Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0339/21.1BECBR
Data do Acordão:09/22/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
Sumário:I - Pelo menos desde 2017, a partir da alteração do Código dos Contratos Públicos produzida pelo DL nº 111-B/2017, de 31/8 (por imposição do direito da UE, nomeadamente da Diretiva 2014/24/UE), não é mais possível defender que o risco de um preço ou custo insuficiente pode correr apenas por conta das empresas adjudicatárias, sem necessidade de controlo, nesta sede, pelas Entidades Adjudicantes, ou que basta uma declaração/compromisso de cumprimento das obrigações legais, ou que um preço insuficiente pode ser compensado com recurso a outras fontes de rendimento de financiamento das empresas adjudicatárias, ou a outros contratos, ou que consubstancie um prejuízo que as empresas adjudicatárias estejam dispostas a suportar por razões de marketing ou estratégia comercial em nome de uma sua “liberdade de gestão empresarial”. O direito da UE, transposto para o direito nacional, opõe-se claramente a este argumentário, estabelecendo que o relevante é o binómio relacional “preço/prestação” e não a maior ou menor capacidade dos proponentes; o que interessa aferir é, pois, se o preço proposto é, ou não, objetivamente suficiente para cobrir os custos a incorrer.
II - Embora um apoio de Estado, designadamente por recrutamento de jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração, possa justificar um preço aparentemente insuficiente, tal apoio tem que estar garantido, sob pena de o risco/incerteza na obtenção desse apoio ser deixado correr apenas por conta da empresa adjudicatária, o que não é tolerável.
Nº Convencional:JSTA00071554
Nº do Documento:SA1202209220339/21
Data de Entrada:08/03/2022
Recorrente:MUNICÍPIO DE COIMBRA
Recorrido 1:A………………., LDA. (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CCP ART1º-A N2 ART70 N2 AL.S E) F) ART71 N4 ALS, E) G)
Legislação Comunitária:DIRETIVA 2014/24/UE ART 18 N2 ART69 N1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. O “MUNICÍPIO DE COIMBRA” interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido, nos presentes autos, pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em 29/4/2022 (cfr. fls. 1924 e segs. SITAF), que concedeu provimento ao recurso intentado pela Autora “A………………., Lda. (A………)” da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 12/11/2021, que havia julgado a ação improcedente e mantivera o ato de adjudicação impugnado (cfr. fls. 1732 e segs. SITAF), assim revogando esta sentença e julgando a ação procedente, anulou o ato de adjudicação impugnado e condenou o (então Recorrido) “Município de Coimbra” a excluir do concurso a proposta da adjudicatária /Contrainteressada “B………………., Lda.” e a adjudicar a prestação de serviços à Autora (“A……………….”).

2. Inconformado com este julgamento do TCAN, veio a Entidade Ré “Município de Coimbra” interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1954 e segs. SITAF):

«I. Nos termos do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
II. Como vem entendendo esse Supremo Tribunal, a importância fundamental da questão há-de resultar quer da sua relevância jurídica quer social, aquela entendida não num plano meramente teórico mas prático em termos de utilidade jurídica da revista, e esta, em termos da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular;
III - Por outro lado, a “melhor aplicação do direito” há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito;
IV - Ora, as questões sobre que versa o presente litígio foram, já por várias vezes, apreciadas quer pelo Tribunal Central Administrativo, quer por esse Supremo Tribunal e o que das decisões proferidas decorre é há, nestas matérias, entendimentos claramente divergentes, o que, só por si, justifica a admissão da presente revista;
V – Na verdade, e a título de exemplo, o STA, em acórdão proferido em 3.12.2015, no âmbito do proc. n.º 0657/15, entendeu, em sentido diametralmente oposto àquele em que aponta o acórdão aqui recorrido, que “...o facto de uma proposta refletir um preço que implicaria um custo inferior aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis do trabalho não implica que, face ao teor da proposta, a entidade adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação vigente e nomeadamente a legislação de trabalho que vem invocada como custos fixos a considerar na proposta;
VI – Na mesma linha, afirma-se no Ac. do TCA Norte de 19.06.2015, proferido no proc. n.º 01646/14.5BESNT, que “...o facto de a concorrente adjudicatária ter declarado na sua proposta a susceptibilidade de beneficiar de um incentivo à contratação traduz um risco que recai sobre a sua esfera jurídica: dentro da respectiva liberdade de organização empresarial, a concorrente optou por apresentar a proposta nos moldes em que o fez – correndo assim por sua conta o risco de obter, ou não, o benefício à contratação – estratégia que não lhe estava vedada nem aos demais candidatos; se o benefício não vier a ser concedido, a única consequência que daí advém é a obrigatoriedade da concorrente manter o preço da proposta e cumprir os encargos salariais e sociais correspondentes, pagando a taxa social única ou a retribuição do trabalhador por inteiro”;
VII – Acresce que atendendo à matéria em causa e à circunstância de, com elevada frequência, as entidades adjudicantes recorrerem à contratação pública para a aquisição de serviços de segurança privada, parece ser evidente que esta situação tem potencialidade para se expandir a uma miríade de casos futuros, o que, também por aqui, justifica a intervenção desse Supremo Tribunal;
VIII – O acórdão recorrido olha para o preço apresentado pela contra-interessada B…………….. e conclui, automaticamente, que são violadas obrigações legais em matéria laboral, afirmando que é “...patente, do próprio teor da proposta, o incumprimento das obrigações legais por parte da Contra-Interessada”, mas o que é certo é que os valores apresentados por esta têm por fito justificar o preço proposto à entidade adjudicante, para com ela contratar, sendo por isso apresentados sob o título ‘Metodologia justificativa do preço apresentado’;
IX – Esses preços não apresentam os termos em que a contrainteressada se vincula a contratar com os trabalhadores e a pagar esses contratos, tratando-se, sim, de valores que, embora devam aproximar-se dos custos mínimos da actividade em causa, não têm de lhe corresponder exactamente, em cada item a que corresponda um valor legal mínimo, para que o contrato a celebrar deva ser conforme às exigências legais;
X - A contrainteressada está sempre vinculada, e estará obrigada contratualmente, no âmbito da execução do contrato objeto do concurso público, a manter os contratos com os trabalhadores no respeito pelas exigências legais aplicáveis;
XI - Não tem de ser o pagamento do preço proposto, somente, a permitir à adjudicatária cumprir as suas obrigações legais e contratuais na sua relação com os trabalhadores que prestam o serviço, podendo para tanto ser alocados os recursos de que a empresa dispõe na globalidade, de sorte que os valores constantes da metodologia justificativa do preço o que fazem é distribuir a totalidade do valor do preço proposto pelos diversos custos a suportar, sem que tal signifique que o preço proposto tenha de cobrir todos os custos mínimos a suportar, atendendo a que o cumprimento desses mínimos conta com a totalidade dos recursos da empresa;
XII - Só se houver uma discrepância flagrante entre o preço da proposta e a totalidade dos custos mínimos a suportar pela empresa adjudicatária é que poderá ter de se concluir pelo risco elevado de incumprimento, nomeadamente, das exigências legais aplicáveis em matéria laboral e social, podendo então considerar-se, nesse caso, que ocorre a causa de exclusão prevista na alínea f) do art.º 70.º n.º 2 do CCP;
XIII - No caso vertente, não existiam quaisquer indícios de que a contrainteressada fosse incumprir as normas relativas às suas obrigações laborais, tanto mais que teve o cuidado de explicitar que o preço apresentado no âmbito do concurso previa a possibilidade de obtenção de apoios à contratação;
XIV – A obtenção, ou não, desses auxílios consubstancia um risco, no âmbito da gestão da contra-interessada, que o Recorrido não tem de controlar, tanto mais que aquela está sempre vinculada a manter os contratos com os trabalhadores no respeito pelas exigências legais aplicáveis;
XV - O acórdão recorrido incorre, por aqui, em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação do 71.º, n.º 2, do CCP, e violando, igualmente, o princípio da liberdade de gestão empresarial contido no artigo 61.º da CRP;
XVI – É errada a afirmação de que o apoio ou incentivos ao emprego eram, neste caso, incompatíveis com a obrigação constante da cláusula 12.3 das condições gerais do caderno de encargos, e que resulta do artigo 285.º, n.ºs 1, 2 e 10 do Código do Trabalho, a de manter os trabalhadores ao serviço, no mesmo posto, no Convento de São Francisco, em causa neste procedimento;
XVII - O recebimento, pela contra-interessada, de apoios referentes aos incentivos à empregabilidade pode concorrer para a definição do preço proposto na medida em que, reduzindo os custos da empresa no âmbito de outros contratos de trabalho, elegíveis para essas medidas de apoio, que aquela venha a celebrar, disponibiliza recursos que viabilizam a contratação com a entidade adjudicante pelo preço proposto;
XVIII – Acresce que a contra-interessada declarou no mesmo documento em que fez aludida afirmação ‘justificativa do preço’, que se submetia, em tudo o que respeitasse à execução do contrato, ao que se achar prescrito na Legislação Portuguesa em vigor, pelo que se vinculou, por aí, a cumprir com o conteúdo da proposta na parte referente ao preço a receber da entidade adjudicante e igualmente no referente ao cumprimento da legislação em matéria da transmissão de estabelecimento, designadamente à manutenção dos contratos;
XIX - O n.º 2 do artigo 71.º do CCP abre a possibilidade de, mesmo nos casos em que no convite ou no programa do procedimento não se tenham definido as situações em que o preço ou custo de uma proposta deve ser considerado anormalmente baixo, poder, ainda assim, considerar-se como tal uma proposta que se revele insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social ou laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato;
XX – No entanto, se a lei abre a hipótese de os concorrentes justificarem um preço que, à partida, se apresenta como anormalmente baixo, com a possibilidade de obterem auxílios estatais, não é dado à entidade adjudicante, pura e simplesmente, ignorar essa afirmação e excluir, sem mais, a proposta;
XXI – Do que se retira do acórdão recorrido, a apresentação, à partida, de um preço de que decorra, prima facie, ser insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria laboral é bastante para, por si só, impor a exclusão da proposta, raciocínio que, porém, retira qualquer sentido ou efeito prático aos n.ºs 3 e 4 do artigo 71.º do CCP;
XXII - O acórdão recorrido viola os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 71.º do CCP;
XXIII – Tendo em conta que a memória descritiva exigida no Programa do Concurso é um documento contendo um atributo da proposta, e a informação a que se reporta está contida em documento que integra a proposta da contrainteressada – ainda que não seja um documento isolado, o que não releva, posto que a informação requerida se apresenta perfeitamente identificável mediante os títulos sob os quais está estruturada, não ocorre a omissão de apresentação de atributo da proposta, que daria lugar a exclusão nos termos 70.º, n.º 2, a) e 57.º, n.º 1, b) do CCP;
XXIV - De todo o modo, mesmo que se entendesse existir aqui qualquer irregularidade – e não existe -, sempre teria de se considerar, atenta a referência que é feita, no documento “atributos da proposta”, ao “número de horas por mês/posto”, que se estaria, no caso, perante uma irregularidade formal não essencial que não carece de suprimento, uma vez que a finalidade que com ela se pretende atingir é facilmente atingível por outra via;
XXV – Para ser coerente com a exigência que quer extrair para a contrainteressada de especificação do número de horas nos exactos termos que constam do Caderno de Encargos - memória descritiva respeitante aos preços mensais por instalação, que inclua, no mínimo: número de horas/mês por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados) e custo unitário de vigilante/hora por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados) -, nunca poderia o Tribunal a quo condenar o ora Recorrente a adjudicar a prestação de serviços à aqui Recorrida, uma vez que esta não especifica, também ela, os preços para “sábados” e “domingos”, mas sim para “fins de semana”;
XXVI - O acórdão recorrido incorre, também por aqui, em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação dos artigos 57.º, n.º 1, alínea c) e 70.º, n.º 2, alínea a) do CCP.

Termos em que,
Admitindo e considerando procedente o presente recurso, com a consequente revogação do acórdão recorrido, farão V. Exas.
Justiça!».

3. A Autora/Recorrida “A………………., Lda.” contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1984 e segs. SITAF):

«A. A Autora e aqui Recorrida A…………………… intentou a presente acção de contencioso pré-contratual contra o Município de Coimbra, pedindo a anulação do ato de adjudicação da proposta da Contra-Interessada B…………………., adotado pelo Sr. Presidente da Câmara, em 16.07.2021, com a consequente anulação do contrato eventualmente celebrado nessa sequência, bem como peticionando que o procedimento em causa fosse retomado, com a exclusão da proposta daquela Contra-Interessada e consequente adjudicação do contrato a favor da A………………...
B. Após Sentença da primeira instância, proferida em 12.11.2021, o Tribunal Central Administrativo Norte, por Acórdão de 29.04.2022, concedeu provimento ao recurso interposto pela A………………., revogando a Sentença recorrida e concedendo total procedência à acção proposta pela Autora, aqui Recorrida.
C. Não conformado, o Município de Coimbra vem agora interpor recurso de revista do douto Acórdão do TCAN alegando diversos erros de julgamento e fundamentando o mesmo numa pretensa necessidade de que as questões sub iudice sejam reapreciadas pelo Venerando STA com vista a uma melhor aplicação do Direito com relevância para casos futuros, atenta a alegada divergência jurisprudencial.
D. Salvo o devido respeito, não se verificam os necessários pressupostos para a admissão do presente recurso de revista, previstos no artigo 150.º, n.º 1 e 2 do CPTA, já que a discussão da presente causa não consubstancia uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, apresente uma importância fundamental para casos futuros, nem a admissão deste recurso levará a uma qualquer melhor aplicação do Direito.
E. De facto, só deve ser admitido o recurso de revista quando se constate a existência de dúvidas sérias, fundadas e reiteradas da parte da Doutrina e da Jurisprudência quanto à interpretação e aplicação dos regimes jurídicos e, que a não serem resolvidas, colocarão em causa a estabilidade e a segurança decisória que deve ser proporcionada pelos tribunais — e que cabe ao STA em última instância garantir.
F. Se fosse admissível a intervenção do STA para uma melhor aplicação do Direito no caso em concreto, este transformar-se-ia numa 3.ª instância normal de recurso, em termos contrários àquele que é o sistema recursório instituído, em que a intervenção do tribunal de última instância se justifica em termos excepcionais e como verdadeira válvula de escape do sistema.
G. Ora, o Recorrido invoca para sustentar a pretensa divergência jurisprudencial dois Acórdãos, já de 2015 – um do STA (Acórdão proferido em 3.12.2015, no âmbito do Proc. n.º 0657/15) e outro do TCAN (Acórdão proferido em 19.06.2015, no âmbito do Proc. n.º 01646/14.5BESNT), dos quais, de acordo com o Recorrente, resultam os seguintes entendimentos:
iii. o preço proposto pode não reflectir os custos que derivam da aplicação das leis laborais, já que tal não significa que essas obrigações não vão ser cumpridas (Acórdão do STA acima referido);
iv. a concorrente que tenha reflectido no preço proposto uma medida de apoio como sejam os incentivos à contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração não implica uma qualquer falta de seriedade e firmeza da proposta (Acórdão do TCAN acima referido).
H. No entanto, não procede o alegado pelo Recorrente já que, a primeira questão acima indicada encontra-se ultrapassada pela nova redacção do artigo 71.º, n.º 2 do CCP, introduzida pela revisão ao CCP operada em 2021, pela Lei n.º 30/2021, de 21/05, que passou a prever expressamente, como consubstanciando uma proposta com preço anormalmente baixo, a que “revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato”.
I. Nas palavras de Pedro Férnandez Sánchez in “A Revisão de 2021 do Código dos Contratos Públicos”, AAFDL Editora, 2021, pp. 145:
Daqui resulta que, independentemente de qualquer outra consideração, a mera comparação entre o preço proposto e os custos necessários para cumprir as obrigações imperativas do concorrente é tudo quanto basta para a entidade adjudicante desencadear, de imediato, um incidente de verificação de anomalia do preço” (realces nossos).
J. Esta mudança de regime, inclusivamente, já tinha sido iniciada aquando da Revisão de 2017 ao CCP, operada pelo DL. n.º 111-B/2017, de 31/08, que acrescentou 3 novas disposições que passaram a impor a correcta fiscalização da seriedade das propostas – aditando as alíneas f) e g) ao número 4 do artigo 71.º do CCP, bem como aditando o número 2 ao artigo 1.º-A do CCP, o qual expressamente afirma o seguinte:
As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional” (sublinhados nossos).
K. Nestes termos, vide o Acórdão do STA, proferido em 10.02.2022, processo 01429/20.3BELSB, disponível em www.dgsi.pt:
Ora, o aditamento feito ao CCP pelo artigo 5º do DL n.º 111-B/2017 de 31 de Agosto ao artigo 1.º e que tem a epígrafe “Princípios” refere que as entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional.
Não há, assim, dúvida que vem expressamente referido que as entidades adjudicantes devem ter uma posição ativa no sentido de assegurar o respeito pelas normas em matéria laboral não só na execução do contrato mas também na sua formação”.
L. Pelo que, não se vislumbram particulares litígios em relação à interpretação da questão apontada pelo Recorrente que mereça qualquer intervenção pelo STA em sede de recurso de revista, face à actual legislação em vigor (que sofreu alterações desde 2015, data do referido Acórdão do STA).
M. Relativamente à segunda questão que o Recorrido quer ver reapreciada, ie. o facto de ser admissível pelos concorrentes formarem o seu preço proposto através de apoios futuros, como sejam os previstos no DL. n.º 89/95de 06.05, também improcede, já que não está em causa, nos presentes autos, apurar sobre a admissibilidade ou não de um concorrente recorrer a estes apoios para formar o preço proposto, mas sim, o facto de se prever, no presente procedimento, nomeadamente na cláusula 12.3 das Condições Gerais, do Caderno de Encargos que os concorrentes tinham a obrigação de assegurar a manutenção dos postos de trabalho anteriores, a transmitir para a nova adjudicatária.
N. Exigência que a B…………………. inobservou, já que se irá recorrer a tais apoios, significa que não conseguirá manter os trabalhadores ao serviço no posto, tal como exigido na cláusula 12.3 das Condições Gerais, do CE.
O. Razão pela qual, o douto Tribunal a quo decidiu, e bem, que tal apoio/auxílio era incompatível com a exigência prevista no CE, determinando, por tal motivo, a exclusão da B………………..
P. Em suma, a actual legislação, relativamente ao preço anormalmente baixo em caso de violação das obrigações legais em sede laboral, é clara não suscitando quaisquer divergências jurisprudenciais e/ou doutrinais.
Q. Quanto à outra questão que o Recorrente alega como reclamando a necessidade de intervenção deste Venerando Tribunal, a mesma não é uma verdadeira questão de direito, mas sim uma questão que se prende exclusivamente com o facto de a proposta da Contra-Interessada incumprir com o exigido no CE, relativamente à obrigação de transmissão dos trabalhadores.
R. Não devendo o presente recurso ser admitido, por não se verificarem os requisitos previstos no artigo 150.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTA, mantendo-se o já decidido pelo douto Acórdão do TCAN.
S. Ainda que se concedesse estarem verificados os pressupostos da admissão do presente Recurso - o que se pondera sem jamais conceder - sempre se dirá que o Douto Acórdão do TCAM recorrido não comete qualquer erro de julgamento.
T. Quanto ao primeiro erro de julgamento apontado pelo Recorrente, o mesmo alega que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e aplicação do artigo 71.º, n.º 2 do CCP, em violação do princípio da liberdade de gestão empresarial previsto no artigo 61.º da CRP, já que não existiam indícios de que a proposta da Contra-Interessada não fosse cumprir com as suas obrigações laborais.
U. Ora, salvo o devido respeito, mais do que indícios, existem factos incontornáveis que levam a concluir pelo desrespeito das obrigações laborais por parte da proposta da Contra-Interessada B………………………, que apresenta um verdadeiro preço anormalmente baixo, já que da sua proposta resulta o seguinte:
d) a rúbrica atinente ao seguro de acidentes de trabalho da proposta da B…………….. (obrigatório nos termos do artigo 283.º, n.os 1 a 8, do CT), de 0,08%, corresponde a um valor ficcionado, divergindo da realidade, devendo, ao invés, ter sido indicado o valor de 1,40% (6.374,16 : 452 650), cfr. cópia de um recibo do seguro de acidentes de trabalho da B………………, que se encontra juntou à pronúncia apresentada pela A……………….., em sede de audiência prévia ao Relatório Preliminar, cfr. facto provado 12;
e) as rúbricas atinentes ao Subsídio de Férias e Subsídio de Natal que a B………………. apresenta não remunera os seus trabalhadores de acordo com a legislação em vigor, aplicando o mesmo valor (0,42026 €) quer no trabalho diurno, quer no trabalho nocturno. Ora, o trabalho nocturno confere direito a uma retribuição superior (25%) comparativamente com o trabalho prestado em regime diurno, pelo que os subsídios de férias e Natal têm que reflectir essa majoração, o que não ocorreu na proposta da B………………….;
f) Acresce ainda que, partindo dos valores apresentados pela Contra-Interessada o preço proposto não corresponde ao preço mínimo que deverá ser suportado de modo a dar cumprimento a todos os custos obrigatórios em matéria social e laboral, atento o seguinte:
viii. O valor do salário hora do Vigilante resulta da divisão do valor do salário mensal do vigilante pela carga horária mensal do vigilante: 800,17€ / 173,33 = 4,62€ = valor hora;
ix. O custo mensal do Vigilante afere-se multiplicando o valor do salário base do Vigilante pelos 14 meses de salários auferidos num ano (considerando a obrigatoriedade de pagamento de subsídio de férias e de subsídio de natal), cujo resultado será dividido pelos 12 meses: 800,17€ x 14 : 12 = 933,53€;
x. O custo da Taxa Social Única/ “Encargos Sociais” a cargo do empregador afere-se multiplicado ao custo mensal do Vigilante a taxa devida pelo empregador, de 23,75%: 933,53€ X 1,2375 = 1.155,25€;
xi. O custo do subsídio de alimentação, cujo cálculo deve considerar o valor fixado em Convenção Colectiva de Trabalho (“CCT”) para um turno de 8 horas – para apurar o incremento de remuneração do subsídio de alimentação, não sujeito a TSU, no valor hora, basta dividir o valor de tal subsídio por 8 horas de serviço: 6,12€ / 8 x 730 = 558,45€ (sendo aplicável à Contra-Interessada B………………., a CCT celebrado entre a AES-STAD - cfr. Boletins do Trabalho e Emprego, N.º 38, Vol. 84, Pág. 3673-3841 de 15.10 e n.º 4, de 29.01.2021, doravante designado “CCT”);
xii. Para aferir o custo com a remuneração do trabalho nocturno, há que considerar que a prestação de trabalho nocturno dá direito a retribuição especial igual a 25 % do valor base hora de trabalho equivalente prestado durante o período diurno. Assim, o valor do acréscimo de 25 % de remuneração ao valor hora (valor do salário base/hora atrás calculado com base na fórmula determinada na Convenção Colectiva de Trabalho): 0,25 x 4,62 x 1,2375 = 1,43€ | 1,43 x 263,25 = 376,45€.
xiii. Para o cálculo dos custos com a remuneração do trabalho em dia feriado, há que acrescer o valor de 4,62€, que corresponde ao acréscimo de 100 % ao valor hora de remuneração do trabalho em dia feriado. Sobre este valor há que aplicar a contribuição obrigatória da taxa social única, 23,75%: 4,62€ x 1,2375 = 5,72€ | 5,72 x 17,5 = 100,05€.
xiv. Para aferir o custo com a remuneração do trabalho nocturno feriado, a qual dá direito a retribuição especial igual a 100 % do valor base hora de trabalho equivalente prestado durante o período nocturno, acrescido do complemento nocturno: 7,14€ x 10,5 = 74,97€.
V. Deste modo, é possível concluir que o custo que uma empresa de segurança privada tem que suportar com um posto 24 Horas totaliza 6.424,07€ = (4,6 x 1 155,25€) + 376,45€ + 100,05€ + 74,97€ + 558,45€ - acima do valor proposto de apenas 6.213,50€, que é manifestamente inferior ao necessário para cobrir os custos mínimos legais obrigatórios.
W. Jamais se podendo justificar tal incumprimento, como pretende o Recorrente, no facto de a proposta da Contra-Interessada prever na formação do preço proposto “a possibilidade de obtenção de apoios à contratação” (cfr. conclusão XIII das Alegações de Recurso do Município de Coimbra), passando a existir, assim, uma margem desconhecida dos valores em causa, capaz de justificar sempre a apresentação de um preço abaixo dos custos mínimos para o cumprimento das obrigações legais da concorrente, verdadeira carta branca para incumprir as referidas obrigações legais.
X. Tal subterfúgio não é admissível e consubstancia uma clara violação ao princípio da concorrência e ao exigido no artigo 1.º-A, n.º 2 do CCP, pretendendo o aqui Recorrente eximir-se ao controle que tem de exercer ao conteúdo de todas as propostas, mormente em fase de formação pré-contratual.
Y. Acresce que a previsão na proposta da Contra-Interessada do recurso a tais apoios à empregabilidade é incompatível com o estabelecido na cláusula 12.3 das Condições Gerais do CE e que resulta dos artigos 285.º, n.º 1. 2 e 10 do Código do Trabalho, de manter os trabalhadores ao serviço nos mesmos postos no Convento de São Francisco.
Z. Ora, a Contra-Interessada B……………………. propõe um preço mediante a aprovação de uma eventual candidatura do IEFP, tal como afirma na sua proposta, cfr. facto provado 10:
“Os valores apresentados pressupõem, para a sua definição, que a estrutura de custos diretos inclui os definidos no nº 4 do artigo 71º do CCP, nomeadamente os incentivos à empregabilidade atribuídos pelo IEFP e pela Segurança Social”.
AA. O que não se compagina com o exigido no CE, já que se a execução da proposta da Contra-Interessada B……………… depende dos apoios / incentivos à empregabilidade, não poderá, obviamente, dar cumprimento ao disposto na cláusula 12.3 das Condições Gerais, do CE, ou seja, não conseguirá manter os trabalhadores ao serviço no posto, objecto deste procedimento.
BB. Fazendo a B……………….. depender o valor do preço proposto às referidas medidas de apoio ao emprego, que serão, no entanto, impossíveis de aproveitar no presente contrato, atento o facto de a Adjudicatária ter a obrigação de assumir o quadro de pessoal que já prestava os serviços de vigilância, nas mesmas condições, em cumprimento da referida cláusula 12.3 do CE e do disposto no artigo 285.º, n.º 1, 2 e 10 do CT.
CC. Também não pode o Recorrente escudar-se na declaração genérica que consta da proposta da B…………………….. de que a mesma se submete, em tudo o que respeita à execução do contrato, à Legislação Portuguesa em vigor (conforme alegado no ponto XVIII das Conclusões de Recurso do Recorrente).
DD. Esta declaração jamais poderia eximir o Município aqui Recorrente de sindicar a conformidade da proposta da B……………… com as obrigações legais laborais a que está adstrita, ainda para mais, quando o contrário resulta do teor da proposta apresentada, não sendo suficiente nem podendo tal declaração ilibar a entidade adjudicante ou as instâncias judiciais de fiscalizar o efetivo cumprimento da legalidade da proposta apresentada pela Contra-Interessada.
EE. Também não colhe o alegado pelo Recorrente de que excluir a proposta da Contra-Interessada como julga o Tribunal a quo comporta uma violação do princípio da liberdade de gestão empresarial previsto no artigo 61.º da CRP.
FF. Primeiro, porque tal princípio não é ilimitado, e deve compaginar-se com outros princípios como seja, desde logo, o princípio da legalidade. Atente-se ao Acórdão do TCAS, Processo n.º 590/21.4BESNT, de 05.05.2022, disponível em www.dgsi.pt:
(…) a liberdade de formação de preço pelos concorrentes do procedimento tem como limite, na contratação pública, o preço anormalmente baixo. O preço da proposta com prejuízo encontra-se previsto como causa, autónoma, de exclusão das propostas, no art 70º, nº 2, al e) do Código dos Contratos Públicos. E isto porque o princípio da concorrência funciona como baliza do direito fundamental de livre iniciativa económica. Por conseguinte as causas de justificação que normalmente são apontadas para salvar propostas, como a estratégia da empresa, politicas de marketing, a subsidiação cruzada com outros contratos ou segmentos de negócio ou o histórico de cumprimento pontual de contratos, não têm qualquer relação com as prestações objeto do contrato a celebrar e os órgãos europeus que aprovam as Diretivas e os Tribunais da União Europeia são unânimes em afirmar que o que se compara é o preço proposto e as prestações a executar (vg o custo a incorrer pelo concorrente) (cfr Ac do Tribunal Geral de 28.1.2016, processo T-570/13, nº 55). Aqueloutras justificações são exteriores ao contrato a celebrar, não se relacionam com as prestações do contrato a celebrar, mas sim com o concorrente que apresentou a proposta. Reconduzem-se assim à capacidade financeira do concorrente. Contudo não é possível à entidade adjudicante atender a aspetos relevados da capacidade financeira dos concorrentes para analisar e avaliar uma proposta. (cfr Duarte Rodrigues Silva, Artigo citado, pág 48).
Em suma, a liberdade de iniciativa privada e a liberdade de gestão empresarial do concorrente não são ilimitadas (…) (realces nossos).
GG. Perante o manifesto e comprovado incumprimento pela proposta da Contra-Interessada das obrigações legais a que está vinculada, não só na fase da execução, mas também na fase da formação do contrato, deveria o Recorrente Município de Coimbra ter excluído tal proposta, tendo o Tribunal a quo bem decidido que “o incumprimento de normas laborais, patentes na proposta da Contra-Interessada, são fundamento legal, imperativo, para a exclusão da sua proposta”.
HH. Deste modo, é notório que o Tribunal a quo não comete qualquer erro de julgamento ou errada interpretação da Lei, bem decidindo pela ilegalidade da decisão de adjudicação e pela exclusão da proposta da B……………….., nos termos do artigo 70.º, n.º 2, als. e) e f), do CCP.
II. Por último, alega o Recorrente que o Tribunal a quo cometeu ainda outro erro de julgamento, ao decidir pela exclusão da proposta da Contra-Interessada, nos termos dos artigos 57.º, n.º 1, al. c) e 70.º, n.º 2, alínea a), do CCP, por não ter apresentado enquanto documento da proposta, tal como exigido ponto 6.1, al. e) do PP, a discriminação dos preços mensais e custo unitário de vigilante/hora por referência aos sábados e domingos, já que tal consubstancia uma mera irregularidade formal não essencial que não carece de sanação.
JJ. Salvo o devido respeito também tal não pode colher já que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, não era nem é indiferente englobar, tal como fez a Contra-Interessada, dentro do mesmo preço/hora os dias úteis e os fins de semana, sem discriminar os valores dos sábados e domingos.
KK. De facto, a indicação e distinção do valor/ hora em dias úteis e em fins de semana, demonstrava-se essencial, razão pela qual fora exigida pelo Município Recorrente no PP, existindo efectivamente uma necessária diferença de valores que deve ser praticado relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório, cfr. artigo 232.º do CT, que fixa o Domingo como descanso semanal obrigatório (sem falar sequer do dia de descanso complementar, que corresponde em princípio ao Sábado) e a Cláusula 39.º do referido CCT que prevê para esses dias uma “remuneração especial, a qual será igual à retribuição em singelo, acrescida de 200 %”.
LL. Não cumprindo a B………………… com o exigido no PP, ao não efectuar uma cabal discriminação do preço apresentado, deveria ter sido excluída nos termos do artigo 70.º, n.º 2, al. a) do CCP pelo Recorrente, em respeito do princípio da auto-vinculação à regra que estabeleceu no PP.
MM. Nestes termos atente-se ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.09.2019, proferido no processo n.º 02178/18.8BEPRT, pesquisável em www.dgsi.pt, que é claro ao afirmar que a ausência de indicação de um termo ou condição deve conduzir à exclusão da proposta:
A nova redação introduzida em 2017 ao CCP, procedendo à sua revisão, veio acrescentar como causa material de exclusão de apresentação de propostas, para além da falta de atributos, a da falta de indicação de termo ou de condição [cfr. art. 70.º, n.º 2, al. a), do CCP], sancionando com a exclusão as propostas que não contenham ou em que ocorra ausência/omissão de indicação de termo ou condição respeitante à execução do contrato não submetido à concorrência exigido pelo caderno de encargos e relativamente aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule, sancionamento esse que deriva da interpretação conjugada e concatenada do regime legal contido nos arts. 42.º, 56.º, 57.º, n.º 1, als. b) e c), 70.º, n.º 2, al. a), 146.º, n.º 2, als. d) e o), do CCP, tanto mais que a causa de exclusão da proposta por falta de indicação de termo ou condição [cfr. arts. 42.º, 70.º, n.º 2, al. a), e 146.º, n.º 2, al. o), do CCP] não se restringe, nem está ou se mostra condicionada apenas às situações de deficit de instrução documental” (realces nossos).
NN. E obviamente que esta omissão jamais poderia ser considerada como uma mera irregularidade formal não essencial que não carecia de suprimento, como alegado pelo recorrente, já que tem implicações directas na formação do preço proposto, “dado que é essencial essa discriminação, para verificação do cumprimento ou não, das obrigações laborais” (citação a página 17 do Acórdão recorrido).
OO. Por tudo o exposto, não pode ser assacado qualquer erro de julgamento ao douto Acórdão recorrido, devendo o mesmo, por isso, manter-se nos seus exactos termos.

Nestes termos, não deverá ser admitido o presente recurso, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, previstos no artigo 150.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTA, ou, caso assim não se entenda, deverá ser julgado totalmente improcedente, com a consequente manutenção do Acórdão recorrido nos seus precisos termos, só assim se fazendo JUSTIÇA!».

4. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 14/7/2022 (cfr. fls. 2022 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) O Recorrente alega que o acórdão recorrido teria incorrido em erro de julgamento por violação dos arts. 285°, n°s 1, 2 e 10 do Código do Trabalho, 70°, n° 2 e 71°, n°s 2, 3 e 4, al. f), ambos do CCP, não ocorrendo as irregularidades identificadas no acórdão como motivos de exclusão, nos termos do ad. 70°, n° 2, al. a) e 57°, n° 1, al. b), ambos do CCP.
Ora, as questões jurídicas suscitadas pela Recorrente na presente revista, assumem inegável relevo jurídico e social, ultrapassando o interesse do caso concreto, tendo potencialidade para abranger muitos outros casos, nesta concreta matéria da contratação pública que se reveste de alguma complexidade, sendo de todo o interesse que o STA sobre as mesmas se debruce, no sentido de manter ou infletir a sua jurisprudência à luz das alterações legislativas entretanto ocorridas (cfr. os acs. deste STA de 03.12.2015, Proc. n° 0675/15 e o recente de 10.02.2022, Proc. n° 01429/20.3BELSB).
Assim, e tanto mais que as instâncias divergiram na resposta que deram às questões suscitadas pelo Recorrente, e o acórdão recorrido se mostrar fundamentado de forma plausível e consistente, é aconselhável a intervenção deste STA, para conhecimento das mesmas, com afastamento da regra da excecionalidade das revistas».

5. O Ministério Público junto deste STA emitiu parecer onde se pronunciou pelo não provimento do recurso de revista, nomeadamente nos seguintes termos (cfr. fls. 2034 e segs. SITAF):

«(…) ao contrário do que se afirma na sentença do TAF de Coimbra, o preço proposto para a execução do contrato não pode ser suportado com base nos resultados globais da empresa, nem é aceitável à luz da “esfera do risco a suportar pela empresa” – sic. fls. da sentença - o que dispensaria, desde logo, a obrigação de inclusão no valor da proposta dos encargos decorrentes das exigências legais aplicáveis, entre outras, em matéria laboral e social. Como se decidiu, com acerto, no Acórdão recorrido, “…face à imposição legal de a entidade adjudicante controlar, logo na fase de formação do contrato, o cumprimento das obrigações laborais – nº 2 do artigo 1º-A, do Código dos Contratos Públicos - forçoso se torna concluir que é um preço anormalmente baixo um preço que está abaixo dos mínimos que o cumprimento das leis laborais impõe” – sic. Circunstância que impõe a exclusão da proposta (após cumprimento da formalidade do nº 3 do artigo 71º do CCP), à qual acrescerá a omissão de apresentação do documento exigido no ponto 6.1., alínea e) do Programa do Concurso, nos termos dos artigos 70º, nº 2, alínea a) e 57º, nº 1, ambos do CCP.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Fevereiro de 2022, proferido no recurso nº 1429/20.3BELSB cuja doutrina deve ser reafirmada, porque importável para a situação em presença».

6. Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, mas com prévia divulgação do projeto do acórdão pelos Srs. Juízes Conselheiros Adjuntos, o processo vem submetido à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

7. Atentas as conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente “Município de Coimbra”, constitui objeto do presente recurso de revista apreciar e decidir se o Ac.TCAN procedeu a um correto julgamento do recurso de apelação interposto, em face dos erros de julgamento que lhe foram apontados à sentença de 1ª instância, do TAF/Coimbra, pela então Recorrente “A………………, Lda.”, cumprindo nomeadamente decidir sobre se a proposta da concorrente adjudicatária, Contrainteressada “B……………………., Lda.”, não poderia ter sido admitida, impondo-se a sua exclusão, nos termos, cumulativos, por um lado, dos arts. 1º-A nº 2, 70º nº 2 e) e f) e 71º do CCP e, por outro lado, dos arts. 57º nº 1 c) e 70º nº 2 a) do mesmo CCP.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos dados como provados nas instâncias (na sentença do TAF/Coimbra e, expressamente; “sem reparos”, pelo Ac.TCAN) – arts. 663º nº 6 e 679º do CPC, aplicáveis “ex vi” do disposto nos arts. 1º e 140º nº 3 do CPTA.


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III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

9. No presente recurso de revista que a Entidade Ré “Município de Coimbra” interpôs do Acórdão proferido pelo TCAN em 29/4/2022, defende a mesma, em suma, que este Ac.TCAN recorrido errou ao ter julgado que a proposta da concorrente adjudicatária, Contrainteressada “B……………….”, não poderia ter sido admitida, impondo-se a sua exclusão, nos termos, por um lado, dos arts. 1º-A nº 2, 70º nº 2 e) e f) e 71º do CCP e, por outro lado, dos arts. 57º nº 1 c) e 70º nº 2 a) do mesmo CCP.

10. A questão da insuficiência do preço da proposta para o cumprimento das obrigações legais em matéria laboral.

Tal como defendido pela Autora “A………………..” (aqui Recorrida), quer em sede de pronúncia no procedimento concursal, quer na p.i. da presente ação de contencioso pré-contratual, o Ac.TCAN recorrido – revogando a sentença de 1ª instância do TAF/Coimbra – decidiu que a proposta da contrainteressada “B……………………” não poderia ter sido admitida uma vez que resultava manifesto que o preço nela apresentado era insuficiente para cobrir, na execução do contrato, os compromissos legais em matéria laboral.

O Recorrente “Município de Coimbra” – não negando essa insuficiência do preço da proposta da Contrainteressada/Adjudicatária -, defende, no presente recurso de revista, que tal circunstância não é motivo para exclusão da proposta, pois que não significa, por si, que a Contrainteressada/Adjudicatária não vá cumprir todas as suas obrigações legais em matéria laboral – como, desde logo, por declaração formal se comprometeu. Acrescendo que a mesma esclareceu pretender candidatar-se a benefícios sociais (por recrutamento de jovens à procura do 1º emprego e de desempregados de longa duração), que lhe farão baixar os custos inerentes às obrigações legais em matéria laboral.

Invoca, a favor da sua tese, jurisprudência de 2015 e 2017 deste STA e do TCAN no sentido de que «o facto de uma proposta refletir um preço que implicaria um custo inferior aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis do trabalho não implica que, face ao teor da proposta, a entidade adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação vigente e nomeadamente a referida legislação de trabalho» (Ac.STA de 3/12/2015, proc. 0657/15).

Alega ainda que, de todo o modo, sempre uma decisão de exclusão da proposta da Contrainteressada/Adjudicatária pressuporia a prévia oportunidade desta prestar esclarecimentos, como imposto pelos nºs 3 e 4 do CCP, que, por isso, também resultam violados pelo Ac.TCAN recorrido.

10.1. Sucede que toda a argumentação esgrimida pelo Recorrente “Município de Coimbra” no presente recurso de revista se mostra totalmente incompatível com as normas do CCP após a reforma de 2017, introduzida pelo DL nº 111-B/2017, de 31/8 – redação do CCP aplicável na presente ação.

Argumenta, nomeadamente, o Recorrente:
- O preço da proposta vincula a Adjudicatária face à Entidade Adjudicante, mas não pressupõe que a vincule face aos trabalhadores (conclusão IX);
- A Contrainteressada está sempre vinculada às obrigações legais em matéria laboral (conclusão X);
- Tais obrigações legais podem ser cumpridas através de outros recursos da empresa, e não somente pelo preço do contrato (conclusão XI);
- A obtenção, ou não, de apoios à contratação, corre por risco da Adjudicatária, não cumprindo à Entidade Adjudicante controlar este risco (conclusão XIV);
- De outro modo, estaria em causa a “liberdade de gestão empresarial” da Contrainteressada, garantida pelo art. 61º da CRP (conclusão XV).

Ora, toda esta argumentação é contrariada, como se disse, pelas normas do CCP, designadamente após a reforma nele introduzida pelo DL nº 111-B/2017 (em sentido que viria a ser confirmado pela posterior reforma introduzida pela Lei nº 30/21, de 21/5), em obediência, aliás, ao direito da União Europeia (Diretiva nº 2014/24/UE).

Desde logo, o nº 2 do art. 1º-A do CCP (introduzido pelo DL nº 111-B/2017) veio estipular que:
«As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional».

Isto é, o dever de controlo exigido às Entidades Adjudicantes não se reporta, apenas, à fase da execução do contrato, mas deve focar-se, desde logo, na fase pré-contratual da “formação dos contratos públicos”. É, pois, insubsistente a argumentação do Recorrente “Município de Coimbra” tendente a afastar de si, enquanto Entidade Adjudicante, qualquer responsabilidade sobre o controlo do “risco” de prejuízo consequente de uma proposta com preço insuficiente, que alegadamente correria só por conta da Adjudicatária.

Por outro lado, a alínea g) do nº 4 do art. 71º do CCP (introduzida, também pelo DL nº 111-B/2017), ao estabelecer que, na ponderação de um “preço ou custo anormalmente baixo”, se hão-de ponderar, entre outras circunstâncias, eventuais esclarecimentos relativos «ao cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e laboral, referidas no nº 2 do artigo 1º-A», veio ligar as situações de eventual insuficiência do preço apresentado para satisfação de obrigações legais em matéria, designadamente, laboral – prevista como causa de exclusão das propostas pela alínea f) do nº 2 do art. 70º do CCP –, ao fundamento de exclusão por “preço ou custo anormalmente baixo”, previsto na alínea e) do mesmo nº 2 do art. 70º do CCP.

Ligação que viria, aliás, posteriormente, a ser claramente confirmada com a redação dada pela Lei nº 30/21 ao nº 4 do art. 71º do CCP: «Mesmo na ausência de definição no convite ou no programa do procedimento, o preço ou custo de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo, por decisão devidamente fundamentada do órgão competente para a decisão de contratar, designadamente por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato» (sublinhados nossos).

Como explica Nuno Cunha Rodrigues, a propósito da reforma introduzida pelo DL nº 111-B/2017 (in “Jornadas de Direito dos Contratos Públicos (16-17 de Maio de 2019, FDUL)”, AAFDL, 2020, págs. 167 e segs.:
«O CCP passou a proceder a uma ligação intrínseca a entre o regime do PAB [preço anormalmente baixo] e o incumprimento de obrigações de cariz laboral, ambiental ou social, procurando-se, dessa forma, ir ao encontro do previsto na Diretiva-clássica.
Assim, as entidades adjudicantes passaram a estar obrigadas a excluir a proposta caso determinem que esta é anormalmente baixa por não cumprir as obrigações aplicáveis a que se refere o artigo 18º nº 2 da Diretiva – i.e., obrigações de cariz laboral, ambiental ou social.
Compreende-se, por isso, que o artigo 71º do CCP estabeleça, no nº 4, alínea g), que, na análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente, pode tomar-se em consideração justificações inerentes, designadamente, “ao cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e laboral, referidas no nº 2 do artigo 1ª-A”.
Trata-se, reitere-se, de uma novidade decorrente das diretivas de 2014 e da revisão de 2017 que poderá implicar, no futuro, a modificação da jurisprudência administrativa relativa a PAB.
É que, até à revisão do CCP operada em 2017, os tribunais administrativos consideravam que os operadores económicos tinham o direito de fixar livremente o preço a apresentar nos procedimentos concursais, tendo como única limitação o preço anormalmente baixo.
Esta jurisprudência permitia a apresentação de propostas abaixo do custo (ainda que dentro do valor do preço base) atendendo, nomeadamente, à totalidade da atividade desenvolvida pelo cocontratante que lhe podia permitir compensar prejuízos decorrentes da execução de um determinado contrato à luz da subsidiação cruzada com outros contratos rentáveis».

E estas alterações legislativas decorrem, como se disse, de imposição do direito da UE, no caso, em particular, da Diretiva nº 2014/24/EU, de 26/2, a qual expressava no seu considerando 40:
«O controlo da observância destas disposições ambientais, sociais e laborais deverá ser efetuado nas fases pertinentes do procedimento de contratação, ou seja, ao aplicar os princípios gerais que regem a escolha dos participantes e a adjudicação de contratos, ao aplicar os critérios de exclusão e ao aplicar as disposições relativas às propostas anormalmente baixas (…)».

Em face da atual normação do CCP – pelo menos desde 2017 -, não é mais possível defender que o risco de um preço ou custo insuficiente pode correr apenas por conta das empresas adjudicatárias, sem controlo, nesta sede, por parte das Entidades Adjudicantes; ou que basta uma declaração/compromisso no sentido do cumprimento das obrigações legais; ou que um preço ou custo insuficiente pode ser compensado com recurso a outras fontes de financiamento das empresas adjudicatárias, ou a outros contratos; ou que consubstancie um prejuízo que as empresas adjudicatárias estejam dispostas a suportar, nomeadamente por razões de marketing ou estratégia comercial, em nome da sua “liberdade de gestão empresarial”.

O atual direito nacional, por via do direito da UE, opõe-se claramente a todo este argumentário em nome do “interesse público” e em nome de uma “livre, clara e sã concorrência”.

Assim é que o art. 69º nº 1 da citada Diretiva nº 2014/24/EU - “sempre que estes (preços ou custos indicados na proposta) se revelem anormalmente baixos para as obras, fornecimentos ou serviços a prestar” - estabelece, para o efeito, a relevância da relação “preço/prestação”, no sentido de que o eventual caráter anormalmente baixo de uma proposta deve ser apreciado exclusivamente “face à prestação”, e não pela maior ou menor capacidade dos proponentes, cabendo, em suma, aferir se o preço proposto é, ou não, objetivamente suficiente para cobrir os custos a incorrer.

Pelo exposto, improcedem os argumentos do Recorrente “Município de Coimbra” atrás listados, designadamente (conclusões IX, X, XI, XIV e XV das suas alegações) quanto ao preço da proposta vincular a Adjudicatária face à Entidade Adjudicante, mas não pressupor que o vincule face aos trabalhadores; quanto à Contrainteressada estar sempre vinculada às obrigações legais em matéria laboral; quanto a tais obrigações legais poderem ser cumpridas através de outros recursos da empresa, e não somente pelo preço do contrato; quanto à obtenção, ou não, de apoios à contratação, correr por risco da Adjudicatária, não cumprindo à Entidade Adjudicante controlar este risco; quanto a estar em causa a “liberdade de gestão empresarial” da Contrainteressada, garantida pelo art. 61º da CRP.

10.2. Defende, ainda, o Recorrente “Município de Coimbra” que o Ac.TCAN recorrido errou ao não tomar em conta que a Contrainteressada/Adjudicatária se propunha candidatar-se a apoios ao recrutamento de jovens à procura do 1º emprego e de desempregados de longa duração, o que, a confirmar-se a sua obtenção, justificaria um custo inferior a suportar na execução do contrato.

Mas, como bem julgou o Acórdão recorrido, esta alegação do Recorrente improcede.

É que, para além de, neste caso específico, o caderno de encargos impor, como termo ou condição, a manutenção dos postos de trabalho – o que a Contrainteressada/Adjudicatária se propôs cumprir – e tal resultar incompatível com o recrutamento, para a execução do mesmo contrato, de jovens em 1º emprego e de desempregados de longa duração (pois tal pressupõe, precisamente, a não manutenção dos anteriores trabalhadores), a verdade é que nunca bastaria um mero propósito de candidatura a tais apoios, sem qualquer garantia, demonstrada, quanto à sua obtenção.

É certo que nada obsta a que uma empresa concorrente se proponha executar um contrato público com recurso a apoios públicos do género, e que possa refletir, e justificar, no preço da sua proposta, os custos mais baixos daí decorrentes. Aliás, a alínea e) do nº 4 do art. 71º do CCP (redação do DL nº 111-B/2017) prevê a hipótese de justificação de um preço baixo ou insuficiente através da «possibilidade de obtenção de um auxílio de Estado pelo concorrente, desde que legalmente concedido».

É necessário, todavia, como resulta desta norma, que esteja garantida a obtenção de um tal auxílio.

De contrário – admitir a mera possibilidade de obtenção desse auxílio -, seria fazer com que o “risco” da (in)suficiência do preço apresentado corresse exclusivamente a cargo do concorrente, com alheamento da Entidade Adjudicante, o que já vimos não ser tolerado pelo Direito da UE, e, em decorrência, pelo direito nacional.

10.3. Defende, ainda, o Recorrente “Município de Coimbra”, que, de todo o modo, impunha-se que, antes da exclusão da proposta da Contrainteressada/Adjudicatária, lhe fosse dada oportunidade para esclarecimentos sobre a (in)suficiência do preço proposto, pelo que o Ac.TCAN recorrido, ao julgar a exclusão da proposta, terá, assim, violado tal imposição constante dos nºs 3 e 4 do art. 71º do CCP.

Desde logo, note-se que a Entidade Adjudicante – que é a Recorrente no presente recurso de revista – não solicitou, congruentemente, esclarecimentos no âmbito do procedimento concursal porque entendeu (erradamente) que não lhe competia controlar a (in)suficiência do preço apresentado pela Contrainteressada/Adjudicatária, já que, segundo o seu (errado) entendimento, o “risco” da insuficiência deveria correr exclusivamente a cargo daquela. Segundo esta posição, qualquer preço apresentado seria sempre aceitável, não havendo, logicamente, necessidade de quaisquer esclarecimentos.

Ora, o Ac.TCAN recorrido, contrariamente ao alegado, não desconsiderou esta questão dos esclarecimentos, como o comprova a circunstância de ter expressamente referido que:
«No caso concreto não se vê como poderia o Município demandado assegurar o cumprimento da legislação laboral por parte da ContraInteressada, logo na fase de formação do contrato, que não fosse pela exclusão da sua proposta.
De acordo com os cálculos efetuados pela Recorrente, resumidos na conclusão S) das suas alegações, o cumprimento das obrigações laborais, designadamente do pagamento dos acréscimos devidos pelo trabalho noturno e em dias feriados, implicaria para a ContraInteressada apresentar uma proposta com um mínimo de 6.424€07 para um posto 24 horas de vigilância, acima do valor apresentado, de 6.213€50.
Daí que fosse essencial a apresentação, enquanto documento da proposta, de uma “memória descritiva respeitante aos preços mensais por instalação, que inclui no mínimo: número de horas/mês por tipologia (diurna, noturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados) e custo unitário de vigilante/hora por tipologia (diurna, noturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados)”.
Ora nem em sede de esclarecimentos poderia este incumprimento da lei laboral ser superado pois tal se traduziria numa proposta substancialmente diversa, sendo certo que o valor da proposta era um fator decisivo e essencial no concurso – n.º 2 do artigo 72º do Código de Contratos Públicos.
Conclui-se que o incumprimento de normas laborais, patentes na proposta da ContraInteressada, são fundamento legal, imperativo, para a exclusão da sua proposta».

Note-se que a Contrainteressada/Adjudicatária (“B………………….”) não recorreu do Ac.TCAN – deste tendo interposto recurso de revista, apenas, a Entidade Adjudicante, “Município de Coimbra” -, pelo que a Contrainteressada/Adjudicatária se conformou com o julgamento do Ac.TCAN.

No entanto, a Contrainteressada/Adjudicatária, tendo sido citada para a presente ação, apresentou oportunamente contestação, onde pugnou pela improcedência da mesma.

Ora, nessa contestação (cfr. fls. 247 e segs. SITAF), a Contrainteressada/Adjudicatária esgrime os mesmos argumentos ora esgrimidos pelo Recorrente “Município de Coimbra”, os quais, pelo que já dissemos, se afiguram insustentáveis face à atual normação do CCP (em resultado de imposição do direito e da jurisprudência da UE).
Nomeadamente:
- “A Contrainteressada pode beneficiar das medidas de redução e/ou isenção de contribuições a seu encargo, através dos apoio concedidos pelo IEFP e Segurança Social, não havendo qualquer limitação imposta por lei ou pelo Caderno de Encargos. A Contrainteressada não tem que demonstrar, em concreto, as situações que justificam cada um dos apoios e como esse apoio se iria repercutir objetivamente no preço proposto” – arts. 28º e 30º da contestação;
- “O facto de o preço apresentado poder até ser inferior ao custo dos encargos, o mesmo não significa que seja liminar que vá incumprir o disposto na legislação laboral e de segurança social” – art. 71º da contestação;
- “Não é a execução do contrato que tem de garantir o seu pagamento, mas sim os resultados económico-financeiros de cada contraente” – art. 72º da contestação;
- “Face ao princípio da liberdade de gestão empresarial constante do artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa, da autonomia da estratégia empresarial e do princípio da concorrência, os operadores têm o direito de organizar a sua atividade como bem entendam, de acordo com os seus próprios critérios e opções” – art. 85º da contestação;
- “Nada obriga os concorrentes a organizarem a sua gestão de custos de molde a imputar os custos com os trabalhadores nos preços dos contratos celebrados com os clientes aos quais esses trabalhadores serão afetos, já que é a totalidade das receitas obtidas pela empresa no cômputo geral da sua atividade (ou mesmo a totalidade do seu património) que deverá cobrir a totalidade das despesas geradas por essa atividade” – art. 86º da contestação;
- “Cabe assim a cada concorrente construir e estruturar livremente o preço que propõe, podendo tal preço, simplesmente, espelhar a sua estratégia comercial” – art. 87º da contestação;
- “A redução do preço proposto fundada na atribuição de apoios à contratação, constitui um risco que recai única e exclusivamente sobre a concorrente adjudicatária, situando-se na sua esfera de liberdade de organização empresarial e de risco ou estratégia de gestão; (…) Daí que, se estes benefícios não vierem a ser concedidos, será unicamente a [concorrente] que terá de assumir, em sede de execução do contrato, o acréscimo das despesas que eventualmente não se venham a mostrar “comparticipadas”.

Sendo todo este argumentário frontalmente contrário à atual normação do CCP – pelo menos desde a reforma de 2017 – e certamente contrário ao direito e à jurisprudência da UE, não se vê, como diz o Ac.TCAN recorrido, que a proposta da Contrainteressada/Adjudicatária pudesse ser salva através de quaisquer esclarecimentos, uma vez que a sua defesa é efetuada através de posições ou teses “de direito” que se mostram desconformes com a lei aplicável.

11. A questão do fundamento, cumulativo, de exclusão, por incumprimento do exigido no ponto 6.1. alínea e) do Programa do Concurso

Defende, por último, o Recorrente “Município de Coimbra”, que o Ac.TCAN recorrido errou, ainda, ao julgar que se impunha a exclusão da proposta da Contrainteressada/Adjudicatária também por não ter apresentado documento – expressamente exigido no ponto 6.1.alínea e) do Programa do Concurso – contendo uma “memória descritiva respeitante aos preços mensais por instalação, que inclui, no mínimo: número de horas/mês por tipologia (diurna, noturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados) e custo unitário do vigilante/hora por tipologia (diurna, noturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados)”.

Decidiu o TCAN que o documento apresentado pela Contrainteressada/Adjudicatária não cumpria estas exigências pois que não discriminava, em concreto, como requerido, o trabalho prestado em dias úteis e ao fim de semana, englobando tudo no mesmo preço/hora, o que não satisfazia a necessidade dessa discriminação para verificação do cumprimento, ou não, das obrigações laborais.

O Recorrente alega que, embora não tenha sido apresentada um documento autónomo com as informações solicitadas, a proposta em causa não deixou de fornecer estas informações no documento intitulado “Atributos da proposta”. Defende, pois, que o Ac.TCAN recorrido violou, com esta sua decisão, o disposto nos arts. 57º nº 1 c) e 70º nº 2 a) do CCP.

Porém, o Ac.TCAN julgou, e bem, que as informações prestadas pela proposta não satisfaziam o propósito de controlar a legalidade das verbas calculadas, referentes às obrigações legais em matéria laboral, para o que seria imprescindível (e por isso vinha solicitado) informar o preço/hora referente aos dias úteis e o preço/hora referente aos fins-de-semana, o que a proposta não fez (contrariamente à proposta da Autora/Recorrida).

E não se vê como essa discriminação omitida possa obter-se da análise da proposta, “sem suprimento” (como defende o Recorrente), sendo certo que qualquer esclarecimento ou “suprimento” sempre redundaria, como o Ac.TCAN também bem entendeu, numa alteração substancial da proposta apresentada, em termos não permitidos pelo nº 2 do art. 72º do CCP.

Assim, também improcede a crítica, nesta parte, ao Ac.TCAN recorrido.

Em todo o caso, como decorre de tudo o acima exposto, trata-se aqui de uma cumulativa causa de exclusão (e não de uma causa única de exclusão) da proposta da Contrainteressada/Adjudicatária.


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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Negar provimento ao presente recurso de revista interposto pelo Recorrente “Município de Coimbra”, confirmando-se, assim, o Acórdão do TCAN recorrido.

Custas a cargo do Recorrente “Município de Coimbra”.

D.N.

Lisboa, 22 de setembro de 2022 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) - José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.