Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0424/20.7BELRA
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:INTIMAÇÃO
RECURSO
FALTA DE CONCLUSÕES
CPTA
Sumário:I - A intimação para prestação de informações deduzida pelo interessado contra a AT constitui um meio processual comum à jurisdição administrativa e fiscal e, por isso, os recursos dos actos jurisdicionais praticados nesse meio processual são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos (arts. 146.º, n.º 1, e 279.º, n.º 2, do CPPT).
II - Se, no recurso da sentença proferida nesse meio processual, o recorrente não cumprir o ónus de apresentar conclusões previsto no n.º 2 do art. 144.º do CPTA, o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 145.º do mesmo Código impõe que o requerimento de interposição do recurso seja indeferido, sem prévio convite à apresentação das conclusões em falta.
III - A intimação para prestação de informação não constitui meio impugnatório, motivo por que não pode subsumir-se à excepção prevista na parte final da referida alínea b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P26328
Nº do Documento:SA2202009160424/20
Data de Entrada:08/12/2020
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de intimação para prestação de informação com o n.º 424/20.7BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente (adiante também denominado Requerente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria indeferiu o pedido de que intime a AT a «[f]ornecer o NIF do titular inscrito» de dois prédios rústicos contíguos a um prédio de que é proprietário.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou as respectivas alegações, mas sem conclusões.

1.2 A AT contra-alegou o recurso.

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual, após sintetizar a marcha processual e salientar que a alegação de recurso não integra conclusões, suscitou como questão prévia a da insuficiência da matéria de facto fixada pela 1.ª instância, uma vez que não «foi inscrita na materialidade assente a recusa pela ATA do pedido referido em c), recusa que constitui um dos pressupostos do decretamento da intimação judicial e que o pedido de intimação tomou por objecto», omissão que, a seu ver, deve determinar «a volta do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para a sua ampliação, habilitante da decisão de direito, ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 682.º, n.º 3, 683.º, n.º 2, ambos do Código do Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/2013, de 12 de Dezembro, revisto pela Lei n.º 29/2013, de 19 de Abril, aplicável por força do artigo 1.º, do CPTA».
Para a eventualidade de assim não se entender, sustentou, desenvolvidamente, que o recurso merece provimento.

1.5 O Recorrente e a Recorrida foram notificados do parecer do Ministério Público e vieram pronunciar-se sobre o mesmo.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria deu como provados os seguintes factos:

«1. O Autor é proprietário do prédio rústico correspondente ao artigo J-213 da freguesia de ………… (cfr. certidão a fls. 63 a 77 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Os prédios rústicos correspondentes aos artigos I-2 e I-74, de ………. são confinantes com o prédio identificado no número antecedente (cfr. fls. 63 a 77 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 15-03-2020 o Autor apresentou junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos queixa contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, por não lhe ser facultada pelo Serviço de Finanças informação sobre o NIF do titular do direito de propriedade do prédio rústico com o artigo da matriz J-146 (cfr. fls. 63 a 77 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 05-03-2020 a Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobre a queixa apresentada identificada no número antecedente, no sentido de ser negada a informação pretendida pelo Autor (cfr. fls. 52 a 62 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Em 21-04-2020 a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos emitiu o parecer n.º 59/2020 a negar provimento à queixa apresentada (cfr. fls. 63 a 77 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Em 27-04-2020 o Autor solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira, através sítio da internet da sua área pessoal um pedido de informação a solicitar o NIF do titular inscrito no prédio rústico I-2 de ………. e no prédio rústico I-74 de ………” (cfr. documentos n.ºs 1 e 2 junto com a petição inicial a fls. 9 e 10 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. A presente Intimação foi apresentada neste Tribunal, via SITAF, em 06-05-2020 (cfr. fls. 1 dos autos)».

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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Dos factos dados como provados resulta que:
- o ora Recorrente pretende saber da AT o NIF do titular do direito de propriedade sobre dois prédios rústicos que confinam com um prédio rústico de que é o proprietário;
- para o efeito, o ora Recorrente apresentou pedido através da sua área pessoal no sítio da internet da AT (Portal das Finanças), em 27 de Abril de 2020;
- em 6 de Maio de 2020, o ora Recorrente apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria pedido de que a AT seja intimada a «a. Fornecer o NIF do titular inscrito no prédio rústico I-2 da freguesia de ……., concelho da ……... // b. Fornecer o NIF do titular inscrito no prédio rústico I-74 da freguesia de ……, concelho da …….».
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria proferiu sentença na qual julgou o pedido improcedente.
É dessa sentença que vem interposto o presente recurso pelo Requerente.
Antes do mais, e porque o requerimento de interposição de recurso vem acompanhado da respectiva alegação, mas sem conclusões, há que indagar da relevância dessa omissão.

2.2.2 DA FALTA DE CONCLUSÕES DE RECURSO

O presente meio processual é uma intimação para prestação de informação, ou seja, um meio processual comum à jurisdição administrativa e tributária, motivo por que os recursos dos actos jurisdicionais praticados nesse meio processual são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 279.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Aliás, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[r]elativamente aos meios processuais acessórios, a aplicação do regime de recursos jurisdicionais previsto nas normas sobre processos nos tribunais administrativos e fiscais já resultava da referência genérica à aplicação destas normas feita no n.º 1 do art. 146.º do CPPT» (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume IV, nota 3 ao art. 279.º, pág. 321.).
O que significa que o presente recurso se rege pelas regras do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA). Desde logo, pelo art. 144.º do CPTA, que no seu n.º 2 estabelece: «O recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respectiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões».
No que ora nos interessa, a alegação de recurso, a apresentar conjuntamente com o requerimento por que o mesmo é interposto, deve conter as conclusões, ou seja, de acordo com o disposto no art. 639.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente, ex vi dos arts. 1.º e 140.º, n.º 1, do CPTA, a enunciação, de forma sintética, dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida (n.º 1), devendo aí indicar, nos termos do n.º 2 daquele artigo, «a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada».
No caso, como resulta da leitura do requerimento de interposição e das alegações de recurso, o Recorrente não cumpriu com a obrigação que sobre ele impendia de formular conclusões (cfr. art. 144.º, n.º 2, in fine, do CPTA).
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA, o requerimento de interposição do recurso é indeferido quando «[n]ão contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 146.º». Ou seja, numa solução paralela à do art. 641.º, n.º 2, alínea b), CPC, também o CPTA comina a falta de conclusões com o indeferimento do recurso.
Note-se que não há aqui que fazer apelo ao disposto no art. 7.º do CPTA – norma que dispõe: «Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas» – porque esta norma apenas contém uma directiva hermenêutica, não podendo ao abrigo da mesma afastar-se a cominação expressamente prevista na lei para o incumprimento de um ónus: para a falta de conclusões a lei prescreve a rejeição do recurso, com uma única excepção, que consideraremos adiante e que não logra aplicação ao caso sub judice.
Note-se também que não há lugar a convite no sentido de suprir essa omissão, pois tal convite apenas está previsto, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 639.º do CPC para os casos em que «as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior», impondo-se então ao relator «convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada» (Nem sempre foi esta a solução legislativa. Na verdade, até 31 de Dezembro de 2007, o n.º 4 do art. 690.º do CPC impunha que, em caso de falta de conclusões da alegação de recurso, este não devesse ser rejeitado sem, previamente, se convidar o recorrente a apresentá-las. No entanto, o Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que procedeu à revisão do regime de recursos, na prossecução do desígnio de «aprofundamento das regras processuais que estabelecem mecanismos de defesa contra a utilização de expedientes dilatórios pelas partes», expressamente assumido no seu relatório, revogou aquele art. 690.º. ). Ou seja, este convite pressupõe que as conclusões existam.
Note-se ainda que a ressalva feita na parte final da alínea b) do n.º 2 do art. 145.º («sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 146.º ») não logra aplicação no caso. Na verdade, o n.º 4 do art. 146.º («Quando o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspectos de facto que considera incorrectamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido, o relator deve convidá-lo a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada».) impõe o convite, a efectuar pelo relator, previamente à rejeição do recurso, no caso de o recorrente não ter formulado conclusões, mas restringe expressamente o âmbito de aplicação da norma ao recurso contra sentença proferida em processo impugnatório em que o recorrente «se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao acto impugnado» (E bem se compreende a ratio legis dessa excepção à regra que comina a falta de conclusões com o indeferimento do recurso: é que, se o impugnante limita os fundamentos do recurso à reafirmação dos vícios que já imputou ao acto em sede de impugnação, obviamente que a falta de conclusões não poderá constituir um expediente dilatório por parte do recorrente; por outro lado, esta regra excepcional visou contrariar a jurisprudência que considerava deverem ser julgados improcedentes os recursos jurisdicionais nos quais os recorrentes, em sede de alegações de recurso, se quedassem pela repetição do que haviam alegado contra o acto impugnado na petição inicial, alheando-se e deixando, dessa forma, incólume a decisão judicial recorrida naquilo que foi o juízo absolutório nela firmado e que não resultaria assim contraditado.) (Na jurisprudência, vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Fevereiro de 2019, proferido no processo com o n.º 989/17.0BESNT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c1cc258653dbf70d802583a5003ddb4f;
- de 26 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 421/11.3BEMDL, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ee9155ec9e1b9f358025842b003b08fe.).
Ora, o presente meio processual – intimação para prestação de informação – não é, manifestamente, um processo impugnatório, pois visa, não a impugnação de acto algum, mas a emissão de uma imposição judicial, dirigida à AT, em ordem à tutela do direito à informação: trata-se do meio processual que a lei disponibiliza ao interessado para que veja satisfeita a sua pretensão informativa, quer esteja em causa o direito à informação procedimental ou à não procedimental, quando a AT, perante um prévio requerimento do interessado, lhe recuse o exercício do seu direito de informação ou cumpra deficientemente o correspondente dever de informar. Assim, esse meio processual não tem natureza impugnatória (Neste sentido, vide, por todos, AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Almedina 2010, comentário 2. ao art. 104.º, pág. 692 e segs.) e, ao invés, visa a prestação de um facto.
Não há sequer lugar à prévia audição do Recorrente para se pronunciar sobre a questão, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 3.º do CPC, pois estamos perante um indeferimento liminar, como resulta do art. 641.º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código. Ora, o indeferimento liminar, pela sua natureza e como resulta da sua própria denominação – que tem subjacente a ausência de qualquer diligência entre a sua prolação e a apresentação da petição ou requerimento sobre que recai –, não autoriza que, antes da sua prolação seja proferido um outro despacho (preliminar?).
Não se argumente com a surpresa da decisão: quando alguém formula um pedido em juízo está bem ciente de que o mesmo pode ser imediatamente rechaçado e se o legislador tivesse pretendido – pretensão que sempre iria ao arrepio da tendência de simplificação da lei adjectiva que tem vindo em crescendo ao longo do tempo – que antes do despacho liminar de indeferimento, fosse ouvido o apresentante do requerimento, por certo teria consagrado expressamente essa solução [cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil (CC)]; por outro lado, a norma de que resulta que a falta de conclusões tem como consequência o indeferimento do requerimento de interposição do recurso tem mais de 11 anos no CPC e cerca de 5 anos no CPTA (Ver nota 2 supra. A actual redacção do art. 145.º foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro.) e o Recorrente encontra-se patrocinado por advogado.
Finalmente, havendo norma expressa a regular a questão da falta de apresentação de conclusões, o intérprete não pode dela extrair um sentido (pensamento legislativo) que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 9.º, n.ºs 2 e 3, do CC).

2.2.3 CONCLUSÕES

Em face ao exposto, o recurso será rejeitado e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A intimação para prestação de informações deduzida pelo interessado contra a AT constitui um meio processual comum à jurisdição administrativa e fiscal e, por isso, os recursos dos actos jurisdicionais praticados nesse meio processual são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos (arts. 146.º, n.º 1, e 279.º, n.º 2, do CPPT).
II - Se, no recurso da sentença proferida nesse meio processual, o recorrente não cumprir o ónus de apresentar conclusões previsto no n.º 2 do art. 144.º do CPTA, o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 145.º do mesmo Código impõe que o requerimento de interposição do recurso seja indeferido, sem prévio convite à apresentação das conclusões em falta.
III - A intimação para prestação de informação não constitui meio impugnatório, motivo por que não pode subsumir-se à excepção prevista na parte final da referida alínea b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, rejeitar o recurso.

Custas pelo Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].

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Lisboa, 16 de Setembro de 2020 – Francisco Rothes (relator) – Joaquim Condesso – Paulo Antunes.