Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0970/18.2BELRS
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CASO JULGADO
DECISÃO ARBITRAL
REGIME JURÍDICO
ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA
Sumário:I - A decisão arbitral que julgou improcedente o pedido, quer quanto à ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, quer quanto à autoliquidação de IRC, concluindo que se a Impugnante entendia que o vício do acto decorria da violação do direito europeu teria de ter suscitado essa questão perante a AT, constitui uma decisão (bem ou mal) sobre o “fundo da questão” tomada no processo arbitral de impugnação.
II - Se a mesma Impugnante apresenta no tribunal administrativo e fiscal um pedido de impugnação judicial da mesma liquidação, com os mesmos fundamentos, verifica-se a excepção do caso julgado, pois, no fundo, o que a Impugnante pretende com esta acção judicial é obter um efeito que a lei proíbe (artigo 24.º, n.º 2 do RJAT), ou seja, interpor recurso da decisão arbitral a respeito da questão de fundo.
Nº Convencional:JSTA000P27487
Nº do Documento:SA2202104070970/18
Data de Entrada:12/16/2019
Recorrente:A................., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A……………………., S.A., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 28 de Junho de 2019, que julgou procedente a excepção de caso julgado quanto ao pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da autoliquidação de IRC do exercício de 2011, por si deduzida, bem como julgou procedente a excepção de caducidade do direito de ação, apresentou recurso jurisdicional, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
A) A Impugnante apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 10° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, pedido de pronúncia arbitral no qual solicitou:
(i) a anulação do Despacho de Indeferimento da Revisão Oficiosa da autoliquidação do IRC de 2011;
(ii) bem como o reconhecimento do direito de ser incluídas no apuramento do lucro tributável da Impugnante como sociedade dominante, ao abrigo das regras dos Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas, direta ou indiretamente, pela sociedade dominante “B…………..”, e consequentemente a anulação e correção da referida autoliquidação de IRC.
A) Por Acórdão notificado à aqui Impugnante no dia 10/05/2018, o Tribunal Arbitral considerou improcedente o pedido de anulação do Despacho de Indeferimento, não tendo, no entanto, decidido o direito da Impugnante de incluir no RETGS as sociedades Portuguesas detidas pela sociedade B………….., o que implicaria uma apreciação da legalidade do disposto no artigo 67.º, n.° 3 do CIRC (na redação em vigor em 2011) face às normas comunitárias.
B) Nos termos do disposto no artigo 581.° do CPC a exceção do caso julgado pressupõe que exista entre os processos uma identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir.
C) Do disposto no artigo 580.°, n.° 2 do CPC resulta que a exceção do caso julgado tem como fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de manter uma decisão anterior.
D) Do disposto nos supra referidos preceitos legais conclui-se que se o tribunal anterior não tiver decidido sobre o(s) pedido(s) não se pode concluir que se tenha formado caso julgado.
E) No caso concreto o Tribunal Arbitral decidiu sobre o pedido imediato - anulação do Despacho Indeferimento - mas não decidiu sobre o pedido mediato - o direito da Impugnante ver incluído no RETGS as sociedades residentes em Portugal detidas pela B……………., o que, como já referimos pressuponha uma análise à legalidade do disposto no artigo 67.°, n.° 3 do CIRC (redação em vigor em 2011) face às normas comunitárias.
F) Assim, não tendo o Tribunal decidido sobre o pedido da Impugnante quanto à inclusão das referidas sociedades no RETGS, não se pode afirmar que sobre esse pedido se formou caso julgado.
G) Mais, não tendo o Tribunal Arbitral conhecido do mérito quanto à supra referida pretensão da Requerente, por facto que não lhe é imputável, tem a mesma a possibilidade, nos termos do disposto no artigo 24.°, n.º 2 do RJAT, a possibilidade de apresentar impugnação judicial, sendo que o prazo para o fazer conta-se da data da notificação da decisão arbitral.
H) Ora, considerando que o Acórdão foi notificado no dia 10/05/2018, e que a Impugnação Judicial foi deduzida a 25/05/2018, podemos e devemos concluir que a mesma é tempestiva, pelo que e também no que se refere à exceção da caducidade do direito de ação, pode e deve-se concluir que o Tribunal Recorrido não decidiu corretamente, violando o disposto nos supra referidos preceitos legais.
I) Face ao exposto podemos e devemos concluir que a Sentença Recorrida viola o disposto nos artigos 580.° e 581.° do CPC e 24.°, n.º 2 do RJAT, devendo a mesma ser revogada, com as legais consequências.
J) Em acréscimo refira-se que a abstenção do dever de decidir, quer pelo Tribunal Arbitral, quer ainda pelo Tribunal Recorrido constituem uma violação do direito da Impugnante a uma tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.° e 268.° da CRP.
K) O Tribunal Recorrido ao não decidir está a permitir que as normas comunitárias tenham em Portugal uma interpretação e uma aplicação distinta à devida, e distinta à dos Estados-Membros, em violação do primado do direito comunitário, do princípio uniformidade do direito comunitário e da igualdade de tratamento.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá o presente Recurso ser considerado procedente, anulando-se a Sentença Recorrida, com as legais consequências.

2. Não foram produzidas contra-alegações.

3 O Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso ser improcedente.

4. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 30/05/2012 a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos de IRC modelo 22 relativa ao ano de 2011 - cf. comprovativo de entrega de declaração junto como documento n.º 3 com a petição inicial;
2. A Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação referida no ponto anterior - cf. pedido de revisão junto como documento n.º 4 com a petição inicial;
3. Por despacho de 10/03/2017 da Subdirectora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira o pedido de revisão oficiosa referido no ponto anterior foi indeferido - cf. despacho e informação juntos como documento n.º 5 com a petição inicial;
4. Por ofício registado de 04/04/2017 a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referida no ponto anterior foi remetida à Impugnante - cf. ofício junto como documento n.º 5 com a petição inicial;
5. A Impugnante apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral visando a anulação da decisão de indeferimento da Subdirectora-Geral de 10/03/2017 do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC, relativa ao ano de 2011, de forma a que, no apuramento do seu lucro tributável, sejam incluídas no RETGS todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas directa e indirectamente pela sociedade dominante, com o consequente reembolso de €4.578.343,31 a título de IRC e de tributação autónoma por efeito das correcções - cf. decisão arbitral junta com a petição inicial como documento n.º 2;
6. O processo arbitral referido no ponto anterior correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa sob o n.º 401/2017-T - cf. decisão arbitral junta com a petição inicial como documento n.º 2;
7. No âmbito do processo arbitral n.º 401/2017-T, o tribunal arbitral proferiu decisão arbitral em 30-04-2018, tendo-se julgado materialmente competente para apreciar e decidir o pedido de pronúncia arbitral e julgou válido e legal o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, julgou válida e legal a autoliquidação de IRC sob impugnação, julgou totalmente improcedente o pedido arbitral, julgou prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas e absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido - cf. decisão arbitral junta com a petição inicial como documento n.º 2;
8. Na decisão arbitral referida no ponto anterior, entendeu o tribunal arbitral que «Quanto aos períodos anteriores, a Autoridade Tributária e Aduaneira não invocou no referido despacho que não se verificassem os requisitos cuja verificação cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira, limitando-se a invocar como obstáculo o facto de as opções pela aplicação do RETGS não terem sido formuladas no prazo estabelecido na alínea a) do n° 7 do artigo 69° do CIRC 2011 nem ter sido apresentado qualquer requerimento nesse sentido em tempo oportuno. (...) No pedido de revisão oficiosa a Requerente pediu, em suma, além da anulação das autoliquidações, que fossem tributadas, no ano de 2011, pelo regime do RETGS previsto, à data pelo artigo 69° do CIRC, suprindo-se o cumprimento de requisitos formais para a constituição desse mesmo RETGS em 2011 e considerando-se como válido o exercício de opção pela aplicação do RETGS efectuada em 2015 pela Requerente por referência ao período de tributação de 2011, ou seja, com efeitos retroativos. Assim, o que está em causa não é propriamente a legalidade ou ilegalidade da autoliquidação, que foi efetuada de acordo com as respetivas declarações modelo 22 e as condições então existentes (...), mas sim saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira, perante a opção por tal regime formulada em 2015, deveria ter decidido a aplicação desse regime ao grupo formado pela Requerente incluindo aí não só as sociedades objeto da comunicação prevista no artigo 69°-7, do CIRC [em vigor, naturalmente no período de tributação de 2011]. (...) À luz do exposto, é manifesto que as autoliquidações não apresentam qualquer erro de facto ou de direito quanto aos pressupostos em que assentam. (…) A aplicação do RETGS ao exercício de 2011 não depende apenas da verificação dos requisitos legais a sua aplicação, pois é um regime facultativo, só aplicável na sequência de uma opção da sociedade dominante, formulada com antecedência em relação ao termo do primeiro exercício em que se pretende a sua aplicação (…) Assim, essa opção no prazo previsto tem de ser manifestada pela sociedade dominante (e não por alguma ou algumas ou todas as sociedades dominadas), sendo essa manifestação imprescindível por, além do mais, implicar para aquela a assunção de responsabilidades fiscais (artigo 115°, do CIRC), para além de obrigações declarativas. No caso em apreço - e tal com o ficou apurado - não foi apresentado, para ter efeitos em 2011, requerimento de opção pela tributação segundo o RETGS, de modo a abranger no Grupo as sociedades detidas a 100% pela B…………… . Invoca a Requerente que tal não aconteceu porque a então (2011) vigente alínea f), do n° 4, do artigo 69°, do CIRC, excluía do RETGS as sociedades residentes detidas através de sociedades não residentes. É argumento que não colhe, independentemente da inaplicabilidade retroativa da alteração do artigo 69.°-A, do CIRC, introduzida pela Lei n.° 82-C/2014, de 31-12 (LOE/2015). É que se a Requerente - e bem, aliás - estava convicta de que a legislação nacional era ilegal e/ou desconforme ao direito comunitário por não permitir a consolidação fiscal horizontal (...) deveria então ter suscitado tal inclusão junto da AT, a qual necessariamente teria de se pronunciar acerca dessa temática e, em caso de eventual recusa, sempre poderia o contribuinte contestar essa decisão administrativa junto dos órgãos jurisdicionais nacionais, suscitando o primado do direito comunitário, com fundamento na eventual desconformidade daquela disposição do Código do IRC com os artigos 49° e 54º, do TFUE. (...) No caso sub juditio, não consta alguma vez ter sido feito esse pedido de inclusão pela Requerente e/ou pela Requerente e/ou pela B…………., com fundamento na ilegalidade, por violação do direito comunitário, da norma do artigo 69°-3/a), do CIRC/2011. E, como é óbvio, o novo regime previsto no artigo 69°-A do CIRC, introduzido pela Lei n ° 82-C/2014, é aplicável apenas aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01-10-2015, como está expressam ente estabelecido no n° 1 do seu artigo 5°, em sintonia com o princípio básico sobre a aplicação no tempo das normas tributárias, enunciado no n° 1 do artigo 12°, da LGT pelo exposto e em síntese: O ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação não enferma da ilegalidade invocada e é de manter na ordem jurídica e, consequentemente não padece de erro nos pressupostos, de facto e de direito, a autoliquidação objeto dos autos» cf. decisão arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junta com a petição inicial como documento n.º 2;
9. Por e-mail de 07/05/2018, foi remetida à Impugnante a decisão arbitral proferida no âmbito do processo arbitral n.º 401/2017-T - cf. decisão arbitral e comprovativo juntos com a petição inicial como documento n.º 2.
10. A presente impugnação foi apresentada em 25/05/2018 - comprovativo de entrega a págs. 1 do SITAF.
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão das excepções de caso julgado e de caducidade do direito de acção.


2. Questões a decidir
A questão que vem suscitada no presente recurso é apenas a de saber se existe erro de julgamento da sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância ao considerar verificadas as excepções de caso julgado e de caducidade do direito de acção.


3 – Do direito

3.1. Da verificação da excepção do caso julgado
A questão aqui subjacente resume-se, essencialmente, ao seguinte: i) em Maio de 2012, a aqui Recorrente apresentou a autoliquidação correspondente ao exercício de 2011; ii) porém, porque entendia que preenchia os pressupostos e tinha direito a ser tributada pelo RETGS, optou por pedir a revisão oficiosa daquele acto de autoliquidação; iii) em Março de 2017 esse pedido foi indeferido; iv) inconformada com aquela decisão, apresentou pedido de pronúncia arbitral, alegando que a autoliquidação do IRC de 2011 era ilegal por ter sido efectuada com base na redacção do artigo 69.º, n.º 3 do CIRC, na data então em vigor, revelando-se aquele artigo contrário ao Direito Europeu, mais propriamente ao princípio da Liberdade de Estabelecimento; v) a decisão arbitral, proferida no processo 401/2017-T, considerou que o Tribunal Arbitral era competente para decidir a questão e julgou improcedente o pedido, quer quanto à ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, quer quanto à autoliquidação de IRC, concluindo que se a Impugnante entendia que o vício do acto decorria da violação do direito europeu, teria de ter suscitado essa questão perante a AT; vi) inconformada com a decisão arbitral, a agora Recorrente apresentou em 25 de Maio de 2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, impugnação judicial da decisão de indeferimento da revisão oficiosa que deduzira contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativa ao exercício de 2011; vii) o Tribunal Tributário de Lisboa julgou verificada a excepção de caso julgado quanto ao pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da autoliquidação de IRC do exercício de 2011 e absolveu a Fazenda Pública da instância; e julgou também procedente a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.

É esta a decisão judicial recorrida à qual a Recorrente imputa erro de julgamento. Mas, como veremos, sem razão.

3.1.1. No que respeita à excepção de caso julgado, a Recorrente alega que a mesma não se verifica, na medida em que a decisão arbitral não se pronunciou sobre “o fundo da questão”, ou seja, nas suas palavras, «não decidiu sobre o pedido mediato - o direito da Impugnante ver incluído no RETGS as sociedades residentes em Portugal detidas pela B…………., o que, como já referimos pressupunha uma análise à legalidade do disposto no artigo 67.°, n.° 3 do CIRC (redação em vigor em 2011) face às normas comunitárias».

Porém, tal não é verdade, a decisão arbitral recorrida pronunciou-se, bem ou mal, para este caso isso não interessa, sobre a questão suscitada pela Impugnante, dizendo que a sua apreciação em sede judicial estava dependente de a mesma ter sido previamente suscitada perante a AT, é esta a passagem da decisão arbitral recorrida que releva para este efeito:

«[…] É que se a Requerente – e bem, aliás – estava convicta de que a legislação nacional era ilegal e/ou desconforme ao direito comunitário por não permitir a consolidação fiscal horizontal [entretanto plasmada nos artigos 69º e 69º- A do Código do IRC, através da citada Lei nº 82-C/2014], deveria então ter suscitado tal inclusão junto da AT, a qual necessariamente teria de se pronunciar acerca dessa temática e, em caso de eventual recusa, sempre poderia o contribuinte contestar essa decisão administrativa junto dos órgãos jurisdicionais nacionais, suscitando o primado do direito comunitário, com fundamento na eventual desconformidade daquela disposição do Código do IRC com os artigos 49º e 54º, do TFUE».

E a agora Recorrente não podia ignorar que a questão que formulou perante o Tribunal Tributário de Lisboa não se subsumia ao n.º 3 do artigo 24.º do RJAT, que prevê que “[Q]uando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral”, mas sim ao n.º 2 do mesmo artigo onde se prevê expressamente “(…) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar (…)».

E não podia ignorar porque, para além da clareza do teor do dispositivo da própria decisão arbitral, o voto de vencido que acompanha aquela decisão é muito claro em explicitar o seu sentido, quando afirma:

«Vencido, quanto à questão de fundo. […] Ciente da dificuldade da questão, entendo, em termos sumários, que a aplicação do princípio do primado do Direito da União Europeia não pode estar dependente do dever da prática de atos inúteis pelos contribuintes […] Ao diferenciar entre contribuintes que fizeram um pedido que obrigatoriamente seria recusado, e contribuintes que não o fizeram, mas que usaram os meios que o seu ordenamento jurídico lhes coloca à disposição para suscitarem a revisão da sua situação tributária, esta decisão está a fazer recair nos contribuintes e não no Estado todos os efeitos negativos da aprovação por este de normas que violam o Direito da União Europeia. Está também a erigir como critério de eficácia do primado do Direito da União Europeia – e, consequentemente, como critério de repartição dos encargos tributários – fatores como a menor ou maior propensão para a litigância, a maior ou menor aversão ao risco fiscal, o circunstancialismo do aconselhamento fiscal dos contribuintes quanto à sua estratégia processual. Aliás, há até o risco de serem critérios que, se extrapolados para outros casos, tenderão a favorecer contribuintes maiores, com mais recursos, mais propensos ao risco, mais sofisticados e a incentivar uma maior litigância, extremando a vigilância dos contribuintes sobre a conformidade das normas internas com o Direito Europeu […]».

O que a Impugnante e aqui Recorrente pretende com os presentes autos é obter um efeito que a lei proíbe (artigo 24.º, n.º 2 do RJAT), ou seja, interpor recurso da decisão arbitral a respeito da questão de fundo.

Dos elementos antes referidos, assim como da fundamentação expendida, resulta evidente que entre a impugnação judicial deduzida perante o Tribunal Tributário de Lisboa e o pedido de pronúncia arbitral existe identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

E do teor da decisão arbitral, pelas razões já avançadas, não subsiste qualquer dúvida quanto ao facto de a mesma ter julgado (bem ou mal, como dissemos, isso não releva) o mérito da pretensão, pelo que se verifica a excepção do caso julgado.

3.1.2. Procedendo este fundamento do recurso, torna-se desnecessário conhecer da questão da caducidade do direito de acção, embora, de tudo quanto antes se disse, em especial do facto de não ser a situação aqui em apreço subsumível no n.º 3 do artigo 24.º do RJAT, resulta evidente que também em relação a este ponto andou bem a sentença recorrida

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário], com dispensa do remanescente da taxa de justiça atenta a simplicidade da questão.
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Lisboa, 7 de Abril de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.