Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0276/17 |
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Data do Acordão: | 04/11/2018 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | FRANCISCO ROTHES |
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Descritores: | LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS TRIBUTAÇÃO DIVIDENDOS INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO |
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Sumário: | I - Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação. II - Tendo em conta o disposto no art. 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, em face da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos, impõe-se apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa – maxime a sua alegada isenção de tributação – para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos, em ordem a fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais (art. 56.º do TCE, actual art. 63.º do TFUE). III - Não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir a questão, há que ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, após ampliação da matéria de facto pertinente. |
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Nº Convencional: | JSTA000P23133 |
Nº do Documento: | SA2201804110276 |
Data de Entrada: | 03/09/2017 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A............ |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2214/09.9BELRS
1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (de fls. 354 a 372) que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A…………” (doravante Recorrida ou Impugnante), na sequência do indeferimento de pedido de revisão oficiosa, anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), por retenção na fonte, efectuada quando da colocação à disposição da Impugnante dos dividendos distribuídos pela sociedade, sua participada, “B…………, S.A.” (a seguir “B…………”), condenando a Fazenda Pública à restituição desse montante, acrescido de juros indemnizatórios. 1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.): «I- Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a retenção na fonte, à taxa liberatória de 25% sobre os dividendos distribuídos pela sociedade B............ à impugnante, violava o princípio da livre circulação de capitais, em razão da localização da sede da impugnante, ou seja, haveria uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes. II- Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede. III- Relativamente à causa decidendi, a Administração Tributária aquilatou que a douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes. IV- O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art. 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros. V- Na verdade, o Estado-Membro da entidade distribuidora dos dividendos, cumpriu com todos os preceitos legislativos, pelo que não se vislumbra o mesmo possa violar o direito comunitário. VI- Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, B............, efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário. VII- Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária. VIII- Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos arts. 12.º, 46.º, 48.º e 56.º do Tratado CE. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais». 1.3 A Recorrida contra-alegou, formulando conclusões do seguinte teor: «A. Andou bem o douto Tribunal a quo ao proferir a decisão, ora em recurso, manifestando uma correcta valoração da matéria de facto e de direito com interesse para a decisão, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida e, por conseguinte, anulando a liquidação impugnada, no montante de € 246.426,22 referente à retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos pelo B............ em 08/11/2004, e, em consequência, condenando a Fazenda Pública no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios. B. Com efeito, não pode a presente acção deixar de proceder por provada, pois, no presente caso, à Fazenda Pública não assiste qualquer razão ao alegar: (i) a falta de comparabilidade entre a situação da sociedade beneficiária de dividendos quando é residente e quando não é residente; (ii) a inexistência de efeito directo da Directiva; e (iii) a inexistência de efeito directo do artigo 56.º do TCE. C. Perante o teor da motivação apresentada pela Fazenda Pública em face das quais esta extraiu as suas conclusões, cumpre antes de mais referir que, conforme é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é precisamente pelas conclusões que a Recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT). D. Assim sendo, foca-se a questão em discussão nos presentes autos e objecto do presente Recurso unicamente na discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa em violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrada nos artigos 56.º e 58.º do TCE (actualmente artigos 53.º e 65.º do TFUE), encontrando-se, por conseguinte, o objecto do presente recurso concretamente identificado no ponto II nas Conclusões apresentadas pela Fazenda Pública: “(...) o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede”. E. No que respeita à questão da comparabilidade entre a situação de uma entidade residente e de uma entidade não residente, existe hoje sobre a matéria extensa jurisprudência, assente e pacífica, quer do Tribunal de Justiça, quer dos Tribunais nacionais, sendo evidente que se trata de situações comparáveis e que o regime na legislação português apresenta um tratamento discriminatório de residentes e não residentes, conforme se enunciou e ficou demonstrado na presente acção. F. A obrigação de proceder à retenção na fonte sobre os dividendos recebidos por entidades não residentes decorria do n.º 1, c) do artigo n.º 88.º, e n.º 2, c) do artigo n.º 80.º do CIRC, nas redacções em vigor à data dos factos, bem como do n.º 3 do artigo n.º 14.º do CIRC, a contrario, estando também idêntica obrigação prevista para entidades residentes em território nacional mas relativamente às quais se estabelecia a dispensa deste dever, bem como a não tributação dos dividendos recebidos nos termos dos artigos 90.º n.º 1 c) e 46.º n.º 1 (nas redacções em vigor à data). G. A análise comparativa dos referidos regimes conduz à conclusão de que as entidades residentes beneficiavam da isenção da tributação dos dividendos (e não apenas da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos) em condições substancialmente mais favoráveis do que as entidades beneficiárias não residentes. H. Sendo uma sociedade residente para efeitos fiscais na Holanda, a Recorrida foi sujeita a retenção na fonte em Portugal relativamente aos dividendos que lhe foram distribuídos pelo B............, facto que padece de ilegalidade por violação do direito europeu, nomeadamente, do princípio da livre circulação de capitais. I. Porquanto, caso fosse a Recorrida residente para efeitos fiscais em Portugal, os lucros distribuídos pelo B............ seriam deduzidos da base tributável para efeitos de determinação do lucro tributável da beneficiária e estariam dispensados de retenção na fonte. J. Ou seja, não incidiria qualquer tributação ao nível da beneficiária sobre os dividendos recebidos, ao contrário do que sucede no caso da Recorrida em resultado apenas da sua residência noutro país da EU que não Portugal, o que configura uma verdadeira discriminação proibida pelo artigo 58.º n.º 3 do TCE, restritiva da liberdade de circulação de capitais estabelecida pelo artigo 56.º TCE (ora, artigo 63.º do TFUE), e do investimento de sociedades não residentes em Portugal. K. A referida discriminação do tratamento não é resolvida nem pelo direito interno nem por via convencional, conforme reconheceu o TJUE nos Acórdãos Secilpar (Processo C-199/10) e Amorim Energia BY (Processo C-38/11). L. Na realidade, a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito na Holanda pelos impostos retidos na fonte em Portugal sobre os dividendos pagos pelo B............, porquanto esses dividendos se encontravam isentos de tributação na Holanda ao abrigo do regime de participation exemption Holandês. M. Desta forma, a Recorrida foi obrigada a efectuar um esforço fiscal maior – correspondente à retenção efectuada – do que uma sociedade nas mesmas condições (i.e., mesmo nível de participação, pelo mesmo período) residente em território nacional. N. Esta diferença de tratamento consubstancia uma restrição da liberdade de circulação de capitais, porquanto reduz o retomo económico que uma sociedade não residente obtém de uma participação social numa sociedade Portuguesa, em comparação com a detenção, em iguais condições, por parte de uma sociedade residente em Portugal, criando um obstáculo ao investimento em Portugal por parte de residentes de outros Estados Membros, maxime, uma restrição à livre circulação de capitais. O. Ora, a violação invocada tem, não só, correspondência legal – o actual art. 63.º do TFUE – como apoio na jurisprudência vasta e unânime do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais, que inclusivamente já se pronunciaram no sentido de as diferenças de tributação sobre os dividendos serem discriminatórias e restritivas da liberdade de circulação de capitais em situações idênticas à da Recorrida. P. Conforme foi decidido repetidas vezes pelo TJUE (designadamente, nos enunciados processos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, Denkavit Internationaal e Denkavit France, e Amurta), as situações como a sob análise são situações comparáveis na medida em que “(...) a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.º 35, e Amurta, n.º 38)”. Q. No mesmo sentido foi a decisão tomada pelo TJUE nos já enunciados Processo C-199/10 (Secilpar) e Processo C-38/11 (Amorim), disponíveis em http://curia.europa.eu, pronunciando-se sobre uma situação idêntica à situação em análise nos presentes autos por existir uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais. R. Assim como neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo nos Acórdãos proferidos em 07/10/2015 e 12/11/2014, nos Recursos n.º 768/13 e n.º 461/14-30, respectivamente, negando provimento à pretensão da Fazenda Pública e confirmando as decisões proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito dos processos n.º 53/09.6BELRS e n.º 52/09.8BELRS, impugnações nas quais era parte a Recorrida e nas quais se discutiu matéria de facto e de direito em tudo semelhante à que se encontra ora em discussão e cujas decisões se encontram juntas aos presentes autos. S. Deste modo, ter-se-á de concluir que as situações em discussão são objectivamente comparáveis pelo que estamos perante um caso de discriminação e não de mero tratamento desigual justificado pelas diferenças objectivas de tributação entre residentes e não residentes, como pretende a Fazenda Pública. T. Tal como foi já referido, o Direito da União Europeia tem primazia sobre as normas de direito interno, nos termos do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, gozando o princípio da liberdade de circulação de capitais, incluído no artigo 56.º do TCE (actual artigo 63.º e seguintes do TFUE), de aplicação directa no nosso ordenamento jurídico, impondo uma clara, precisa e incondicional obrigação de abstenção conforme já foi amplamente reconhecido pelo TJUE. U. Assim sendo, estando sociedades residentes e sociedades não residentes em situações comparáveis, o benefício de uma isenção de tributação deve, igualmente, ser estendido a residentes e não residentes nos mesmos exactos termos. V. Nestes termos, a retenção na fonte de que a Recorrida foi alvo no âmbito da distribuição de dividendos do B............ ora em crise, é ilegal por violadora das liberdades fundamentais estabelecidas no TCE/TFUE, em particular, da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 56.º e seguintes do TCE (actual artigo 63.º do TFUE) porquanto, embora titular de uma participação social representativa de menos de 10% do capital social do B............, a verdade é que o valor de aquisição das mesmas é consideravelmente superior a EUR 20.000.000,00 (vinte milhões de euros), cumprindo deste modo os requisitos exigidos pela lei interna para isenção de tributação dos lucros distribuídos entre entidades residentes em Portugal. W. Vigorando em Portugal o princípio do primado do Direito Comunitário tanto os Tribunais como a Administração Fiscal estão vinculados à sua estrita aplicação, ainda que a norma comunitária imponha normativos diferentes dos impostos pela lei interna (primando aquela sobre esta). X. Sobre esta matéria, o próprio TJUE não se tem furtado a reconhecer direitos aos particulares directamente decorrentes do artigo 56.º TCE, nomeadamente nos Acórdãos C-35/98 Verkooijen, C-334/02 Comission v. France, C-315/02 Lenz, C-319/02 Manninen e C-329/05 Meindl, disponíveis em http://curia.europa.eu. Y. A consagração do direito aos juros indemnizatórios prevista nos artigos 43.º e 100.º da LGT, bem como no artigo 61.º do CPPT, mais não é do que a concretização, em matéria fiscal, do direito à indemnização com fundamento constitucional no artigo 22.º da CRP. Z. A imputabilidade do erro aos serviços visa excluir unicamente as situações em que o erro seja imputável ao sujeito passivo e a Administração Tributária não tenha tido oportunidade de o corrigir. AA. No presente caso, a ilegalidade da liquidação não decorre de qualquer erro do sujeito passivo ou do substituto tributário mas antes da aplicação directa das normas de direito interno que inequivocamente impunham o dever de retenção na fonte sobre os dividendos pagos a entidades não residentes. Ilegalidade essa, que foi mantida pela Administração Tributária em todas as oportunidades que teve para revogar o acto e que continua a ser defendida no presente recurso. BB. Também quanto a este aspecto bem andou o Tribunal a quo ao decidir que resultando dos autos “(...) que a liquidação colocada em causa nos autos viola o direito comunitário, (...) deverá entender-se que o acto impugnado enfermando de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito é imputável ao Réu [Administração Tributária], para efeitos do disposto no art. 43.º, n.º 1, da LGT”. CC. Pelo que, por força do artigo 43.º n.º 1 da LGT, tem a Recorrida direito a juros indemnizatórios, devidos nos termos do disposto no artigo 61.º n.º 3 do CPPT, desde a data da retenção na fonte, porquanto o referido acto teria sido praticado nos exactos mesmo moldes se houvesse sido praticado ab initio pela Administração Tributária e não por um substituto tributário. DD. Em face do exposto, sendo patente o vício de violação de lei que ostenta o acto impugnado, assim como totalmente incompreensível a postura assumida pela Representação da Fazenda Pública (persistindo em comportamentos dilatórios e lides que não se justificam quando já existe uma assumida orientação jurisprudencial nacional e comunitária formada e expressa em decisões unânimes dos tribunais sobre a matéria em discussão nos presentes autos), bem decidiu nesse mesmo sentido a douta Sentença recorrida, devendo a mesma, por conseguinte, ser mantida na íntegra na ordem jurídica e improceder o recurso da Fazenda Pública. Termos em que, em face da fundamentação exposta e porque a douta sentença recorrida bem decidiu, deve esta ser mantida na ordem jurídica e, por conseguinte, negado provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública. Assim decidindo farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA». 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação: «[…] 1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos. 1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «1- A impugnante é uma sociedade comercial de direito holandês, denominada “............”, com sede social na Holanda, sem direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional – cfr. fls. 36 dos autos; 2- Em 19/05/1999, a impugnante tornou-se accionista do B…………, este com sede em Portugal, adquirindo 6.000.000 acções por um valor unitário de 26,63 €, no montante total de 159.780.000, procedendo a sucessivas aquisições até 2008 – Acordo; 3- Em 08/11/2004, o B............ procedeu à distribuição de dividendos aos seus accionistas, relativos às acções identificadas pelo código PTB............OAM0007, no montante bruto de € 0,03, por acção – cfr. fls. 31 e 32 dos autos; 4- No âmbito da referida distribuição de dividendos, a impugnante titular de 82.142.072 acções, auferiu um rendimento bruto de € 2.464.262,16, o qual foi objecto de retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante total de € 616.065,54 – cfr. fls. 31 e 32 dos autos; 5- Em 09/11/2004, a impugnante apresentou pedido de reembolso parcial do imposto português sobre dividendos mencionados na alínea anterior, ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, através de formulário 14 RFI – Acordo; 6- Em 11/11/2008, a ora impugnante apresenta junto do Director-Geral dos Impostos pedido de revisão do acto tributário (art. 78.º da LGT), solicitando o reembolso do montante de € 616.065,54, acrescido de juros indemnizatórios – cfr. fls. 62 a 84 do processo administrativo em apenso aos autos; 7- Em 20/12/2008, a taxa de retenção na fonte veio a ser corrigida pela A.T. tendo sido efectuado o reembolso à impugnante no valor de € 369.639,32, por meio de cheque emitido em 22/12/2008 e pago em 27/01/2009 (Guia de RF n.º 80037105167) – cfr. fls. 12 e 13 do processo administrativo em apenso aos autos; 8- Em 14/05/2009, pela Directora de Serviços da DSIRC, é proferido despacho do projecto de decisão, para o exercício do direito de audição prévia, estribado na informação n.º 671/09 (…) no caso em apreço, a Administração Tributária não teve participação directa na liquidação, uma vez que esta foi da responsabilidade do substituto tributário que efectuou a retenção na fonte. E, nestes termos, não é líquido que existindo erro na liquidação, este possa ser imputado à Administração fiscal; Pois, conforme no n.º 2 do art. 78.º da LGT, apenas para efeito de pedido de revisão, o erro na autoliquidação é equiparado a erro dos serviços; Todavia, considerando que foi aqui posta em causa legislação fiscal portuguesa relativa a dividendos pagos por sociedade residente a outra residente noutro Estado-Membro, admite-se que indirectamente possa ter existido erro imputável aos serviços; Ora, a liquidação de imposto por retenção na fonte sobre os dividendos pagos pelo banco português a seu accionista neerlandês, foi efectuada na estrita observância do disposto nos arts. 88.º, 89.º, 90.º, todos do CIRC e no art. 10.º da CEDT respectiva (...) E, verificando-se a inexistência de qualquer vício na relação jurídica tributária, é devido o imposto retido na fonte (...) Por conseguinte, não se dando por verificado qualquer erro nos pressupostos de facto e de direito da relação jurídico-tributária, não há qualquer erro imputável aos Serviços da Administração fiscal que justifique a revisão da liquidação. E nestes termos não é legítimo o pedido de revisão; Pelo que não deverá ser promovida a revisão da liquidação (…)” – cfr. fls. 46 a 56 dos autos; 9- Em 20/10/2009, a impugnante foi notificada da decisão da A.T. que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, indeferindo o mesmo – cfr. fls. 2 e 3 do processo administrativo em apenso aos autos; 10- Em 04/11/2009, por meio de carta registada com aviso de recepção é remetida à Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, petição inicial que consubstancia a presente impugnação judicial – cfr. fls. 3 a 64 dos presentes autos». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR A ora Recorrida é uma sociedade de direito neerlandês, com sede social na Holanda, sem direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional. Em 2004, recebeu dividendos da sociedade nacional “B…………, S.A.”, na qual detinha uma participação no capital social. * 2.2.2 DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS COMUNITÁRIOS DA NÃO DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA NACIONALIDADE E DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS A referida questão tem vindo a ser colocada repetidamente a este Supremo Tribunal Administrativo, que lhe tem vindo a dar resposta uniforme (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: * 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação. II - Tendo em conta o disposto no art. 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, em face da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos, impõe-se apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa – maxime a sua alegada isenção de tributação – para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos, em ordem a fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais (art. 56.º do TCE, actual art. 63.º do TFUE). III - Não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir a questão, há que ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, após ampliação da matéria de facto pertinente. * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova sentença, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados. * Custas pela Recorrida. * |