, 9 de Outubro de 2019. - Suzana Tavares da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.