Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0156/21.9BCLSB
Data do Acordão:04/07/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR
SOCIEDADE DESPORTIVA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA que confirmou o juízo firmado pelo TAD - que havia julgado procedente a impugnação dirigida ao ato de sancionamento disciplinar de sociedade desportiva respeitante à utilização de um treinador de futebol sem as necessárias habilitações - se o juízo firmado se mostra assente em fundamentação jurídica credível e que não aparenta erros lógicos ou jurídicos manifestos e se a quaestio juris objeto de discussão se mostra desprovida de relevância jurídica e social.
Nº Convencional:JSTA000P29271
Nº do Documento:SA1202204070156/21
Data de Entrada:03/21/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:SPORTING CLUBE DE PORTUGAL - FUTEBOL SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 03.02.2022 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 95/119 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso interposto e manteve a decisão arbitral do TAD [proferida no processo n.º 26/2021 e datada de 10.11.2021], que havia concedido provimento à impugnação da SPORTING CLUBE DE PORTUGAL – FUTEBOL, SAD [SCP …, SAD] e revogado o acórdão do Conselho de Disciplina [Secção Profissional] da FPF, de 31.05.2021 [no âmbito do processo disciplinar n.º 87-19/20, nos termos do qual a SCP…, SAD foi condenada na pena de interdição do recinto desportivo por 1 jogo e na pena de multa de 9.563,00 € pela prática da infração disciplinar, p. e p. pelo art. 118.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2020 (RDLPFP/2020), por referência aos arts. 03.º, 05.º, n.º 1, 12.º, 14.º, 18.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, al. c), e 25.º, n.º 2, da Lei n.º 40/2012, de 28.08, na redação dada pela Lei n.º 106/2019, de 06.09, conjugados com o disposto no art. 82.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2020 (RCOLPFP/2020)].

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 129/155] na relevância social e jurídica e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», fundada na errada interpretação e aplicação, nomeadamente dos arts. 19.º e 118.º do RDLPFP/2020 conjugados com o demais quadro normativo supra enunciado.

3. A aqui recorrida produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 163/180] nas quais pugna, mormente, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAD julgou totalmente procedente a impugnação que a «SCP …, SAD» havia dirigido ao acórdão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, revogando o sancionamento que o mesmo tinha imposto [cfr. fls. 04/33], extraindo-se sumariamente da sua linha motivadora e no que releva que «apesar de se entender que com a conduta acima descrita a Demandante violou o artigo 19.º do RD, nem por isso se acolhe a ideia, que aliás se rejeita desde já e em absoluto, de que tal violação seja por si só razão suficiente e determinante para que lhe seja imputada, sem mais, a infração grave tipificada no artigo 118.º do RD, antes se devendo ponderar, em função das circunstâncias concretas em que foi praticado o ilícito disciplinar em causa, se sim ou não poderá esse mesmo facto ser punido à luz de qualquer outra disposição regulamentar», já que «a Demandada não logrou provar que da conduta ilícita da Demandante tenha resultado uma lesão dos princípios da ética desportiva nem o grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol», porquanto quanto à alegada lesão dos princípios da ética desportiva «considerando o conjunto dos factos julgados provados …, bem como … as concretas circunstâncias que determinaram a sua ocorrência, sempre seria manifestamente excessivo e nessa medida inadequado considerar-se que da conduta da Demandante resultou uma lesão dos princípios de “ética desportiva” - o que, aliás, para além de ser um conceito algo vago, relativamente indeterminado e de pendor marcadamente subjetivista, não é também, de resto, sequer mencionado no corpo do artigo 19.º do RD», para além de que «da conduta da Demandante não resultou um grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol, pelo que também por essa razão não se poderá imputar à Demandante a infração grave prevista no artigo 118.º do RD», pois «atenta a letra do artigo 118.º do RD em apreço, que não se trata aqui de um qualquer simples prejuízo, antes se exigindo, de forma expressa, que tal prejuízo seja realmente “grave", o que, salvo melhor opinião, no caso concreto não sucede. De facto, apesar de se poder até reconhecer que da conduta da Demandante possa ter resultado um prejuízo efetivo para a imagem e o bom nome das competições de futebol, é entendimento deste Tribunal que nunca tal prejuízo seria de molde a poder ser considerado “grave” e, dessa forma, justificar a aplicação desta norma punitiva», sendo «entendimento deste Colégio de Árbitros que não obstante a conduta adotada pela Demandante ser ilícita e, nessa medida, censurável, a mesma não se reveste do grau de gravidade e de censurabilidade suficientes que justifiquem a sua qualificação como “infração grave”, antes devendo ser considerada como “infração leve”, suscetível apenas, enquanto tal, de convocar a aplicação da norma sancionatória constante do artigo 127.º do RD», para depois concluir que «pese embora a atuação da Demandante se afigure censurável e ilícita por violação dos princípios previstos no artigo 19.º do RD, o preceito regulamentar correspondentemente aplicável à infração disciplinar por ela cometida é o constante do artigo 127.º do RD, a cuja luz, no entanto, a responsabilidade da Demandante se encontra já extinta por força do instituto da prescrição do procedimento disciplinar, nos termos conjugados do disposto nos artigos 21.º, alínea c), e 23.º, ambos do RDLPFP, razão pela qual, entende este Colégio Arbitral dever julgar procedente o pedido formulado pela Demandante, revogando a decisão condenatória proferida pelo Conselho de Disciplina da Demandada».

7. O TCA/S manteve este juízo in toto.

8. A aqui recorrente para além da relevância social e jurídica do litígio e das questões que enuncia, sustenta a necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se, neste segmento, contra o que entende ser a errada interpretação e aplicação feita no acórdão recorrido do quadro normativo supra convocado.

9. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

10. E a relevância social fundamental ocorre, designadamente, nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão no tecido social, ou expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo relativamente a futuros casos análogos ou apenas do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão se antevê com condições para ultrapassar os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio.

11. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

12. No caso refira-se que não se mostra convincente, nem persuasiva, a motivação/argumentação expendida pela aqui recorrente, não se descortinando ocorrer a invocada relevância jurídica e social fundamental.

13. Desde logo, note-se que o dissídio não se centra nas regras disciplinadoras das habilitações exigidas aos treinadores de clubes de futebol em função das competições desportivas em que estão envolvidos, regras essas que não parecem concitar dúvidas ao invés de invocado, visto estar tão-só em causa o determinar se in casu ocorre preenchimento ou não de todos os elementos do tipo contraordenacional inserto no art. 118.º do RDLPFP/2020 [lesão dos «princípios da ética desportiva, da verdade desportiva» ou cause «grave prejuízo para a imagem e para o bom nome das competições de futebol»], respeitante à inobservância qualificada de outros deveres por parte de clube de futebol, e assim aferir da responsabilidade contraordenacional da aqui recorrida por haver permitido, contornando as normas legais aplicáveis, que um elemento sem habilitações para o efeito pudesse sentar-se no banco de suplentes e aí exercer as funções de treinador.

14. Para além disso temos que não se vislumbra que a concreta questão jurídica em dissídio [atuação/conduta em crise enquanto violadora do disposto no art. 19.º do RDLPFP/2020 preencher o tipo inserto no art. 118.º ou o do art. 127.º ambos do mesmo Regulamento] reclame labor interpretativo superior, ou que se mostre de elevada complexidade em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, ou cuja análise haja suscitado ou suscite dúvidas sérias, tanto mais que a mesma apresenta um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre a temática, não tendo sido minimamente sinalizada qualquer divergência sobre a questão, presente que também não se descortina uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase aquilo que são os limites e a singularidade do caso concreto, bem como seus termos e pressupostos, tanto mais que da alegação veiculada não se extrai suficiente concretização quanto aos concretos processos instaurados, seu objeto e termos, bem como sua conexão com o presente dissídio.

15. E quanto à necessidade de melhor aplicação do direito também aqui a alegação da recorrente não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie e daquilo que são os fundamentos em que a pretensão impugnatória se estribou, no sentido de que o tribunal de recurso, confirmando o julgamento do TAD, decidiu com acerto, não aparentando padecer primo conspectu de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto o seu discurso mostrar-se, no seu essencial, fundamentado numa interpretação coerente e razoável das regras e direito aplicáveis e que se mostram invocados.

16. Em suma, no presente recurso não se colocam questões de relevância jurídica e social fundamental, nem nos deparamos com uma apreciação pelo tribunal a quo que claramente reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, pelo que não se justifica admitir a revista, impondo-se concluir no sentido da sua inviabilidade, valendo in casu a regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da recorrente.
D.N..
Lisboa, 7 de abril de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.