Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0875/14
Data do Acordão:07/30/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I – A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.
II – Visando-se, com a prestação da garantia, obter a suspensão da execução fiscal em face de invocada dedução de impugnação judicial da liquidação subjacente à dívida exequenda (nº 1 do art. 169º do CPPT), o interesse na prestação dessa garantia substancia-se quer na evitação da penhora de bens, quer no impedimento da prossecução da execução fiscal, pelo que, extinta esta pelo pagamento da quantia exequenda, este procedimento de prestação de garantia deixa de ter utilidade e nessa medida deixa de fazer sentido continuá-lo para discutir a legalidade da decisão de deferimento ou indeferimento da garantia oferecida, uma vez que, ainda que se venha a decidir pela sua anulação, os efeitos de tal anulação já não são relevantes, por se tratar de efeitos dirigidos ao processo de execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00068861
Nº do Documento:SA2201407300875
Data de Entrada:07/11/2014
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276 ART97 N1 ART169 N1.
LGT98 ART103 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01498/12 DE 2013/01/23.; AC STA PROC0713/14 DE 2014/07/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na reclamação de acto do órgão de execução fiscal nº 742/14.3BEPRT, julgou extinta a respectiva instância, por impossibilidade superveniente da lide.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. Como resulta dos autos, estava em causa nos presentes autos sindicar judicialmente a legalidade de um despacho administrativo, proferido pelo órgão de execução fiscal, nos termos do qual foi indeferida a prestação de garantia através de fiança por se considerar que a mesma não era idónea — sendo que, no interim, a Recorrente aderiu ao regime estabelecido no DL nº 151-A/2013 (Que estabelece o Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social) para, desse modo, beneficiar da anulação dos juros compensatórios e do acrescido.
II. É inquestionável que o pagamento da dívida exequenda esgota o objecto do processo de execução fiscal — que, precisamente, foi encetado para cobrança coerciva daquela quantia - mas a Recorrente manifestou interesse na apreciação judicial da reclamação apresentada invocando expressamente que pretendia accionar o meio judicial adequado ao ressarcimento dos eventuais prejuízos provocados pela decisão reclamada na medida em que o Tribunal a quo concluísse, com força de caso julgado, que tal decisão administrativa era ilegal.
III. Vale isto por dizer que, em sede de acção de responsabilidade civil, o acto ilícito da Administração Tributária seria composto, precisamente, pela decisão que indeferiu a prestação da garantia — sendo que a Recorrente apenas se sentiria legitimada a accionar judicialmente o Estado se, e na medida em que estivesse previamente munida de uma decisão judicial favorável nos presentes autos.
IV. Na douta decisão recorrida, entende o Tribunal a quo outrossim que, atenta a extinção do processo de execução fiscal, é impossível a prossecução e o conhecimento da lide por desaparecimento do seu objecto.
V. Ora, o objecto da reclamação judicial é constituído pelo despacho administrativo que julgou pela falta de idoneidade da garantia prestada e, porque tal despacho não foi anulado, manteve-se no ordenamento jurídico.
VI. Salvo o devido respeito, o desaparecimento do objecto da acção apenas sucede nos casos em que foi deduzida oposição à execução fiscal porquanto o “pedido tipo” no processo de oposição é constituído, precisamente, pela extinção do processo executivo, pelo que, uma vez efectuado o pagamento da quantia exequenda, desaparece o objecto da lide executiva.
VII. Logo, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, e uma vez que o despacho administrativo não foi revogado ou anulado, não desapareceu o objecto da acção.
VIII. Vai nesse sentido a Jurisprudência (Cfr. Ac. STA de 23.01.2013, dado no proc. nº 01498/12) deste Venerando Tribunal:
«I - O pedido, na reclamação de acto do órgão da execução fiscal, é a de anulação do acto reclamado por ilegalidade deste, e não a de extinção da execução (como na oposição à execução fiscal).
II - Por isso, enquanto o acto reclamado se mantiver na ordem jurídica - ou seja, salvo nos casos em que venha a ser revogado ou anulado — não pode concluir-se com acerto que a reclamação que o tem por objecto se tornou supervenientemente inútil em razão da extinção da execução fiscal.
III - Impõe-se, pois, o conhecimento do mérito da reclamação, não obstante a execução fiscal na qual foi praticado o acto reclamado tenha sido entretanto extinta».
IX. Através do disposto no seu artigo 222º, a Lei de Orçamento de Estado para 2013 veio introduzir um novo nº 3 no art. 176º do Código de Procedimento e de Processo Tributário — o qual estatui que o facto de o processo de execução fiscal se extinguir por pagamento, não prejudica o controlo jurisdicional da actividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide.
X. Procedendo à interpretação do sobredito normativo em causa, refere o Tribunal a quo que o mesmo «corresponde à aceitação expressa por parte do legislador de que nem sempre as situações de extinção da execução fiscal por pagamento da dívida exequenda e acrescido resultam na extinção da lide.».
XI. A lei não restringe o seu âmbito de aplicação, explicita ou implicitamente, às situações concretas identificadas pelo Tribunal a quo e analisadas pela Jurisprudência — ou seja, apenas os casos em que, apesar do pagamento e a consequente extinção da execução, se mantém utilidade no conhecimento da oposição.
XII. Como resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo apenas faz uma interpretação da norma à luz do objecto do processo executivo (cobrança coerciva da dívida exequenda) e, sobretudo, à luz dos fundamentos de oposição à execução (inexigibilidade ou ilegalidade quando a lei não faculta meio de reacção).
XIII. Para além de a questão factual não ser a mesma, a referida Jurisprudência invocada pelo Tribunal a quo foi proferida quando ainda não estava em vigor o artigo 176º nº 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário — pelo que a interpretação que se impõe do artigo 176º nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tem de ser feita nos estritos termos constantes na letra e espírito da lei, ou seja, aferindo as situações em que, apesar do pagamento, se mantém a utilidade na apreciação da lide.
XIV. Note-se que, no caso dos autos, o Tribunal a quo nem sequer julgou pela inutilidade da lide mas, outrossim, pela sua impossibilidade, mas ainda que o Tribunal a quo tivesse julgado pela inutilidade superveniente da lide, nem assim se justificava a extinção da instância – face ao manifesto (e manifestado) interesse da Recorrente na obtenção de uma decisão que julgasse ilegal a decisão administrativa impugnada.
XV. A inutilidade na prossecução da lide deve ser aferida em termos objectivos, e no caso dos autos a Recorrente expressamente manifestou o seu interesse no prosseguimento da lide, e justificou a sua pretensão no facto de que a prolação de uma decisão judicial favorável colocá-la-ia numa situação jurídica diferente daquela que existia antes da acção ser posta em juízo.
XVI. Estamos, portanto, na “coutada” do interesse processual – sendo que o interesse processual em demandar é aferido pelas vantagens na obtenção de tutela Judicial para o impetrante.
XVII. Como explicado pela nossa doutrina, «A utilidade da lide é uma utilidade jurídica e que, por consequência, a lide se mantém útil enquanto o Recorrente puder retirar em resultado da anulação do ato, uma qualquer vantagem juridicamente relevante não sendo forçoso que a anulação seja suscetível de levar à reconstituição na integralidade da situação actual hipotética.» (Sic, Ac. TCAS, de 21.11.2013, dado no proc. nº 07623/11, e, no mesmo sentido, Ac. do Pleno do STA de 30.10.2002 no Rec. nº 38242, de 08.05.2007 no Proc. nº 1163/06 e de 18.09.2007 no Proc. nº 1272/05. Cfr. igualmente Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Acórdão do STA de 30/9/1997, rec. nº 39858”, Cadernos da Justiça Administrativa, nº 8, p. 49).
XVIII. No caso dos autos, a Recorrente levou à consideração do Tribunal a quo que, por força da anulação judicial do acto reclamado, obteria uma considerável e relevante vantagem jurídica: a de ter por preenchido, através de decisão judicial transitada em julgado, um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado — a prática de acto ilícito.
XIX. Note-se que a necessidade de recorrer à via judicial, enquanto concretização do interesse processual, não tem que ser uma necessidade absoluta, a única ou última via aberta para a realização da pretensão formulada.
XX. Concomitantemente, a inutilidade do prosseguimento da lide verificar-se-á quando seja patente, de forma objectiva, a insubsistência de qualquer interesse, beneficio ou vantagem jurídica.
XXI. No caso dos autos, é inequívoca a utilidade para a Recorrente no prosseguimento da lide para prolação de uma decisão judicial que se pronuncie sobre a legalidade do despacho administrativo que indeferiu a prestação de garantia.
XXII. No âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva (Ac. STA de 30.04.2008, dado no proc. nº 0850/07 e, no mesmo sentido, os acórdãos STA de 09.04.02, no recurso nº 48200, de 11.05.00, no recurso nº 45903 e de 10.07.97, no recurso nº 35738).
XXIII. No caso em apreço o Tribunal a quo interpretou e aplicou o artigo 176 nº 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário no sentido que mais desfavorece o acesso da Recorrente à tutela jurisdicional efectiva — na medida em que impede a obtenção de uma decisão que lhe é manifestamente útil (Sic, Ac. STA de 06.02.03, no rec. nº 128/03).
XXIV. De resto, por força do estabelecido no artigo 92 nº 3 da LGT, seríamos sempre levados a concluir que o facto de o contribuinte aderir a um regime que lhe atribui “vantagens no conjunto de certos encargos ou condições” não preclude o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva (Cfr. Ac. STA de 09.10.2002, dado no proc. nº 0213/02. Com idêntica ponderação Cfr. Ac. STA de 06.03.2013, dado no proc. nº 0711/12, e, no mesmo sentido, Acs. proferidos em 07.10.2009, 25.03.2009, 26.05.2010, 04.05.2011 e 27.06.2012, nos Processos, respectivamente, nºs. 714/09, 985/08, 24/10, 982/10, e 430/12. Cfr. também Saldanha Sanches, A indisponibilidade do direito à impugnação, Fisco, nº 69, pp. 60-69).
XXV. Ao assim não ter entendido, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito — mormente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 176º nº 3 do CPPT, 277º e) do CPC e 9º nº 3 da LGT.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da decisão recorrida.

1.2 Não foram apresentadas contra alegações

1.3 O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes, além do mais:
«(…)
3. Nas suas alegações considera a Recorrente que a decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei e “equivale a coarctar os seus direitos a uma plena e efectiva tutela jurisdicional”.
Para tanto alega que o objecto da reclamação é o despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia, o qual é distinto da extinção da execução fiscal, e nessa medida não desapareceu o objecto da acção.
Com a prestação de garantia a Recorrente visava obter a suspensão da execução fiscal ao abrigo do disposto no artigo 169º do CPPT. Ou seja, verificando-se alguma das causas de suspensão da execução fiscal previstas no nº 1 do artigo 169º do CPPT, o executado será notificado para prestar garantia, sob pena de penhora de bens que assegurem o pagamento da quantia exequenda — do citado preceito legal. Daí decorre que o interesse do executado na prestação de garantia é não só evitar a penhora de bens, como o prosseguimento da execução fiscal. Extinta esta pelo pagamento da quantia exequenda, parece óbvio que o procedimento de prestação de garantia deixou de ter utilidade e nessa medida deve ser encerrado. Daí que se o procedimento em causa deve ser encerrado, parece não fazer sentido discutir a legalidade da decisão de indeferimento da garantia oferecida, uma vez que ainda que se venha a decidir pela sua anulação, os efeitos de tal anulação são irrelevantes, por os seus efeitos serem dirigidos ao processo de execução fiscal.
E terá sido nesta perspectiva que o tribunal recorrido decidiu extinguir a instância da reclamação apresentada contra tal decisão de indeferimento, ainda que ao invés da invocada impossibilidade superveniente da lide se esteja antes perante uma inutilidade superveniente da lide.
Entende, contudo, a Recorrente que depois de ser ouvida sobre tal matéria e ter invocado interesse relevante no prosseguimento dos autos, não podia o tribunal recorrido determinar a extinção da instância.
Para a Recorrente, a instância continua a ter a sua utilidade, uma vez que a decisão a declarar ilegal a decisão de indeferimento da garantia oferecida lhe possibilita posteriormente propor uma acção de responsabilidade contra o Estado por danos sofridos com tal decisão.
Estamos, assim, perante interesse indirecto na declaração de ilegalidade do acto.
Como se referiu supra, o procedimento de prestação de garantia está intimamente conexionado com a pendência do processo de execução fiscal, cuja suspensão aquela garantia visa obter. A tutela pretendida pela Recorrente com a propositada da reclamação ao abrigo do artigo 276º do CPPT consistia na anulação da decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia, a fim de ser substituída por outra que considerasse idónea a fiança prestada pela sociedade fiadora e desse modo obtivesse a suspensão dos autos de execução fiscal. Ou seja, a pretensão da reclamante e aqui Recorrente não é tanto na anulação dos eventuais efeitos do acto pretensamente ilegal mas neste caso na sua substituição por outro de conteúdo positivo e que lhe conferisse uma situação vantajosa. Não está aqui em causa a reconstituição de uma situação anterior à prática do acto que se visa anular, mas sim obter uma posição jurídica em resposta à instauração do processo executivo. Extinto este processo executivo fica esvaziada de qualquer conteúdo útil a referida pretensão, motivo pelo qual a tutela que a Recorrente pretendia ao apresentar a reclamação do artigo 276º do CPPT se revela de igual modo inócua. A situação jurídica que obteria com a eventual procedência da reclamação não diferiria da actual situação jurídica, já que não se alcança qual a vantagem ou beneficio que resultaria da atribuição da tutela requerida. A pretendida suspensão da execução fiscal a fim de a sua situação perante o Fisco se considerar regularizada e a pendência de tal processo não lhe acarretar desvantagens no exercício da sua actividade, deixa de ter qualquer conteúdo útil com a extinção daquele processo.
Por outro lado, não se alcança em que termos a decisão de anulação da decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia se mostraria vantajosa para efeitos de eventual propositura de acção de responsabilidade civil extracontratual, sendo certo que a pretensa ilegalidade daquele acto não se confunde com a sua ilicitude.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, a qual deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente.»

1.4. Com dispensa de Vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe deliberar.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados, com relevo para a apreciação da questão da «viabilidade do prosseguimento dos presentes autos» os factos seguintes:
a) Em 14.05.2013, foi instaurado o processo executivo a correr termos sob o nº 805201301104691 para cobrança coerciva de IRC relativo ao ano de 2009, no valor de € 832.701,44 (cfr. fls. 3 e informação oficial prestada a fls. 367 e 367 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
b) Em 2013.06.19, para suspensão do processo executivo nº 1805201301104691, a executada, ora Reclamante, ofereceu garantia na modalidade de fiança prestada pela sociedade A…………, SA., pelo valor de € 1.055.818,74 (cfr. doc. junto a fls. 6 e 6 verso e informação oficial prestada a fls. 367 e 367 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
c) Em 2013.10.22, por Despacho da Exma. Senhora Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças do Porto foi indeferido o requerimento de prestação de garantia na modalidade de fiança, no entendimento de que a mesma era inidónea (cfr. fls. 80 a 83 verso, 125 a 127 verso e informação oficial prestada a fls. 367 e 367 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
d) Em 2013.11.20, a executada procedeu ao pagamento do imposto em cobrança coerciva no processo executivo nº 1805201301104691 no âmbito do regime excepcional de regularização de dívidas de natureza fiscal aprovado pelo Decreto Lei nº 151-A/2013 (cfr. informação oficial prestada a fls. 367 e 367 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
e) Em 2013.12.27, o processo nº 1805201301104691, que está na génese do acto reclamado, foi declarado extinto por pagamento nos termos do Decreto-Lei nº 151-A/2013 que aprovou um regime excepcional de regularização de dívidas de natureza fiscal (cfr. informação oficial prestada a fls. 367 e 367 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

3.1. Considerando esta factualidade, a sentença recorrida julgou extinta a instância por «impossibilidade superveniente da lide imputável à Reclamante», nos termos da al. e) do (actual) art. 277º do CPC, com fundamento, como bem se sintetiza no Parecer do MP, em que «... a Reclamante não almeja discutir nesta sede qualquer questão que colida com a legalidade ou exigibilidade do crédito de imposto a que se arroga a Exequente, mas, tão só, a legalidade do Despacho do órgão de execução fiscal que indeferiu a garantia que a executada oferecera para sustação dos autos executivos» e que, assim sendo, «... extinta a execução por pagamento, queda a garantia oferecida sem qualquer objecto, porquanto já nada cumpre suspender, pelo que ordenar o prosseguimento dos presentes autos não se mostra minimamente consentâneo com o espírito que norteou o legislador ao introduzir o regime plasmado no nº 3 do artigo 176º do CPPT».

3.2. Do assim decidido discorda a recorrente, invocando erro de julgamento e vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do disposto no nº 3 do art. 176º do CPPT, na al. e) do art. 277º do CPC e no nº 3 do art. 9º da LGT, e alegando, como se viu, o seguinte:
- a decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei e “equivale a coarctar os seus direitos a uma plena e efectiva tutela jurisdicional”;
- é que o objecto da reclamação é o despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia, o qual é distinto da extinção da execução fiscal, e nessa medida não desapareceu o objecto da acção.
- em face do disposto no nº 3 do art. 176º do CPPT, é patente que o próprio legislador prevê que há situações em que, não obstante o pagamento da quantia exequenda, se mantém a utilidade da lide, como é o caso dos presentes autos.
- uma decisão judicial favorável colocá-la-ia numa situação jurídica diferente daquela que existia antes da acção ser posta em juízo: sendo que o seu interesse processual é materializado na obtenção de uma decisão judicial, com força de caso julgado, que reputasse de ilegal o despacho administrativo reclamado (por força da anulação judicial do acto reclamado obteria uma considerável e relevante vantagem jurídica: a de ter por preenchido, através da decisão judicial transitada em julgado, um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado — a prática de acto ilícito).

3.3. A questão a decidir é, portanto, a de saber se a sentença enferma do alegado erro de julgamento quanto ao julgamento de extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide (afigurando-se-nos irrelevante, no caso, para a respectiva apreciação, que a decidida extinção da instância derive de impossibilidade superveniente, como diz a sentença, ou de inutilidade superveniente, como alega o MP).
Vejamos.

4.1. Nos termos do disposto no art. 276º do CPPT, são susceptíveis de reclamação para o TT de 1ª instância, as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da AT que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado.
E também o art. 97º, nº 1 do CPPT prevê, como parte integrante do chamado processo judicial tributário, o recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal, tal como também nos termos do nº 2 do art. 103º da LGT se garante aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária.
Por outro lado, como é sabido, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência de tal instância, «a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.» (José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, Vol. 1º, 2ª ed., 2008, anotação 3 ao art. 287º, p. 512.)
No caso, tendo a Fazenda Pública instaurado contra a recorrente a execução fiscal nº 1805201301104691, para cobrança da quantia de 832.701,44 Euros, esta, invocando a impugnação da liquidação subjacente à dívida exequenda, pediu a suspensão da execução, mediante a prestação de garantia, no valor de 1.055.818,74 Euros, por meio de fiança prestada pela sociedade “A………… S.A.”. E tendo aquele pedido sido indeferido (por despacho proferido em 22/10/2013, pela sra. Directora Distrital de Finanças adjunta) com o fundamento na inidoneidade da garantia, a recorrente reclamou do acto praticado pelo OEF (reclamação nos termos do art. 276º do CPPT) para o TT de 1ª instância (TAF do Porto), alegando a ilegalidade daquele despacho.
Entretanto, também em 20/11/2013 a executada/recorrente procedeu ao pagamento do imposto objecto de cobrança coerciva neste processo, ao abrigo do regime excepcional de regularização de dívidas aprovado pelo DL nº 151- A/2013, tendo, no seguimento, sido proferido, em 27/12/2013, no processo executivo, despacho a declarar «o processo extinto» por pagamento.
E foi em face destes elementos que a sentença recorrida julgou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide imputável à reclamante.

4.2. Ora, visando a recorrente, com a prestação da garantia, obter a suspensão da execução fiscal em face da invocada dedução da impugnação judicial da liquidação subjacente à dívida exequenda (nº 1 do art. 169° do CPPT), o interesse na prestação dessa garantia substancia-se quer na evitação da penhora de bens, quer no impedimento da prossecução da execução fiscal. Daí que, extinta esta (execução fiscal) pelo pagamento da quantia exequenda, seja de concluir que este procedimento de prestação de garantia deixou de ter utilidade e nessa medida deve ser encerrado: e se o procedimento deve ser encerrado, deixa de fazer sentido continuá-lo para discutir a legalidade da decisão de deferimento ou indeferimento da garantia oferecida, uma vez que ainda que se venha a decidir pela sua anulação, os efeitos de tal anulação já não são relevantes, por se tratar de efeitos dirigidos ao processo de execução fiscal.
Não colhe, assim, a alegação da recorrente, no sentido de que a instância continua a ter utilidade, porque a decisão a declarar ilegal a decisão de indeferimento da garantia oferecida lhe possibilita posteriormente propor uma acção de responsabilidade contra o Estado por danos sofridos com tal decisão: e, por isso, depois de ela (reclamante) ter sido ouvida sobre tal matéria e ter invocado o dito interesse relevante no prosseguimento dos autos, não podia o tribunal recorrido determinar a extinção da instância.
Na verdade, uma vez que o procedimento de prestação de garantia está intrinsecamente conexionado, quer com a pendência do processo de execução fiscal (a prestação de garantia visa suspender este processo de execução), quer com a pendência do processo de impugnação judicial da liquidação subjacente à dívida exequenda, então, o indeferimento do pedido inerente a tal procedimento só poderá reconduzir-se a um acto lesivo cujo efeito negativo para a esfera jurídica do contribuinte se traduz, precisamente, no prosseguimento da execução fiscal. E, assim, como bem aponta o MP, também a tutela que a recorrente pretende obter com a dedução da presente reclamação ao abrigo do art. 276º do CPPT (em que se pede a anulação da decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia e a sua substituição por outra decisão que considerasse idónea a fiança prestada pela sociedade fiadora, desse modo obtendo a suspensão da execução fiscal) não se reconduz a uma tutela que também abranja a anulação dos eventuais efeitos do acto pretensamente ilegal (e, nesse caso, a sua substituição por outro de conteúdo positivo e que conferisse à reclamante uma situação vantajosa): não está aqui em causa a reconstituição de uma qualquer situação anterior à prática do acto que se visa anular, mas sim obter uma posição jurídica em resposta à instauração do processo executivo.
Daí que se entenda não ser aplicável ao presente caso a jurisprudência e a doutrina invocadas e referenciadas nas Conclusões VIII e XVII, sendo que, especificamente quanto ao acórdão deste STA, de 23/1/2013, no proc. nº 01498/12, estava em causa situação diversa da presente: o recurso para o STA visava, ali, a parte da decisão que, embora proferida numa reclamação do art. 276º do CPPT, julgara extinta a instância quanto ao pedido de declaração de prescrição da dívida. (E também no recente acórdão de 2/7/2014, no proc. 0713/14, estava em causa situação diversa da dos autos: tendo sido proferida decisão expressa do OEF indeferindo o pedido de dispensa de prestação de garantia requerido por um responsável subsidiário contra quem foi revertida a execução, decidiu-se que, tendo este reclamado nos termos do art. 276º do CPPT de tal indeferimento, subsiste a utilidade objectiva da lide mesmo que, posteriormente, o processo de execução fiscal venha a ser suspenso com fundamento em “excussão-reversão”, porquanto o responsável subsidiário mantém interesse na contestação daquela decisão de indeferimento, sob pena da mesma se consolidar no processo.)
Em suma, no caso dos autos, extinto que foi o processo executivo, perde utilidade a pretensão jurídica que integra e consubstancia a reclamação apresentada pela recorrente e também a situação jurídica (suspensão da execução, impedindo o seu prosseguimento e a consequente penhora de bens da executada) que a recorrente poderia obter se eventualmente procedesse a reclamação, em nada diferiria da situação jurídica actual, já que a execução findou.
E, por outro lado, também não se vislumbra em que termos a posterior decisão que, eventualmente, anulasse a decisão do OEF de indeferimento do pedido de prestação de garantia, se mostraria vantajosa, na esfera jurídica da recorrente, para efeitos de eventual propositura de acção de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado: nem a pretensa ilegalidade daquele acto de indeferimento de prestação de garantia, com a consequente anulação do despacho reclamado, se confunde com a ilicitude do facto, nem a eventual propositura de uma tal acção depende de qualquer despacho a proferir na reclamação, em termos de poder afirmar-se que, não obstante tenha findado o processo de execução fiscal, se mantêm (para efeitos do impedir a aplicação do disposto na al. e) do art. 277º do CPC) o interesse ou a necessidade da solução do litígio espelhado nesta reclamação do art. 276º do CPPT.
Improcedem, portanto, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 30 de Julho de 2014. - Casimiro Gonçalves (relator) – José Veloso - Maria Benedita Urbano.