Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0127/22.8BCLSB
Data do Acordão:11/03/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P30142
Nº do Documento:SA1202211030127/22
Data de Entrada:10/17/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:SPORTING CLUBE DE PORTUGAL - FUTEBOL, SAD E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF] vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - datado de 25.08.2022 - que, negando provimento à sua apelação, manteve nos seus precisos termos o acórdão - de 04.03.2022 - pelo qual o Tribunal Arbitral do Desporto [TAD], por unanimidade, declarou procedente a acção arbitral interposta por SPORTING CLUBE DE PORTUGAL - Futebol, SAD, e A…………, e, em conformidade, revogou o acórdão - de 11.05.2021 - proferido pelo «Conselho de Disciplina da FPF» [Secção Disciplinar], que condenou estes últimos - no âmbito do processo disciplinar nº……-2020/2021 - nas sanções, respectivamente, de 10.200,00€ e de suspensão por 15 dias e, acessoriamente, de multa de 3.825,00€ - por violação do disposto no artigo 67º [declarações sobre arbitragem antes dos jogos] e 130º [declarações sobre arbitragem antes dos jogos e sobre a organização das competições] do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional [RDLPFP] aplicável à data.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

Os recorridos - SAD e A………… - apresentaram contra-alegações nas quais defendem, além do mais, a decisão de não admissão do recurso de revista por falta de verificação dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Ambas as instâncias - a «arbitral» e «judicial» - entenderam que a decisão do «Conselho de Disciplina da FPF» - que condenou a SPORTING SAD com a sanção de multa de 10.200,00€ e o assessor de comunicação A………… na sanção de suspensão por 15 dias e na sanção acessória de multa de 3.825,00€ por alegadas declarações sobre arbitragem antes dos jogos feitas à «SPORTING TV» [programa Raio x] em 14.12.2020 - não se poderia manter porque o concreto conteúdo das declarações em causa não era susceptível de preencher o ilícito disciplinar previsto e punido pelos «artigos 67º e 130º do RDLPFP» então aplicável.

A FPF, perante a negação de provimento à sua apelação, discorda de novo, reiterando, no fundo, a tese jurídica do acórdão inicial - de 11.05.2021 do seu «Conselho de Disciplina» - bem como o teor das alegações que teceu no âmbito do recurso de apelação. Aponta «erro de julgamento de direito» ao acórdão ora recorrido - mormente na subsunção dos factos ao direito aplicável -, reiterando que analisadas na sua substancialidade as «declarações» feitas por A………… - enquanto «director de comunicação» da SAD sportinguista - são gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol, na medida em que, no contexto em que foram proferidas, se mostram aptas a condicionar a actuação dos elementos de uma concreta equipa de arbitragem.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo. E que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias na jurisprudência ou na doutrina. Por seu lado, a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

A questão nuclear trazida a esta pretensão de revista consiste - como ressuma do já exposto - em saber, assim, se no presente caso estão preenchidos todos os pressupostos de cuja verificação depende a consumação dos «ilícitos disciplinares» previstos e punidos «nos artigos 67º e 130º do RDLPFP» aplicável à data.

O acórdão do «tribunal de apelação», em sintonia com o acórdão arbitral, considerou que não, pois que as declarações proferidas por A………… não se mostram «aptas a colocar em causa a imparcialidade e competência» da equipa de arbitragem, nem «a condicionar as suas futuras prestações», nem a ferir «a honra dos seus elementos», pelo que «não se vislumbra que ele tenha adoptado uma conduta ilícita» e violadora do regime disciplinar aplicável, mormente do artigo 67º do RDLPFP, sendo certo que o sancionamento da SAD sportinguista resulta tão-só, e automaticamente, do daquele.

Este acórdão desenvolve uma subsunção dos factos ao direito em causa perfeitamente aceitável, e apoiado em jurisprudência nacional e internacional [TEDH], que cita. Entre a primeira, destaca-se o recente acórdão deste Supremo Tribunal que, enquanto tribunal de revista - e em caso muito semelhante ao presente - sancionou solução jurídica idêntica - AC STA de 09.09.2021, processo nº050/20.0BCLSB. E concluiu que as declarações aqui em causa se traduzem no mero e legítimo exercício opinativo de quem as proferiu, sem que constituam afirmações excessivas ou difamatórias, toleradas ao abrigo da liberdade de expressão, pois não têm, nem subjectiva nem objectivamente, aptidão ofensiva da honra e consideração devida aos árbitros, nem violam os princípios da actividade desportiva.

Aparentemente o presente caso está bem decidido - por duas instâncias - e na esteira de jurisprudência recente, sendo que, em face da mesma, a actual factualidade se mostra ostensivamente mais benévola que a tratada no referido aresto do tribunal de revista. Aliás, é sintomático que no âmbito do processo disciplinar, que está na base deste caso judicial, o próprio instrutor tenha proposto o arquivamento, afirmando que «não estão verificados os elementos objectivos e/ou subjectivos dos ilícitos disciplinares».

Pelo que fica dito, a «complexidade» da questão trazida à pretensão de revista é muito relativa, pois se trata de caso relativamente fácil de enquadrar em face das normas em causa, e que tudo indica estar bem decidido.

É certo que os comportamentos neste âmbito desportivo, pelo impacto que têm, são, à partida, dotados de relevância social, todavia, os contornos específicos da «questão» aqui em causa perdem impacto no âmbito da solução jurídica encontrada, pois que a mesma se impõe, neste caso, de modo quase incontroverso, retirando-lhe importância fundamental a nível jurídico e até social.

Deste modo, tudo aponta para que a presente revista não deva ser admitida, quer por não se mostrar «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito», como ainda por, face aos contornos do litígio, ser desprovida de «importância fundamental».

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, pelo que não será este caso susceptível de quebrar a «regra da excepcionalidade» da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Novembro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.