Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02384/04.2BEPRT 01236/17
Data do Acordão:11/28/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
DECLARAÇÃO DE IRS
SEPARAÇÃO DE FACTO
Sumário:I - Em sede de IRS, e com vista à determinação do rendimento colectável, os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior, sendo que, no caso de contribuintes casados, em regra, devia (à data dos factos) ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges, ressalvando a lei a possibilidade de, em caso de separação de facto, cada um dos cônjuges poder apresentar uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo (cfr. arts. 57.º e 59.º do CIRS).
II - Se dois contribuintes casados entre si apresentaram, relativamente ao mesmo ano, duas declarações, uma apresentada pelo cônjuge marido, da qual constam exclusivamente os rendimentos por ele auferidos e só por ele assinada, mas que indica que ambos os cônjuges integram o agregado familiar e assinalando a opção “casados”, a outra apresentada pelo cônjuge mulher, da qual constam exclusivamente os seus rendimentos e na qual assinalou a opção “separado de facto”, bem andou a AT ao tributar cada um dos cônjuges separadamente.
Nº Convencional:JSTA000P23902
Nº do Documento:SA22018112802384/04
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:A......
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2384/04.2BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado sujeito passivo recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial por ele deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 2000, 2001 e 2002, com o fundamento de que tinham sido indevidamente desconsideradas as declarações de rendimento por ele apresentadas relativamente a cada um daqueles anos, das quais fez constar a sua mulher como integrando o agregado familiar e assinalou a opção “casados” relativamente ao estado civil dos sujeitos passivos.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A) Não se questionando o doutamente decidido em matéria facto, a douta sentença incorre em erro de julgamento em matéria de direito ao extrair da factualidade assente a conclusão de que o Recorrente, nos anos em causa, estava separado de facto de B………..

B) Da factualidade assente resulta que nos anos a que respeitam as liquidações impugnadas o ora Recorrente não estava separado de facto da então sua mulher, para os efeitos do art. 59.º, n.º 2, do CIRS

C) A douta sentença sob recurso, ao julgar improcedente a impugnação, interpretou erradamente e violou o preceituado nos arts. 11.º, n.º 2, e 59.º, n.º 2, ambos do CIRS.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e julgando-se procedente a impugnação, com a consequente anulação das liquidações impugnadas e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, como é de JUSTIÇA».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja declarada a incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecer do presente recurso ou, caso assim não se entenda, seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] A nosso ver, salvo melhor juízo, o recorrente pretende discutir matéria de facto.
Vejamos.
Na delimitação da competência do STA em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 635.º/4 do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, 1 volume, páginas 223/225, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
O recurso não tem exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (acórdão do STA, de 2009.12.16 disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
São juízos de facto as ilações que o tribunal retira da factualidade apurada que não envolvem a interpretação de regras jurídicas ou a aplicação da sensibilidade jurídica do julgador.
Não devem considerar-se como invocação de matéria de facto as referências a peças constantes do processo, uma vez que todas as ocorrências processuais são do conhecimento oficioso (acórdão do STA, de 2001.06.20-P. 26033, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Ora, o que o recorrente pretende impugnar é a ilação do tribunal recorrido tirada da factualidade apurada, lançando mão de juízos de experiência ou de considerações de probabilidade/razoabilidade, de que o recorrente se encontrava separado de facto do seu cônjuge, daí pretendendo tirar consequência jurídicas, no sentido da legalidade das liquidações sindicadas.
Assim sendo, como nos parece que é, o STA é, pois, incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito o TCAN.
A recorrente poderá requerer a remessa do processo ao Tribunal competente, nos termos do estatuído no artigo 18.º/2 do CPPT.
Se assim não se entender, então, em consonância com a decisão recorrida, o recurso não merece provimento.
Nos termos do artigo 59.º/2 do CIRS, havendo separação de facto, cada um dos cônjuges pode apresentar declaração dos seus próprios rendimentos.
As normas tributárias não definem o conceito de separação de facto.
Todavia, o normativo do artigo 1782.º/1 do CC, para efeitos do disposto no artigo 1781.º/a) do mesmo código, define a separação de facto como aquela em que não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há, pelo menos da parte de um deles, o propósito de não a restabelecer.
Como ensina o Professor Antunes Varela, em “Direito da Família”, ed. de 1987, páginas 479 e seguintes “Dá-se a separação de facto sempre que cessa a comunhão de vida entre os cônjuges e haja, da parte de ambos, ou de um deles pelo menos, o propósito de a não restabelecer.
A forma como na lei (art. 1782.º, n.º 1) se define a separação de facto, tradutora da ruptura da vida em comum, mostra com efeito que ela pode resultar de uma actuação bilateral concertada entre ambos os cônjuges, como de um procedimento bilateral não acordado entre eles, como da atitude isolada de um só deles.
Apesar de não ser essencial o acordo dos cônjuges quanto à separação, é evidente que esta separação compreende um elemento subjectivo (a intenção de ambos os cônjuges, ou de um deles de romper definitivamente com a vida em comum), ao lado de um elemento objectivo (não existência entre os cônjuges da comunhão de leito, mesa e habitação”.
Ora, como bem refere a sentença recorrida, a cujo discurso fundamentador se adere “Decorre do probatório que a vida conjugal tinha entrado em ruptura e existia um litígio latente, evitando os cônjuges o contacto e inexistindo comunhão de leito (alínea O) do probatório), tendo mesmo o impugnante dado início ao processo de divórcio logo em Novembro de 2000 (alínea M) do probatório), o que traduz a manifestação inequívoca do propósito de não restaurar a comunhão da vida matrimonial com B………..
Também o facto de terem entregado declarações autónomas, assinadas por cada um e nas quais apenas incluíram os respectivos rendimentos e indicaram «estados civis» diferentes, demonstra a falta de diálogo e a contenda que existia entre ambos.
Ora, a coabitação e a partilha de refeições – factos que quedaram provados (alíneas M) e N) do probatório) – não constituem factos impeditivos de se estar perante uma situação de separação de facto.
Efectivamente, para que exista uma situação de separação de facto não é necessário que os cônjuges estejam a viver em habitações separadas, existindo separação mesmo quando habitem na mesma casa, deste que actuem com o se não fossem casados e com o animus de não restabelecerem entre si a convivência conjugal.
Não existe, contudo, impedimento a que os casais não divorciados, mas separados de facto, entreguem a declaração de rendimentos modelo 3 em conjunto, se para tal estiverem de acordo, o que, como vimos, não aconteceu no caso em apreço”.
Portanto, em nosso entendimento, da factualidade apurada não podia tirar-se outro juízo que não o de julgar verificada a separação de facto, pelo que a sentença recorrida não merece censura».

1.5 O parecer foi notificado ao Recorrente e à Recorrida, a fim de, querendo, se pronunciarem sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia nele suscitada, possibilidade que ambos declinaram.

1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que as liquidações em causa não padeciam de ilegalidade por a AT nelas não ter considerado o sujeito passivo ora Recorrente como casado para efeitos de tributação em IRS.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) O Impugnante entregou as seguintes declarações modelo 3 de I.R.S., das quais consta como sujeito passivo A, como sujeito passivo B – B……….. e indicando o estado civil de “casado”:
- em 28/05/2001, apresentou a declaração relativa ao ano de 2000;
- em 01/0412002, apresentou a declaração relativa ao ano de 2001; e
- em 03/03/2003, apresentou a declaração relativa ao ano de 2002.
Fls. 29 a 35.

B) As declarações referidas na alínea anterior foram assinadas pelo Impugnante e continham apenas os rendimentos de trabalho dependente por si auferidos, não estando assinadas por B………….. nem contendo os rendimentos de pensões, por esta auferidos.
Fls. 29 a 35 dos autos e fls. 55 e 60 do PA.

C) B…………. entregou as declarações modelo 3 de I.R.S. relativas aos anos de 2000; 2001 e 2002, com os rendimentos de pensões, por si auferidos e indicando o estado civil de “separada de facto”
Fls. 43 a 45, 58 a 60 e 62 do P.A.

D) Foi remetido o Ofício n.º 07058, de 22/02/2002, da “Direcção Geral dos Impostos - DDF Porto” para o “Chefe do Serviço de Finanças do Porto 6”, com o seguinte teor:
Assunto: IRS – DR MOD 3/2000
ERROS CENTRAIS E/79
LOTE 16392/50
NIF A - ………… - A………
NIF B - ……….. – B……….
Junto remeto a V. Exa fotocópia da DR Mod. 3 Apresentada em 2001-05-28, como 1.ª DR, pelo(s) sujeito(s) passivo(s) supra identificado(s) a qual não pode ser tratada informaticamente, uma vez que já se encontra assumida pelo sistema, uma outra DR Modelo 3, apresentada em 2001-02-07, referente ao sujeito passivo B no lote 05260 DR 46, conforme print em anexo.
Assim, solicito a V. Exa que se digne notificar o(s) sujeito(s) passivo(s) em causa, para nos termos do previsto no n.º 4 do art. 57.º do CIRS, regularizar a situação, esclarecendo qual o estado civil que deve prevalecer, bem como os rendimentos auferidos pelos mesmos ...
Fls. 50.

E) Foi emitida “Certidão de Notificação”, com data de 07/03/2002, com o seguinte teor:
Certifico que hoje pelas 11,35 horas notifiquei A…………. que hoje se deslocou a este Serviço, do teor do ofício 7058 de 22-2-02 da DDF Porto, visando o esclarecimento da situação do IRS 2000, do qual se junta fotocópia” constando da mesma “Recusou aceitar a notificação em 7/03/02”».
Fls. 51.

F) Em 25/03/2002, o Impugnante remeteu requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto 6 e ao Director de Finanças do Porto, com o seguinte teor:
A…………., casado, contribuinte fiscal n.º …………., residente na Rua de ………….., na cidade do Porto, vem sucinta e respeitosamente expor o seguinte:
1- No dia 7 do corrente mês dirigi-me a esse Serviço de Finanças para indagar sobre o ponto de situação da minha declaração de IRS referente ao ano de 2000, uma vez que até então não tinha recebido qualquer notícia sobre o seu processamento;
2- Questionada sobre este assunto, a senhora que fazia o atendimento ao balcão após consulta ao sistema informático informou-me que teria que ser atendido por um outro seu colega que tinha o assunto em mãos;
3- Efectivamente, decorridos que foram vários minutos, fui abordado por um outro funcionário que, portador que era de diversos documentos, me informou não ser possível procederem ao tratamento da aludida declaração fiscal, em virtude de já haver no sistema uma declaração em nome da minha mulher – como separada de facto. Mais me informou que iria ser notificado pelo correio, mas dado que me encontrava no local, solicitou-me para ali receber tal ou tais documento(s);
4- Perante a informação que me estava a transmitir, que me colheu totalmente de surpresa, levantei reservas em receber tal ou tais documento(s), solicitando-lhe que desse continuidade ao assunto, nos termos inicialmente pensados, ou seja, que fizesse o envio pelo correio;
5- Face à minha resposta, o referido senhor informou-me de que me devia considerar como notificado, tendo para o efeito solicitado o testemunho e assinatura de uma outra funcionária, em documento de que já era portador;
6- Terminou desta maneira aquele relacionamento com esse Serviço de Finanças, sem que tivesse sido prestado o esclarecimento que solicitei nem dadas outras informações que desejava obter do Serviço Fiscal. Tampouco tomei conhecimento efectivo da matéria de que me pretendiam notificar. Bastante decepcionado, e não sabendo agora o que fazer, venho por este meio informar V. Exa. do ocorrido naquele dia por volta das 11 horas. Entretanto, fico a aguardar alguma informação ou notificação sobre o assunto, designadamente sobre quaisquer actos praticados com consequências na liquidação do imposto ou eventuais diligências que eu deva realizar.
Pretendo cumprir todas as minhas obrigações fiscais, mas também desejo defender os meus interesses na justa medida em que eles correspondam a direitos que a lei atribui aos contribuintes».
Fls. 54 a 58.

G) Em 02/04/2003, foi emitida “informação / Proposta” com o seguinte teor:
… Assunto: Erros centrais 2000 — E79. Anulação de Declaração.
... MOTIVOS JUSTIFICATIVOS DA ANULAÇÃO:
A declaração acima referenciada encontra-se com erro E79, que diz — NIF B EM AGREGADOS DIFERENTES PARA O MESMO PERÍODO.
Para corrigir este erro, foi celebrado o ofício 07058, em 2002-02-22 ao Serviço de Finanças de Porto 6, mas até à presente data não nos foi remetida qualquer resposta.
Consultada a aplicação MGIT verifica-se que para o ano de 1999, os Sujeitos Passivos em causa constam como “separados de facto” e, para o ano de 2001 consta o Sujeito Passivo B também como “separado de facto”.
Analisada a declaração em erro verifica-se que esta só contém os rendimentos do Sujeito Passivo A.
Face ao exposto proponho a validação da DR 50 do Lote 16392, em erro central, só com o Sujeito Passivo A, e com o estado civil de “separado de facto
Fls. 52.

H) Sobre a “informação/Proposta” recaiu o seguinte Despacho de 08/04/2003: “Autorizo. Proceda-se como se propõe”.
Fls. 52.

I) Em 03/06/2003 foram emitidas, em nome do Impugnante, as liquidações de I.R.S. n.ºs 2003 46100866430, 2003 46100935100, dos anos de 2000 e 2001 e em 23112/2003, a liquidação de I.R.S. n.º 2003 460041901590, do ano de 2002, com valores a reembolsar de € 1.609,38, € 2.413,32 e € 1.284,77, respectivamente.
Fls. 26 a 28.

J) Em 23/07/2003 o impugnante apresentou requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto 6, para passagem de certidão com os fundamentos das liquidações relativas a 2000 e 2001.
Fls. 36.

K) Em 12/01/2004 o Impugnante apresentou requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto 6, para passagem de certidão com os fundamentos da liquidação relativa a 2002.
Fls. 39.

L) Em 16/08/2004 foi emitida “Certidão”, levantada pelo Impugnante em 19/08/2004, com o seguinte teor:
“... CERTIFICO, em cumprimento dos despachos exarados nos dois requerimentos em anexo, e de harmonia com o requerido por A…………., NIF: ……….., residente na R ………….., desta cidade do Porto, após consulta ao sistema informático do Imposto sobre o Rendimento pelo número de identificação fiscal (nif) do requerente, e pelo nif ……….., respeitante a B……….., bem como às declarações de IRS apresentadas pelo requerente, para os anos de 2000, 2001 e 2002 e por B…………, para o ano de 2000:
O requerente apresentou em 28.05.2001, uma declaração de rendimentos do ano de 2000, da qual consta como sujeito passivo A. O sujeito passivo B, na referida declaração é B……………. O estado civil declarado é casado. A declaração está assinada apenas pelo requerente.
B…………… apresentou e assinou, em 07.02.2001, uma declaração de rendimentos do ano de 2000, como separada de facto.
A Divisão dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa, após detectar o erro central (o mesmo nif, ………., em duas declarações distintas para o mesmo ano), oficia ao Serviço de Finanças do Porto 6, (ofício n.º 7058 de 22.02.2002) para obter esclarecimentos, junto dos sujeitos passivos, quanto ao estado civil que deve prevalecer bem como os rendimentos auferidos (folha 6). Em 07.03.2002, o requerente foi notificado, do teor do já referido ofício 7058, de 22.022002, da Divisão do IR. A fotocópia da certidão de notificação é parte integrante desta certidão (folha 7).
Em 10.4.2003, a Divisão do IR decide a correcção da declaração de rendimentos de 2000 apresentada pelo requerente, procedendo à sua recolha só com o s.p. A, e com o estado civil de “separado de facto”. A cópia do referido despacho é parte integrante desta certidão (folha 8).
Relativamente à declaração do ano de 2001, considerou-se, à semelhança dos dois anos anteriores, que o requerente não é casado (para efeitos fiscais), situação esta susceptível de alteração porque se considerou solteiro e não separado de facto.
Relativamente à declaração de 2002, manteve-se o procedimento referido no ponto anterior...
Fls. 44 e 53.

M) Em 29/09/2003, foi emitida “Certidão” pelo Tribunal de Família e Menores do Porto, 3.º Juízo, 1.ª Secção, com o seguinte teor:
CERTIFICA que, neste Tribunal e Juízo correm termos uns autos de Divórcio Litigioso, com o n.º 560/2000, em que são:
Autor A………….., estado civil: desconhecido, domicílio: Rua ……………., Porto, 4150-……. Porto e
Réu: B…………., estado civil: desconhecido, domicílio: Rua ……………., Porto, 4150 PORTO.
CERTIFICA NARRATIVAMENTE QUE:
1- Que os presentes Autos de Divórcio Litigioso, foi distribuído a 27 de Novembro de 2000 e, foi o mesmo sentenciado no dia 22/10/2002, tendo sido julgado improcedente.
Que na tramitação do processo, foram considerados como factos provados, designadamente que:
2- O Autor, A……….. e B…………, residem na Rua …………… no Porto.
3- É o Autor que compra as refeições, já confeccionadas, que leva para casa onde todos as tomam.
4- O Autor compra todos os bens que ele e os filhos necessitam.
5- O Autor paga todas as despesas com a casa e com os filhos.
6- Há mais de cinco anos, que o Autor sem qualquer hiato ou interrupção e fazendo-o na sequência do que acordou com a sua mulher, compra fora, em local da sua escolha e traz para casa, já confeccionadas as refeições. Que com ela e os filhos partilha, à volta da mesma mesa ...”
Fls. 59.

N) Em 2000, 2001 e 2002, o Impugnante e B………….. eram casados e habitavam na mesma casa, sita na Rua ……….., 4150 -………. Porto.
Depoimento da testemunha C………….

O) Em 2000, 2001 e 2002, o Impugnante e B……….. não se falavam ou evitavam falar e dormiam em quartos separados.
Depoimento da testemunha C……….».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Está em causa a legalidade das liquidações de IRS efectuadas ao ora Recorrente relativamente aos anos de 2000, 2001 e 2002, na medida em que a AT desconsiderou as declarações de rendimentos por ele apresentadas e exclusivamente assinadas relativamente a cada um daqueles anos, das quais constavam apenas os rendimentos de que é titular, na parte em que fez constar como integrando o seu agregado familiar a sua mulher (como sujeito passivo B) e assinalou como estado civil dos sujeitos passivos “casados”, uma vez que a sua mulher apresentou, para cada um daqueles anos, declaração respeitante aos seus rendimentos e em que se declarou “separada de facto”.
O ora Recorrente insurgiu-se contra o entendimento da AT, esgrimindo com a presunção da veracidade da declaração, decorrente do n.º 1 do art. 75.º da Lei Geral Tributária (LGT) e afirmando que ele e sua mulher, «ainda que houvesse perturbação nas relações matrimoniais», continuavam casados e não separados de facto, motivo por que as liquidações violam o disposto no n.º 2 do art. 59.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), que tem como pressuposto a separação de facto. Considerou, em síntese, que «[p]erante a apresentação de declarações de rendimentos separadas em que um dos cônjuges afirma que é separado de facto e o outro afirma que é casado e não há separação de facto, não pode a Administração Tributária acomodar-se ao simplista papel de desconsiderar a declaração em que figuram os dois cônjuges como casados com o implícito argumento de que por um deles foi feita a opção – imperativa para o outro – pela tributação separada», antes se lhe impondo «indagar dos factos relevantes para o correcto apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente no que respeita à realidade dos factos declarados»; mais considerou que porque ambos os contribuintes tinham o mesmo domicílio «estava claramente indiciado (para não dizer demonstrado) que a declaração de que havia separação de facto não tinha correspondência com a realidade».
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial improcedente. Para tanto, depois de salientar que a sorte da pretensão deduzida dependia da resposta à questão de saber se nos anos em causa o Impugnante e a então sua mulher estavam ou não separados de facto, considerou que a prova produzida nos autos permite concluir que «a vida conjugal tinha entrado em ruptura e existia um litígio latente, evitando os cônjuges o contacto e inexistindo comunhão de leito (alínea O) do probatório), tendo mesmo o Impugnante dado início ao processo de divórcio logo em Novembro de 2000 (alínea M) do probatório), o que traduz a manifestação inequívoca do propósito de não restaurar a comunhão da vida matrimonial». Ademais, que «o facto de terem entregue declarações autónomas, assinadas por cada um e nas quais apenas incluíram os respectivos rendimentos e indicaram “estados civis” diferentes, demonstra a falta de diálogo e a contenda que existia entre ambos» e que «a coabitação e a partilha de refeições – factos que quedaram provados (alíneas M) e N) do probatório) – não constituem factos impeditivos de se estar perante uma situação de separação de facto», pois esta não requer «que os cônjuges estejam a viver em habitações separadas; existindo separação mesmo quando habitem na mesma casa, desde que actuem como se não fossem casados e com o animus de não restabelecerem entre si a convivência conjugal». Se é certo que «[n]ão existe, […] impedimento a que os casais ainda não divorciados, mas separados de facto, entreguem a declaração de rendimentos modelo 3 em conjunto, se para tal estiverem de acordo», não foi isso que sucedeu no caso.
O Impugnante não se conformou com a sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal. Aceitando o julgamento da matéria de facto efectuado pela 1.ª instância, discorda que da factualidade assente se possa concluir pela separação de facto para os efeitos do n.º 2 do art. 59.º do CIRS, motivo por que considera que a sentença violou o disposto nesse preceito legal, bem assim como o disposto no art. 13.º, n.º 2, do mesmo Código.
Cumpre, pois, verificar se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que, perante uma situação em que cada um dos cônjuges apresentou uma declaração relativa aos seus próprios rendimentos, sendo que na apresentada pelo marido, e por ele apenas assinada, ambos constam como integrando o mesmo agregado familiar e com o estado civil “casados”, enquanto na declaração apresentada pela mulher foi assinalada a opção “separado de facto”, não pode relevar-se a opção pela tributação conjunta feita na declaração do marido, motivo por que a opção da AT, de tributar cada um deles separadamente, não padece de violação do disposto no n.º 2 do art. 59.º do CIRS.
Antes, cumpre ainda apreciar a questão da competência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia, que foi suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto no parecer que ficou transcrito em 1.4.

2.2.2 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA

Sendo certo que a competência deste Supremo Tribunal para apreciar o recurso depende de nele se suscitarem exclusivamente questões de direito (A competência em razão da hierarquia para conhecer recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe aos tribunais centrais administrativos, dado que o Supremo Tribunal Administrativo apenas goza dessa competência quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito [arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT]. ), entendemos que no caso não há controvérsia relativamente à matéria de facto.
Na verdade, o Recorrente iniciou a sua alegação afirmando: «não se questiona a factualidade assente na douta sentença sob recurso, mas tão só a sua subsunção no plano jurídico», enunciando como questão a dirimir a de «saber se, com tal factualidade, se pode considerar que ao impugnante e ora recorrente era aplicável quanto às liquidações impugnadas o regime dos separados de facto (como defende a AT) ou o regime dos sujeitos passivos casados (como defende o ora Recorrente)».
A nosso ver, a questão, tal como configurada pelo Recorrente, é apenas de direito, qual seja a de saber se a situação factual resultante dos autos é ou não susceptível de integrar o conceito de separação de facto para os efeitos do n.º 2 do art. 59.º do CIRS.
Assim, sem prejuízo das dificuldades suscitadas em torno da distinção entre questão de facto e questão de direito, afigura-se-nos que a este Supremo Tribunal apenas se coloca uma questão de direito.

2.2.3 DA TRIBUTAÇÃO SEPARADA EM IRS – DA SEPARAÇÃO DE FACTO

Nos termos do n.º 2 do art. 13.º do CIRS, na versão aplicável à data dos factos, «[e]xistindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, constituindo-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção».
Nos termos do n.º 3 do mesmo art. 13.º integravam o agregado familiar, designadamente, «Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes» [alínea a)].
Ou seja, na constância do casamento a regra era a da tributação conjunta dos cônjuges, regra que só recentemente foi alterada (Na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, o n.º 2 do art. 13.º do CIRS passou a dispor: «Quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta».), pondo termo a uma solução muito criticada (Vide, por todos, RUI DUARTE MORAIS, Tributação separada dos cônjuges e o desafio da simplicidade, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo Pitta e Cunha, 2.º volume, Almedina, 2010, págs. 791 a 802, disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/12635.), que impedia que cada um cônjuges, a menos que houvesse separação de facto, apresentasse separadamente declaração respeitante aos seus rendimentos, ainda que o regime de bens fosse o da separação ( Impossibilidade legal que muitos contornavam dizendo-se separados de facto. Neste sentido, RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, 3.ª edição, Almedina, 2014, pág. 31.).
Assim, como bem ficou dito na sentença e o Recorrente aceita, à data dos factos o regime regra era o de que, existindo agregado familiar, devia ser apresentada uma única declaração relativamente aos rendimentos de que são titulares todos os seus membros e, sendo o mesmo integrado por um casal e porque a direcção da família cabe a ambos os cônjuges [cfr. art. 1671.º, n.º 2, do Código Civil (CC)], a declaração deveria ser assinada pelos dois cônjuges, tudo como imposto pelos arts. 13.º, n.ºs 2 e 3, alínea a), 59.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1, do CIRS.
A questão surge quanto a saber se a AT andou bem quando, confrontada com duas declarações, uma apresentada e subscrita pelo cônjuge marido, indicando ambos os cônjuges como sujeitos passivos integrantes do mesmo agregado familiar e assinalando a opção “casados”, a outra apresentada e subscrita pelo cônjuge mulher, indicando-se como único sujeito passivo e assinalando a opção “separado de facto” e cada uma delas declarando apenas os rendimentos de que é titular o seu subscritor, desconsiderou a apresentada pelo cônjuge marido na parte respeitante à constituição do agregado familiar e tratou ambos os sujeitos passivos como separados de facto, procedendo à liquidação do IRS em separado para cada um dos cônjuges.
A nosso ver, a AT procedeu correctamente, tanto mais que não conseguiu a colaboração do ora Recorrente em ordem ao esclarecimento da situação. Na verdade, é patente o desacordo dos cônjuges no que respeita à apresentação de uma única declaração e à tributação conjunta: a declaração apresentada pelo cônjuge marido, apesar de indicar o cônjuge mulher como integrando o agregado familiar, não só não se mostra assinada por esta, como também não inclui os rendimentos de que esta é titular; a declaração apresentada pelo cônjuge mulher assinalou a opção “separado de facto”.
Ora, para efeitos fiscais, se um dos cônjuges apresenta declaração em que se considera separado de facto, a AT não pode senão considerá-lo como tal e tributá-lo separadamente. À data dos factos, não por força de uma opção (de ambos os cônjuges ou apenas de um deles) que ainda não colhia apoio legal, mas por força da presunção de veracidade da declaração prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT.
Nem se argumente, no caso sub judice, com uma eventual contradição de presunções resultante da divergência entre as declarações apresentadas. É que a declaração apresentada pelo ora Recorrente, porque não respeitava os termos legais – designadamente, por não estar assinada pelo cônjuge mulher, aí indicada como sujeito passivo B, em violação do disposto no n.º 1 art. 136.º do CIRS – não gozava da presunção de veracidade estabelecida pelo n.º 1 do art. 75.º do LGT, que deixa de valer quando a declaração apresentar omissões, atento o disposto na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo.
Aliás, essa presunção também deixaria de valer, ex vi da alínea b) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, porque o ora Recorrente, violando os deveres de cooperação que impendem sobre os contribuintes (cfr. art. 59.º, n.º 1, da LGT e art. 133.º do CIRS), não prestou os esclarecimentos que o Serviço de Finanças do Porto 6 lhe solicitou sobre a sua situação tributária.
Podemos, pois, concluir que a AT andou bem ao proceder à tributação separada dos cônjuges.
Já em sede de impugnação judicial o ora Recorrente procurou demonstrar que as liquidações enfermavam de violação de lei por erro nos pressupostos uma vez que se mantinha o matrimónio e não estava demonstrada a separação de facto nos anos a que se referem aqueles actos. Impõe-se, pois, indagar se nos anos em causa podia, ou não, considerar-se que a situação matrimonial do Recorrente e sua mulher era de “separação de facto” para os efeitos do n.º 2 do art. 59.º do CIRS, que, à data, dispunha: «Havendo separação de facto, cada um dos cônjuges pode apresentar uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo […]».
Nessa tarefa, impõe-se ter presente o disposto no n.º 2 do art. 11.º da LGT: «Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».
Assim, na busca do sentido da “separação de facto” do n.º 2 do art. 59.º do CIRS, devemos fazer apelo ao conceito que nos é fornecido pelo n.º 1 do art. 1782.º do CC para efeitos de consideração da ruptura do casamento: «Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer».
Como bem salientou o Recorrente, por remissão para a doutrina, a lei recorre a um duplo requisito, de verificação cumulativa e simultânea: um, «de carácter objectivo, que consiste na inexistência da comunhão de vida entre os cônjuges, que tipifica a relação matrimonial (art. 1577.º)», o outro, «de natureza subjectiva e complementar do primeiro, consiste na intenção, por parte de ambos os cônjuges, ou de um deles, pelo menos, de não restabelecer a comunhão de vida interrompida» (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume IV, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1992, págs. 541/542.).
O Recorrente, depois de realçar que «[e]ste recorte conceitual, traçado no âmbito do direito da família e para os fins elencados (a separação de facto como fundamento do divórcio), fornece importantes elementos interpretativos das normas fiscais em questão nos autos (atinentes à definição da unidade familiar de tributação do rendimento e inerentes obrigações declarativas), mas não é, sem mais, transponível para o ordenamento jurídico-tributário em matéria de sujeição a IRS», concluiu que os elementos de natureza subjectiva assumem maior relevância no direito familiar, relativamente aos elementos de índole objectiva, já no âmbito das relações jurídico-tributárias em matéria de imposto sobre o rendimento, designadamente no «sentido a extrair dos preceitos fiscais que se referem à ocorrência da separação de facto, sempre deve prevalecer no que a estes respeitam a preponderância dos requisitos objectivos, mormente de natureza económica, com algum desvalorização do requisito objectivo».
Concordamos com essa conclusão, mas já não podemos acompanhar a aplicação que dela fez o Recorrente à situação sub judice, designadamente quando considera como não verificados os requisitos de índole objectiva. Vejamos:
Considera o Recorrente que resulta dos factos que os cônjuges, nos anos em causa, tinham comunhão de mesa, de habitação e de despesas, ainda que dormissem em quartos separados, o que a seu ver não permite que se dêem como verificados os requisitos objectivos da separação de facto.
Já quanto aos requisitos subjectivos, o Recorrente concorda que o facto de ter dado início a um processo de divórcio em 2000 pode ser entendido como manifestação do propósito de não manter a relação conjugal, mas desvaloriza-o, pois considera que «os requisitos subjectivos só relevam na medida e quando se verifiquem os objectivos», que considera não estarem verificados, à excepção da inexistência de comunhão de leito, que considera irrelevante para os efeitos de que nos ocupamos.
A nosso ver, contrariamente ao que sustenta o Recorrente, podem dar-se como verificados os requisitos objectivos da separação. Senão vejamos.
Os cônjuges, nos anos em causa, habitavam na mesma casa, mas «não se falavam ou evitavam falar e dormiam em quartos separados». Por outro lado, nos termos da sentença proferida pelo Tribunal de Família, «é o Autor que compra todos os bens que eles e os filhos necessitam», «paga todos os bens que ele e os filhos necessitam», «paga todas as despesas com a casa e com os filhos» e «[h]á mais de cinco anos, que o Autor [o ora Recorrente] sem qualquer hiato ou interrupção e fazendo-o na sequência do que acordou com a sua mulher, compra fora, em local da sua escolha e traz para casa, já confeccionadas as refeições. Que com ela e os filhos partilha, à volta da mesa».
Esta factualidade, como bem decidiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, não permite aceitar a tese do ora Recorrente, «de que, nos anos em causa, não estava separado de facto» da então sua mulher.
Desde logo, há que ter em conta que o casamento, na definição da lei, é «o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código» (cfr. art. 1577.º do CC).
A «comunhão de vida entre os esposos, nascida do casamento, é realmente uma comunhão plena, a mais estreita das relações comunitárias tuteladas pelo Direito» (Idem, nota 8 ao art. 1577.º do CC, pág. 26. ).
«Essa comunhão de vida traduz-se normalmente na unidade residencial ou habitacional, como sinal mais visível da sua existência.// Mas pode não haver comunhão de mesa e de leito e a comunhão de vida conjugal manter-se, como sucede nos casais em que só um dos cônjuges emigra, mas os laços conjugais persistem// Tal como pode suceder que, vivendo sob o mesmo tecto e comendo à mesma mesa (por meros respeitos humanos ou apenas para não desgostar os filhos, por exemplo), os cônjuges façam vida completamente separada e se comportem nas suas relações (especialmente no que toca ao seu relacionamento sexual) como duas pessoas estranhas// O que releva aos olhos da lei, nestes casos e em situações semelhantes, é a existência ou a inexistência real, efectiva (não apenas aparente, de pura fachada) da comunhão física e espiritual própria do casamento» (Idem, nota 2 ao art. 1782.º do CC, págs. 541/542.).
Assim, tendo sempre presente que o conceito de «plena comunhão de vida» é a definir «nos termos das disposições deste Código», afigura-se-nos insustentável que o mesmo possa ter-se por preenchido numa situação em que os cônjuges «não se falavam ou evitavam falar e dormiam em quartos separados». Como bem ficou dito na sentença, «para existir uma situação de separação de facto, não é necessário que os cônjuges estejam a viver em habitações separadas; existindo separação mesmo quando habitem na mesma casa, desde que actuem como se não fossem casados e com o animus de não restabelecerem entre si a convivência conjugal».
Finalmente, quanto aos requisitos subjectivos da separação de facto, o próprio Recorrente aceita a sua verificação. Aliás, esta resulta, não só da factualidade por ele referida – interposição por ele de acção de divórcio –, como também da apresentação pela cônjuge mulher de declaração de rendimentos em separado e em que assinalou a opção “separado de facto”.
Bem decidiu, pois, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao julgar improcedente a impugnação judicial.
O recurso não pode ser provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Em sede de IRS, e com vista à determinação do rendimento colectável, os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior, sendo que, no caso de contribuintes casados, em regra, devia (à data dos factos) ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges, ressalvando a lei a possibilidade de, em caso de separação de facto, cada um dos cônjuges poder apresentar uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo (cfr. arts. 57.º e 59.º do CIRS).
II - Se dois contribuintes casados entre si apresentaram, relativamente ao mesmo ano, duas declarações, uma apresentada pelo cônjuge marido, da qual constam exclusivamente os rendimentos por ele auferidos e só por ele assinada, mas que indica que ambos os cônjuges integram o agregado familiar e assinalando a opção “casados”, a outra apresentada pelo cônjuge mulher, da qual constam exclusivamente os seus rendimentos e na qual assinalou a opção “separado de facto”, bem andou a AT ao tributar cada um dos cônjuges separadamente.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 28 de Novembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Ascensão Lopes.