Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0782/20.3BEPRT
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONTRIBUIÇÕES
BANCO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
VIOLAÇÃO DE DIREITO COMUNITÁRIO
Sumário:I - A Contribuição sobre o Sector Bancário (C.S.B.) tem a natureza jurídica de uma contribuição financeira.
II - Não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico (cfr.artº.141, da Lei 55-A/2010, de 31/12/OE 2011; portaria 121/2011, de 30/03; normas que renovam, anualmente, tal regime), por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação referente ao exercício de 2019, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios.
III - Inexiste desconformidade das normas do regime jurídico da C.S.B. com o Direito da União Europeia e a inconstitucionalidade indirecta daí resultante.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28224
Nº do Documento:SA2202110060782/20
Data de Entrada:06/17/2021
Recorrente:A..............., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"A……………….., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, constante a fls.59 a 76 do processo, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelo recorrente intentada e visando, mediatamente, o acto de autoliquidação de Contribuição Sobre o Sector Bancário, referente ao ano de 2019 e no montante total de € 28.463.970,59.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.78 a 120 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
I-O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual declarou totalmente improcedente a impugnação judicial;
II-Quanto à fixação do valor da causa, deverá, desde logo, operar em sede de recurso a retificação do erro material contido a p. 35 da Sentença Recorrida, em cumprimento do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e artigo 614.º, n.º 2, do CPC, uma vez que o valor da autoliquidação cuja anulação se requer é de € 28.463.970,59, e não de € 31.622.219,54;
III-Em concreto, e independentemente da concreta natureza que se impute à CSB em crise, a mesma não altera o respetivo enquadramento no que respeita à sujeição deste tributo ao princípio da reserva de lei formal, contido no artigo 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição;
IV-E é por isso que o Recorrente entendia e entende que a autoliquidação da CSB de 2019 é ilegal, desde logo, por serem organicamente inconstitucionais os artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição, independentemente da respetiva qualificação como um verdadeiro imposto ou como uma contribuição financeira;
V-Isto porque, contrariamente ao que subjaz à Douta Sentença recorrida, quer os impostos, quer as contribuições financeiras, estão sujeitos ao princípio da legalidade em sentido formal, o que significa que os respetivos elementos essenciais (a saber, a base de incidência, as taxas, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes) têm necessariamente de ser aprovados por Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado do Governo;
VI-Porém, alguns dos elementos essenciais da CSB, designadamente as respetivas taxas e a definição da sua base de incidência, foram aprovados pela Portaria CSB, o que configura uma flagrante violação do princípio da reserva de lei na criação de impostos e contribuições financeiras, e implica a declaração da respetiva inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição;
VII-Ademais, a CSB padece de inconstitucionalidade indireta pela circunstância de a Portaria CSB, concretamente, o respetivo artigo 6.º, violar os artigos 3.º, 4.º e 5.º do Regime CSB, sendo o mesmo aprovado por uma lei de valor reforçado (o artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011), por violação do disposto no artigo 112.º, n.º 3, da Constituição;
VIII-Contudo, ainda que assim não fosse – o que apenas por cautela e a benefício de raciocínio se admite, sem conceder –, sempre haveria que concluir pela anulabilidade da autoliquidação da CSB em crise, com fundamento na respetiva inconstitucionalidade material;
IX-É que, face ao disposto nos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, bem como nos artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB, falha inapelavelmente o teste da bilateralidade potencial, o que, viola, desde logo, o princípio da equivalência, com assento no artigo 13.º da Constituição, porquanto não decorrem do respetivo pagamento, para o Recorrente, quaisquer benefícios, sequer eventuais ou difusos;
X-Com efeito, no contexto atual em que existe já o Mecanismo Único de Resolução, qualquer medida de resolução que fosse aplicável ao Recorrente – o que, obviamente, não se antevê, mas se equaciona a benefício de raciocínio – nunca tal medida seria “suportada” através da coleta da CSB, quer a anterior, quer atual, quer futura;
XI-Mais: também se for qualificada como um imposto, como defende o Tribunal de Contas, os artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, e 4.º e 5.º da Portaria CSB violam o princípio da capacidade contributiva como corolário do princípio da igualdade tributária, previsto no artigo 103.º da Constituição, na medida em que se encontra estruturada de um modo absolutamente alheio a tais critérios;
XII-Razão pela qual, também neste plano, a sua incidência sobre o Recorrente revela a manifesta inconstitucionalidade do disposto nos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, e 4.º e 5.º da Portaria CSB, por violação do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da Constituição, nas vertentes da justiça, universalidade e uniformidade na repartição dos encargos públicos, ou da equivalência, funcionalizado pelo princípio da proporcionalidade, com assento no mesmo artigo 13.º da Constituição, inquinando irremediavelmente a autoliquidação da CSB, que também por este motivo haveria sempre de ser anulada;
XIII-Acresce que os artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, e 4.º e 5.º da Portaria CSB são, ainda, inconstitucionais por violação do princípio da capacidade contributiva, na medida em que para efeitos das normas de incidência da CSB, a efectiva capacidade de suportar o encargo com este imposto se mostra absolutamente irrelevante;
XIV-Adicionalmente, a autoliquidação da CSB de 2019 é ilegal e, indiretamente, inconstitucional, na medida em que os artigos 2.º e 3.º do Regime CSB e os artigos 2.º e 3.º da Portaria CSB violam o princípio do primado da União Europeia positivado no artigo 8.º da Constituição, porque o Regime CSB e a Portaria CSB violam o Direito da União Europeia – em concreto, a Diretiva 2014/59/UE, porquanto não é avaliado ou ponderado, no apuramento do quantum da CSB a pagar, o grau de risco concreto de cada uma das entidades participantes no Fundo de Resolução;
XV-E violam ainda o Regulamento MUR, porque com a harmonização no plano comunitário das contribuições sobre o setor bancário deixou de ser possível aos Estados-Membros a manutenção da cobrança de contribuições de resolução domésticas, para além e em cumulação com as instituídas pelo Direito da União Europeia, sendo, aliás, expressa a preocupação do referido Regulamento MUR em prevenir duplos pagamentos, bem como a desconsideração pela possibilidade de existência de contribuições de resolução nacionais após 2 de julho de 2014;
XVI-Em paralelo, a autoliquidação da CSB de 2019 revela-se ainda desconforme com o artigo 1.º do Primeiro Protocolo à CEDH, por articulação com o artigo 14.º da CEDH, e indiretamente com o artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, por manifesta inexistência de quaisquer prestações públicas presumíveis ou potenciais cuja provocação ou aproveitamento sejam seguros numa ótica de grupo para o Recorrente, o que determina a inconstitucionalidade indireta dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, bem como dos artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB, na redação em vigor em 2019;
XVII-Sendo, em qualquer caso, de concluir ainda pela anulação da autoliquidação da CSB de 2019, dada a sua ilegalidade, por violação do disposto nos artigos 17.º, n.º 2, da LEO Atual e 42.º, n.º 3, da LEO Antiga, bem como nos artigos 31.º, n.º 2, da LEO Antiga, e no artigo 106.º, n.º 1, da Constituição, por estar em causa uma clara violação do princípio da especificação, e um cavaleiro orçamental cujo caráter de permanência põe em causa a reiterada prorrogação do respetivo regime em sucessivas Leis do Orçamento do Estado;
XVIII-Pelo que, e em suma, deve a anulabilidade da autoliquidação da CSB de 2019 ser declarada, sendo o valor pago restituído ao Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT;
XIX-Mais se requerendo, ainda e por fim, a revogação da Sentença recorrida, na parte que indeferiu o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em conformidade com o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, pedido que se formula, também, em sede de recurso;
XX-Sob pena de, a ser de outro modo, se criar uma clara falta de correspetividade entre os serviços concretamente prestados pelo Tribunal e a taxa de justiça devida o que, por seu turno, viola o artigo 6.º, n.º 7, do RCP, interpretado à luz do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça, com acolhimento constitucional nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, segunda parte, e 20.º da Constituição, respetivamente.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.126 a 128 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.61 e 62 do processo físico):
1-Em 26 de Junho de 2019, a Sociedade Impugnante, A………….., S.A., procedeu à autoliquidação e pagamento no montante de € 28 463 970.59, a título de contribuição sobre o sector bancário, cujo pagamento realizou em 28.06.2019 – cf. modelo 26 da Declaração de Contribuição Sobre o Sector Bancário e cópia do comprovativo de pagamento, documentos constantes do processo digital, Doc. 2 e 3 da Petição Inicial, referência 007377062 do Sitaf, para os quais se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
2-Em 28 de Outubro de 2019 o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada em 1. – cf. requerimento de Reclamação Graciosa constante do processo digital, doc. 4 da Petição Inicial, referência, 007377062 do Sitaf documento para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
3-A 05.11.2019, a Divisão de Gestão e Assistência Tributária, da Unidade dos Grandes Contribuintes, elaborou a informação nº 273-AIR1/2019, propondo o indeferimento da reclamação graciosa – cf. informação constante do processo digital, referência 007437800 do Sitaf, a qual se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
4-Por ofício de 07.11.2019, foi a Impugnante notificada para, querendo, exercer o seu direito de audição, prévia ao indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, sendo que, com essa notificação foi remetido, em anexo, o projecto de decisão e respectiva fundamentação, a informação 273-AIR1/2019 de 05 de Novembro de 2019 – cf. notificação de “projecto de decisão” constante do processo digital, referência 007437800 do Sitaf, apenso de Reclamação Graciosa;
5-Em 16.12.2019 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor, bem assim como informação que lhe subjaz – cf. despacho constante do processo digital, referência do Sitaf – apenso de Reclamação Graciosa;
6-Pelo ofício de 16 de Dezembro de 2019 foi o Impugnante notificado do indeferimento da reclamação graciosa – cf. notificação constante do processo digital, referência 007437800 do Sitaf, apenso Reclamação Graciosa;
7-Os presentes autos de Impugnação Judicial deram entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 17 de Março de 2020 – cf. data constante do comprovativo de entrega de documento constante de fls. 3 dos autos, numeração referente ao processo físico.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e constantes do Processo Administrativo e reclamação graciosa, conforme se deixou indicado ao longo do rol de factos provados, por deles se extraírem com toda a clareza, atendendo ainda à credibilidade que tal documentação encerra a que acresce o facto do seu teor não ter sido posto em causa pelas partes…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve, porque legal, o acto de autoliquidação de Contribuição Sobre o Sector Bancário, referente ao ano de 2019 e objecto mediato do presente processo (cfr.nºs.1 e 5 do probatório).
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
Passemos ao exame da questão prévia do valor da causa.
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar, em cumprimento do disposto no artº.97-A, nº.1, al.a), do C.P.P.T., a fixação do valor da causa no valor da autoliquidação cuja anulação se requer que é de € 28.463.970,59, que não em € 31.622.219,54, montante fixado na sentença recorrida (cfr.conclusão II do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à decisão recorrida um erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
A atribuição de um valor à causa tem interesse, além do mais, para determinar a competência do Tribunal, a forma de processo, sendo caso disso, e, bem assim, a viabilidade de interposição de recurso, de acordo com a alçada do Tribunal de que se recorre. Na determinação do valor da causa deve atender-se, em regra, ao momento em que a acção é proposta (cfr.artºs.296 e 299, do C.P.Civil).
Nos presentes autos, o valor da causa foi fixado no dispositivo da sentença recorrida no montante de € 31.622.219,54, ao abrigo do artº.97-A, do C.P.P.T. (cfr.sentença junta a fls.59 a 76 do processo físico), embora o Tribunal "a quo" não explicite o motivo por que fixou tal valor à presente impugnação e para efeitos de custas, tanto mais, que no articulado inicial a sociedade impugnante e ora recorrente indicou como valor o montante de € 28.463.970,59 (cfr.articulado inicial junto a fls.3 a 53 do processo físico), idêntico ao da autoliquidação objecto do processo (cfr.nº.1 do probatório supra).
Nos termos do artº.97-A, nº.1, al.a), do C.P.P.T., na redacção resultante da Lei 118/2019, de 17/09, o valor da causa atendível para efeitos de custas, quando seja impugnada a liquidação, será o da importância cuja anulação se pretende. Mais se deve mencionar que a previsão do preceito abarca, não só as impugnações directas de actos de liquidação através de processo de impugnação judicial, como as impugnações de actos de indeferimento de reclamações graciosas ou recursos hierárquicos, nos quais seja apreciada a legalidade de actos de liquidação, tal como as impugnações de actos de autoliquidação (como é o caso "sub iudice"), retenção na fonte e pagamentos por conta, pois em todos os casos é impugnado um acto que fixou uma quantia de imposto, nenhum relevo tendo a eventual dedução de pedido subsidiário de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artº.43, nº.1, da L.G.T., atento o carácter indisponível e sustentado no princípio da legalidade da relação jurídica tributária, a qual integra o direito a juros, tanto pelo sujeito activo, como pelo sujeito passivo (cfr.artº.103, nº.2, da C.R. Portuguesa; artº.100, da L.G.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.0250/17; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.72 e seg.; Salvador da Costa, As custas processuais no foro tributário, in Revista do CEJ, 1º. Semestre de 2020, Nº.1, pág.283 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, nos termos do examinado artº.97-A, nº.1, al.a), do C.P.P.T., fixa-se em € 28.463.970,59 o valor da causa, idêntico ao da autoliquidação objecto do processo (cfr.nº.1 do probatório supra), cujo pedido de anulação se formula no articulado inicial.
Com estes pressupostos, este Tribunal concede provimento ao presente esteio do recurso e altera a decisão recorrida, neste segmento (valor da causa para efeitos de custas), ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
O recorrente dissente do julgado defendendo, igualmente e em síntese, que se verifica a inconstitucionalidade material, por violação do artº.103, nº.3, da C.R.P., das normas que aprovaram e renovaram, anualmente, a Contribuição Sobre o Sector Bancário (CSB). Igualmente, a inconstitucionalidade orgânica por violação do princípio da legalidade constitucionalmente consagrado no artº.103, nº.2, do Diploma Fundamental, visto que tal tributo reveste a natureza de imposto. Também, a inconstitucionalidade material devido a violação do princípio da equivalência, enquanto corolário do princípio da igualdade, consagrado no artº.13, da C.R.P. Que se verifica, igualmente, a violação do princípio da capacidade contributiva, na medida em que para efeitos das normas de incidência da CSB, a efectiva capacidade de suportar o encargo com este imposto se mostra absolutamente irrelevante. Ainda, tais normas ofendem o princípio do primado da União Europeia positivado no artº.8, da C.R.P., dado que o Regime CSB e a Portaria CSB violam o Direito da União Europeia, em concreto, a Diretiva 2014/59/EU, de 15/05/2014, tal como o Regime do Mecanismo Único de Resolução (MUR). Por último, as normas contidas nos artºs.2 a 4, do Regime da CSB, tal como os artºs.4 e 5, da Portaria da CSB, padecem de inconstitucionalidade indirecta por violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, atento o disposto no artº.8, nº.2, da Constituição da República Portuguesa (cfr.conclusões III a XVIII do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Em primeiro lugar, se dirá que os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec. 387/17.6BEMDL; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Vertendo, agora, à Contribuição Sobre o Sector Bancário, aprovada pelo artº.141, da Lei 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011), as questões que são suscitadas no âmbito do presente recurso foram já objecto de análise e decisão na Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., no acórdão de 19 Junho de 2019 (rec.2340/13.0BELRS), proferido em julgamento ampliado do recurso (cfr.artº.148, do C.P.T.A.; artºs.686 e 687, do C.P.Civil), e o seu teor posteriormente reiterado na jurisprudência que se lhe seguiu, designadamente, nos acórdãos de 3 de Julho de 2019 (rec.2135/15.6BEPRT), de 11 de Julho de 2019 (rec.2666/16.0BELRS), de 18 de Setembro de 2019 (rec.2883/16.3BELRS), de 27 de Novembro de 2019 (rec. 2867/16.1BELRS) e de 23 de Junho de 2021 (rec.2359/14.3BEPRT).
Tendo em consideração:
i)o carácter unânime da decisão prolatada em 19 Junho de 2019 por este Tribunal;
ii)a reiteração do seu teor nas decisões subsequentes do S.T.A. que têm sido proferidas sobre a mesma questão, algumas supra identificadas;
iii)o pouco tempo que ainda decorreu desde que este entendimento jurisprudencial foi firmado, impõe o princípio da segurança jurídica que o teor daquela decisão inicial (em julgamento ampliado) seja igualmente seguido no recurso aqui em exame.
Com estes pressupostos, contemplando o teor do acórdão de 19 de Junho de 2019 (rec.2340/13.0BELRS) e dos posteriores supra identificados, deve aplicar-se o disposto no artº.663, nº.5, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.8, nº.3, do C.Civil), assim se estruturando a restante fundamentação do presente aresto através de remissão para os acórdãos precedentes e os fundamentos aí expendidos.
Por outro lado, considerando que, quer o texto do acórdão de 19 de Junho de 2019, quer o texto dos acórdãos posteriores, todos da Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., se encontram disponíveis, na íntegra, "on-line", na base de dados da D.G.S.I., dispensa-se a junção das respectivas cópias.
Apesar de tudo o acabado de expender, sempre se respingam dos arestos identificados acima, as seguintes passagens em que se dá resposta aos esteios da presente apelação:
1-"Tendo a Contribuição sobre o Sector Bancário natureza jurídica de contribuição financeira, não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação, ainda que referente ao ano de 2011, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2019, rec. 2867/16.1BELRS);
2-"Pela natureza de contribuição financeira da CSB, resulta que a criação da mesma não está sujeita a reserva de lei formal, expressa na imperatividade de lei da AR ou de decreto-lei do Governo, com credencial parlamentar (arts. 165°, n°1, al. i) e 198°, n°1, al. b), ambos da CRP) (…) no caso da CSB, o respectivo regime jurídico foi, como se viu, criado pelo art. 141º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011), aí constando a incidência subjectiva e objectiva e as margens de variação das taxas aplicáveis a cada uma das componentes da base de incidência objectiva, sendo que a Portaria n° 121/2011, de 30/03, para a qual também se remete, se limitou à densificação das características essenciais do regime jurídico (base de incidência, taxas, regras de liquidação, de cobrança e de pagamento), cumprindo o escopo regulamentar prescrito no próprio regime jurídico da CSB inserido no art. 141º daquela Lei da AR (maxime no art. 8° desse Regime Jurídico). Daí que não ocorra, portanto, inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade fiscal das normas de tal Regime Jurídico (art. 103º, nº 2 da CRP), nem inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da reserva de lei formal (art. 165º nº 1, al. i) da CRP), das normas da Portaria nº. 121/2011, de 30/03, tal como das normas que renovam, anualmente, tal regime" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/07/2019, rec.2666/16.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.2921/17.2BEPRT);
3-"Considerando o caso concreto da CSB, verifica-se que, por um lado, ela atinge igualmente todas as instituições de crédito do sector bancário a operar em Portugal, independentemente de a sua sede principal e efectiva se situar em território português (art. 2° do RCSB; art. 2° da Portaria n° 121/2011) (…)” – nem da capacidade contributiva –“(…) Carecendo, portanto, de relevância o alegado pela impugnante quanto à violação do princípio da igualdade, nesta última perspectiva da violação do princípio da capacidade contributiva e da universalidade, dado entender-se que estamos perante uma contribuição financeira e não perante um imposto (…)”– nem da proibição de retroactividade da lei fiscal “(…) Não há, portanto, aplicação da lei nova a factos tributários integralmente verificados ou cujos efeitos estivessem integralmente produzidos e verificados no domínio da lei antiga, ou seja, antes da entrada em vigor da lei nova, nem ocorrendo, assim, destruição de efeitos produzidos por actos pretéritos. E considerando, como se disse, que o Tribunal Constitucional tem entendido que apenas a retroactividade de 1º grau está contemplada no nº 3 do 103° da CRP (a retroactividade imprópria ou inautêntica será tutelável apenas à luz do princípio da confiança), concluímos que, também relativamente a esta matéria, a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente (…) – nem da protecção da confiança legítima – “(…) dada a conjuntura económica e financeira ao tempo e a crise que perpassava no sector bancário, não se nos afigura que as instituições em causa não pudessem, razoavelmente, contar com a criação da CSB (até porque não seria expectável que Portugal ficasse arredado da aplicação dos novos tributos, discutidos e aceites a nível europeu pelos Estados Membros e em condições tendencialmente iguais), em termos de se considerar que ocorreu violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos respectivos sujeitos passivos" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 18/09/2019, rec.2883/16.3BELRS);
4-"As modulações do peso e da medida do tributo em função dos maiores ou menores riscos sistémicos provocados pela actuação dos sujeitos passivos (expressão da observância de um critério de proporcionalidade na construção da estrutura sinalagmática), estão presentes na delimitação da respectiva base de incidência objectiva: incidindo a CSB sobre o valor do passivo apurado e aprovado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados, fica claro que, apesar de a taxa não ser progressiva, o valor da contribuição a pagar por cada sujeito passivo é directamente proporcional à intensidade do risco sistémico que a sua actuação pode presumivelmente provocar, directamente associada à dimensão do passivo e, consequencialmente, à dimensão da lesão resultante do eventual incumprimento das suas responsabilidades para com terceiros, depositantes ou titulares de produtos financeiros emitidos ou garantidos pelas instituições de crédito (cfr.o art. 4° Portaria n° 121/2011). Daqui se concluindo que, ao invés do alegado pela recorrente, as normas que definem a incidência subjectiva e objectiva e as taxas da CSB, constantes do RCSB (art. 141° Lei n° 55-A/2010, de 31/12) não violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade (art. 13° da CRP)" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/07/2019, rec.2666/16.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/09/2019, rec.2883/16.3BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.2867/16.1BELRS);
5-"Da afectação que resulta estruturada quanto à CSB entre as receitas do Fundo de Resolução e da discriminação efectuada quanto às receitas deste entre as dos Fundos do Ministério das Finanças, conforme previsto no O.G.E. de 2016, não resulta a violação do artº.105, nº.1, a), da C.R.P." (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/2020, rec.2015/18.9BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/12/2020, rec.2016/18.1BEPRT);
6-"Inexiste a invocada desconformidade da liquidação impugnada com o artº.1, do Primeiro Protocolo à CEDH, por articulação com o artigo 14.º da CEDH e, indirectamente, com o artº.8, nº.2, da Constituição." (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec. 2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/06/2021, rec.2359/14.3BEPRT);
7-"Inexiste a invocada desconformidade do Regime da CSSB e da Portaria da CSSB com o Direito da União Europeia e a inconstitucionalidade indirecta daí resultante" (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/07/2019, rec.2135/15.6BEPRT).
Por último, sempre se dirá que também do Tribunal Constitucional teve oportunidade de examinar o Regime da CSB e a Portaria da CSB, concluindo pela não inconstitucionalidade das interpretações normativas já antes estruturadas por este Tribunal (cfr.v.g.ac.Tribunal Constitucional 268/2021, de 29/04/2021; ac.Tribunal Constitucional 332/2021, de 26/05/2021; ac.Tribunal Constitucional 533/2021, de 13/07/2021).
Face à motivação jurisprudencial para a qual se remete, impõe-se negar provimento ao recurso.
Resta acompanhar, igualmente, a jurisprudência anterior quanto a considerarem-se verificados, no caso concreto, os requisitos de "menor complexidade" a que alude o artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais, não merecendo também censura a conduta processual das partes, razão pela qual se decide dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida (excepção feita à questão prévia do valor da causa), ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas, mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
Fixa-se o valor da causa no montante de € 28.463.970,59.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 6 de Outubro de 2021

Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Gustavo André Simões Lopes Courinha e Anabela Ferreira Alves e Russo.
Joaquim Manuel Charneca Condesso