Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01018/09.3BELRS 0342/17
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
IRC
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
Sumário:I - Na qualificação de uma “decisão-surpresa” não deve confundir-se o alargamento do princípio do contraditório com uma eventual descaracterização da função judicial que se traduza no dever de o tribunal antecipar às partes o seu juízo de direito sobre a questão antes de a decidir, de forma a que a esta possa interferir nesse juízo, com o intuito de neutralizar efeitos negativos que dela possam advir;
II - As prestações suplementares desempenham (e desempenhavam sobretudo até à alteração legislativa aprovada pelo Decreto-Lei n.º 8/2007) uma função eclética de financiamento societário (de reforço do património social) sem a “rigidez” do regime jurídico do aumento do capital social (uma vez que admitiam a posterior restituição dos valores de forma simplificada, por mera deliberação social), sem os custos de outros instrumentos de financiamento (como os suprimentos), e com a solidez do aumento de capital social até que a situação patrimonial da empresa se reforce, uma vez que a restituição destes montantes (contrariamente ao que sucede com os suprimentos e as prestações acessórias) só pode ter lugar se a situação patrimonial da sociedade, após essa restituição, ficar com saldo superior à soma do capital e da reserva legal e o respectivo sócio já tiver liberado a sua quota.
III - À repercussão do saldo negativo das prestações suplementares aplica-se, por interpretação extensiva, o disposto no n.º 3 do artigo 42.º do CIRC (na redacção de 2005), sendo aquela dedução limitada a 50%.
Nº Convencional:JSTA000P26014
Nº do Documento:SA22020060301018/09
Data de Entrada:03/22/2017
Recorrente:BANCO A........S.A.
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – O Banco A……, S.A., inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 23 de Dezembro de 2016, que julgou improcedente a impugnação que intentara do acto tácito de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas com o n.º 20088310033179, referente ao exercício de 2005, no montante global de €18.718.136,69, apresentou recurso, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
A. Ao considerar que a Recorrente já havia registado um encargo (um custo), fiscalmente dedutível, aquando da realização de prestações suplementares à sua participada, o Tribunal a quo cometeu um erro de direito grosseiro, ostensivo e manifesto.
B. Este erro de direito foi o fundamento invocado pela decisão recorrida para considerar a impugnação improcedente, tendo considerado também prejudicados os restantes fundamentos invocados na p.i..
C. Ademais, este fundamento nunca foi suscitado por qualquer das partes, em momento algum do processo ou do procedimento administrativo que o antecedeu, e nunca foram as partes notificadas para se pronunciar sobre esta questão nova, que foi descortinada pelo Tribunal a quo de mote próprio.
D. A decisão recorrida constitui uma verdadeira e autêntica decisão surpresa, violadora do princípio do contraditório, sendo por isso nula, nos termos do n.º 1 do artigo 195º do CPC, aplicável por força do artigo 2º do CPPT.
E. Deve este Alto Tribunal decidir pela procedência do recurso e da impugnação, pois a variação patrimonial negativa sofrida pela Recorrente foi deduzida fiscalmente nos termos da lei, sendo ilegal a liquidação impugnada.
F. Estão em causa verdadeiras prestações suplementares, realizadas pela Recorrente à sua participada, e que cumprem todos os requisitos estabelecidos no CSC.
G. A constituição, o reforço e o reembolso de prestações suplementares efetuadas pela Recorrente à sua participada, até ao momento anterior à deliberação de dissolução desta última sociedade, não afetaram contabilisticamente o resultado, nem afetaram situação patrimonial da Recorrente, pelo que tais factos não concorreram para a formação do lucro tributável da Recorrente.
H. Nos termos do PCSB, o valor de €18,718,136.69, que corresponde às prestações suplementares não reembolsadas aquando da dissolução, liquidação e partilha da participada, por falta de ativo suficiente da parte desta, foi considerado uma variação patrimonial negativa, não refletida no resultado líquido do exercício de 2005, da ora Recorrente.
I. Tendo a Recorrente sofrido uma variação patrimonial negativa não refletida no resultado líquido do exercício, que não se encontrava excecionada por qualquer das alíneas do n.º 1 deste artigo 24.º do Código do IRC, foi a mesma deduzida fiscalmente, nos termos desta norma.
J. Apesar de estar em causa o valor para o sócio resultante de uma dissolução, liquidação e partilha, não se aplica ao presente caso o artigo 75.º do Código do IRC, pois este diz apenas respeito a partes sociais, e não a prestações suplementares, já que os dois conceitos nunca se confundem (cfr. doutrina e jurisprudência unânimes).
K. A tese contrária levaria a que a constituição de uma sociedade com capital social de €5.000 e com prestações suplementares de €5.000.000, seguida, no dia seguinte, da sua dissolução, liquidação e partilha (por arrependimento do sócio, por exemplo), originasse uma mais-valia tributável na esfera do sócio, no valor de €5.000.000, pois este seria tributado pelo valor que lhe cabe na partilha, só podendo deduzir o custo de aquisição da participação (os € 5.000).
L. Como é evidente, esta tese é violadora do princípio constitucional da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real (para além de violar o puro bom-senso).
M. A AT considerou que as prestações suplementares são "créditos incobráveis" para efeitos de aplicação do artigo 39.º do Código do IRC, requalificando para esse propósito as prestações suplementares em crédito em conta-corrente, sem apresentar fundamentos legais que justifiquem essa recaracterização e sem aplicar a norma antiabusiva e o seu procedimento específico.
N. A AT considera também que, mesmo entendo [sic] que configuram prestações suplementares, é de aplicar o artigo 39.º do Código do IRC, porque estas prestações configuram também "créditos".
O. A letra do artigo 39.º do Código do IRC, a sua integração sistemática, a evolução legislativa posterior, a doutrina e a jurisprudência, todas demonstram que o artigo 39.º do Código do IRC não é aplicável a prestações suplementares.
P. A introdução pelo legislador, em 2006, de uma norma que limita a dedutibilidade de perdas ou variações patrimoniais negativas decorrentes de componente de capital próprio, "designadamente prestações suplementares", demonstra que, antes dessa data, não havia uma limitação específica de dedutibilidade.
Q. Quem defender a aplicação do artigo 39.º do Código do IRC ao presente caso terá de defender também que, após 2006, se aplicaria esse artigo e o novo artigo 42.º, n.º 3 do mesmo Código, ambos às mesmas prestações suplementares, o que é manifestamente absurdo e impossível!
R. Mas mesmo que se entendesse que o artigo 39.º do Código do IRC era aplicável também a prestações suplementares de capital (e já se viu que não é), ainda assim improcedia o efeito desejado pela AT, porque a presente situação nunca se poderia enquadrar ao abrigo do artigo 39.º do Código do IRC.
S. Isto porque o n.º 1 do artigo 213.º do CSC impõe a verificação de uma condição para a exigibilidade da prestação suplementar, com o objetivo de salvaguardar o capital social e reserva legal, sendo que a sociedade que realizou a prestação suplementar não pode exigir o reembolso para além do valor do ativo social (ex vi artigo 3º nº 3 alínea c) conjugado com o artigo 30º nº 3, in fine, ambos do CIRE).
T. Assim, mesmo subscrevendo o entendimento da AT, é forçoso concluir que as perdas decorrentes de não reembolso das prestações suplementares, em virtude da liquidação da sociedade, nunca poderiam ser aceites para efeitos fiscais, porque a lei não permite, no caso em análise, requerer a insolvência, que é o requisito do qual a AT faz depender a aceitação fiscal da perda, por força do artigo 39.º do Código do IRC, decorrente do não reembolso da prestação suplementar.
U. O que significa que, de acordo com o entendimento da AT, a dedutibilidade fiscal do "crédito incobrável" (na acepção da AT) estaria sujeita a uma condição (a declaração de insolvência) que a Recorrente nunca poderia obter, violando-se o princípio constitucional da capacidade contributiva e ainda o princípio da tributação pelo lucro real.
V. A AT refere que as prestações suplementares configuram liberalidades, não apresentado um único fundamento para esta afirmação.
W. A AT nunca colocou em causa, de forma fundamentada, a "indispensabilidade" da "perda", questão que não vem sequer suscitada no Projeto de Relatório e é apenas referida de forma conclusiva no Relatório de Inspeção.
X. Assim sendo, o Tribunal deveria ter entendido que a AT nunca colocou em causa, de forma fundamentada, a "indispensabilidade" da "perda", ou então, se entendesse que o fez no Relatório de Inspeção, deveria ter dado por violado o princípio da participação previsto na LGT e na Constituição, uma vez que não foi dada possibilidade à Recorrente de se pronunciar sobre esta questão.
Y. E mesmo que, contra todas as evidências, se considere que a AT colocou em causa fundamentadamente a indispensabilidade da perda, será então de concluir que essa indispensabilidade encontra-se demonstrada nos autos, conforme jurisprudência abundante sobre a matéria.
Z. O valor da causa decidido na sentença recorrida viola a lei, pois o valor deverá ser o da liquidação adicional de IRC e não o valor da correção ao lucro tributável.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V. Exas., se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue procedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA».


2 – A Recorrida não apresentou contra-alegações.


3 – A Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 20 de novembro de 2002 a Assembleia Geral da sociedade C……….., S.G.P.S., Lda. deliberou, por unanimidade, exigir ao sócio Banco A……, S.A., a realização de prestações suplementares, no montante de € 80.190.304,84, tendo fixado o dia 1 de janeiro de 2003 como data a partir da qual as prestações seriam exigíveis
(Conforme resulta de fls. 242).
B) Em 19 de março de 2003 foi emitida a certificação legal das contas da sociedade B………… SGPS, por revisor oficial de contas independente, relativa às demonstrações financeiras do exercício de 2002, a qual certifica que o capital próprio da sociedade, a final do referido exercício, é negativo em €1,892 milhares.
(Conforme resulta de fls. 244 e 245).
C) Na certificação legal de contas foi colocada ênfase no sentido de salientar que a sociedade apresenta um capital próprio negativo existindo, por esse motivo, a necessidade de apoio financeiro adequado pelos sócios.
(Conforme resulta de fls. 245).
D) Em 27 de junho e em 10 de julho de 2003 foi deliberado, pela Assembleia Geral da B………. SGPS, reembolsar parte das prestações suplementares anteriormente efetuadas, nos valores respetivamente de € 9.800.000,00 e € 8.009.535,56.
(Conforme resulta de fls. 246 e 247).
E) Em 27 de fevereiro de 2004 foi emitida a certificação legal das contas da sociedade B………. SGPS, por revisor oficial de contas independente, relativa às demonstrações financeiras do exercício de 2003, a qual certifica que o capital próprio da sociedade, a final do referido exercício, é positivo em € 8,140 milhares.
(Conforme resulta de fls. 249 e 250).
F) Em 30 de junho de 2004 o IMPUGNANTE tomou-se o único acionista da sociedade B………. SGPS (detentor de 100% do capital) tendo para esse efeito adquirido, nessa data, as seguintes participações:
Ações detidas pelo Banco A…….. em 29.06.04

(Conforme resulta de fls. 251 a 254 e é corroborado pelo relatório de inspeção tributária).
G) Conforme resulta da apresentação n.º 14/011016 (fls. 265), o capital social da B……… SGPS SA era de € 50.000,00, do qual a quota de € 43.900,00 era detida pelo Impugnante.
(Conforme resulta de fls. 265).
H) Em 28 de fevereiro de 2005 foi deliberado, em Assembleia Geral da B……… SGPS, exigir ao sócio único - o Banco A…….. SA - um reforço de prestações suplementares, no montante de € 7.700.000,00.
(Conforme resulta de fls. 269).
I) Em 30 de março de 2005 venceu-se o empréstimo, com início em 31 de março de 2004, no valor de € 5.700.000,00, concedido à B……. SGPS pela B……… -Instituição Financeira de Crédito, SA, à taxa de juro anual fixa de 3.46%.
(Conforme resulta de fls. 270 e 271).
J) O empréstimo intragrupo foi reportado no dossier de preços de transferência da B……….. - Instituição Financeira de Crédito, SA.
(Conforme resulta de fls. 272 a 291).
K) Em 30 de março de 2005 foram realizadas prestações suplementares no valor de € 5.900,000.
(Conforme resulta de fls. 16).
L) O pacto social da B……., SGPS prevê em matéria de prestações suplementares:
«Até ao limite de cinco mil vezes o capital social da sociedade os acionistas podem ser chamados a contribuir com prestações suplementares nos termos e com o valor que for determinado pela Assembleia Geral de Acionistas».
(Conforme resulta de fls. 295).
M) As prestações suplementares de capital concedidas pelo Banco A……. à B……. SGPS estão resumidas no quadro seguinte:
Prestações suplementares de capital concedidas pelo Banco A………, S.A. (#4093) B……. SGPS, SA,

N) Em 22 de dezembro de 2005 reuniu-se a Assembleia-Geral que deliberou a dissolução, liquidação e partilha da sociedade B……., S.G.P.S., SA, a qual foi formalizada através de escritura pública outorgada nessa mesma data.
(Conforme resulta de fls. 300 a 307).
O) Em 22 de dezembro de 2005 foram efetuados na esfera do IMPUGNANTE os lançamentos contabilísticos da operação de liquidação, a saber:

P) Pelo fax n.º 166/07, de 08107/2007, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram ao Impugnante que lhe fossem facultados:
(...) 8. Detalhe das importâncias acrescidas e deduzidas no Q. 7 da decl. Mod. 22, com a indicação das rubricas contabilísticas movimentadas, inscritas nos seguintes campos: (…)
Exercício de 2005: (...) 203 (...).
(Conforme resulta de fls. 428 do processo administrativo apenso).
Q) Pelo pedido de elementos 2, de 12/07/2007, solicitaram os Serviços de Inspeção Tributária à Impugnante:
«6. Liquidação da participada B……., S.G.P.S., S.A.
6.1. Balanço e demonstração de resultados da B…….., SGPS, SA, à data da liquidação - 22-12-2005:»
(Conforme resulta de fls. 431 do processo administrativo apenso).
R) Em 10/08/2007, os Serviços de Inspeção Tributária notificara o Impugnante para:
«9. Apresentar o extrato da conta "4093 - Prestações suplementares de capital" para os exercícios de 2004 e 2005, em suporte informático;
10. Expor as razões que estiveram na base da dissolução e liquidação da B…... SGPS, S.A. em 2005. Caso tenha ocorrido por insolvência e / ou falência, apresentar documentação que ateste a mesma;
No exercício de 2005, antes do processo de dissolução da B……. SGPS o Banco A…… ainda efetuou um reforço de prestações suplementares de capital no valor de Eur. 5.900.000,00. Efetuar uma explanação com os motivos que levaram à ocorrência daquele facto, apresentando eventual documentação de suporte;»
(Conforme resulta de fls. 439 do processo administrativo apenso).
S) A coberto das Ordens de Serviço n.º OI200700173 e OI200700174 de 05.04.07, procedeu-se a uma ação inspetiva de caráter geral ao Banco A……., S.A. (adiante designado por Banco) que teve início em 14.05.07.
(Conforme resulta de fls. 349 do processo administrativo apenso).
T) O Banco foi selecionado, de acordo com os critérios de seleção utilizados para as empresas do Cadastro Especial de Contribuintes (CEC), de modo a que fosse efetuada uma ação inspetiva de âmbito geral, com incidência nos exercícios de 2004 e 2005.
(Conforme resulta de fls. 349 do processo administrativo apenso).
U) O Banco A……, S.A. é um Banco privado que resultou da transformação, em outubro de 1992, da A……. - Sociedade de Investimentos, S.A. a qual havia iniciado a sua atividade em julho de 1987.
(Conforme resulta de fls. 349 do processo administrativo apenso).
V) O Banco tem por objeto principal a realização de todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos às Instituições Bancárias de acordo com a Legislação em vigor. O Banco tem-se especializado nas atividades de mercado de capitais, assessoria financeira, incluindo fusões, aquisições e financiamentos estruturados, e em operações de crédito.
Indiretamente, através das suas subsidiárias, o Banco realiza operações de locação financeira, gestão de participações sociais, gestão de ativos financeiros forfaiting, aluguer de longa duração e financiamento do crédito ao consumo.
As atividades do Banco concentram-se nos mercados ibérico e brasileiro, através dos seus escritórios em Lisboa, Porto, e das suas subsidiárias em Londres, Madrid, Barcelona, Nova Iorque e São Paulo. Em cooperação com o novo acionista do Banco (Moscow Narodny Bank) iniciou atividade nos mercados da Rússia e dos países da Comunidade de Estados Independentes (CEI). A B……… IFIC, S.A., subsidiária de crédito especializado, complementa as atividades financeiras do Grupo.
(Conforme resulta de fls. 349-350 do processo administrativo apenso).
W) Nos termos da lei fiscal e comercial, o Banco possui a sua contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística, consubstanciada no Plano de Contas do Sistema Bancário (PCSB), nas Normas e instruções do Banco de Portugal e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade (v.g. Regime Geral das instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298192. de 31 de dezembro).
O Banco encontra-se coletado em sede de IRC, pelo exercício da atividade de "Outra intermediação monetária", com o Código da Atividade Económica (CAE) 65120, no Serviço de Finanças Lisboa - 12, estando sujeito a IRC, nos termos do art.º 2.º do CIRC.
(Conforme resulta de fls. 350 do processo administrativo apenso).
X) Nos exercícios em análise, a matéria coletável está sujeita ao regime geral de tributação e ao regime de isenção temporária por aplicação do disposto no art.º 33.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho. Este benefício fiscal resulta da existência de uma SFE no Centro Internacional de Negócios da Madeira. Os resultados apresentados pelo Banco por regime de tributação são os seguintes:

(Conforme resulta de fls. 350-351 do processo administrativo apenso).
Y) Em 31 de dezembro de 2005, o capital do Banco está representado por 75.000.000 ações, com valor nominal de um euro cada, sendo detido pelas seguintes entidades:


(Conforme resulta de fls. 351 do processo administrativo apenso).
Z) O Banco detém as seguintes participações diretas:

AA) Em matéria de variações patrimoniais negativas verificaram os serviços de inspeção:
«Constatou-se que o Banco inscreveu no Campo 203 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22 de 2005, o montante de Eur. 18.997.318,87, respeitante a variação patrimonial negativa, de acordo com o art.º 24.º do CIRC. Neste contexto, solicitou-se o detalhe do referido montante e as rubricas contabilísticas movimentadas, ponto 8 do Fax n.º 166, de 08.05.2007.
Em resposta ao pedido, o Banco veio esclarecer tratar-se de uma operação de dissolução, liquidação e partilha da sociedade B…….., SGPS, S.A., participada a 100% pelo Banco A……., tendo apresentado cópia da respetiva escritura celebrada a 21.12.2005, onde consta que o passivo e o ativo da sociedade dissolvida foram transferidos para o património do Banco, enquanto acionista único.
Facultou ainda os lançamentos contabilísticos desta operação, no dia 22. 12.2005:

Constatou-se que a importância de Eur. 18.997.318,87, deduzida ao lucro tributável como variação patrimonial negativa refere-se ao resultado negativo apurado com a operação de dissolução, liquidação e partilha da B………, SGPS, S.A., registada na conta 6399 – “Outras reservas”, em consequência da anulação dos registos referentes a:
• Valor de aquisição das ações de Eur. 279.182,18;
• Valor das prestações suplementares de capital de Eur. 68.280.769,28;
e, da transferência de depósito à ordem, no montante de Eur. 49.562.632,59, efetuado pela B……., SGPS, SA, que esta detinha no Banco A……., à data da dissolução.
Refira-se que o capital social da B……., SGPS, SA, no valor de Eur. 50.000,00, encontrava-se representado por 10.000 ações com valor nominal de Eur. 5,00 cada.
Constatou-se que, o Banco detinha 8.780 ações da B……….- SGPS, S.A., até 29.06.2004, correspondentes a uma participação de 88%, refletida na conta "40120 –Ações B………, SGPS, SA", pelo valor de Eur. 43.894,21.
No dia 30.06.2004, e em consequência da aquisição de 1.220 ações, correspondentes a 12% do capital social da B……., o Banco passou a ser o único acionista, de acordo com o seguinte detalhe:

O Banco releva na conta 4093, as atribuições e reembolsos de prestações acessórias sob o regime de entregas suplementares de capital, cujo saldo final à data da dissolução, liquidação e partilha era de Eur. 68.280.769,28, conforme se passa a detalhar:

Relativamente à atribuição de prestação suplementar de capital, no valor de Eur. 5.900.000,00, efetuada no dia 31.03.05, a mesma, segundo informação prestada pelo Banco "(...) destinou-se a fornecer fundos para pagar o empréstimo que se vencia naquela data de 5,7 M€ acrescido de juros (...), o qual tinha sido concedido por uma empresa participada da SGPS."
O resultado da operação de liquidação, no montante de Eur. 18.997.318,87, foi contabilizado numa rubrica de situação líquida (conta 6399), conduzindo a que o resultado líquido contabilístico não sofresse impacto negativo, ficando refletido como variação patrimonial negativa.
De notar que, a inclusão das prestações suplementares de capital foi determinante no apuramento de um resultado negativo global.
Ora, levando em consideração que a operação em apreço configura a dissolução, liquidação e partilha - simultânea - da sociedade que usava a firma "B……., SGPS, SA", o seu enquadramento está previsto no art.º 75.º do CIRC.
Segundo o regime estabelecido no n.º 1 daquele normativo: "É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais.". Pelo que, nestes termos, a noção de "menos-valia" contida no citado art.º 75.º do CIRC, diferentemente do que sucede com o disposto no art.º 43.º do mesmo diploma legal, por respeitar somente à extinção das sociedades por via da sua dissolução, tem um âmbito distinto e específico, não constituindo forma de transmissão onerosa de elementos do ativo imobilizado.
Deste modo, não são de incluir as prestações suplementares de capital no apuramento da menos-valia, de acordo com o art. 75.º do CIRC.
Assim, importa, agora, proceder à análise da natureza das prestações atribuídas pela entidade inspecionada à sociedade que usava a firma "B……… SGPS, SA".
Na verdade, no que concerne à efetivação de prestações dos sócios concedentes em benefício da sociedade, podemos, caso se constitua, ou não, obrigação de restituir e de exigir, podemos destrinçar entre financiamentos por meio de capitais próprios, como sucede in casu, e financiamentos por intermédio de capitais alheios. Se, relativamente aos primeiros, não existe ab initio a obrigação de reembolsar e exigir no seu sentido próprio, não sendo, por isso, considerado passivo social; quanto aos segundos, ao invés, dá-se a obrigação de reembolsar ou de exigir, sendo, assim, qualificados como passivo da sociedade beneficiária.
As prestações suplementares de capital, como figura paradigmática dos financiamentos por intermédio de capitais próprios, revelam-se como entregas monetárias efetuadas pelos sócios para complementaridade dos capitais próprios das sociedades, embora não estejam sujeitas ao mesmo regime formal de execução e levantamento.
De acordo com o regime legal relativo às prestações suplementares de capital, verifica-se que, na esteira do atrás expendido e nos termos do art° 210.º e seguintes do Código das Sociedade Comerciais (CSC), tais prestações não poderão, in natura, consubstanciar-se como verdadeiros direitos de crédito pautados pela inerente exigibilidade considerada no seu alcance próprio. De facto, atenta a natureza da exigibilidade do reembolso, meramente residual e sempre limitada por razões exógenas à vontade do sócio concedente, a restituição das entregas monetárias efetuadas a título de prestações suplementares de capital está dependente de deliberação social e, sempre, desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal e o sócio concedente já tenha liberado a respetiva parte social (n.ºs 1 e 2 do art.º 213.º do CSC).
Deste modo, facilmente se afere que este tipo de prestações se traduzem como entregas monetárias destinadas a satisfazer funções equivalentes ao próprio capital social e, assim sendo, justificam a sua inexigibilidade, bem como a inaplicabilidade de qualquer remuneração pela prestação, nomeadamente juros, distanciando-se, assim, do conceito de suprimentos. Aliás, a existir exigibilidade de reembolso, esta só ocorre durante o momento da liquidação social e, mesmo assim, apenas se preenchidos determinados requisitos.
A este propósito, o próprio RAÚL VENTURA, refere que "Enquanto a sociedade vive a sua vida normal, não pode o sócio exigir a restituição da prestação suplementar de capital, mas quando a sociedade é liquidada (excetuada a liquidação em caso de falência, por força do art. 213.º, n.º 3), há necessariamente um momento em que as prestações suplementares devem ser restituídas", a saber "as dívidas da sociedade por prestações suplementares devem ser satisfeitas antes de se efetuar a partilha do saldo entre os sócios ou, reflexamente, deve ser reconhecido ao sócio um direito de crédito à restituição da prestação suplementar, condicionado à existência de ativo social bastante, depois de satisfeitas na fase de liquidação as dívidas externas da sociedade".
Neste contexto, sob a condição de crédito exigível que então passam a assumir, as prestações suplementares de capital, no caso de não serem reembolsadas na liquidação da sociedade, subordinam-se ao disposto no art.º 39.º do CIRC, segundo o qual os créditos qualificados como incobráveis "(...) podem ser diretamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.".
Assim, apenas são considerados custos ou perdas do exercício, nos termos do art.º 23.º do CIRC, na medida em que tal resultem de processo especial de recuperação de empresas, proteção de credores ou de processo de execução fiscal, conforme previsto no art. 39.º do CIRC, factos que não se verificam dado tratar-se de uma dissolução deliberada por vontade do seu sócio único, e como tal sem enquadramento naquela norma.
Deste modo, e conforme exposto, a importância apurada nos termos do n.º 1 do art.º 75.º do CIRC deverá, somente, ser composta pelo ativo a partilhar abatido do preço de aquisição da parte social. Desta maneira, após o ressarcimento das prestações efetuadas (Eur. 68.280.769,28) até ao limite do ativo da sociedade ora liquidada (Eur. 49.562.632,59) resulta que o valor da partilha será zero, sendo certo que, depois do abatimento do montante correspondente à aquisição das partes sociais (Eur. 279.182,18), a importância obtida corresponderá ao valor negativo de Eur. 279.182,18.
Porém, resultando daquele apuramento uma diferença negativa (Eur. 279.182,18), importa, então, validar o preenchimento do requisito estatuído na 2.ª parte da alínea b) do n.º 2 do art.º 75.º do CIRC, "(...) sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução.", ou seja, aferir qual o valor, em razão do período de titularidade das partes sociais, suscetível de dedução e, respetiva, consignação a título de variação patrimonial negativa nos termos do art.º 24.º do mesmo código.
Pois, sabendo-se que, obtida uma diferença negativa, a mesma para ser fiscalmente considerada como menos-valia dedutível para os efeitos do art.º 75.º do CIRC, é condição sine qua non que as respetivas partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os 3 (três) anos imediatamente anteriores à data de dissolução da sociedade.
Ora, verifica-se, desde logo, que, de acordo com os elementos obtidos, a condição estatuída na 2ª parte da alínea b) do n.º 2 do art.º 75.º do CIRC não se encontra integralmente preenchida, uma vez que o Banco não foi titular da totalidade do capital social da sociedade B……….- SGPS, SA durante o período de tempo legalmente exigido para a dedução efetuada naqueles termos.
Na verdade, o Banco A…….. apenas passa a deter a totalidade do capital social da sociedade ora dissolvida, a partir de 30.06.2004, pelo que, em consonância e ao abrigo do preceituado na alínea b) do n.º 2 do art.º 75.º do CIRC, a dedução a efetuar deverá corresponder às partes de capital social titulado durante os 3 (três) anos imediatamente anteriores ao momento da liquidação, ou seja, Eur. 43.894,21 (Eur. 279.182,18 - Eur. 235.287,97), pelo que apenas é aceite fiscalmente este valor.
Face ao exposto, foi acrescido ao lucro tributável a importância de Eur. 18.953.424,66, ao abrigo dos artigos 23.º, 24.º 39.º e 75.º, todos do CIRC.
Paralelamente, são devidos juros compensatórios, de acordo com o previsto no art.º 94.º do CIRC, conjugado com o art.º 35.º da LGT.
Após o exercício do direito de audição, a correção inicialmente proposta mantém-se, conforme descrito no ponto IX - 2.1.1. do presente Relatório de Inspeção.
(Conforme resulta de fls. 368 a 374 do processo administrativo apenso).
BB) O Banco A……. exerceu o direito de audição e, em apreciação dos argumentos invocados, considerou a Administração fiscal:

Conforme expendido nas alíneas "i)" e "ii)" do ponto "I-B-3)" resulta a não conformação da Exponente com as conclusões projetadas e retidas no ponto "III - 2.1.1." do "Projeto de Relatório" elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária.
Ora, salvo melhor opinião, e no sentido da posição anteriormente tomada e ínsita no "Projeto de Relatório” somos a entender que a tese perfilhada pela Exponente, porque não pondo em causa nem brigando com as conclusões projetadas - antes pelo contrário - não merecerá provimento; senão vejamos:
Em primeira instância, cumpre, desde já, referir que talvez por mero lapso da Exponente, e ao invés do que expressa na epigrafe da alínea "1)" do ponto "3" da sua exposição, os Serviços de Inspeção Tributária, relativamente à correção sub judice, nunca colocaram em causa, para efeitos da fórmula prescrita no n.º 1 do art° 75.º do CIRC, a inclusão da importância correspondente ao efetivo valor de aquisição das partes sociais da sociedade "B…., SGPS, SA”, ou seja, o montante de Eur. 279.182,18; sendo certo que, conforme mencionado no "Projeto de Relatório” tal quantia, enquanto diferença negativa, apenas é fiscalmente dedutível, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 75.º do mesmo diploma legal, na redação vigente à data dos factos, "(...) quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução.".
Pelo que, naqueles termos, somente foi fiscalmente aceite a quantia de Eur. 43.894,21, pois era este o valor correspondente às partes sociais detidas à data dissolução da B…….., SGPS, SA, pelo Banco há mais de três anos.
Agora, no que ao restante diz respeito: No decurso da análise efetuada, constataram estes Serviços que a entidade examinada consignou no "Campo 203” do "Quadro 01” da sua declaração de rendimentos referente ao exercício fiscal correspondente ao ano de 2005, o montante de € 18.997.318,87, respeitante a variação patrimonial negativa, nos termos do disposto no art.º 24.º do CIRC.
Pelo que, no sentido do cotejo dos valores declarados com os elementos de suporte ao procedimento registral efetuado pelo Banco para os efeitos do preceituado na alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º, bem como do estabelecido na norma inserta no art.º 115º, ambos do CIRC, os Serviços de Inspeção Tributária, procederam à notificação da Exponente, via diversos pedidos por escrito, para apresentar informação de suporte à dedução ao lucro tributável como variação patrimonial negativa.
Em resposta àqueles pedidos, o sujeito passivo, sem preencher o ónus de comprovação da indispensabilidade, veio dar a conhecer que a matéria ora questionada enquadrava-se no âmbito de uma operação que configurou a dissolução, liquidação e partilha, simultâneas, da sociedade constituída sob a forma comercial que usava a firma "B…….., SGPS, S.A.”; NIPC……….., cujo capital social, no montante global de Eur. 50.000,00 (cinquenta mil euros) era, na sua totalidade, detido pela instituição ora examinada; tendo a mesma apresentado, para além da descrição dos lançamentos contabilísticos em causa, cópia da respetiva escritura pública, datada de 21 de dezembro de 2005, celebrada junto do Cartório Notarial da Dra ……………, sito em Lisboa, e que, nesse cartório, ficou registada em folhas cento e cinco e folhas cento e seis, do livro com o número "DOZE B" (Anexo 7).
Do exame do mencionado instrumento público, e conforme nele exarado, resulta que: o ativo da dissolvida era composto "(…) por um depósito bancário à ordem no valor de quarenta e nove milhões, quinhentos e sessenta e oito mil, seiscentos e oitenta e dois euros e cinquenta e nove cêntimos (...)"; o passivo é constituído por «(...) duas dívidas, uma no valor de sessenta e oito milhões, duzentos e oitenta mil, setecentos e sessenta e nove euros e vinte e oito cêntimos e outra no montante de seis mil e cinquenta euros (...)"; todo o património social - ativo e passivo - foi adjudicado "(...) à única acionista Banco A…….., SA. (...)".
Reflexamente, segundo os elementos oferecidos como demonstração do procedimento registral adotado em virtude dos atas supramencionados, constatou-se que a importância em causa, isto é, Eur. 18.997.318,87, deduzida ao lucro tributável como variação patrimonial negativa, referente ao resultado negativo que derivou da operação de dissolução, liquidação e partilha da sociedade "B……., SGPS, S.A."; tendo sido registada na conta 6399 - "Outras reservas”; em consequência da anulação dos registos referentes: valor de aquisição das ações - Eur. 279.182,18; montante relativo a "prestações suplementares de capital” (8) - Eur. 68.280.769,28; transferência de depósito à ordem titulado pela ora dissolvida junto da participante - "Banco A……, SA” – na importância de Eur. 49.562.632,59.


O capital social da sociedade extinta - "B……, SGPS, SA -, como já se disse, ascendia à importância de Eur. 50.000,00 (cinquenta mil euros); sendo representado por 10.000 (dez mil) ações com o valor nominal e unitário de Eur. 5,00 (cinco euros).
No que respeita às vicissitudes ocorridas em termos de titularidade do capital social, foi, também, apurado que a entidade inspecionada era, até 29 de junho de 2004, detentora de 8.780 ações da "B……. - SGPS, S.A"; o que equivalia a uma participação de 88% no capital votante daquela, refletida na conta "40120 – Ações B……., SGPS, SA” pelo valor de Eur. 43.894,21 (quarenta e três mil, oitocentos e noventa e quatro euros e vinte e um cêntimos); sendo certo que, a partir de 30 de junho de 2004, tal participação, por via da compra dos restantes 12%, passou a ser total, conforme quadro que segue:

O Banco releva na conta "4093 - Prestações suplementares de capital à B…….. SGPS, SA” as atribuições e reembolsos de prestações acessórias sob o regime de "prestações suplementares de capital”, cujo saldo final da conta corrente, à data da dissolução, liquidação e partilha, ascendia ao montante de Eur. 68.280.769,28; parte desta importância inclui um registo contabilístico efetuado no ano objeto de análise e corresponde à atribuição de "prestação suplementar" de capital, no valor de Eur. 5.900.000,00 (cinco milhões e novecentos mil euros), efetuada no dia 31 de março de 2005 e que, segundo informação prestada pela entidade inspecionada e, entretanto, carreada para os presentes autos: "(...) destinou-se a fornecer fundos para pagar o empréstimo que se vencia naquela data de 5,7 M€ acrescido de juros (...), o qual tinha sido concedido por uma empresa participada da SGPS." (Anexo 8).
O produto negativo da operação de liquidação, no montante de Eur. 18.997.318,87 - aliás, para o qual contribuiu, significativamente, a inclusão das quantias entregues à participada -, foi contabilizado numa rubrica de situação líquida (conta “6399 - Outras reservas” conduzindo a que o resultado líquido contabilístico não sofresse impacto negativo, ficando, assim, apenas refletido como variação patrimonial negativa.
Nestes termos e tomado todo o enquadramento factual supra descrito, os Serviços de Inspeção Tributária concluíram, em sede de "Projeto de Relatório", que "(...) será de acrescer ao lucro tributável a importância de Eur. 18.953.424,66, ao abrigo dos artigos 23.º, 24.º, 39.º e 75.º, todos do CIRC.”.
Porém, não obstante tudo o expendido no mencionado “Projeto de Relatório”; vem, agora, o sujeito passivo manifestar a sua discordância com a correção que, quanto a esta matéria, foi projetada.
Para tal, conforme expresso no seu direito de audição, a Exponente invoca algumas questões que, quanto a nós, embora aparentemente controversas, carecem de serem dirimidas no interesse do presente pleito.
Relativamente a esta matéria, a ora Exponente circunscreve o seu contraditório tão-somente às questões suscitadas nos pontos 22 a 33 da sua peça processual; minimizando, assim, o seu direito de participação (art.º 60.º da LGT), bem como - pensamos nós - o respetivo dever de cooperação (art.º 59.º da LGT) neste procedimento tendente à formulação definitiva da decisão. Pois, como facilmente se verifica, a fundamentação inseria no "Projeto de Relatório", e que foi conducente à respetiva proposta de correção, não é apenas aquela que pretensamente é, agora, colocada em causa pela Exponente; aliás, o Banco é que, durante todo o procedimento, qualifica, formal e materialmente, os fluxos financeiros em causa como “prestações acessórias a título de prestações suplementares de capital”; cabendo à Administração Tributária a tarefa de, sendo caso disso, aferir da oponibilidade e respetivo trato fiscal.
Pelo que, primeiro que tudo, cumpre verificar da oponibilidade fiscal da construção modelada pela Requerente.
Nos termos do preceituado no n.º 4 do art.º 36.º da LGT, "A qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a Administração Tributária”. Isto significa que, não obstante a qualificação dada pelas partes ao negócio jurídico de per si, o que releva, para efeitos de regulamentação e, subsequente, trato fiscal, é a substância do mesmo, ou seja: o seu efeito útil; aliás, em consonância com o ensinamento do Ilustre Prof. Dr. Diogo Leite de Campos, nos termos do qual "(...) em qualquer ramo do direito, a qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes deve ceder perante a regulamentação deste."
Mais: na ótica da incidência do tributo, nos termos do preceituado no art.º 11.º da LGT, mesmo que, relativamente a esta questão, persistissem dúvidas acerca do sentido das normas a aplicar, "(...) deve atender-se à substância económica dos factos tributários (...)".
Por outro lado, o apelo àquelas regras, embora conduzindo ao espírito ínsito no princípio do dever fundamental de pagar impostos, consagrado no art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), não colide de modo algum com o princípio civilista da liberdade contratual estatuído no art.º 405.º do Código Civil.
Pelo que, a denominação dada pelo Banco aos fluxos financeiros em análise, não releva - nem relevou - para efeitos de determinação do tratamento fiscal aplicável in casu, que, por consequência, levou à proposta de correção anteriormente formulada.
Com efeito, a fundamentação legal da correção que, relativamente a este assunto, foi proposta, encontra-se sedeada em torno das normas insertas nos "(...) art.ºs 23.º, 24.º 39.º e 75.º, todos do CIRC; e, isto, pelas razões que, do primeiro para o último normativo, passamos desde já a explicar:
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 75.º do CIRC, "É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais.
Ora, conforme resulta deste preceito legal, somente o preço de aquisição das partes sociais é deduzido ao valor da partilha social. Portanto, mesmo que se considere in casu a existência material de ''prestações suplementares de capital” - não estando convertidas em "capital social” - estas, porque sendo apenas capital próprio com característica de mobilidade, não aspirando, por isso, ao desiderato inerente à noção de capital social de montante fixo e dos interesses que este procura servir e salvaguardar, não é passível de, por dedução, concertar ao valor da partilha; outrossim, este normativo tão-somente se refere a ''partes sociais” e não a "capital próprio".
Efetivamente, o legislador quando se refere a "partes sociais" está a reportar-se unicamente a “partes de capital sócia”, pois se quisesse fazer incluir a figura das prestações suplementares, empregaria outra redação que não esta; e, o art.º 9.º do Código Civil, impõe-nos este entendimento ao fazer presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada exprimindo o seu pensamento em termos adequados.
E, em abono da verdade, o conceito de ''partes de capital”, utilizado comummente quer pela legislação tributária quer pelas regras contabilísticas, significa ''partes de capital social" que, do ponto de vista do Direito Comercial correspondem às entradas dos sócios para o capital social, e não se confundem com as prestações suplementares, porque, para além de pouco, ou nada, terem em comum, não partilham do mesmo regime jurídico.
Na verdade, se é certo que a medida das “prestações suplementares" tem, na mesma proporção, reflexos em matéria de subcapitalização nominal, também se verificam enormes vantagens, quer em termos de mobilidade (caso não haja conversão em capital social), quer em termos de dividendos por intermédio da repercussão daquelas no resultado líquido do exercício.
Por outro lado, bem que a Exponente traz à colação a lembrança da regra inclusa no n.º 3 do art.º 42.º do CIRC, pois, este, na redação em vigor para o ano de 2006, refere expressamente, "(...) outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares (...)". O que, por outros vocábulos, equivale a dizer que, caso o legislador quisesse, por intermédio do n.º 1 do art.º 75.º do CIRC, abranger realidades distintas de capital social, teria feito menção das mesmas; isto sabendo-se de antemão da limitação legal que existe ao nível da interpretação das regras tributárias, mor no caso das normas de incidência, por via do estabelecido nos art.ºs 13.º e 165.º, ambos da CRP, bem como dos art.ºs 8.º e 11.º, estes da LGT.
Por outro caminho, e como bem se descortina, também se verifica, de igual modo, que a disciplina do mencionado art.º 75.º se autonomiza dos conceitos inclusos no art.º 43.º do CIRC; entendimento, este, ainda mais alicerçado e sublinhado por intermédio do disposto no art.º 44.º do mesmo diploma legal; não aplicável ao regime fiscal da partilha social em resultado de dissolução da sociedade, quer esta seja voluntária ou involuntária; aliás, o mecanismo estabelecido na norma do art.º 75.º somente é de aplicar às dissoluções sociais, enquanto que o estabelecido nos referidos art.ºs 43.º e 44.º, ambos, também, do CIRC, apenas respeitam às transmissões de partes sociais stricto sensu. Logo, mutadis mutandis, conforme dito, demonstra-se que, mesmo aceitando a qualificação concedida pelo sujeito passivo, os referidos valores, correspondentes aos fluxos financeiros chamados - pelo Banco - de “prestações suplementares", nunca seriam suscetíveis de serem abatidos no valor da partilha da sociedade.
Portanto, como se viu, até aqui foi efetuado o estudo quanto ao trato fiscal a aplicar por via da consideração formal que a contribuinte concedeu aos montantes em questão - "prestações suplementares" -, pelo que, cumpre, agora, expender quanto à consideração e revelação fiscal a tomar por resultado da substância dos atos e do seu efeito útil.
A fundamentação legal que suportou a correção que, quanto a esta questão, foi projetada, para além do já referido art.º 75.º, menciona, também, o disposto nos art.ºs 39.º, 24.º e 23.º, todos do CIRC; e, sendo certo que a sua menção não foi avulsa, somos de parecer do seu perfeito cabimento na presente sede.
Da análise do direito de audição, verificamos que a determinada altura, o sujeito passivo expende que "(...) um crédito que nunca foi exigível nunca se venceu, logo nunca poderá ser considerado um crédito incobrável (vencido e não pago).". Mais considera ter havido por parte dos Serviços de Inspeção Tributária uma "(...) incorreção jurídica (...)" e "(...) outro erro de direito (...).
Porém, não vislumbramos onde reside a “incorreção" e o "erro" observados pela Exponente; senão vejamos:
Os mencionados fluxos financeiros entre a participante e a sua participada - "B……., SGPS, SA ", aos quais o Banco atribui a qualificação de “prestações suplementares", nunca poderão ser, enquanto tal, oponíveis à Administração Tributária, porquanto a sua essência não converge no sentido do seu tratamento como “prestação suplementar de capital".
Observada a matéria factual, bem como todos os elementos carreados no decurso do presente procedimento administrativo de inspeção, desde logo, constatamos que: as entregas respeitaram a dinheiro; as quantias não foram convertidas em capital social, nem decorre da atuação do Banco que esse fosse o objetivo; frequentemente a participada procedia ao reembolso das quantias anteriormente entregues e o Banco, por várias vezes, efetuou outras entregas em numerário, ou seja: tratava-se de um procedimento de quasi conta-corrente, conforme Anexo 9, as importâncias recebidas pela participada tinham objetivos de solvabilidade, nomeadamente perante as suas obrigações relativas a terceiros; atento o facto dos fluxos financeiros se projetarem em cadeia, não possibilitando, por isso, a final, a determinação do "porquê e quanto" daqueles custos.
Pelo que, como facilmente se vê, embora formalmente qualificadas e tratadas - pela Exponente - como "prestações suplementares", as entregas em causa traduzem-se numa obrigação consubstanciada no dever de prestar e no correlativo direito à prestação.
No entanto, atenta a construção exposta pelo sujeito passivo no seu direito de audição - a qual não perfilhamos - esta, pretende fazer crer que a substância obrigacional encontra-se inserta, apenas e tão-só, no direito de agressão ao património do devedor por via da exigibilidade; pois, segundo o que extraímos do exarado pelo Banco, parece que, em seu entender, a condição de crédito estaria condicionada à existência da sua concreta exigibilidade.
Com efeito, as razões, naqueles termos definidas pela Exponente, descuraram e confundem certos elementos ligados à natureza da situação em causa com os dados estruturais e normais da relação obrigacional, pois a direção principal da substância da relação obrigacional consiste, efetivamente, no direito à prestação e no reflexo dever de prestar.
Em abono da verdade, é por intermédio deste entendimento que se explicam várias situações, nomeadamente: obrigações naturais e o seu cumprimento (art.º 402.º e seguintes do Código Civil) crédito perante uma entidade sobre a qual houve a pronúncia de falência; sentença judicial declarando a inexistência de bens penhoráveis; crédito para além do ativo da herança; crédito concedido após a declaração judicial de insolvência; negócio cuja condição, embora possível à data da celebração, se mostra por facto superveniente, impossível na data do termo (art.º 790.º do Código Civil) etc. Em suma: independentemente da situação in casu ser formalmente qualificada, ou não, como "prestações suplementares", somos a concluir pela existência de um direito de crédito, mesmo que o seja no limite permitido pela dissolução social; aliás, na escritura de dissolução, liquidação e partilha, as importâncias em apreço são tratadas enquanto dívida e não como prestação suplementar de capital, mostrando-se, assim, incongruente a argumentação do sujeito passivo.
As prestações acessórias concedidas nos termos e regime definidos pelo sujeito passivo, em favor da sociedade participante e beneficiária - "prestações suplementares" -, enquanto crédito que são, assumem a condição de exigibilidade, mesmo que no limiar da conjuntura da liquidação e partilha social.
Neste sentido, e mais uma vez, socorrendo-nos dos textos do Ilustre Prof. Dr. Raul Ventura, para dizer que enquanto a empresa, no cabimento do seu negócio, "(...) vive a sua vida normal, não pode o sócio exigir a restituição da prestação suplementar, mas quando a sociedade é liquidada (...), há necessariamente [e pelo menos] um momento em que as prestações suplementares devem ser restituídas (...)".
E o que é certo, é que, na situação sub judice, a entidade participante foi por várias vezes ressarcida pela beneficiária dos montantes anteriormente entregues (vide Anexo 9).
Não obstante os considerandos tecidos, verificou-se que, na situação em apreço, aquando do procedimento de extinção, a entidade participante não foi ressarcida das quantias anteriormente efetuadas; com efeito, o ativo não se mostrou suficiente pare tal.
Deste modo, o valor correspondente aos montantes entregues terá de ser validado para efeitos da sua submissão á regra estabelecida no art.º 39.º do CIRC.
Lembrando a disciplina daquele normativo, no que a créditos incobráveis diz respeito, estes "(...) podem ser diretamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.".
Pelo que, conforme resulta da sua letra e espírito, apenas serão suscetíveis de enquadramento neste preceito legal, os créditos cuja incobrabilidade decorra de dissoluções sociais involuntárias; o que não é o nosso caso; pois o que aqui sucedeu foi uma voluntária cessação “ex nunc" do exercício da atividade que constitui o seu objeto para, através do procedimento de liquidação, se transferir o património social para a esfera dos seus acionistas.
Pelo que a consideração daqueles montantes como componente negativa por via do supra citado artigo, não se mostra, logo à partida, legalmente admissível dado tratar-se de uma dissolução voluntária.
Porém, mesmo que a extinção da sociedade fosse fruto de decisão administrativa ou judicial - portanto não voluntária - também se verificaria que tais importâncias, porquanto percorrendo transversalmente as duas sociedades e indo, por intermédio do pagamento de débitos da participada, fluir na esfera de terceiros; não permitindo, por isso, aferir da indispensabilidade dos custos inerentes àqueles pagamentos para o negócio desenvolvido pela participada e, em consequência, para o interesse da empresa da participante; não seriam considerados custos ou perdas do exercício, nos termos do art.º 23.º do CIRC, visto a entidade analisada não ter procedido à comprovação do requisito da indispensabilidade.
Por outro lado, e ao nível das variações patrimoniais negativas, também se verifica a inoponibilidade daquelas quantias; pois, nos termos do art.º 24.º do CIRC, as variações patrimoniais negativas concorrem para a formação do lucro tributável nas mesmas condições prescritas para os custos ou perdas do exercício.
Por último, mesmo que não vingasse a argumentação ora expendida, e tais quantias não fossem ''prestações suplementares de capital" ou crédito lato sensu, o que se verificaria é que estas, consistiam numa mera liberalidade efetuada pelo Banco em benefício da sua participada "B…….. - SGPS, SA"; pelo que, também nunca seriam suscetíveis de concorrer para a formação do lucro tributável nos termos do disposto nos art.ºs 23.º e 24.º, ambos do CIRC, por via da ausência de comprovação da sua compatibilidade com o princípio da indispensabilidade inserto naqueles normativos legais.
Assim, por tudo o atrás exposto, para além da desconsideração fiscal dos montantes respeitantes a entregas monetárias que o sujeito passivo qualifica, e trata, como ''prestações suplementares" quanto à diferença negativa apurada para efeitos da alínea b) do n.º 2 do art.º 75.º do CIRC, pelo facto da entidade analisada apenas passar a deter a totalidade do capital social da sociedade ora dissolvida, a partir de 30 de junho de 2004, a dedução a efetuar, deverá corresponder às partes de capital social titulado durante os três anos imediatamente anteriores ao momento da liquidação, ou seja, Eur. 43.894,21, referentes à diferença entre o valor da totalidade das partes sociais (Eur 279. 182, 18) e a quantia referente às partes de capital social adquiridas pelo montante de Eur. 235.287,97, em 30.06.2004.
Face aos nossos argumentos expostos, somos a concluir pela manutenção in fine da correção anteriormente proposta, ou seja, pelo acréscimo ao lucro tributável da importância de Eur 18.953.424,66, ao abrigo dos artigos 23.°, 24.º, 39.º e 75.º, todos do CIRC.
Paralelamente, são devidos juros compensatórios, de acordo com o previsto no art.º 94.º do CIRC, conjugado com o art.º 35.º da LGT.»
(Conforme resulta de fls. 396 a 407 do processo administrativo apenso).
CC) O Impugnante foi notificado do relatório final de inspeção tributária, datado de 29 de abril de 2008
(Conforme resulta de fls. 332 do processo administrativo apenso).
DD) Em 12 de junho de 2008 o Impugnante foi notificado da liquidação adicional de IRC n.º 20088310033179
(Conforme resulta de fls. 216 e 217).
EE) Em 26 de agosto de 2008 o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação de imposto, na parte que diz respeito ao enquadramento fiscal da variação patrimonial negativa, decorrente do facto de não ter sido totalmente reembolsado pelas prestações suplementares, efetuadas a uma entidade participada.
(Conforme resulta de fls. 218 e segs.).
FF) A presente impugnação foi apresentada em 06/05/2009. (conforme carimbo aposto a fls. 3).


2. Questões a decidir
A AT, no seguimento de uma inspecção tributária, efectuou correcções à autoliquidação apresentada pelo Impugnante e aqui Recorrente Banco A……… referente ao exercício de IRC de 2005. O presente recurso cinge-se à discordância do Recorrente relativamente à não aceitação pela AT da qualificação como variação patrimonial negativa, para efeitos do artigo 24.º do CIRC, do valor de €18.718.136,69, decorrente do que ele qualificou como “não reembolso de prestações suplementares de capital”. Com efeito, contrariamente ao que constava da declaração do sujeito passivo, a AT entendeu que o montante em referência se deveria subsumir ao artigo 39.º do CIRC (créditos incobráveis) e, por essa razão, não preenchia os pressupostos legais para concorrer para formação do lucro tributável enquanto variação patrimonial negativa.

O montante em causa provém do não reembolso parcial de “prestações suplementares” realizadas pelo sujeito passivo e aqui Recorrente em favor da sociedade participada B………, SGPS, S.A., aquando da respectiva operação de dissolução, liquidação e partilha. Da matéria de facto dada como provada, mais concretamente do teor do relatório da inspecção tributária e das respostas dadas pela AT ao sujeito passivo em sede de audição prévia no âmbito daquele procedimento (v. ponto BB da matéria de facto), resulta ainda, com interesse para este caso, o seguinte: i) que o sujeito passivo era o único detentor do capital social da B……. apenas desde 30 de Junho de 2004; ii) que o capital social da B……. era de €50.000 (dez mil acções no valor nominal de €5); iii) que o valor controvertido (ou seja, o referido saldo negativo de €18.718.136,69) provinha de duas “prestações suplementares” que o Banco A…… havia realizado, uma em 2003, quando existiam outros sócios que não foram designados para realizar prestações suplementares, e outra em 2005, quando era já o único accionista daquela empresa; e iv) que a dissolução, liquidação e partilha da B……. foi efectuada por escritura pública de 21 de Dezembro de 2005, no seguimento de deliberação do Banco accionista.

No essencial, a divergência centra-se no seguinte: i) para o sujeito passivo registou-se em 2005 um saldo negativo de €18.718.136,69 proveniente de prestações suplementares à sociedade dissolvida da qual era detentor do capital social, cujo montante não foi possível liquidar com a operação de partilha, pelo que, das disposições conjugadas do artigo 75.º do CIRC com o artigo 24.º do CIRC esse valor concorreria para a formação do lucro tributável a título de variação patrimonial negativa; ii) para a AT os valores em questão não podiam qualificar-se como prestações suplementares, mas antes como um saldo de conta-concorrente, uma vez que, no seu entender, não estavam reunidos os pressupostos legais para a qualificação como variação patrimonial negativa e, por isso, aquele saldo negativo deveria ter sido inscrito como crédito incobrável, nos termos do artigo 39.º do CIRC, e não poderia concorrer para a formação do lucro tributável.

A sentença recorrida considerou que, como o sujeito passivo já havia inscrito anteriormente na sua contabilidade as prestações suplementares que havia realizado a favor da participada B…….. a título de encargos (custos), a contabilização da variação patrimonial negativa no exercício de 2005 correspondia a uma duplicação da contabilização dos mesmos valores, pelo que, por essa razão, não seria de admitir, como pretendia o sujeito passivo, a referida contabilização da variação patrimonial negativa.

Assim, as questões a que cumpre responder no âmbito do presente recurso são as de saber: i) se é ou não correcta a subsunção normativa do valor em questão à categoria de “prestações suplementares”; e ii) se estão ou não verificados os pressupostos legais para a sua subsunção como variação patrimonial negativa a concorrer para o apuramento do lucro tributável do exercício de 2005.

Previamente, haverá ainda que cuidar da questão suscitada nas alegações quanto à nulidade da sentença por estarmos ante uma “decisão surpresa” violadora do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do CPPT); e, por último, teremos ainda de decidir a questão suscitada pelo Recorrente a respeito da fixação do valor da causa.

3 – Do direito

3.1. Da nulidade por violação do princípio do contraditório

Alega o Recorrente que a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa constitui uma “decisão surpresa” por o fundamento utilizado para a decisão não ter sido suscitado por qualquer das partes e por as mesmas nunca terem sido notificadas para se pronunciarem sobre a questão, o que, em seu entender, consubstancia uma violação do princípio do contraditório, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC.

Porém, tal nulidade não se verifica. Com efeito, como se afirmou no recente acórdão de 4 de Março de 2020, exarado no processo 427/11.2BEBJA:

“o princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º do CPC, e que está subjacente à “sanção” com que é culminada uma decisão-surpresa, consubstancia[r] uma garantia das partes perante as situações em que venham a ser fixados e apreciados factos novos ou em que venham a ser suscitadas questões que obstem ao conhecimento do pedido, casos em que as partes podem trazer elementos e argumentos jurídicos relevantes para a decisão de direito que sobre elas o tribunal há-de fazer incidir.

[…] sublinhe-se que o argumento do favorecimento processual do princípio do contraditório, instituído (ou pelo menos reforçado) pelo novo CPC, não se estende (não se pode estender) à fixação do direito aplicável aos factos e à sua mais correcta interpretação quando está em causa, como sucede aqui, exclusivamente, a apreciação de um erro de julgamento relativo à interpretação do direito aplicável à factualidade assente no processo.

Mesmo o mencionado novo contexto ou ambiente em que o CPC inscreve o princípio do contrário não acomoda a amplitude de sentido que pretensamente a Reclamante lhe quer dar [neste sentido v., também, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Setembro de 2017, no proc. 1427/16], e, sobretudo, não é funcionalmente correcto falar em exercício do direito ao contraditório quanto às tarefas que caracterizam o núcleo essencial da actividade jurisdicional, como é a interpretação e fixação do direito no âmbito da apreciação, em sede de recurso, de um erro de julgamento[…]”.

Ora, também aqui o que cabe apreciar e decidir é se a sentença recorrida incorre ou não em erro de julgamento na subsunção que fez da factualidade fixada, assim como na interpretação do direito aplicado ao caso, o que não contende com a garantia do contraditório, na medida em que as partes apresentaram os seus argumentos para sustentar a qualificação dos factos, o respectivo enquadramento jurídico e a interpretação normativa sufragada.

Não deve confundir-se o alargamento do princípio do contraditório com uma eventual descaracterização da função judicial que se traduza no dever de o tribunal antecipar às partes o seu juízo de direito sobre a questão antes de a decidir, de forma a que a esta possa interferir nesse juízo, com o intuito de neutralizar efeitos negativos que dela possam advir, como parece pretender o Recorrente quando afirma que “nenhuma decisão deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada e efectiva possibilidade à parte contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, com vista a evitar decisões surpresa”. É que o alargamento do princípio do contraditório não transmutou o tribunal em órgão administrativo, nem o processo judicial em procedimento administrativo no âmbito do qual exista o direito de audição das partes antes da prática do acto final, sempre que este tenha um conteúdo lesivo para o destinatário. A função judicial caracteriza-se, precisamente, pela isenção, independência e imparcialidade do Tribunal na interpretação e fixação do direito aplicável ao caso. E a tutela jurisdicional efectiva das partes relativamente a eventuais erros de direito das decisões judiciais é assegurada, quer pelo direito de recurso jurisdicional – como a Recorrente está a exercer in casu –, quer pelo pedido de reforma da decisão, quando a mesma não admita recurso.

Em suma, pelas razões aduzidas, não se verifica, in casu, qualquer nulidade da decisão por violação do princípio do contraditório. Importa agora analisar se existe erro de julgamento.

3.2. Da qualificação dos fluxos financeiros entre o Banco e a sua participada como “prestações suplementares”

3.2.1. Discute-se nos autos a qualificação jurídica a dar às prestações pecuniárias realizadas pelo Recorrente a favor da sociedade B…….., as quais são categorizados pela AT da seguinte forma na resposta ao direito de audição em sede de procedimento de inspecção tributária (ponto BB da matéria de facto dada como provada):

«[…] Os mencionados fluxos financeiros entre a participante e a sua participada ― “B……., SGPS, SA”, aos quais o Banco atribui a qualificação de “prestações suplementares”, nunca poderão ser, enquanto tal, oponíveis à Administração Tributária, porquanto a sua essência não converge no sentido do seu tratamento como “prestação suplementar de capital”.

Observada a matéria factual, bem como todos os elementos carreados no decurso do presente procedimento administrativo de inspeção, desde logo, constatamos que: as entregas respeitaram a dinheiro; as quantias não foram convertidas em capital social, nem decorre da atuação do Banco que esse fosse o objetivo; frequentemente a participada procedia ao reembolso das quantias anteriormente entregues e o Banco, por várias vezes, efetuou outras entregas em numerário, ou seja: tratava-se de um procedimento de quasi conta-corrente, conforme Anexo 9, as importâncias recebidas pela participada tinham objetivos de solvabilidade, nomeadamente perante as suas obrigações relativas a terceiros; atento o facto dos [sic] fluxos financeiros se projetarem em cadeia, não possibilitando, por isso, a final, a determinação do “porquê e quanto” daqueles custos.

Pelo que, como facilmente se vê, embora formalmente qualificadas e tratadas— pela Exponente — como “prestações suplementares”, as entregas em causa traduzem-se numa obrigação consubstanciada no dever de prestar e no correlativo direito à prestação.

No entanto, atenta a construção exposta pelo sujeito passivo no seu direito de audição — a qual não perfilhamos - esta, pretende fazer crer que a substância obrigacional encontra-se inserta, apenas e tão-só, no direito de agressão ao património do devedor por via da exigibilidade; pois, segundo o que extraímos do exarado pelo Banco, parece que, em seu entender, a condição de crédito estaria condicionada à existência da sua concreta exigibilidade.

Com efeito, as razões, naqueles termos definidas pela Exponente, descuraram e confundem certos elementos ligados à natureza da situação em causa com os dados estruturais e normais da relação obrigacional, pois a direção principal da substância da relação obrigacional consiste, efetivamente, no direito à prestação e no reflexo dever de prestar […]» (sublinhados nossos).

Pelo trecho transcrito depreende-se que a AT considerou que a factualidade em que se materializava o que o Recorrente qualificou como prestações suplementares de capital deveria antes reconduzir-se a prestações exclusivamente pecuniárias de natureza obrigacional, uma vez que não preenchiam os requisitos legais da primeira categoria normativa. Vejamos se assiste razão à AT.

3.2.2. As prestações suplementares estão previstas e reguladas na Secção III (artigos 210.º a 213.º), do Capítulo II “Obrigações e direitos dos sócios”, do Título III (Sociedades por quotas), do Código das Sociedades Comerciais (de ora em diante CSC), e, tal como o nome indica, são prestações em dinheiro, suplementares relativamente à obrigação de entrada de capital, que os sócios podem deliberar que tenham de ser realizadas quando o contrato de sociedade assim o permitir (artigo 210.º, n.º 1 do CSC). Quando tal sucede, o contrato de sociedade fixa: i) o montante global das prestações suplementares; ii) os sócios que ficam obrigados a efectuar tais prestações; e iii) os critérios de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados; ou, pelo menos, o montante global daquelas prestações (artigo 210.º, n.ºs 3 e 4 do CSC), aplicando-se supletivamente o disposto no n.º 4 quando o pacto social seja omisso quanto aos sócios obrigados a realizar estas prestações e aos critérios de repartição das mesmas.

Importa, sobre este tipo de prestações societárias relevar ainda o seguinte: i) as prestações suplementares não se confundem com os suprimentos (que são empréstimos contratuais dos sócios à sociedade – artigo 243.º, n.º 1 do CSC) e não vencem juros (não são remuneradas); apesar disso, ii) as prestações suplementares podem ser restituídas aos sócios por deliberação destes, desde que sejam observados os condicionalismos resultantes do artigo 213.º do CSC, sendo este condicionalismo o que permite, também, diferenciar o regime das prestações suplementares do regime das prestações acessórias em dinheiro.

De resto, uma das vantagens do regime das prestações suplementares relativamente ao regime do aumento de capital, até à alteração do artigo 95.º do CSC – alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, que veio permitir a redução do capital social, eliminando a intervenção judicial obrigatória e simplificando este processo –, era precisamente a da possibilidade de restituição desses montantes por mera deliberação dos sócios, sempre que já o dissemos a situação patrimonial da sociedade assim o permitisse. E esta flexibilidade do regime das prestações suplementares permitia aos sócios fazer suplementos sempre que tal fosse necessário para fazer face aos direitos dos credores e, mais tarde, se a sociedade obtivesse receitas e ficasse com uma situação patrimonial superavitária, obter a restituição desses valores, sem os entraves decorrentes da redução do capital, que exigia a intervenção judicial.

E cumpre também sublinhar que a realização de prestações suplementares não está dependente da vontade individual dos sócios, mas sim de deliberação societária, em conformidade já o dissemos com a previsão prévia das mesmas no contrato de sociedade, o que significa que estas prestações podem vir a ser exigidas aos sócios, independentemente da sua vontade ou contra ela, e, em caso de recusa, o sócio obrigado a realizá-las pode até ser excluído e perder total ou parcialmente a sua quota (artigos 204.º e 205.º do CSC).

3.2.3. No caso da B……….., o respectivo contrato de sociedade (pacto social) previa a realização de prestações suplementares pelos sócios até ao limite de cinco mil vezes o capital social da sociedade (ou seja, até €250.000.000, ponto L da matéria de facto), tendo a respectiva assembleia geral deliberado, para o que aqui importa, em duas ocasiões, exigir ao sócio e aqui Recorrente, a realização de prestações suplementares: i) uma realizada em Fevereiro de 2003 (no montante de €80.190.304,84) e outra em Março de 2005 (no montante de 5.900.000,00) (conforme quadro do ponto M da matéria de facto dada como provada).

Nesta última ocasião, o Recorrente era já o único accionista da B…… e aquela prestação suplementar foi deliberada e efectuada poucos meses antes de ter sido deliberada a dissolução, liquidação e partilha da sociedade (da B……..). E é precisamente desta operação que resultou o prejuízo de €18.718.136,69 ― respeitante ao montante das prestações suplementares realizadas que não foi restituído nem coberto pelo saldo final da liquidação da sociedade (v., uma vez mais, quadro do ponto M da matéria de facto dada como provada) , cuja qualificação jurídico-tributária é controvertida nos presente autos, sem que da matéria de facto dada como assente tenha resultado provado se os fundamentos apresentados pelo Recorrente (fazer face a obrigações perante os credores) correspondem ou não a um critério de gestão razoável, o que, como veremos, acaba por não ser relevante para a decisão que nos cumpre tomar.

Na verdade, tendo como base a factualidade descrita, assim como a decisão e respectiva fundamentação tomada pela AT no seguimento do procedimento de inspecção tributária, importa apenas determinar se estamos ou não perante operações pecuniárias que cumprem os pressupostos legais de uma prestação suplementar de capital.

A respeito da questão decidenda, concluímos que a factualidade mostra que foram verificados os seguintes pressupostos legais das prestações suplementares: i) existia uma previsão no pacto social da possibilidade de exigência de prestações suplementares aos sócios; e ii) nas duas ocasiões em que as mesmas tiveram lugar a obrigação de realizar aquelas prestações foi determinada por deliberação dos sócios.

Porém, como alega a Administração Tributária, falhou o pressuposto legal do n.º 4 do artigo 210.º do CSC, na medida em que, nada se dizendo no pacto social quanto aos sócios obrigados a efectuar as prestações, e quanto ao critério de repartição das mesmas entre eles, teria de aplicar-se o disposto no n.º 4 do referido artigo 210.º do CSC, ou seja, todos os sócios teriam de efectuar prestações suplementares proporcionalmente à sua quota, o que não sucedeu. Embora a segunda prestação suplementar tenha sido prestada na sequência de deliberação tomada quando o Recorrente era já o único titular do capital social e a sociedade participada tivesse já a forma de sociedade anónima A circunstância de a sociedade participada ter, entretanto, adoptado a forma de sociedade anónima não releva para a questão em apreço nos autos, pois, como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Fevereiro de 2018 (proc. 473/13) “[…] De todo o modo, longe da contenda ao nível do direito comercial o certo é que o legislador fiscal, contempla, sem distinção entre sociedades por quotas e sociedades anónimas, a realização de prestações suplementares, cujo regime de tributação consta do art.º 45.º do CIRC, na redacção em vigor à data da tributação […]”., existiu uma prestação suplementar anterior, cujos efeitos se produzem no acto em apreço, uma vez que o seu valor não foi totalmente restituído e, uma parte do valor agora em discussão provém ainda dessa primeira prestação suplementar.

Existe, pois, violação do disposto no n.º 4 do artigo 210.º do CSC. Contrariamente ao que alega o Recorrente, a regra do n.º 4 do artigo 210.º do CSC não pode qualificar-se como meramente supletiva. Com efeito, seja porque o enunciado legal assim o não determina (não a enuncia como tal, se a compararmos, por exemplo, com o enunciado do n.º 4 do artigo 209.º, ou seja, não apôs aqui a expressão “Salvo disposição contratual em contrário”), seja porque daquela deliberação decorrem consequências graves para os direitos patrimoniais dos sócios (artigos 204.º e 205.º do CSC aplicáveis ex vi do artigo 212.º, n.º 1 do CSC), a norma do n.º 4 do artigo 210.º do CSC há-de interpretar-se como regime legal que não pode ser afastado por mera deliberação dos sócios, mesmo que tomada por unanimidade.

3.2.4. Contudo, questão diferente é saber se, como argumenta o Recorrente nas suas alegações perante este Supremo Tribunal Administrativo, do vício imputável àquela deliberação resultam consequências jurídicas para o que nos cumpre aqui decidir ou se o vício se terá de considerar sanado, quer por as deliberações terem sido tomadas por unanimidade, quer por o seu conteúdo não ter sido impugnado atempadamente perante o órgão de fiscalização da pessoa colectiva, quer ainda por o sócio “lesado” ter aceitado e cumprido o conteúdo da deliberação.

E mesmo considerando que alguns aspectos das deliberações em apreço (quer as que exigiram aquelas prestações, quer as que determinaram a sua restituição) careceriam de explicações mais aprofundadas para se avaliar da sua conformidade com o teste do investidor razoável (operações realizadas com um efectivo propósito económico), tal é irrelevante, pois a questão tem de ser analisada, neste ponto, exclusivamente, a partir do preenchimento ou não dos pressupostos legais das normas do CSC, uma vez que não foi mobilizada pela AT a metodologia de controlo anti-abuso dos artigo 38.º, n.º 2 da LGT e 63.º do CPPT.

3.2.5. Esclarecido todo o enquadramento legal do problema, cumpre decidir. E começamos por registar que não tem acolhimento a tese vertida no Relatório da Inspecção Tributária de que não existiu “animus” por parte da Recorrente de que as prestações pecuniárias realizadas fossem convertidas em capital social, sendo a sua intencionalidade, sempre, a de obter a restituição dessas prestações, o que imporia a respectiva qualificação como meros créditos. Como já afirmámos antes, a finalidade das prestações suplementares era (e ainda é) exactamente a de permitir este efeito dinâmico (que hoje, em certa medida, já existe também para o capital social), sobretudo na óptica externa do capital social da empresa, ou seja, assegurar aos credores e investidores que a sociedade dispõe de “meios” para responder às obrigações financeiras, mesmo que o capital social não seja muito avultado, e permitir aos sócios obter a restituição dessas prestações quando a situação económico-financeira da sociedade assim o “autorizar” (neste ponto as prestações suplementares diferenciam-se dos suprimentos e das prestações acessórias, que podem ser restituídos, mesmo que a situação patrimonial da sociedade o não “aconselhe”, por não ser equilibrada). Nada de estranho ou suspeito nessas operações.

Assim, não é possível acolher a tese da AT, porque não só a própria figura das prestações suplementares admite a restituição dos respectivos montantes sempre que se verifiquem os pressupostos legais para o efeito (artigo 213.º do CSC), como elas (as prestações suplementares), em regra, estão previstas no pacto social precisamente com o objectivo de cumprir uma função como a que o Recorrente alega (e não se provou o contrário) que foi realizada neste caso (cumprir obrigações da participada perante terceiros), ou seja, a de constituir uma via de financiamento complementar da sociedade à disposição dos sócios. Sem se confundirem com os suprimentos, as prestações suplementares desempenhavam àquela data uma função eclética de “reforço do património social, sem necessariamente corresponderem a um aumento do capital social”, ou seja, consubstanciam um instrumento de financiamento societário sem custos (contrariamente aos suprimentos que na maioria dos casos pressupõem remuneração) e sem a “rigidez” do aumento de capital.

Em suma, temos que concluir que não existem fundamentos jurídicos para afastar a qualificação como prestações suplementares a favor da participada B……. das entregas em dinheiro efectuadas pelo Recorrente nos termos dados como assentes na factualidade.

Vejamos, agora, se o tratamento tributário do montante das prestações suplementares que não foi restituído nem liquidado no âmbito da operação de partilha e liquidação da referida sociedade participada pode ter o enquadramento legal preconizado pelo Recorrente.

3.3. Do tratamento fiscal do saldo negativo das prestações suplementares

3.3.1. Segundo o Recorrente ― já o dissemos ― o tratamento fiscal do saldo negativo das prestações suplementares (i. e. o remanescente do investimento que não foi reembolsado com a extinção da sociedade participada) há-de qualificar-se como uma variação patrimonial negativa a deduzir ao lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 24.º do CIRC, por estarmos ante uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado líquido do exercício e não excepcionada em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 24.º do CIRC (na redacção do preceito em 2005), nem integrada nas limitações previstas no artigo 23.º do CIRC (à data, artigo 42.º do CIRC).

Já a AT considerou que aquele montante apenas poderia ser qualificado como “crédito incobrável” no âmbito do artigo 39.º do CIRC.

3.3.2. Não pode acolher-se a tese da AT de que a parte das prestações suplementares não amortizadas com a operação de dissolução possa ser reconduzida à categoria dos créditos incobráveis, pois, como vimos, as prestações suplementares não podem sequer qualificar-se como direitos de crédito dos sócios para com a sociedade, aproximando-se dos suprimentos (artigo 245.º CSC) ou até das prestações complementares (artigo 209.º, n.º 3 CSC), uma vez quenovamente o afirmamos a restituição, neste caso, depende de a situação líquida [da sociedade] não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal e o respectivo sócio já ter liberado a sua quota (artigo 213.º, n.º 1 CSC). Existe, neste ponto, maior proximidade das prestações suplementares com o capital social do que com os créditos dos sócios sobre a sociedade, uma vez que, externamente (i. e. perante terceiros), as prestações suplementares funcionam como capital social.

Aliás, é por essa razão que, contrariamente ao que parece concluir a AT, se mobilizarmos o critério da prevalência da substância sobre a forma, a operação de deliberar a efectivação de prestações suplementares para satisfazer obrigações da B…… seguida da liquidação da sociedade ao fim de poucos meses, por se concluir que a mesma não tinha viabilidade financeira, num momento em que o Recorrente era já o único accionista, poderia ser explicável à luz do artigo 501.º do CSC, ou seja, fosse pela via das prestações suplementares, ou por outra, o Recorrente, precisamente por ser sócio único, estaria obrigado a responder pelas obrigações da sociedade subordinada. Mas não é este – repita-se – o juízo que nos cumpre formular, uma vez que não foi este “o caminho” seguido pela AT para a prática do acto de liquidação adicional. No processo discute-se, apenas, a qualificação jurídico-tributária do saldo negativo das prestações suplementares após a operação de liquidação da sociedade participada.

3.3.4. Ora, por tudo quanto já dissemos sobre as prestações suplementares – lembre-se: constituem prestações vinculadas ao capital próprio das sociedades e só podem ser restituídas se o património líquido for suficiente para cobrir a soma do capital social e da reserva legal –, na falta de regime jurídico-tributário próprio, não podem deixar de “seguir” o regime jurídico aplicável à tributação das componentes do capital social, até porque estas prestações cumprem, funcionalmente, aquele papel (são montantes vinculados que respondem pelas dívidas sociais e que não podem ser restituídos pela sociedade se a situação patrimonial da mesma ficar aquém do legalmente exigido).

Por esta razão, ao saldo negativo das prestações suplementares teria de aplicar-se o regime jurídico previsto no n.º 3 do artigo 42.º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (redacção do CIRC à data dos factos), onde se estipulava o seguinte:

“3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.

Com a alteração da redacção ao n.º 3 do artigo 42.º do CIRC, introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, cuja vigência se iniciou em 1 de Janeiro de 2006, passou a dispor-se o seguinte:

“3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”

A questão que vem suscitada pelo Recorrente a este propósito é a de que antes desta alteração legislativa, mais concretamente durante o ano de 2005, que é aquele que nos interessa, o saldo negativo (as perdas ou variações patrimoniais negativas) das prestações suplementares se deveria considerar totalmente dedutível por falta de previsão legal expressa no n.º 3 do artigo 42.º do CIRC deste tipo de componente do capital.

Ora, a resposta a esta questão deve assentar, em nosso entender, na seguinte premissa: o regime jurídico aplicável às prestações suplementares deve acompanhar, como vimos, o regime jurídico das componente do capital social, pelo que, se antes da modificação legislativa introduzida para o exercício de 2006 e seguintes, as perdas decorrentes de amortização com redução do capital eram dedutíveis em metade do seu valor, então devem igualmente considerar-se dedutíveis apenas em metade do seu valor o saldo negativo das prestações suplementares. Com efeito, como explicámos também anteriormente, sendo o regime de redução de capital funcionalmente equiparável ao da restituição de prestação suplementares, mas até mais exigente do que aquele, sob o ponto de vista do controlo (pois, pressupunha autorização judicial, artigo 95.º do CIRC, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro), não teria sentido que as menos-valias decorrentes da remissão e amortização com redução de capital apenas fossem dedutíveis em 50% e as deduções das menos-valias resultantes da liquidação e não cobertura integral do montantes das prestações suplementares fosse dedutível na totalidade.

Em outras palavras, defende o Recorrente que: i) um sócio que tem a sua quota inteiramente liberada e que avalie desfavoravelmente o cenário económico futuro da sociedade e, nessa sequência, solicite a amortização da sua quota (que a sociedade delibera que se faça com redução do capital por tal ser possível face à situação patrimonial da sociedade), decorrendo, para ele, dessa operação, uma menos-valia, apenas pode deduzir essa menos-valia em 50%; ii) já um sócio único que seja obrigado a realizar prestações suplementares para fazer face a obrigações perante credores e que posteriormente avalie negativamente o cenário económico futuro da sociedade e, por isso, delibere dissolvê-la e liquida-la e daí resulte uma menos-valia, já poderia deduzi-la pela totalidade do seu valor.

Uma tal dualidade de tratamento, perante situações equiparáveis não teria qualquer sentido. Em ambos os casos temos um sócio que, por razões empresariais, decide pôr termo à sua participação numa sociedade, mesmo que daí advenham prejuízos respeitantes ao valor das componentes do capital social, e num caso esse sócio poderia deduzir a totalidade dos prejuízos, mas no outro apenas poderia deduzir 50% desse montante.

O Recorrente argumenta que essa diferença de tratamento resultaria do princípio da legalidade tributária, uma vez que a norma que limita aquela dedução a 50% é uma norma-travão, de natureza anti-abuso, e que só passou a incluir expressamente as prestações suplementares com a modificação da redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro.

Mas não é essa a interpretação que se nos afigura correcta. Pelo contrário, entendemos que a modificação na redacção do n.º 3 do artigo 42.º do CIRC, introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, não tem conteúdo inovador, limitando-se a transpor para a letra da norma aquilo que já resulta inquestionavelmente do seu sentido normativo, até para assegurar a igualdade de tratamento fiscal às diversas componentes do capital social. Em outras palavras, a partir da interpretação extensiva do disposto no n.º 3 do artigo 42.º do CIRC (na redacção de 2005) ― interpretação que é efectuada em estrito cumprimento e aplicação do disposto no artigo 11.º da LGT ― já era possível concluir que a dedução das menos-valias decorrentes da operação de liquidação da sociedade participada, que originou os montantes de perdas respeitantes às prestações suplementares, apenas poderia contabilizar-se em 50% do respectivo montante. E se, por ventura, alguma dúvida pudesse decorrer, como alega o Recorrente, da interpretação literal e histórica da norma, sempre o n.º 3 do artigo 11.º da LGT, que consagra a regra hermenêutica auxiliar da “substância económica dos factos”, permitiria dissipar essas dúvidas, atento que este tipo de menos-valias assume economicamente uma função equiparável àquela que resulta das perdas de uma amortização por redução do capital social.

3.3.5. O Recorrente e a AT afastaram a tese da aplicabilidade ao caso do disposto na al. b), do n.º 2 do artigo 75.º do CIRC (na redacção em vigor em 2005) por entenderem que o mesmo apenas se aplicaria às perdas decorrentes de “partes sociais” e não de outras componentes do capital social. Lembre-se que segundo este regime especial, a dedução de menos-valias decorrentes da alienação de partes sociais depende de as mesmas terem permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução. À data dos factos, este artigo dispunha o seguinte:

Artigo 75º - Resultado da partilha

1 - É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais.

2 - No englobamento, para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior, deve observar-se o seguinte:

(…)

b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução.

(…)

Nesta parte concordamos com o Recorrente e reiteramos o que já se afirmou na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 17 de Fevereiro de 2016, exarado no processo 1401/14, referido também nas alegações de recurso: o regime especial do artigo 75.º do CIRC exclui a aplicação da regra do n.º 3 do artigo 42.º do CIRC, o que significa que os rendimentos que se hão-de subordinar à regra do n.º 3 do artigo 42.º, como é o caso das menos-valias resultantes de perdas decorrentes de prestações suplementares, não podem, igualmente, subordinar-se ao disposto no regime artigo 75.º do CIRC.

3.3.6. Importa ainda deixar expresso que se alguma razão existisse para que a efectivação das obrigações suplementares que estão na base do presente litígio devesse ser “desconsiderada” no plano tributário ou ter aí um outro enquadramento para neutralizar possíveis “efeitos indevidos, abusivos ou agressivos” da mobilização das normas tributárias, identificados em sede de inspecção tributária, caberia à AT lançar mão do regime próprio, previsto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, assim como do competente procedimento regulado no artigo 63.º do CPPT.

3.3.7. Uma última nota ainda para refutar e afastar a fundamentação expendida na sentença recorrida que sustenta a legalidade do acto de liquidação adicional. A fundamentação do Tribunal a quo assenta, efectivamente, num erro de julgamento quando pressupõe que a realização das prestações suplementares origina um encargo fiscalmente dedutível em IRC e que, por essa razão, existiria uma duplicação de valores que impediria a dedução da menos-valia no momento da liquidação da sociedade participada. A contabilização das prestações suplementares não se repercute na conta de resultados e, por isso, não se repercute nas operações de liquidação do imposto.

E a orientação interpretativa da AT vertida na informação vinculativa emitida no processo n.º 2193/96, reitera esta posição, quando afirma a propósito do enquadramento em IRC na empresa participante das “entregas para Cobertura de Prejuízos e da Redução de Capital com o mesmo fim”, o seguinte:

“As entregas efectuadas pela sociedade participante para cobertura de prejuízos da sociedade participada, bem como as reduções de capital com a mesma finalidade, não são de considerar como custos ou perdas para efeitos fiscais.

No que se refere às menos-valias, as mesmas só terão relevância fiscal no exercício em que se proceda à venda das participações sociais (quotas/acções), ou quando da liquidação da sociedade participada”.

Em outras palavras: se as menos-valias resultantes das entregas efectuadas pela sociedade participante à sociedade participada com a finalidade de prover à cobertura de prejuízos desta segunda devem ser consideradas no exercício em que a sociedade participada seja liquidada, o mesmo deve suceder com as menos-valias que resultem do cumprimento da obrigação de realização prestações suplementares, que cumprem a mesma função, como destacamos antes, por efeito do disposto no 501.º do CSC.

Em suma, ainda que com outros fundamentos e com outro enquadramento jurídico, tem razão o Recorrente quanto à ilegalidade do acto de liquidação adicional, que, por violar o disposto na lei em matéria de repercussão do saldo negativo das prestações suplementares, tem de ser anulado.

3.4. Da fixação do valor da causa

3.4.1. Alega ainda o Recorrente que existe erro na fixação do valor da causa.

Com efeito, por aplicação do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, o valor da acção, cujo pedido é a impugnação da liquidação, corresponde ao da “importância cuja anulação se pretende”.

Ora, no caso concreto, esse valor é de €5.582.789,01, por ser esse o montante de IRC cuja anulação se peticionou, i. e., por ser esse o valor da liquidação adicional. E não, como fixou equivocadamente o Tribunal Tributário de Lisboa, o valor de €18.718.136,69, que corresponde ao valor da menos-valia que o Recorrente deduziu à matéria colectável.

3.2.2. Importa, por isso, anular também a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa nesta parte e fixar o valor da acção em €5.582.789,01.

Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
- na qualificação de uma “decisão-surpresa” não deve confundir-se o alargamento do princípio do contraditório com uma eventual descaracterização da função judicial que se traduza no dever de o tribunal antecipar às partes o seu juízo de direito sobre a questão antes de a decidir, de forma a que a esta possa interferir nesse juízo, com o intuito de neutralizar efeitos negativos que dela possam advir;
- as prestações suplementares desempenham (e desempenhavam sobretudo até à alteração legislativa aprovada pelo Decreto-Lei n.º 8/2007) uma função eclética de financiamento societário (de reforço do património social) sem a “rigidez” do regime jurídico do aumento do capital social (uma vez que admitiam a posterior restituição dos valores de forma simplificada, por mera deliberação social), sem os custos de outros instrumentos de financiamento (como os suprimentos), e com a solidez do aumento de capital social até que a situação patrimonial da empresa se reforce, uma vez que a restituição destes montantes (contrariamente ao que sucede com os suprimentos e as prestações acessórias) só pode ter lugar se a situação patrimonial da sociedade, após essa restituição, ficar com saldo superior à soma do capital e da reserva legal e o respectivo sócio já tiver liberado a sua quota.
- à repercussão do saldo negativo das prestações suplementares aplica-se, por interpretação extensiva, o disposto no n.º 3 do artigo 42.º do CIRC (na redacção de 2005), sendo aquela dedução limitada a 50%.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, anular o acto de liquidação adicional e determinar a fixação do valor da acção em €5.582.789,01.


Custas pela Recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


*

Lisboa, 3 de Junho de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Paulo José Rodrigues Antunes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.