Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0276/17
Data do Acordão:04/11/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
TRIBUTAÇÃO
DIVIDENDOS
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
II - Tendo em conta o disposto no art. 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, em face da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos, impõe-se apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa – maxime a sua alegada isenção de tributação – para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos, em ordem a fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais (art. 56.º do TCE, actual art. 63.º do TFUE).
III - Não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir a questão, há que ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, após ampliação da matéria de facto pertinente.
Nº Convencional:JSTA000P23133
Nº do Documento:SA2201804110276
Data de Entrada:03/09/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2214/09.9BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (de fls. 354 a 372) que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A…………” (doravante Recorrida ou Impugnante), na sequência do indeferimento de pedido de revisão oficiosa, anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), por retenção na fonte, efectuada quando da colocação à disposição da Impugnante dos dividendos distribuídos pela sociedade, sua participada, “B…………, S.A.” (a seguir “B…………”), condenando a Fazenda Pública à restituição desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«I- Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a retenção na fonte, à taxa liberatória de 25% sobre os dividendos distribuídos pela sociedade B............ à impugnante, violava o princípio da livre circulação de capitais, em razão da localização da sede da impugnante, ou seja, haveria uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes.

II- Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede.

III- Relativamente à causa decidendi, a Administração Tributária aquilatou que a douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.

IV- O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art. 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.

V- Na verdade, o Estado-Membro da entidade distribuidora dos dividendos, cumpriu com todos os preceitos legislativos, pelo que não se vislumbra o mesmo possa violar o direito comunitário.

VI- Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, B............, efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.

VII- Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.

VIII- Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos arts. 12.º, 46.º, 48.º e 56.º do Tratado CE.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais».

1.3 A Recorrida contra-alegou, formulando conclusões do seguinte teor:

«A. Andou bem o douto Tribunal a quo ao proferir a decisão, ora em recurso, manifestando uma correcta valoração da matéria de facto e de direito com interesse para a decisão, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida e, por conseguinte, anulando a liquidação impugnada, no montante de € 246.426,22 referente à retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos pelo B............ em 08/11/2004, e, em consequência, condenando a Fazenda Pública no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

B. Com efeito, não pode a presente acção deixar de proceder por provada, pois, no presente caso, à Fazenda Pública não assiste qualquer razão ao alegar: (i) a falta de comparabilidade entre a situação da sociedade beneficiária de dividendos quando é residente e quando não é residente; (ii) a inexistência de efeito directo da Directiva; e (iii) a inexistência de efeito directo do artigo 56.º do TCE.

C. Perante o teor da motivação apresentada pela Fazenda Pública em face das quais esta extraiu as suas conclusões, cumpre antes de mais referir que, conforme é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é precisamente pelas conclusões que a Recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT).

D. Assim sendo, foca-se a questão em discussão nos presentes autos e objecto do presente Recurso unicamente na discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa em violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrada nos artigos 56.º e 58.º do TCE (actualmente artigos 53.º e 65.º do TFUE), encontrando-se, por conseguinte, o objecto do presente recurso concretamente identificado no ponto II nas Conclusões apresentadas pela Fazenda Pública: “(...) o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede”.

E. No que respeita à questão da comparabilidade entre a situação de uma entidade residente e de uma entidade não residente, existe hoje sobre a matéria extensa jurisprudência, assente e pacífica, quer do Tribunal de Justiça, quer dos Tribunais nacionais, sendo evidente que se trata de situações comparáveis e que o regime na legislação português apresenta um tratamento discriminatório de residentes e não residentes, conforme se enunciou e ficou demonstrado na presente acção.

F. A obrigação de proceder à retenção na fonte sobre os dividendos recebidos por entidades não residentes decorria do n.º 1, c) do artigo n.º 88.º, e n.º 2, c) do artigo n.º 80.º do CIRC, nas redacções em vigor à data dos factos, bem como do n.º 3 do artigo n.º 14.º do CIRC, a contrario, estando também idêntica obrigação prevista para entidades residentes em território nacional mas relativamente às quais se estabelecia a dispensa deste dever, bem como a não tributação dos dividendos recebidos nos termos dos artigos 90.º n.º 1 c) e 46.º n.º 1 (nas redacções em vigor à data).

G. A análise comparativa dos referidos regimes conduz à conclusão de que as entidades residentes beneficiavam da isenção da tributação dos dividendos (e não apenas da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos) em condições substancialmente mais favoráveis do que as entidades beneficiárias não residentes.

H. Sendo uma sociedade residente para efeitos fiscais na Holanda, a Recorrida foi sujeita a retenção na fonte em Portugal relativamente aos dividendos que lhe foram distribuídos pelo B............, facto que padece de ilegalidade por violação do direito europeu, nomeadamente, do princípio da livre circulação de capitais.

I. Porquanto, caso fosse a Recorrida residente para efeitos fiscais em Portugal, os lucros distribuídos pelo B............ seriam deduzidos da base tributável para efeitos de determinação do lucro tributável da beneficiária e estariam dispensados de retenção na fonte.

J. Ou seja, não incidiria qualquer tributação ao nível da beneficiária sobre os dividendos recebidos, ao contrário do que sucede no caso da Recorrida em resultado apenas da sua residência noutro país da EU que não Portugal, o que configura uma verdadeira discriminação proibida pelo artigo 58.º n.º 3 do TCE, restritiva da liberdade de circulação de capitais estabelecida pelo artigo 56.º TCE (ora, artigo 63.º do TFUE), e do investimento de sociedades não residentes em Portugal.

K. A referida discriminação do tratamento não é resolvida nem pelo direito interno nem por via convencional, conforme reconheceu o TJUE nos Acórdãos Secilpar (Processo C-199/10) e Amorim Energia BY (Processo C-38/11).

L. Na realidade, a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito na Holanda pelos impostos retidos na fonte em Portugal sobre os dividendos pagos pelo B............, porquanto esses dividendos se encontravam isentos de tributação na Holanda ao abrigo do regime de participation exemption Holandês.

M. Desta forma, a Recorrida foi obrigada a efectuar um esforço fiscal maior – correspondente à retenção efectuada – do que uma sociedade nas mesmas condições (i.e., mesmo nível de participação, pelo mesmo período) residente em território nacional.

N. Esta diferença de tratamento consubstancia uma restrição da liberdade de circulação de capitais, porquanto reduz o retomo económico que uma sociedade não residente obtém de uma participação social numa sociedade Portuguesa, em comparação com a detenção, em iguais condições, por parte de uma sociedade residente em Portugal, criando um obstáculo ao investimento em Portugal por parte de residentes de outros Estados Membros, maxime, uma restrição à livre circulação de capitais.

O. Ora, a violação invocada tem, não só, correspondência legal – o actual art. 63.º do TFUE – como apoio na jurisprudência vasta e unânime do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais, que inclusivamente já se pronunciaram no sentido de as diferenças de tributação sobre os dividendos serem discriminatórias e restritivas da liberdade de circulação de capitais em situações idênticas à da Recorrida.

P. Conforme foi decidido repetidas vezes pelo TJUE (designadamente, nos enunciados processos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, Denkavit Internationaal e Denkavit France, e Amurta), as situações como a sob análise são situações comparáveis na medida em que “(...) a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.º 35, e Amurta, n.º 38)”.

Q. No mesmo sentido foi a decisão tomada pelo TJUE nos já enunciados Processo C-199/10 (Secilpar) e Processo C-38/11 (Amorim), disponíveis em http://curia.europa.eu, pronunciando-se sobre uma situação idêntica à situação em análise nos presentes autos por existir uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais.

R. Assim como neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo nos Acórdãos proferidos em 07/10/2015 e 12/11/2014, nos Recursos n.º 768/13 e n.º 461/14-30, respectivamente, negando provimento à pretensão da Fazenda Pública e confirmando as decisões proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito dos processos n.º 53/09.6BELRS e n.º 52/09.8BELRS, impugnações nas quais era parte a Recorrida e nas quais se discutiu matéria de facto e de direito em tudo semelhante à que se encontra ora em discussão e cujas decisões se encontram juntas aos presentes autos.

S. Deste modo, ter-se-á de concluir que as situações em discussão são objectivamente comparáveis pelo que estamos perante um caso de discriminação e não de mero tratamento desigual justificado pelas diferenças objectivas de tributação entre residentes e não residentes, como pretende a Fazenda Pública.

T. Tal como foi já referido, o Direito da União Europeia tem primazia sobre as normas de direito interno, nos termos do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, gozando o princípio da liberdade de circulação de capitais, incluído no artigo 56.º do TCE (actual artigo 63.º e seguintes do TFUE), de aplicação directa no nosso ordenamento jurídico, impondo uma clara, precisa e incondicional obrigação de abstenção conforme já foi amplamente reconhecido pelo TJUE.

U. Assim sendo, estando sociedades residentes e sociedades não residentes em situações comparáveis, o benefício de uma isenção de tributação deve, igualmente, ser estendido a residentes e não residentes nos mesmos exactos termos.

V. Nestes termos, a retenção na fonte de que a Recorrida foi alvo no âmbito da distribuição de dividendos do B............ ora em crise, é ilegal por violadora das liberdades fundamentais estabelecidas no TCE/TFUE, em particular, da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 56.º e seguintes do TCE (actual artigo 63.º do TFUE) porquanto, embora titular de uma participação social representativa de menos de 10% do capital social do B............, a verdade é que o valor de aquisição das mesmas é consideravelmente superior a EUR 20.000.000,00 (vinte milhões de euros), cumprindo deste modo os requisitos exigidos pela lei interna para isenção de tributação dos lucros distribuídos entre entidades residentes em Portugal.

W. Vigorando em Portugal o princípio do primado do Direito Comunitário tanto os Tribunais como a Administração Fiscal estão vinculados à sua estrita aplicação, ainda que a norma comunitária imponha normativos diferentes dos impostos pela lei interna (primando aquela sobre esta).

X. Sobre esta matéria, o próprio TJUE não se tem furtado a reconhecer direitos aos particulares directamente decorrentes do artigo 56.º TCE, nomeadamente nos Acórdãos C-35/98 Verkooijen, C-334/02 Comission v. France, C-315/02 Lenz, C-319/02 Manninen e C-329/05 Meindl, disponíveis em http://curia.europa.eu.

Y. A consagração do direito aos juros indemnizatórios prevista nos artigos 43.º e 100.º da LGT, bem como no artigo 61.º do CPPT, mais não é do que a concretização, em matéria fiscal, do direito à indemnização com fundamento constitucional no artigo 22.º da CRP.

Z. A imputabilidade do erro aos serviços visa excluir unicamente as situações em que o erro seja imputável ao sujeito passivo e a Administração Tributária não tenha tido oportunidade de o corrigir.

AA. No presente caso, a ilegalidade da liquidação não decorre de qualquer erro do sujeito passivo ou do substituto tributário mas antes da aplicação directa das normas de direito interno que inequivocamente impunham o dever de retenção na fonte sobre os dividendos pagos a entidades não residentes. Ilegalidade essa, que foi mantida pela Administração Tributária em todas as oportunidades que teve para revogar o acto e que continua a ser defendida no presente recurso.

BB. Também quanto a este aspecto bem andou o Tribunal a quo ao decidir que resultando dos autos “(...) que a liquidação colocada em causa nos autos viola o direito comunitário, (...) deverá entender-se que o acto impugnado enfermando de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito é imputável ao Réu [Administração Tributária], para efeitos do disposto no art. 43.º, n.º 1, da LGT”.

CC. Pelo que, por força do artigo 43.º n.º 1 da LGT, tem a Recorrida direito a juros indemnizatórios, devidos nos termos do disposto no artigo 61.º n.º 3 do CPPT, desde a data da retenção na fonte, porquanto o referido acto teria sido praticado nos exactos mesmo moldes se houvesse sido praticado ab initio pela Administração Tributária e não por um substituto tributário.

DD. Em face do exposto, sendo patente o vício de violação de lei que ostenta o acto impugnado, assim como totalmente incompreensível a postura assumida pela Representação da Fazenda Pública (persistindo em comportamentos dilatórios e lides que não se justificam quando já existe uma assumida orientação jurisprudencial nacional e comunitária formada e expressa em decisões unânimes dos tribunais sobre a matéria em discussão nos presentes autos), bem decidiu nesse mesmo sentido a douta Sentença recorrida, devendo a mesma, por conseguinte, ser mantida na íntegra na ordem jurídica e improceder o recurso da Fazenda Pública.

Termos em que, em face da fundamentação exposta e porque a douta sentença recorrida bem decidiu, deve esta ser mantida na ordem jurídica e, por conseguinte, negado provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Assim decidindo farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

«[…]
De facto, como se diz no sumário do acórdão do STA, de 08/02/2017 - recurso 0678/16 (disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt) “Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE que (i) os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.
No caso em análise a retenção na fonte foi efectuada ao abrigo da lei interna, artigos 4.º/ 3/c)/3, 80.º/2/c), 88.º/1/c/3/c)/5), todos do CIRC e artigo 59.º/1 do EBF, com respeito do estatuído no artigo 10.º/2/b) da CDT Portugal/Holanda.
A retenção em causa poderia ser, abstractamente, neutralizada pela aplicação de um crédito de imposto, nos termos do estatuído no artigo 24.º/2/4 da referida CDT.
Sucede que o Direito Holandês (artigo 13.º do CIRC holandês) isenta de tributação os dividendos em causa, impedindo, assim, em concreto, a efectivação da neutralização da retenção na fonte.
A sentença recorrida não merece, assim, censura».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1- A impugnante é uma sociedade comercial de direito holandês, denominada “............”, com sede social na Holanda, sem direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional – cfr. fls. 36 dos autos;

2- Em 19/05/1999, a impugnante tornou-se accionista do B…………, este com sede em Portugal, adquirindo 6.000.000 acções por um valor unitário de 26,63 €, no montante total de 159.780.000, procedendo a sucessivas aquisições até 2008 – Acordo;

3- Em 08/11/2004, o B............ procedeu à distribuição de dividendos aos seus accionistas, relativos às acções identificadas pelo código PTB............OAM0007, no montante bruto de € 0,03, por acção – cfr. fls. 31 e 32 dos autos;

4- No âmbito da referida distribuição de dividendos, a impugnante titular de 82.142.072 acções, auferiu um rendimento bruto de € 2.464.262,16, o qual foi objecto de retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante total de € 616.065,54 – cfr. fls. 31 e 32 dos autos;

5- Em 09/11/2004, a impugnante apresentou pedido de reembolso parcial do imposto português sobre dividendos mencionados na alínea anterior, ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, através de formulário 14 RFI – Acordo;

6- Em 11/11/2008, a ora impugnante apresenta junto do Director-Geral dos Impostos pedido de revisão do acto tributário (art. 78.º da LGT), solicitando o reembolso do montante de € 616.065,54, acrescido de juros indemnizatórios – cfr. fls. 62 a 84 do processo administrativo em apenso aos autos;

7- Em 20/12/2008, a taxa de retenção na fonte veio a ser corrigida pela A.T. tendo sido efectuado o reembolso à impugnante no valor de € 369.639,32, por meio de cheque emitido em 22/12/2008 e pago em 27/01/2009 (Guia de RF n.º 80037105167) – cfr. fls. 12 e 13 do processo administrativo em apenso aos autos;

8- Em 14/05/2009, pela Directora de Serviços da DSIRC, é proferido despacho do projecto de decisão, para o exercício do direito de audição prévia, estribado na informação n.º 671/09 (…) no caso em apreço, a Administração Tributária não teve participação directa na liquidação, uma vez que esta foi da responsabilidade do substituto tributário que efectuou a retenção na fonte. E, nestes termos, não é líquido que existindo erro na liquidação, este possa ser imputado à Administração fiscal; Pois, conforme no n.º 2 do art. 78.º da LGT, apenas para efeito de pedido de revisão, o erro na autoliquidação é equiparado a erro dos serviços; Todavia, considerando que foi aqui posta em causa legislação fiscal portuguesa relativa a dividendos pagos por sociedade residente a outra residente noutro Estado-Membro, admite-se que indirectamente possa ter existido erro imputável aos serviços; Ora, a liquidação de imposto por retenção na fonte sobre os dividendos pagos pelo banco português a seu accionista neerlandês, foi efectuada na estrita observância do disposto nos arts. 88.º, 89.º, 90.º, todos do CIRC e no art. 10.º da CEDT respectiva (...) E, verificando-se a inexistência de qualquer vício na relação jurídica tributária, é devido o imposto retido na fonte (...) Por conseguinte, não se dando por verificado qualquer erro nos pressupostos de facto e de direito da relação jurídico-tributária, não há qualquer erro imputável aos Serviços da Administração fiscal que justifique a revisão da liquidação. E nestes termos não é legítimo o pedido de revisão; Pelo que não deverá ser promovida a revisão da liquidação (…)” – cfr. fls. 46 a 56 dos autos;

9- Em 20/10/2009, a impugnante foi notificada da decisão da A.T. que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, indeferindo o mesmo – cfr. fls. 2 e 3 do processo administrativo em apenso aos autos;

10- Em 04/11/2009, por meio de carta registada com aviso de recepção é remetida à Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, petição inicial que consubstancia a presente impugnação judicial – cfr. fls. 3 a 64 dos presentes autos».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrida é uma sociedade de direito neerlandês, com sede social na Holanda, sem direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional. Em 2004, recebeu dividendos da sociedade nacional “B…………, S.A.”, na qual detinha uma participação no capital social.
O “B............”, quando da colocação desses dividendos à disposição da sociedade ora Recorrida, reteve IRC à taxa de 25%.
Ulteriormente, na sequência do pedido efectuada pela sociedade ora Recorrida, a AT restitui-lhe o imposto retido na parte em que excedeu a taxa de 10%, que considerou ser a aplicável. Quanto ao demais, o pedido de revisão da liquidação foi indeferido.
A sentença, anuindo à argumentação da ora Recorrida enquanto impugnante, considerou que se verifica a invocada violação do princípio comunitário por restrição não justificada à livre circulação de capitais, pois que no momento da ocorrência dos factos tributários estavam verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos arts. 46.º, n.º 1, e 90.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), pelo que, se a Impugnante fosse, à data de tais factos, residente em território português, não teria sido tributada relativamente aos valores em causa.
Atenta a discordância da Fazenda Pública com o assim decidido, importa apreciar se, na parte subsistente, as retenções de IRC efectuadas pelo “B............” sobre os dividendos distribuídos à Impugnante, ora Recorrida por força da aplicação conjugada dos arts. 14.º e 89.º do CIRC (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), consubstanciam um tratamento diferenciado dos rendimentos auferidos pela Impugnante, violador dos princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos arts. 12.º, 43.º, 46.º, 48.º e 56.º e 58.º, n.º 3, do Tratado CE.
Assim, como adiantámos em 1.6, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais.


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2.2.2 DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS COMUNITÁRIOS DA NÃO DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA NACIONALIDADE E DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS

A referida questão tem vindo a ser colocada repetidamente a este Supremo Tribunal Administrativo, que lhe tem vindo a dar resposta uniforme (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 27 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 654/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9d3b6c27269ccb6780257c36005262a6;
- de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 568/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/276e073390b1069c80257c630035c0e0;
- de 9 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1318/13, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/227a56f3732597a980257cc4003c8e0f;
- de 14 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1319/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4f2d3a9f87f4023c80257ce7004a052d;
- de 21 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1192/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/83376c6f4f68659080257ce50031ca6e;
- de 29 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1502/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3b2bfc55416d12bf80257d8600408b20;
- de 12 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 461/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b2c5971a31e89bf80257d9000438a03;
- de 26 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 1877/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9ae725112e40b1f080257da400549f42;
- de 21 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 1160/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c466381fae6d50fb80257dd9004c7f63;
- de 28 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 890/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/30ea88d9af9b9d6180257ddd0050e4c1;
- de 7 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 768/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f476182a41a471680257edc00399af7;
- de 8 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 678/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/df8b74be0bf162ae802580c600569d1a.), depois de um primeiro entendimento em sentido divergente (Referimo-nos aos seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 28 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 694/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f4a62f5763b6f8a80257acc004f049c;
- de 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 1435/12, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b8529491f996261f80257b2c0033bff6.), mas que foi entretanto abandonado (Vide o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo 1435/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/63f0674f3cf54ef680257d2c00551bb0.).
Vamos, pois, seguir a doutrina firmada por este Supremo Tribunal na jurisprudência que deixámos indicada. Citando o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que acima referimos (na nota de rodapé com o n.º 4), que também se reporta à tributação de dividendos distribuídos por sociedade residente em território português a sociedade não residente, com sede nos Países Baixos:
«[…] sobre tal questão o Tribunal de Justiça, por despacho de 18.06.2012, proferido no processo C-38/11 (in http://eur-lex.europa.eu), depois de ponderar que, no processo principal, o Supremo Tribunal Administrativo não apresentou a convenção destinada a evitar a dupla tributação como fazendo parte do quadro jurídico aplicável ao processo, declarou que:
1) Os artigos 63.º TFUE e 65.º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite a uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 10%, mas inferior a 20%, obter a isenção do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efectuadas pela sociedade residente em Portugal e sujeita assim esses dividendos à dupla tributação económica, ao passo que, quando os dividendos são distribuídos às sociedades accionistas residentes em Portugal e que detêm o mesmo tipo de participação, essa dupla tributação económica dos dividendos é evitada. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais.
2) Os artigos 49.º TFUE e 54.º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que permite que uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 20% obtenha o reembolso do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efectuadas pela sociedade residente em Portugal unicamente se tiver detido essa participação de modo ininterrupto durante dois anos, tornando assim mais morosa a eliminação da dupla tributação económica relativamente às sociedades accionistas residentes em Portugal que detêm o mesmo tipo de participação. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento.
Na sequência da decisão do Tribunal de Justiça o acórdão fundamento delimitou a questão controvertida como sendo a de saber «se efectivamente, a Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais ou à liberdade de estabelecimento, ou, (…) por outras palavras (…) se o valor do imposto retido em Portugal poderia vir a ser recuperado nos Países Baixos».
E sobre tal questão, depois de ponderar que, a ser correcta a tese da recorrente e estando o valor retido em Portugal isento nos Países Baixos, não constituía aí «base tributável de imposto sobre o rendimento/capitais, pelo que não haveria lugar a crédito de imposto» e, «assim não haveria possibilidade de recuperar o imposto retido em Portugal» o acórdão fundamento veio a concluir que, para se poder chegar a essa conclusão havia que «apurar factos, nomeadamente, saber se tais dividendos foram ou não declarados nos Países Baixos» e havia «que trazer aos autos as normas legais que a recorrente refere como vigentes nos Países Baixos», decidindo, em consequência «a revogação da decisão recorrida, com a baixa dos autos tendo em vista a aquisição das normas legais aplicáveis e ampliação da matéria de facto pertinente, a fim de se confirmar ou não o alegado pela recorrente».
[…] o Acórdão […] – em cumprimento, após reenvio prejudicial, da pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia em sede do Despacho Fundamentado proferido no Processo C-38/11 –, considera que o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa maxime a sua isenção de tributação – é decisivo para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização pelo artigo 24º, n.º 4, da CEDT Portugal/Países Baixos da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos.
[…]
Com efeito, bem pelo contrário, a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado, por diversas vezes […] no sentido de que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, recurso 1017/11, de 28.11.2012, recurso 482/10, de 29.05.2013, recurso 322/13, de 27.11.2013, recurso 654/13, de 18.12.2013, recurso 568/13, de 09.04.2014, recurso 1318/13 e de 21.05.2014, recurso 1192/13, todos in www.dgsi.pt.
[…] cumpre decidir a questão objecto do recurso que, tal como a recorrente a configura nas suas alegações, é a de saber se o regime decorrente do artigo 24.º, n.ºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos encerra a concessão de um crédito de imposto no Reino dos Países Baixos, equivalente ao imposto suportado em Portugal, e permite neutralizar os efeitos lesivos, assentes na incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º do TCE), do tratamento diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes.
[…] vem sendo dito, de forma clara, pela jurisprudência do TJUE, que “quando um Estado-Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado-Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais” (Ac. do TJUE proferido no processo C-379/05, Amurta SP contra Inspecteur van de belastingdienst/Amsterdam).
Como sublinha, João Félix Pinto Nogueira (Neutralização na distribuição de dividendos a sociedades não residentes, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano VI, tomo 3, pág. 313) o TJUE não se prende com a forma jurídica que assuma o crédito, e tem aceitado que a neutralização possa ocorrer tanto como consequência de um crédito integral, como por força de um crédito ordinário.
Porém, não basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção sendo necessária uma neutralização efectiva, isto é, que o sujeito passivo seja efectivamente capaz de imputar toda a retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência.
Como ficou expresso no despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2012, proferido no processo C-38/11, na sequência de pedido de decisão prejudicial suscitado no âmbito do acórdão fundamento [(O acórdão do Pleno que citamos refere-se aqui ao acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 482/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b046d513c019c45c80257acb003bc8fc.)], “o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao método de imputação para a prevenção da dupla tributação, que a aplicação desse método deve permitir que o imposto sobre os dividendos cobrado no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição desses dividendos seja totalmente imputado ao imposto devido no Estado de residência da sociedade beneficiária, de modo a que, se sobre os dividendos recebidos por essa sociedade incidir, no final, uma tributação superior à que incide sobre os dividendos pagos a sociedades residentes no primeiro Estado-Membro, essa carga fiscal superior já não seja imputável ao Estado de residência da sociedade distribuidora, mas ao Estado de residência da sociedade beneficiária, que exerceu o seu poder tributário (…).
Por conseguinte, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele» (v. acórdãos de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, e de 20 de Outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-0000, n.º 63).
Quer isto dizer, tal como concluiu o TJUE, que para se alcançar a neutralização é necessário que os dividendos distribuídos sejam efectivamente tributados no Estado da residência. Se o não forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total anulação dos efeitos discriminatórios provocados pela originária retenção na fonte e não há neutralização (Vide neste sentido, João Félix Pinto Nogueira, ob. citada, pág. 313).
Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado por diversas vezes que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal […].
Ora no caso em apreço […] estava em causa a CEDT Portugal/Países Baixos a qual, juntamente com as normas internas de tributação em IRC e as normas legais vigentes nos países baixos, faz parte do quadro jurídico aplicável com vista a aferir da possibilidade de neutralização dos efeitos de restrição à livre circulação de capitais provocados pela originária retenção na fonte.
O método de prevenção da dupla tributação está previsto no artigo 24.º daquela Convenção, que dispõe no seu n.º 2:
“Os Países Baixos, ao tributarem os seus residentes, podem incluir na base sobre a qual esses impostos incidem os elementos do rendimento do capital que, de acordo com o disposto nesta convenção, podem ser tributados em Portugal”.
E, no n.º 4, acrescenta-se: “(…) os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, do n.º 2 do artigo 11.º, do n.º 2 do artigo 12.º, do n.º 5 do artigo 13.º, do n.º 1, alínea b), do artigo 14º, do artigo 16.º, do artigo 17.º, do n.º 3 do artigo 18.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 23.º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no n.º 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação”.
A convenção adoptou assim um método de crédito ordinário de imposto em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado.
No caso sub judice, como vimos, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efectuada a título definitivo e à taxa de 10%, sobre os dividendos distribuídos à …………, aquando da distribuição de dividendos pelo Banco …………, SA, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, por força da aplicação conjunta dos arts. 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 3, e 80.º, n.º 2, alínea c), do CIRC, só pode ser neutralizada através deste método de imputação se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro (Holanda).
Importa pois apurar, de acordo com legislação fiscal holandesa, como são tratados os dividendos em causa, distribuídos à ………… e relativos aos exercícios de 2003 e 2004, nomeadamente se beneficiam de alguma isenção e, em caso negativo, se a mesma podia deduzir esse imposto pago em Portugal no imposto holandês sobre os rendimentos das pessoas colectivas».
Subscrevendo integralmente este entendimento, diremos que também no caso sub judice se impõe tal indagação, i.e., saber se, não obstante da legislação nacional decorrer, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais, consubstanciada em maior tributação da entidade não residente, essa restrição vem a ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
Na verdade, se o imposto retido na fonte sobre os dividendos distribuídos por entidade com sede em Portugal à sua accionista não residente puder ser recuperado no país de residência, isto é, puder ser imputado no imposto sobre o rendimento devido pela sociedade ora Recorrida nos Países Baixos até ao montante da diferença de tratamento, não se verificará discriminação e restrição da livre circulação de capitais; mas se o imposto retido em Portugal não poder ser imputado no imposto devido pela ora Recorrida nos Países Baixos, em qualquer percentagem, por virtude de a lei holandesa não permitir a dedução, compensação ou recuperação do imposto pago em Portugal aquando da distribuição de dividendos – designadamente por estes beneficiarem aí de isenção de imposto –, verificar-se-á a violação dos invocados princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais.
Assim, para que se pudesse concluir no sentido da restrição da livre circulação de capitais e do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as sociedades não residentes, no caso teria que ficar demonstrado que por via da retenção na fonte efectuada em Portugal e da taxa de imposto neerlandês incidente sobre os rendimentos obtidos globalmente resultou uma tributação mais gravosa para as entidades não residentes do que a aplicável às sociedades residentes.
Ora, a sentença nada estabeleceu nesse sentido.
Note-se que, logo na petição inicial a Impugnante alegou que «a tributação imposta por Portugal sobre os dividendos pagos pelo B............ não será, no caso concreto, neutralizada pelo Estado da residência – a Holanda» e que «as participações detidas pela Impugnante no B............ qualificam-se para efeitos de aplicação do regime “participation exemption” holandês, beneficiando os dividendos assim recebidos de isenção de tributação, nos termos do artigo 13 Wet vennotschapsbelasting 1969 (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas Holandês)», alegação que reiterou em sede de contra-alegações de recurso, afirmando que a discriminação do tratamento resultante da legislação portuguesa não é resolvida por via convencional, uma vez que «a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito na Holanda pelos impostos retidos na fonte em Portugal sobre os dividendos pagos pelo B............, porquanto esses dividendos se encontram isentos de tributação na Holanda, ao abrigo do regime da participation exemption holandês» (cfr. conclusões K. e L.).
Também o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, no seu parecer, depois de afirmar que «a retenção na fonte foi efectuada ao abrigo da lei interna […] com respeito do estatuído no artigo 10.º/2/b) da CDT Portugal/Holanda» e que «[a] retenção em causa poderia ser, abstractamente, neutralizada pela aplicação de um crédito de imposto, nos termos do estatuído no artigo 24.º/2/4 da referida CDT», referiu que «o Direito Holandês (artigo 13.º do CIRC holandês) isenta de tributação os dividendos em causa, impedindo, assim, em concreto, a efectivação da neutralização da retenção na fonte».
Sendo certo que o Tribunal a quo, bem, considerou que da legislação nacional decorre, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56.º do TCE (actual art. 63.º TFUE), já não averiguou se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
Na verdade, não só não afirmou a necessidade de verificar dessa circunstância, como também não registou factualidade nenhuma a esse propósito, designadamente não efectuando o julgamento daquela que a Impugnante invocou expressamente na petição inicial e que supra deixámos referida.
Tenha-se presente que, como decorre do art. 348.º do Código Civil («1. Àquele que invocar direito consuetudinário, local, ou estrangeiro compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.
2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com base no direito consuetudinário, local, ou estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja deduzido oposição.
3. Na impossibilidade de determinar o conteúdo do direito aplicável, o tribunal recorrerá às regras do direito comum português».), apesar do ónus da prova da existência e conteúdo do direito estrangeiro invocado pela Impugnante recair sobre ela, o tribunal tem a obrigação oficiosa de dele indagar, obrigação que nem sequer depende de ter sido invocado.
Por outro lado, não podemos olvidar que a Impugnante juntou um documento em ordem a comprovar, para além do mais, que é sujeito de imposto sobre o rendimento nos Países Baixos, sem possibilidade de opção ou de isenção (cfr. fls. 123 a 128), cuja força probatória o Tribunal a quo não ponderou.
É, pois, essencial esclarecer se, e em que medida é que a mencionada CEDT – Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999 (Publicado no Diário da República, n.º 159/2000, I Série - A, de 12 de Julho de 2000, ELI: http://data.dre.pt/eli/resolassrep/62/2000/07/12/p/dre/pt/html.) –, permite, no caso concreto, neutralizar a tributação, e, por conseguinte, fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais, pois que sem isso não é possível decidir sobre a concreta ilegalidade e, em função desse julgamento, anular ou manter a liquidação impugnada.
Considerando assim que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se porque o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – exige-se que o Tribunal a quo amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Impõe-se, pois, anular a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que acima se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.

II - Tendo em conta o disposto no art. 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, em face da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos, impõe-se apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa – maxime a sua alegada isenção de tributação – para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos, em ordem a fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais (art. 56.º do TCE, actual art. 63.º do TFUE).

III - Não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir a questão, há que ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, após ampliação da matéria de facto pertinente.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova sentença, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.


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Custas pela Recorrida.

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Lisboa, 11 de Abril de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.