Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0194/13
Data do Acordão:07/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
COLIGAÇÃO
ILEGALIDADE
Sumário:I – Embora não haja norma legal que preveja a coligação de oponentes, não haverá obstáculo a que ela ocorra, se se verificarem os requisitos em que a coligação é admitida pelo CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do art. 2.º, alínea c), do CPPT.
II – Ou seja, é permitida a coligação de autores quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, nos termos do art. 30.º do CPC.
III – Não se verificando qualquer dos referidos requisitos, a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos do art. 494.º, alínea f), do CPC, pelo que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [alínea e) do n.º 1 do artigo 288.º do CPC].
IV – Tendo os oponentes deduzido oposição com uma causa de pedir comum e outras próprias de cada um deles, não se justifica que a oposição prossiga para conhecimento daquela, motivo por que não há que notificar os oponentes nos termos do art. 31.º-A do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P17793
Nº do Documento:SA2201407090194
Data de Entrada:02/08/2013
Recorrente:A... E B...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A………….. e mulher, B……………., inconformados com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, em sede de oposição à execução fiscal nº 0400200501005120, instaurada contra a sociedade “C………….., Lda.”, considerando verificar-se a existência de excepção dilatória de coligação ilegal de oponentes, absolveu da instância a Fazenda Pública, dela vieram interpor o presente recurso jurisdicional.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1) Os recorrentes recorrem de toda a matéria de facto e de direito, e dentro desta última, em especial, pelo erro de julgamento na interpretação e aplicação de normas e ainda omissão das normas que in casu seriam aplicáveis, o que determina a nulidade da sentença;
2) A Decisão ora posta em crise fez uma análise perfunctória da situação submetida a julgamento, pois contrariamente ao que refere, não existiu uma "coligação ilegal de autores";
3) Sem prescindir, e apenas por mero exercício de raciocínio, caso existisse uma verdadeira coligação ilegal de autores, teria o Tribunal a quo de lançar mão, e actuar, de acordo com o previsto no art. 12° do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do artº 2° do CPPT;
4) Mas, o Tribunal a quo convocou a norma do art. 104° do CPPT e a norma do art. 30° do CPC para decidir como decidiu, julgando verificada a existência de excepção dilatória de coligação ilegal de oponentes invocada pela Fazenda Pública, absolvendo-a da instância!!!;
5) Ora, o dispositivo legal do art. 104° do CPPT respeita à "cumulação de pedidos e coligação de autores", mas em petição inicial de processo de impugnação judicial, logo, inaplicável, ao caso em apreço;
6) In casu, não podia o Tribunal a quo recorrer a analogia, pois estamos em sede de execução fiscal revertida;
7) Claudicam os argumentos do Tribunal a quo, que apesar de convocar a norma do art. 2° do CPPT, chamou o art. 30° do CPC (em vez de trazer à colação o art. 12° do CPTA), mas ignorou a hierarquia estabelecida no próprio art. 2° do CPPT.
8) É que, face à situação invocada, teria de subsumir a situação na alínea c), do art. 2° do CPPT, e não na alínea e) do referido artigo, sendo que as cinco alíneas daquele art. 2° do CPPT estão elencadas de forma hierarquizada de aplicação e não a bel talante do intérprete;
9) Resulta que o Tribunal convocou e aplicou normas que não podia nem devia aplicar, e postergou outras que seriam aplicáveis, mas que pura e simplesmente foram omitidas, apesar de equacionadas, como é o caso do art. 12° do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do art. 2° do CPPT;
10) Ignorou assim a hierarquia do direito subsidiário previsto no art. 2° do CPPT, o que se antevê, desde logo, quando no primeiro parágrafo da penúltima folha da sua decisão começa por dizer: "Também o art. 12º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e em termos semelhantes ao disposto naquele art. 30º Código do Processo Civil, permite a coligação de autores .... (...).";
11) Fê-lo, nitidamente, induzido pela "linha de raciocínio já vertida no douto parecer do Ministério Público ...", como um pouco mais à frente se lê na decisão posta em crise;
12) Ignorando e postergando o vertido no nº 3, do art. 12° do CPTA, quando o Tribunal a quo deveria ter notificado cada um dos Oponentes para "... no prazo de 10 dias, indicarem o pedido que pretendem ver apreciado no processo, sob cominação de, não o jazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos.";
13) Todavia, não fez tal notificação, sob tal cominação, tendo em vez disso optado por notificar os Oponentes para responderem às excepções;
14) Com a coligação de autores visa-se a economia processual e a uniformização de julgados, sendo disso exemplo a previsão legal do artigo 12° do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos) vindo de citar;
15) De forma meramente adminicular, questionam-se os recorrentes da razão pela qual, tendo o Tribunal a quo convocado a norma do art. 30º do CPC, não fez aplicação da norma do art. 31º-A do mesmo Código?!;
16) Pois, pela linha de raciocínio apresentada, só assim faria algum sentido, ainda que fosse aplicável o sobredito artigo 12° do CPTA;
17) A consequência da coligação ilegal não é a imediata absolvição da Fazenda Pública da instância, antes a notificação dos oponentes para, no prazo fixado pelo tribunal, indicarem por acordo, qual o pedido que pretendem ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, o exequente ser absolvido da instância quanto a todos eles (art. 31º-A nºs. 1 e 2 CPC/art. 2° al. e) CPPT: neste sentido Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado comentado Volume II, 2007, p. 408, acórdão STA - secção de Contencioso Tributário 18.10.2006 processo nº 232/06);
18) Caso se aceitasse existir uma coligação ilegal de autores - no que não se concede -haveria que lançar mão do art. 12°, n° 3 do CPTA ex vi art. 2°, alínea c) do CPPT, e não do art. 31º-A do CPC ex vi alínea e) do referido art. 2° do CPPT;
19) Todavia, uma ou outra das normas conduziriam à mesma solução; ou seja, a coligação ilegal não implicava a imediata absolvição da Fazenda Pública da instância, antes a notificação dos oponentes para, no prazo de dez dias, indicarem por acordo, qual o pedido que pretendem ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, o exequente ser absolvido da instância quanto a todos eles;
20) Aliás, como bem ensinava o Prof. Anselmo de Castro, in Direito de Processo Civil, voI. I, 1981, pág. 179, "um pedido depende de outro sempre que do primeiro só se possa conhecer no caso da procedência do segundo";
21) Mas, não poderia ser olvidada a relação conjugal existente entre os recorrentes, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 28°-A do CPC, esse sim, aqui subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea e), do art° 2° do C.P.P.T, devem ser propostas por marido e mulher as acções de que possa resultar perda ou oneração de bens que só por ambos possam ser alienados, ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família;
22) Refira-se ainda, que não devem ser trazidas à colação ou servir de suporte a uma decisão, situações como a tratada no Acórdão do S.T.A. de 18/10/2006, proferido no recurso n° 232/06, nem o proferido no Proc. nº 0385/08, de 19-11-2008, 2ª Secção, por não dizerem respeito a posições, sequer análogas;
23) Em face do sobredito, deve considerar-se legal a coligação de oponentes ou caso assim se não entenda ordenar-se a notificação destes para os efeitos do disposto no art. 12°, nº 3 do CPTA ex vi art. 2°, alínea c), do CPPT;
24) Os oponentes ora recorrentes não estranham que o Ministério Público apresente uma visão parcial e redutora do caso sub judicio, mas não podem aceitar que o Tribunal a quo, sem adequada fundamentação para o efeito, se estribe na mesma;
25) No caso sub judicio nem sequer foram analisadas as questões prévias suscitadas, e sobre as quais, houve também omissão de parecer, por parte do MP, pois foi totalmente ignorada, a questão prévia da CADUCIDADE;
26) Aliás, ainda previamente, nem a própria Fazenda Pública se pronunciou sobre tais questões prévias suscitadas pelos oponentes, e o MP deve actuar com respeito pelos deveres de isenção, proporcionalidade, justiça, igualdade, imparcialidade, transparência e neutralidade;
27) No caso sub judicio, o MP reduziu os factos alegados pela oponente/recorrente B………….. à alegação desta nunca ter exercido as funções de gerente de facto na sociedade executada, e por outro, reduz a alegação do oponente A………….., à alegação de ter exercido a gerência até ao ano 2000, o que se traduz numa visão amputada dos factos alegados pelos oponentes e da oposição como um todo;
28) Olvida o MP e o Tribunal a quo, que os recorrentes na sua oposição pugnaram, também, pela anulabilidade da decisão administrativa, por preterição da formalidade da adequada fundamentação do acto decisório;
29) Invocaram a sua ilegitimidade pelas dívidas vencidas após a data em que foi declarada a insolvência da executada, e ambos invocaram a CADUCIDADE, tendo assinalado igualmente a ilegalidade da cobrança dos juros compensatórios, tudo o que pretendem ver apreciado;
30) Existe uma clara identidade da causa de pedir dos oponentes, que aliás emerge dos mesmos factos, e cada um dos oponentes/recorrentes carreou para os autos factos, que de per si, justificam a ilegitimidade de cada um, entre os quais não existe qualquer contradição, mas antes uma relação de complementaridade;
31) Adminicularmente, caso assim não se entendesse, embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependeria, essencialmente, da apreciação dos mesmos factos;
32) Neste sentido se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nº JTRP00037668, de 01-02-2005., in www.dgsi.pt. "Para a coligação activa ou passiva não se exige que a causa de pedir seja a mesma, nem que os factos sejam exactamente os mesmos, bastando que a apreciação dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos. Com o advérbio "essencialmente" visou-se permitir o recurso a um critério de oportunidade na formulação de um juízo sobre a pertinência da coligação, tendo em vista a predominância ou relevo dos factos de que dependem os pedidos principais.";
33) E, no mesmo sentido, também in www.dgsi.pt o (AC. RL de 3.4.1968) que refere: "Para que seja licita a coligação de autores com base no nº 2 do art. 30º do Cód. Proc. Civil (quando a dependência dos pedidos dependa essencialmente dos mesmos factos ...) não basta que os factos se apresentem substancialmente os mesmos, ou que sejam as mesmas, substancialmente, as regras de direito a interpretar e a aplicar, importando sempre indagar quais as questões de cuja apreciação depende, na sua essência, a decisão de mérito da causa e estabelecer se os factos são os mesmos ou se são as mesmas as regras de direito ou se as cláusulas são perfeitamente análogas." - (AC. RL de 3.4.1968);
34) Assim, os factos essenciais de que dependem as pretensões dos oponentes/recorrentes são os mesmos, em nada alterando a sua identidade substancial o facto de um deles invocar a sua ilegitimidade em virtude de nunca ter exercido a gerência de facto e o outro reconhecer ter assumido a dita gerência durante um determinado período, vindo a deixar de a exercer também;
35) A eventual procedência dessas pretensões depende da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, verificando-se por isso os requisitos positivos da coligação exigidos por lei;
36) Concluindo, e sempre sem prescindir da invocada CADUCIDADE do direito de reversão sobre os recorrentes, sempre se dirá que deverá considerar-se legal a coligação de oponentes/recorrentes, ou caso assim se não entenda, ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que proceda à notificação dos oponentes/recorrentes para os efeitos do disposto no art. 12°, nº 3 do CPTA ex vi art. 2°, alínea c), do CPPT.
Terminam pedindo o provimento do recurso e que, consequentemente, seja revogada a sentença e ordenada a baixa dos autos, retomando-se a tramitação processual subsequente.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), entendeu-se que a competência hierárquica para conhecer do recurso cabia a este Supremo Tribunal.

1.5. Já neste Supremo Tribunal, o Sr. Procurador-geral adjunto, emitiu parecer, tendo concluído:
«Parece ser de confirmar o decidido quanto à oposição não ter obedecido aos requisitos legalmente previstos quer no art. 104º do CPPT, aplicável à coligação por força do previsto no art. 204º, nº 2 do mesmo diploma, quer no art. 30º, n.ºs. 1 e 2 do CPC.
O recurso pode merecer provimento quanto ao convite que se defende ser de efectuar.
Contudo, com a possibilidade de serem apresentadas novas oposições, no prazo de 10 dias após o trânsito da decisão que confirme o indeferimento, nos termos previstos no art. 476º do CPC, aplicável no caso subsidiariamente, nos termos do art. 2º, al. e) do CPPT, resulta tutelada a garantia jurisdicional efectiva».

1.6. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. Apesar de o Mmo. Juíz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga não ter efectuado o julgamento da matéria de facto de modo destacado e autónomo, o que se compreende em face do teor da decisão proferida (absolvição da instância), não restam quaisquer dúvidas que a factualidade por si considerada, e em que fundamentou a decisão, é a seguinte:
A) – Foi instaurada contra a sociedade “C……………., Lda.” a execução fiscal nº 0400200501005120, com vista à cobrança de dívida de IRC e IVA, no montante de Euros 20.407,74;
B) – A Execução fiscal reverteu contra A………….. e B………………;
C) – Os referidos revertidos apresentaram a presente oposição à execução fiscal.
Com vista à apreciação da excepção consistente na ilegal coligação dos oponentes, a decisão recorrida considerou que:
“Ambos oponentes alegam a sua ilegitimidade.
Fazem-no, no entanto, nos seguintes termos:
- A oponente B…………… nega ter exercido qualquer função de gerência;
- O oponente A………….. admite ter exercido a gerência da devedora originária até ao ano de 2000 (embora admita ter continuado a assinar documentos referentes à sociedade)”.

2.2. Não há qualquer outro facto que tenha servido de fundamento à decisão recorrida.

3.1. Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Das conclusões de recurso podem identificar-se as seguintes questões que os recorrentes pretendem ver apreciadas por este Supremo Tribunal:
- Conclusões 1 a 23
- erro de julgamento (errada aplicação das normas legais) na apreciação da questão da coligação dos oponentes;
- erro de julgamento porque a coligação ilegal não implicava a imediata absolvição da Fazenda Pública da instância, antes a notificação dos oponentes para, no prazo de dez dias, indicarem por acordo, qual o pedido que pretendem ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, o exequente ser absolvido da instância quanto a todos eles;
- Conclusões 23 e seguintes (nestas conclusões reafirmam os argumentos que levariam à conclusão de que a sua coligação é consentânea com as normas legais)
- omissão de pronúncia na sentença recorrida sobre a invocada anulabilidade da decisão administrativa, por preterição da formalidade da adequada fundamentação do acto decisório, ilegitimidade dos oponentes pelas dívidas vencidas após a data em que foi declarada a insolvência da executada, e ambos invocaram a caducidade do direito à liquidação, tendo assinalado igualmente a ilegalidade da cobrança dos juros compensatórios, tudo o que pretendem ver apreciado.

3.2. Estas questões, tais como os recorrentes as formulam, já não são novas e têm sido decididas de forma uniforme e reiterada no sentido propugnado pela sentença recorrida, isto é, em sentido diametralmente oposto ao propugnado nas alegações de recurso.
Aliás, em situação exactamente semelhante, já este Supremo Tribunal decidiu nos seguintes termos, não se vendo agora razões para divergir do que então se julgou ser a interpretação mais correcta das normas vigentes (tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, cfr. artigo 8º nº 3 do CC):
“2.2.3 DO CONHECIMENTO DOS FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO PREVIAMENTE À AFERIÇÃO DA LEGALIDADE DA COLIGAÇÃO
Se bem interpretamos as alegações de recurso, o Recorrente pretende que deveria a Juíza do Tribunal a quo, primeiro, ter conhecido dos fundamentos da oposição e, só depois, em face do juízo formulado, estaria em condições de aferir da existência da conexão prevista no art. 30º do CPC, em ordem a averiguar da legalidade da coligação.
Salvo o devido respeito, é manifesto o lapso em que incorre. Como bem salientou a decisão recorrida, louvando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (O acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Novembro de 2008, proferido no processo com o n.º 385/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Fevereiro de 2009 (http://dre.pt/pdfgratisac/2008/32240.pdf), pág. 1318 a 1321 também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/28ec4c03317ddd2e8025750800546f07?OpenDocument.), não pode conhecer-se do mérito da oposição sem que primeiro se estabeleça a regularidade da instância, designadamente a verificação de todos os pressupostos processuais.
Na verdade, a ilegal coligação a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos do art. 494º, alínea f), do CPC, pelo que, verificada que seja, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [alínea e) do nº 1 do artigo 288º do CPC].
Ora, perante uma decisão de absolvição da instância, não pode o juiz conhecer dos fundamentos da oposição.
Por isso, salvo o devido respeito, não faz sentido pretender que deveria conhecer-se dos fundamentos da oposição à execução fiscal com precedência sobre a questão da legalidade da coligação dos Oponentes
Assim, o recurso também não merece provimento com os fundamentos invocados sob as conclusões 10 e 11.
2.2.4 DA LEGALIDADE DA COLIGAÇÃO DOS OPONENTES
Insurge-se também o Recorrente contra a decisão recorrida na parte em que nesta se julgou ilegal a coligação dos Oponentes.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, apesar de admitir que a coligação é possível nas situações em que o CPC a prevê, considerou que no caso não se verifica a conexão de que o art. 30º daquele Código a faz depender, designadamente porque nem as causas de pedir invocadas por um e outro oponente são as mesmas, nem existe prejudicialidade ou dependência entre os pedidos formulados por um e outro, nem, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
Nesse entendimento, absolveu a Fazenda Publicidade da instância por considerar verificada a excepção dilatória de ilegal coligação dos Oponentes.
O Recorrente discorda deste entendimento. Alega, em síntese, que «os oponentes não violaram o disposto no artigo 30º do CPC já que a causa de pedir é a mesma e, mesmo que assim não fosse, a procedência dos respectivos pedidos sempre estaria dependente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito».
A nosso ver, a decisão recorrida foi bem explícita quanto aos motivos por que entende não estarem verificados os pressupostos da coligação de autores requeridos pelo nº 2 do art. 30º do CPC (Como bem realçou a Juíza do Tribunal a quo, é à luz deste preceito, aplicável ex vi da alínea c) do art. 2º do CPPT, que deverá aferir-se a legalidade da coligação.
Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 11 ao art. 206º, págs. 542/543, com indicação de jurisprudência.): as causas de pedir invocadas por um e outro Oponente são diferentes, não existe entre os pedidos formulados qualquer relação de prejudicialidade ou dependência e, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos não depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito. ( Salienta este autor que o CPC é aqui «… de aplicação subsidiária nos termos do art. 2°, alínea c), do CPPT. Tratando-se de preenchimento de uma lacuna num processo de execução fiscal, parece ser aplicável preferencialmente o regime do CPC e não o do CPTA, pois este último diploma está vocacionado para o contencioso administrativo. No entanto, a aplicação dos requisitos da coligação previstos no art. 12° do CPTA coincide essencialmente, nos seus resultados, com a aplicação dos previstos no art. 30° do CPC.
O STA, no acórdão de 18/10/2006, processo nº 232/06, apreciou a possibilidade de coligação de oponentes à face, cumulativamente, dos referidos arts. 12º do CPTA e 30° do CPC, mas, no acórdão de 30/11/2004, processo n° 1093/04, entendeu que essa possibilidade devia ser apreciada à face do CPC, não sendo aplicável o regime do art. 38° da LPTA (previsto para o recurso contencioso).»)
Recordemos a redacção dos dois primeiros números do art. 30º do CPC:
«1. É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
2. É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas».
Ou seja, «aplicando o regime do art. 30º do CPC, adaptado ao processo de oposição à execução fiscal, será admissível a coligação de oponentes quando a causa de pedir (factos jurídicos de que emerge o pedido de extinção ou suspensão da execução fiscal) seja a mesma e única e quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas» (JORGE LOPES DE SOUSA, idem, pág. 542.).
Começando pela alegação do Recorrente de que a causa de pedir é a mesma.
Causa de pedir, recorde-se, é o facto jurídico que suporta a pretensão deduzida (cfr. art. 498º, nº 4, do CPC); é o facto (ou conjunto de factos) que à luz da ordem normativa desencadeia consequências jurídicas; é o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo autor e em que este baseia o pedido.
Os Oponentes invocaram a mesma causa de pedir?
Prima facie, diríamos que algumas das causas de pedir invocadas por ambos os Oponentes são as mesmas; a saber: a falta de responsabilidade pela dívida exequenda, a prescrição e a falta de notificação dentro do prazo da caducidade. Mas, numa análise mais detalhada, concluímos que só a falta de notificação dentro do prazo da caducidade pode considerar-se como a mesma causa de pedir invocada pelos dois.
Desde logo, no que concerne à falta de responsabilidade pela dívida exequenda, fundamento invocado por ambos os Oponentes, enquanto o Oponente a faz assentar na falta de culpa pela insuficiência do património da sociedade originária devedora para responder pelas dívidas exequendas, a Oponente apoia-a na falta de exercício efectivo de funções de gerência, pelo que não pode afirmar-se que a causa de pedir seja a mesma.
Por outro lado, a própria prescrição, invocada por ambos os Oponentes como causa de pedir, apesar de integrar o mesmo fundamento de oposição à execução fiscal, não constitui a mesma causa de pedir, pois está dependente de factos diferentes para um e outro Oponente, sendo, designadamente, que eventuais causas de interrupção e suspensão serão diferentes para um e outro.
Só a falta de notificação dentro do prazo da caducidade, porque a notificação relevante será a que se refere ao devedor originário, e não a dos responsáveis subsidiários (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 34 d) ao art. 204º, págs. 491/492.) (que, para este efeito, é irrelevante), poderá considerar-se a mesma causa de pedir, uma causa de pedir comum a ambos os Oponentes.
No entanto, o nº 1 do art. 30º do CPC, para permitir a coligação de autores com fundamento na mesma causa pedir não se basta com a exigência dessa identidade, exigindo ainda que a causa de pedir seja única (se bem interpretamos a norma, não no sentido de uma só, mas no de que não existam outras causas de pedir que não sejam comuns a todos os autores).
E bem se entende essa exigência: na verdade, não faria sentido permitir a coligação de autores que, a par da mesma causa de pedir, invocassem, cada um deles, causas de pedir próprias, sob pena de as razões de economia processual justificativas da coligação saírem postergadas. É o que se passa no caso sub judice, em que, a par de uma causa de pedir comum a ambos os Oponentes, existem causas de pedir próprias de cada um.
Alega também o Recorrente, a fim de justificar a admissibilidade da coligação dos Oponentes que «a procedência dos respectivos pedidos sempre estaria dependente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito».
Salvo o devido respeito, é manifesta a falta de razão do Recorrente. Tal resulta à evidência no caso da falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda e pela prescrição, causas de pedir invocadas por ambos os Oponentes. Relativamente a essas causas de pedir, os factos não serão seguramente os mesmos e também as regras de direito a aplicar não serão ou, pelo menos, poderão não ser as mesmas. Na verdade, a fim de integrar a primeira dessa causas de pedir, enquanto o Oponente alega a falta de culpa pela situação de insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora, a Oponente alega a falta de exercício da gerência; quanto à segunda, como dissemos já, os factos relevantes, designadamente os que respeitam a eventuais causas de interrupção e de suspensão serão diferentes para um e outro. O que, tudo, exige ou, pelo menos, pode exigir a interpretação e aplicação de regras jurídicas diferentes.
Por outro lado, como bem registou a Juíza do Tribunal a quo, também não existe entre os pedidos qualquer prejudicialidade ou dependência.
O que significa que bem andou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao considerar ilegal a coligação dos Oponentes.
Note-se que nenhum sentido faria ordenar a prossecução da oposição à execução fiscal para conhecer da causa de pedir comum a ambos os Oponentes, absolvendo-se a Fazenda Pública da instância quanto ao demais. É que, nessa eventualidade, sempre os Oponentes poderiam propor novas oposições dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado, renovando aí os pedidos com as causas de pedir próprias de cada um, caso em que as novas oposições se considerariam deduzidas na data em que a presente oposição deu entrada (art. 31º, nº 5, do CPC, aplicável analogicamente). O que significaria que, em vez das duas oposições que teríamos caso os Oponentes não se tivessem coligado, seríamos confrontados com três oposições, numa pulverização processual de todo contrária ao princípio da celeridade visado pela possibilidade de coligação de autores.
2.2.5 DA NOTIFICAÇÃO DOS OPONENTES AO ABRIGO DO ART. 31º-A DO CPC
Finalmente, cumpre averiguar se, como sustenta o Recorrente, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deveria, ao invés de ter desde já proferido decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância, ter previamente ordenado a notificação dos Oponentes ao abrigo do disposto no art. 31º-A do CPC, ou seja, para, querendo, «por acordo, esclarecerem quais os pedidos que pretendem ver apreciados no processo».
Na decisão recorrida, a Juíza ponderou essa possibilidade, que afastou com o argumento de que «com nenhuma das causas de pedir invocadas, seja a falta de culpa na insuficiência do património, seja o não exercício da gerência, poderia a oposição prosseguir quanto a ambos os Oponentes».
A nosso ver, em abstracto, a oposição à execução fiscal poderia prosseguir para conhecimento da única causa de pedir que, a nosso ver, é comum a ambos os Oponentes, qual seja a notificação para além do termo do prazo da caducidade do direito à liquidação.
Mas, como deixámos já dito, a tal obsta o disposto no nº 1 do art. 30º do CPC, que exige que a causa de pedir susceptível de suportar a coligação de autores seja, não só a mesma, como única. O que bem se compreende, pois, como também já ficou referido, da prossecução da oposição para conhecimento dessa causa de pedir comum nenhum ganho resultaria, em termos de economia processual, em face da possibilidade de cada um dos autores coligados poder vir apresentar a sua própria oposição suportada pela causa ou causas de pedir próprias.
Assim, também entendemos não haver lugar àquela notificação, se bem que por motivo diverso do considerado na decisão recorrida.”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, de 17/10/2012, recurso nº 0702/12, em dgsi.pt.
Também na situação concreta dos autos se pode surpreender que os recorrentes invocam fundamentos de oposição, comuns a ambos os oponentes, (1) não produção dos meios de prova arrolados quando do exercício do direito de audição prévio à reversão, (2) falta de fundamentação do despacho de reversão, (3) não responsabilidade pelas dívidas exequendas por impossibilidade de gerência em consequência da declaração de insolvência, (4) caducidade do direito à liquidação e (5) ilegalidade da reversão das dívidas referentes a juros compensatórios, e exclusivos de cada um deles, da oponente B……………, não exercício da gerência, do oponente A……………., ausência de culpa na insuficiência do património.
Existindo, também aqui, diferentes fundamentos de oposição, impedidos estavam os oponentes de se coligarem, bem como impedido está o tribunal de formular qualquer convite à regularização da petição de oposição uma vez que não se encontra perante uma causa de pedir única, mas perante diferentes causas de pedir.
E nem se diga que o próprio fundamento da ilegitimidade (esta invocada por ambos os oponentes) também se reconduzirá, afinal, à invocação de uma mesma causa de pedir, possibilitando, portanto, a coligação: não se questionando, por um lado, que pode haver identidade de causa de pedir quando as pretensões procedem do mesmo facto jurídico, e considerando, por outro lado, que nas acções de anulação (como é o caso da impugnação judicial), a causa de pedir é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (ou seja, que cada um dos vícios imputados ao acto impugnado constitui uma causa de pedir - cfr. a parte final do n° 4 do art. 581° do actual CPC), no caso, mesmo que, eventualmente, se considerasse estarmos também perante um processo anulatório, sempre haveríamos de concluir que, atentos os factos que cada um dos oponentes concretamente articula para integrar a respectiva ilegitimidade substantiva para ser executado e, consequentemente, para fundamentar o pedido de procedência da oposição, estamos, num dos casos, perante facto jurídico (causa de pedir) que se consubstancia no não exercício da gerência de facto e, no outro caso, perante causa de pedir que se consubstancia no exercício da gerência embora com ausência de culpa na insuficiência do património da executada originária para satisfazer as dívidas tributárias (em sentido idêntico, cfr. o mencionado acórdão deste STA, de 18/10/2006, proc. nº 232/06; e também no sentido de que na oposição à execução, a causa de pedir é constituída pelo facto material ou jurídico integrador de qualquer dos fundamentos admitidos no n° 1 do art. 204° do CPPT, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª ed., Vol. III, anotação 3 ao art. 206º, Nota de Rodapé nº 3, p. 534.)

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 9 de Julho de 2014. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) Joaquim Casimiro Gonçalves - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.