Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01400/13.1BELRA 0375/18
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRS
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - A permanência no regime pelo qual o sujeito passivo se encontra abrangido, nos termos da parte final do n.º 5 do artigo 28.º do CIRS (na redação introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro) pressupõe que o sujeito passivo se encontre abrangido por um regime de opção;
II - Não se encontrava no regime de contabilidade organizada por opção o sujeito passivo que nele tenha sido enquadrado, no período imediatamente anterior, por imposição legal;
III - O sujeito passivo que, vindo de um período de enquadramento no regime de contabilidade organizada por imposição legal, não opte pelo mesmo regime até ao fim do mês de março do ano seguinte aquele em que se verificaram os pressupostos substantivos de enquadramento no regime simplificado, fica automaticamente integrado neste regime, por ser o regime residual.
Nº Convencional:JSTA000P26151
Nº do Documento:SA22020070101400/13
Data de Entrada:04/18/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial da decisão da Diretora de Serviços do IRS, que, no uso de competências subdelegadas, indeferiu o recurso hierárquico da decisão do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria que, no uso de delegação de competências, indeferiu a reclamação graciosa da liquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares e juros compensatórios do ano de 2010, a que se reporta a demonstração da liquidação n.º 2012 00000088768, no valor global de € 26.166,80.

Impugnação que tinha sido deduzida por A……….., com o número de identificação fiscal ………, e por B……….., com o número de identificação fiscal ………., ambos com residência na Rua ………., n.º …., ……….., 2400-…. ….., Leiria.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

A. O impugnante A……….. e mulher, B…………, deduziram impugnação judicial contra a liquidação de IRS de 2010 que lhes foi efectuada segundo o regime simplificado.
B. Argumentaram que, não tendo apresentado qualquer pedido para mudar de regime, devia manter-se a contabilidade organizada, independentemente do volume de negócios.
C. A AT verificando que o volume de negócios era inferior a €200.000,00 e que até Março não manifestara a intenção de se manter no regime da contabilidade organizada e tendo em atenção o início de novo período de três anos, efectuou a liquidação de IRS de 2010, segundo as regras do regime simplificado.
D. A douta sentença recorrida vai no sentido já perfilhado por outra jurisprudência, sem ter em conta a letra da lei e fazendo uma interpretação que, no nosso modesto entendimento é apenas no seguimento de tal jurisprudência, sem cuidar da hermenêutica do sistema.
E. E a final, repetimos a posição do digno Magistrado do Ministério Público que vem dar razão à AT porquanto entende, em sintonia com a rfp que “Com efeito, em 2004, ao contrário do que acontecia com o IRC (art. 52º n.ºs 7 e 8), não era possível a opção pelo regime de contabilidade organizada, mas apenas pelo regime simplificado, visto que a possibilidade de optar por aquele regime apenas foi instituído pelo orçamento para o ano de 2007. Nunca tendo havido depois de 2007 aquela opção, logo que o valor declarado anualmente foi inferior ao mínimo legal para enquadramento no regime de contabilidade organizada, os impugnantes foram enquadrados no regime simplificado, visto nunca terem exercido a opção por aquele regime”.

Pediu fosse concedido provimento ao recurso e fosse revogada a decisão recorrida, seguindo-se a remessa do processo ao tribunal a quo para aí prosseguir seus trâmites se não ocorrer qualquer outro impedimento.

A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.2. Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, onde concluiu que o presente recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


*

2. Dos fundamentos de facto

O tribunal de primeira instância julgou provados os seguintes factos: «(...)

1. Em 19-03-2004 o Impugnante A………. apresentou declaração de alterações, através da qual exerceu a opção pelo regime de contabilidade organizada (cfr. fls. 14 a 16 dos autos e fls. 8 a 10 do processo de reclamação graciosa - RG - apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Em 04-05-2004 foi remetido ao Impugnante ofício a notificá-lo para indicar o montante de proveitos obtidos em 2003 (cfr. fls. 84 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em resposta ao ofício identificado no número anterior, o Impugnante indicou como montante de proveitos obtidos em 2003 o valor de € 217.926,70 (cfr. fls. 85 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 28-05-2004 foi remetido ao Impugnante ofício a informar que a declaração de alterações identificada em 1), face ao valor de proveitos indicado, foi dada sem efeito, o qual foi entregue em 03-06-2004 (cfr. fls. 86 e 87 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Em 13-05-2005 os impugnantes apresentaram Declaração Modelo 3 do IRS relativo ao ano de 2004, da qual fazia parte integrante, entre outros, o Anexo C referente ao regime de contabilidade organizada (cfr. fls. 17 a 24 dos autos e fls. 11 a 18 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Com referência à declaração identificada no número antecedente, foi em nome do impugnante A………… emitida a liquidação de IRS n.º 2005 5003463464 referente ao ano de 2004, com valor a reembolsar no montante de € 1.978,95 (cfr. fls. 63 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. Em 12-05-2006 os impugnantes apresentaram Declaração Modelo 3 do IRS relativo ao ano de 2005, da qual fazia parte integrante, entre outros, o Anexo C referente ao regime de contabilidade organizada (cfr. fls. 25 a 34 dos autos e fls. 19 a 28 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. Com referência à declaração identificada no número antecedente, foi em nome do impugnante A……… emitida a liquidação de IRS n.º 2006 5004382391referente ao ano de 2005, com imposto a pagar no valor de € 5.968,43 (cfr. fls. 64 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9. Em 21-05-2007 os impugnantes apresentaram Declaração Modelo 3 do IRS relativo ao ano de 2006, da qual fazia parte integrante, entre outros, o Anexo C referente ao regime de contabilidade organizada (cfr. fls. 35 a 40 dos autos e fls. 29 a 34 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

10. Com referência à declaração identificada no número antecedente, foi em nome do impugnante A………. emitida a liquidação de IRS n.º 2007 5003724888 referente ao ano de 2006, com imposto a pagar no valor de € 2.408,61 (cfr. fls. 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. Em 26-05-2008 os impugnantes apresentaram Declaração Modelo 3 do IRS relativo ao ano de 2007, da qual fazia parte integrante, entre outros, o Anexo C referente ao regime de contabilidade organizada (cfr. fls. 41 a 47 dos autos e fls. 35 a 41 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12. Com referência à declaração identificada no número antecedente, foi em nome do impugnante A……… emitida a liquidação de IRS n.º 2008 5004148106 referente ao ano de 2007, com valor a reembolsar no montante de € 4.072,33 (cfr. fls. 66 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13. Em 29-04-2009 os impugnantes apresentaram Declaração Modelo 3 do IRS relativo ao ano de 2008, da qual fazia parte integrante, entre outros, o Anexo C referente ao regime de contabilidade organizada (cfr. fls. 48 a 55 dos autos e fls. 42 a 49 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14. Com referência à declaração identificada no número antecedente, foi em nome do impugnante A………. emitida a liquidação de IRS n.º 2009 5002826111 referente ao ano de 2008, com imposto a pagar no valor de € 1.660,03 (cfr. fls. 67 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

15. Em 26-04-2010 os impugnantes apresentaram Declaração Modelo 3 do IRS relativo ao ano de 2009, da qual fazia parte integrante, entre outros, o Anexo C referente ao regime de contabilidade organizada (cfr. fls. 56 a 62 dos autos e fls. 50 a 56 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

16. Com referência à declaração identificada no número antecedente, foi em nome do impugnante A……… emitida a liquidação de IRS n.º 2010 5002048273 referente ao ano de 2009, com valor a reembolsar no montante de € 847,66 (cfr. fls. 68 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17. Em 30-11-2011 foi elaborada pela Administração tributária declaração oficiosa em nome do impugnante, da qual fazia parte integrada o anexo B referente ao regime simplificado de tributação (cfr. fls. 65 a 68 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

18. Em 13-02-2012 foi em nome do impugnante A……….. emitida a liquidação de IRS n.º 2012 5000020341 referente ao ano de 2010, com imposto a pagar no valor de € 26.166,80, tendo como data limite de pagamento o dia 28-03-2012 (cfr. fls. 13 dos autos e fls. 6 e 7 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

19. Em 30-05-2012 os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação identificada no número anterior (cfr. fls. 3 a 5 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

20. Em 13-09-2012 foi elaborado pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria projecto de decisão, propondo o indeferimento da reclamação graciosa, sobre o qual recaiu despacho concordante do Chefe de Divisão, tendo sido determinada notificação dos Impugnantes para se pronunciarem sobre o mesmo (cfr. fls. 89 e 90 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

21. O projecto de decisão identificado no número antecedente foi remetido aos Impugnantes em 17-09-2012, através do ofício n.º 2188 (cfr. fls. 91 e 92 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

22. Em 04-10-2012 foi elaborada informação final a propor o indeferimento da reclamação graciosa, a qual foi confirmada por despacho do Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria datado de 08-10-2012 (cfr. fls. 93 e 94 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

23. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi comunicada aos Impugnantes por carta registada com aviso de recepção, através do ofício n.º 2422, o qual foi entregue em 17-10-2012 (cfr. fls. 95 a 97 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

24. Em 07-11-2012 os impugnantes apresentaram recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada no número anterior (cfr. fls. 4 a 9 do processo de recurso hierárquico - RH - apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

25. Em 30-07-2013 a Divisão de Administração da Direcção de Serviços do IRS elaborou informação a propor o indeferimento do recurso hierárquico, sobre a qual recaiu despacho concordante da Directora de Serviços de IRS datado de 31-07-2013 (cfr. fls. 9 a 12 dos autos e fls. 15 a 18 do RH apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

26. A decisão de indeferimento do recurso hierárquico identificada no número anterior foi remetida ao impugnante, por carta registada com aviso de recepção, através do ofício n.º 2272 de 09-08-2013, o qual foi entregue em 12-08-2013 (cfr. fls. 8 dos autos e fls. 20 a 22 do RH apenso);

27. Entre 01-01-2001 e 31-12-2009 o Impugnante esteve enquadrado no regime de contabilidade organizada (cfr. fls. 88 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

28. A partir de 01-01-2010 o Impugnante foi enquadrado, por iniciativa da Administração tributária, no regime simplificado de tributação (por acordo em conjugação com fls. 88 da RG apensa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

29. A presente impugnação foi apresentada neste Tribunal, via SITAF, em 23-10-2013 (cfr. fls. 1 dos autos).».


*

3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que, julgando ilegal a determinação pelo regime simplificado da matéria coletável do sujeito passivo no ano de 2010, anulou a liquidação respetiva.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, por entender que, sendo o volume de negócios inferior a € 200.000,00 e não tendo o contribuinte optado até ao final de março de 2010 pelo regime de contabilidade, a liquidação foi bem efetuada segundo as regras do regime simplificado.

A questão de direito não está muito bem delimitada no recurso. No entanto, e confrontando as alegações da Recorrente com o objeto do litígio, podemos concluir que está em causa a questão de saber se o n.º 2 do artigo 28.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [doravante identificado pela sigla “CIRS”] opera automaticamente ou mediante declaração do sujeito passivo.

Entende que a Recorrente que opera automaticamente, quando se preencham os respetivos pressupostos. Entendeu o tribunal recorrido que só opera mediante a comunicação a que alude a alínea b) do n.º 4 do mesmo dispositivo legal, por remissão do seu n.º 5.

No fundo, o que diz a Recorrente é que, nos casos do n.º 2 do artigo 28.º, o regime simplificado é o residual e o regime de contabilidade organizada o opcional.

Na prática, o tribunal de primeira instância vê ambos os regimes como opcionais (abaixo dos limites prescritos no n.º 2). A alteração do regime só opera automaticamente se, estando o sujeito passivo no regime simplificado, forem ultrapassados esses limites legais, nos termos do seu n.º 6.

Todavia, o entendimento do tribunal de primeira instância toma como pressuposto que o sujeito passivo pode optar pelo regime simplificado, nos casos a que alude o n.º 2 do artigo 28.º. De outro modo, nunca pode sair do regime de contabilidade organizada.

Reconheça-se desde já que há uma boa razão para assim o entender. É que a alteração ao n.º 5 do artigo 28.º pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, substituiu a expressão «…se o sujeito passivo comunicar (…), a opção pela aplicação do regime de contabilidade organizada» pela expressão «…se o sujeito passivo comunicar (…), a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido». O que sugere a ideia de que a comunicação da alteração se pode fazer, a partir de então, nos dois sentidos (quer no da opção pelo regime da contabilidade organizada, quer no da opção pelo regime simplificado).

Só que os n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo continuam a prever apenas a opção pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade. Isto é, não se prevê nestes dispositivos a opção pelo regime simplificado.

A alteração ao n.º 5 do artigo 28.º pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro trouxe, por isso, uma incongruência (aparente) no regime que o aplicador deve resolver tomando como pressuposto que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

Sendo que não se vê como solução possivelmente acertada a de prever a permanência em qualquer dos regimes a não ser que o sujeito passivo comunique a alteração para o outro e a de, simultaneamente, não prever ou admitir a comunicação da alteração para um deles.

A solução adequada para a restauração da coerência no regime é a de distinguir as situações em que o sujeito passivo esteve no regime de contabilidade organizada por opção daquelas em que esteve nesse regime por imposição legal.

Se o sujeito passivo esteve no regime de contabilidade organizada por opção, a variação do volume de vendas é insuficiente para, por si só, modificar o regime de tributação. O que sucede porque a ultrapassagem (em anos anteriores) dos limites do n.º 6 do artigo 28.º faz cessar o regime simplificado, mas não faz cessar os efeitos de uma opção anterior pelo regime de contabilidade organizada. Isso só sucede se o sujeito passivo alterar o regime pelo qual se encontra abrangido nos termos do n.º 5 do mesmo dispositivo legal.

Ou seja, nestes casos, o sujeito passivo pode optar pelo regime simplificado.

Na prática, isso significa que, tendo podido optar anteriormente pelo regime de contabilidade organizada, a alteração para o regime simplificado é, dentro dos seus pressupostos substantivos (volume de vendas ou rendimento ilíquido = ou < a certo montante), uma opção a exercer dentro de certos pressupostos temporais (até ao fim de março do ano seguinte ao triénio de opção) e procedimentais (em declaração de alterações). Ou seja, é um regime opcional.

Se, porém, o sujeito passivo esteve no regime de contabilidade organizada por imposição legal, a redução do volume de vendas abaixo do limite legal coloca-o automaticamente no regime simplificado (como regime residual), a menos que opte pelo regime de contabilidade organizada nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 28.º.

Isto significa que, enquanto não optar por um destes regimes, o sujeito passivo encontra-se numa situação de alguma indefinição quanto ao regime de tributação. O mesmo se diga se, tendo optado por um deles, tiver regressado ao regime de imposição pela por força do n.º 6 daquele artigo 28.º.

Dizendo de outro modo: vindo de um período de regime de contabilidade organizada por imposição legal, o regime simplificado (no ano em que estejam verificados os seus pressupostos substantivos) é um regime residual; vindo de um período de regime de contabilidade organizada por opção, o regime simplificado é um regime opcional (a menos, claro, que não estejam verificados os seus pressupostos substantivos).

Sendo este o nosso entendimento do preceito, vejamos agora se tem implicações no sentido da decisão.

3.2. Para melhor delimitação do objeto do litígio, importa considerar o seguinte: [a)] o sujeito passivo esteve entre 2001 e 2009 no regime de contabilidade organizada, não por opção, mas por imposição legal; [b)] no ano de 2009 teve um volume de vendas de € 140.935,10, que é inferior ao mencionado na alínea a) do n.º 2 do artigo 28.º do CIRS e que era, ao tempo de € 149.739,37 (e não de € 200.000,00, como – erradamente – indica a Recorrente, ainda que sem relevo para o caso); [c)] o sujeito passivo não optou até ao fim de março de 2010 pelo regime da contabilidade organizada.

O que se diz na sentença recorrida a este propósito é que o facto de o sujeito passivo ter tido, em 2009, um volume de vendas inferior ao limite previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 28 do CIRS «não faz cessar automaticamente o regime de tributação em que o impugnante se encontrava enquadrado, pois esse efeito não tem previsão legal».

Mas já vimos que esta afirmação não está correta. Isso só sucederia se estivesse enquadrado num regime de opção, isto é, se o regime de tributação em que se encontrava enquadrado fosse um regime pelo qual tivesse podido optar anteriormente.

Se o regime em que se encontrava anteriormente foi de imposição legal (por não estarem reunidos os pressupostos substantivos, temporais ou procedimentais de opção), a transição para o regime simplificado continua a fazer-se automaticamente, desde que estejam verificados os respetivos pressupostos legais.

Por força do n.º 2 do artigo 28.º (o seu n.º 5 não tem aqui aplicação).

Ora, o sujeito passivo nunca chegou a optar validamente por regime nenhum. Exerceu a sua opção (de acordo com o ponto 1 dos factos provados) em 2004, mas numa altura em que o não podia fazer, porque a aplicação do regime de contabilidade organizada já decorria, nesse ano, de imposição legal. Por ter tido no ano anterior um volume de vendas superior ao limite legal.

Quer dizer: no ano em que optou, não se encontrava em condições de optar; e no ano em que se encontrava em condições de optar, não optou.

Assim, ao contrário do que se concluiu na sentença recorrida, se no ano de 2010 estavam reunidos os pressupostos substantivos para exercer a opção pelo regime da contabilidade organizada e o Recorrido não o fez, ele não fica automaticamente abrangido pelo regime de contabilidade organizada. Porque não vinha de um regime em que se encontrasse abrangido por opção. E, por isso, não tem aplicação o n.º 5 do artigo 28.º.

Em vez disso, fica automaticamente abrangido pelo regime simplificado. Por força do n.º 2 do mesmo artigo.

Pelo que o recurso merece provimento.


*

4. Conclusões


4.1. A permanência no regime pelo qual o sujeito passivo se encontra abrangido, nos termos da parte final do n.º 5 do artigo 28.º do CIRS (na redação introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro) pressupõe que o sujeito passivo se encontre abrangido por um regime de opção;


4.2. Não se encontrava no regime de contabilidade organizada por opção o sujeito passivo que nele tenha sido enquadrado, no período imediatamente anterior, por imposição legal;


4.3. O sujeito passivo que, vindo de um período de enquadramento no regime de contabilidade organizada por imposição legal, não opte pelo mesmo regime até ao fim do mês de março do ano seguinte aquele em que se verificaram os pressupostos substantivos de enquadramento no regime simplificado, fica automaticamente integrado neste regime, por ser o regime residual.



*

5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a impugnação.

Custas pelos Recorridos.

D.n.

Lisboa, 1 de Julho de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Gustavo Lopes CourinhaPedro Nuno Pinto Vergueiro.