Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01457/17.6BALSB
Data do Acordão:01/30/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ASCENSÃO LOPES
Sumário: I - Se o acórdão recorrido do CAAD não enunciou, expressamente, a questão a decidir como sendo a da determinação da data ou em que ocorreu o facto tributário, antes o fixou em função de elementos factuais distintos dos que foram ponderados no caso do acórdão fundamento não ocorre a apontada contradição de acórdãos por não ocorrer identidade substancial das situações fácticas subjacentes aos dois arestos, e bem assim também inexiste identidade da mesma questão fundamental de direito.
II - Não se verificam pois, os requisitos do recurso com fundamento em uniformização de jurisprudência, pelo que o presente recurso não poderá prosseguir.
Nº Convencional:JSTA000P24165
Nº do Documento:SAP2019013001457/17
Data de Entrada:12/20/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1- RELATÓRIO:
A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral, em 14 de Novembro de 2017 no processo nº 182/2017-T, vem nos termos do disposto no art.º 25º, nº2 e 4, do regime jurídico da arbitragem tributária aprovado pelo Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro apresentar recurso para uniformização de jurisprudência.

Invoca contradição entre esta decisão arbitral e o acórdão fundamento da secção do CT do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 21/10/2004, no âmbito do processo nº 00092/04.

A recorrente apresentou alegações de recurso com as seguintes conclusões:

A) Vem o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 182/2017-T CAAD, que correu termos no Tribunal Arbitral, constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou que:

“(…) relativamente aos rendimentos que foram colocados à disposição dos sócios em anos anteriores a 2011, era nos anos que essa colocação ocorreu e os rendimentos ficaram sujeitos a tributação, tendo a Requerente obrigação de efectuar retenção na fonte, a título definitivo, nos termos do artigo 71°, n°1, aI. c) do CIRS.

Assim, desde logo, conclui-se que a impugnada enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, ao entender que a colocação das quantias correspondentes ao saldo de caixa verificado em 2011, apenas ocorreu em 10-11-2011.

(...)

Assim, relativamente aos rendimentos subjacentes ao saldo de caixa que se verificava no final de 2007, o prazo de caducidade do direito de liquidação iniciou-se, pelo menos, em 01-01-2008 (em datas anteriores quanto a rendimento de anos anteriores a 2007), pelo que a caducidade do direito de liquidação ocorreu, pelo menos, no final d 4° ano posterior ao ano em que se verificou a colocação à disposição, isto é, em 31-12-2011.

Por isso, em 2012, quando foi efectuada a liquidação, já tinha transcorrido integralmente o prazo de caducidade do direito de liquidação.

A não efectivação da liquidação dentro do prazo de caducidade constitui vício de violação de lei que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163°, n°1 do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2°, alínea c) da LGT (...)“

B) Aquela decisão arbitral recorrida colide frontalmente com o Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em 21/10/2004, proferido no âmbito do processo n.º 00092/04 (cf. Documento n.º 1, que se junta e se considera reproduzido para todos os efeitos legais), já transitado em julgado (Acórdão fundamento), encontrando-se irremediavelmente inquinado do ponto de vista jurídico, por errada interpretação dos artigos 45°, 74° e 75° da LGT e artigos 31° a 37° do Código Comercial.

C) Assim é porquanto é entendimento do TCA Norte, plasmado no citado Acórdão fundamento, que “ esse facto não chegar ao seu conhecimento o prazo para a caducidade do direito de liquidação só começa a correr após esse conhecimento”.

D) No presente caso a AT teve conhecimento no âmbito de um procedimento inspectivo iniciado em 2011 e terminado em 2012.

E) Tendo, inclusivamente sujeito passivo procedido à liquidação da retenção na fonte através da submissão de três declarações de retenções na fonte com o código 108- IRS - Capitais - Outros rendimentos em 2012, devendo ser esta a data que se deve ter em conta para efeitos de início de contagem do prazo de caducidade;

F) Não se podendo afirmar, como afirma a decisão do Tribunal Arbitral, que “relativamente aos rendimentos que foram colocados à disposição dos sócios em anos anteriores a 2011, era nos anos que essa colocação ocorreu e os rendimentos ficaram sujeitos a tributação, tendo a Requerente obrigação de efectuar retenção na fonte, a título definitivo, nos termos do artigo 71°, n°1, al. c) do CIRS”.

G) Também não se pode concordar com a afirmação que diz: Assim, relativamente aos rendimentos subjacentes ao saldo de caixa que se verificava no final de 2007, o prazo de caducidade do direito de liquidação iniciou-se, pelo menos, em 01-01-2008 (em datas anteriores quanto a rendimento de anos anteriores a 2007), pelo que a caducidade do direito de liquidação ocorreu, pelo menos, no final do 4° ano posterior ao ano em que se verificou a colocação à disposição, isto é, em 31-12-2011.

Por isso, em 2012, quando foi efectuada a liquidação, já tinha transcorrido integralmente o prazo de caducidade do direito de liquidação”

H) Com efeito, no caso da distribuição ou adiantamento por conta de lucros, só após ser comunicada à AT essa distribuição e a devida retenção na fonte a título definitivo, é que o prazo para a caducidade do direito de liquidação só começa a correr.

I) Ora, essa comunicação só se efectuou em 2012, pelo que só a partir desse momento é que a AT teve conhecimento.

J) É que a caducidade do direito de liquidação, tal como a prescrição, constitui, de certo modo, uma “punição” para o não exercício atempado do direito.

K) Porém, o exercício do direito depende do conhecimento da sua existência por parte do seu titular.

L) Ora, se o sujeito passivo não comunicou à AT, oportunamente, os factos que agora pretende serem-lhe favoráveis, aquela não poderia exercer o referido direito.

M) Nessa medida, a tese do sujeito passivo e do Tribunal Arbitral viria premiar os contribuintes faltosos nos casos em que, havendo distribuição de lucros ou o seu adiantamento, não os comunicassem à AT e deixassem propositadamente passar o prazo de caducidade, confiando em que aquela não descobrisse a verificação o facto tributário, antes da caducidade.

N) Temos então que o sujeito passivo tendo distribuído ou adiantado lucros deveria ter efectuado a retenção na fonte a título definitivo e deveria ter declarado, nas declarações fiscais devidas, essa distribuição ou adiantamento aos sócios, o que não fez.

O) Não o tendo feito, e uma vez que se prova que a AT só teve conhecimento do facto tributário com o procedimento inspectivo, realizado em 2011, deve ser nessa data a que deve reportar-se o conhecimento e, logo o início do prazo de caducidade de liquidação do imposto.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.»

Não foram apresentadas contra alegações.

O Ministério Público veio emitir parecer que tem o seguinte conteúdo:

«O Ministério Público vem ao processo em referência, emergente do arbitral n.º 182/2017-T, do CAAD, em que foi requerente A………., Lda., pronunciar-se sobre o recurso de uniformização de jurisprudência interposto pela A. T., nos seguintes termos:


1.º

Do CD em anexo consta proferida decisão arbitral a fls. 445 e ss., na qual se julgou, nomeadamente, quanto à caducidade de retenções na fonte a título definitivo, fazendo aplicação do previsto no art. 45.º da L.G.T., o que a A.T. põe em causa no recurso interposto.

2.º

Ora, crê-se não se encontrarem-se reunidos os requisitos de que depende a sua admissibilidade, nomeadamente, por inexistir contradição quanto à mesma “questão fundamental de direito” - art. 152.º n.º 1 do C.P.T.A., subsidiariamente aplicável.

3.º

É certo que segundo certa jurisprudência este conceito pressupõe apenas “identidade essencial quanto à matéria litigiosa” - neste sentido, acórdão do S.T.J. de 2-2-2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.Ll.Sl-A.

4.º

No entanto, mesmo a considerar-se não resulta a mesma quanto ao momento a considerar para efeitos de sujeição a IRS, o qual é diverso, atendendo as diferentes categorias de rendimentos em causa e até a forma prevista para se proceder à tributação.


Com efeito, no caso dos autos esta foi por retenção na fonte a título definitivo e relativa a lucros colocados à disposição de sócios ou adiantamentos dos mesmos por aplicação do art. 71.º n.º 1 al. c) do C.I.R.S., por referência ao previsto no art. 5.º n.º 2 al. h) do mesmo diploma, que se insere em “rendimentos de capitais”, dependendo o dito momento do que se entenda quanto ao rendimento se encontrar colocado à disposição.

5.º

E no caso do acórdão fundamento a tributação ocorreu a título de mais-valias na alienação de imóvel, inserindo-se em “incrementos patrimoniais”, conforme previsto no art. 10.º n.º 1 al. a) do C.I.R.S., dependendo da alienação do bem, o que no caso previsto no seu n.º 3 al. a), de existir promessa de compra e venda, se encontra previsto poder ocorrer à data da tradição do imóvel, sendo sobre tal que se pronunciou o acórdão fundamento.

6.º

Aliás, o acórdão fundamento não se pronunciou expressamente sobre o dito momento em que o rendimento em causa foi ou podia ser considerado colocado à disposição.

7.º

Tendo o recurso prosseguido, é de proceder a seguir à sua tramitação com vista à apreciação, antes de mais, dos requisitos do mesmo pelo Pleno da secção do Contencioso Tributário, nos termos do art. 27.º n.º 1 al. b) do E.T.A.F..

Nestes termos, o recurso não é de admitir por não se encontrarem reunidos os requisitos previstos no art. 152º nº1 do CPTA subsidiariamente aplicável.»

Os Juízes Conselheiros desta Secção do Contencioso Tributário do STA tiveram vista dos autos.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

Foram dados como provados na decisão arbitral sob recurso, os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade do tipo por quotas constituída em 11-08-1992 para o exercício da actividade de "prestação de serviços médicos";

b) O capital social do montante de cinco mil euros está distribuído pelos seguintes sócios e quotas:

– B…titular de uma quota do valor nominal de € 2.750,00 representativa de 55%;

– C…, esposa do primeiro, titular de uma quota do valor nominal de € 2.000,00 representativa de 40% e,

– D…titular de uma quota do valor nominal de € 250,00 representativa de 5%;

c) Os sócios B… e C…, casados no regime da comunhão de bens, são detentores de 95% do capital social da Requerente;

d) A gerência está, desde a constituição da sociedade, confiada ao sócio B…, licenciado em Medicina, médico especialista de medicina interna;

e) O sócio gerente B… exerce, a tempo inteiro, a sua actividade de médico especialista, por conta do Hospital da Universidade de Coimbra;

f) Para além desta actividade, presta serviços no âmbito da sua especialidade de médico, por conta da sociedade Requerente;

g) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva externa à Requerente, que se iniciou em 10-11-2011 terminou em 15-06-2012 (página 4 do Relatório da Inspecção Tributária);

h) Naquela acção inspectiva, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

Conclusões

Em função dos factos e do enquadramento já detalhado anteriormente, importa sintetizar os elementos que suportam a tributação proposta:

O registo nas contas obedece a regras consagradas no POC e no SNC.

A avaliação e controlo dos movimentos ocorridos nas contas, entre as quais a conta "Caixa", "Reservas" e "Resultados Transitados" obedecem a normas, princípios e boas práticas.

Com base nas normas contabilísticas e declarativas, sem comprovação contrária, as declarações apresentadas pelo sujeito passiva consideram-se verdadeiras e de boa-fé.

Sem sustentação, apenas para desvirtuar aqueles princípios se pode alegar que os factos tributários não são os que relevam da contabilidade, mas outros que se reportam a períodos caducados, portanto, não tributáveis.

Não se estabeleceu qualquer relação dos rendimentos obtidos com mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargo social.

Os rendimentos pagos pelo sujeito passivo foram qualificados como distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros, portanto, enquadrados na categoria E - rendimentos de capitais - artigos 5.º e 6º, ambos do Código do IRS, conforme resulta quer das alegações do próprio sujeito passivo, quer das liquidações da retenção na fonte por ele efetuadas, e que alegadamente diz ser devida, no decurso do procedimento inspetivo.

No que respeita ao montante sujeito a tributação, foi fixado o valor correspondente à totalidade do saldo, que de acordo com a contabilidade deveria figurar, na conta "Caixa" e que no dia 10 de Novembro se constatou não existir.

Quanto ao momento da tributação foi fixado o mês de Novembro de 2011 - em que ocorreu a avaliação do saldo da conta "Caixa" e se identificou a sua inexistência, com efeito considerou-se que a colocação à disposição ocorreu no dia 9 de Novembro - artigo 7.º do Código do IRS;

Note-se que, em resultado da factualidade coligida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não foram identificados indícios sérios, objetivos e sustentados que revelassem que a realidade tributável, leia-se, facto tributário, fosse outra.

O sujeito passivo confrontado com os factos e o enquadramento associado, desde o momento em que se constatou a divergência no saldo da conta "Caixa", limitou-se a defender que a distribuição dos lucros ocorreu em períodos e montantes por ele escolhidos, sem contudo fazer qualquer prova que fragilizasse a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira. Referindo apenas em abono de uma menor tributação a que assim ficaria sujeito.

O sujeito passivo apresentou como único elemento de prova, atas datadas de 31 de Março dos anos de 2007 a 2011, as quais referem a distribuição de resultados aos sócios e que contrariam a contabilidade por si apresentada, referentes aos vários anos de atividade.

De referir que aquelas atas foram assinadas pelos sócios da empresa, o Dr. E… e a Dra. C…, que são casados, e o Dr. D…, irmão do Dr. E… .

Também não ousou apresentar qualquer prova sustentável do momento em que ocorreu a colocação à disposição dos sócios da diferença apurada no saldo do "Caixa".

Não foi apresentado qualquer elemento que permitisse sustentar a existência de fluxos financeiros entre a sociedade e os sócios que permitisse concluir que os montantes em "Caixa" foram sendo retiradas em momento anterior a 10 de Novembro de 2011.

A falta de tal prova impede que sejam tomadas as diligências necessárias à verificação da sua validade e da eventual conclusão de que o momento da tributação não se reporta a 10 de Novembro de 2011, mas a qualquer outro momento anterior.

A Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta o facto tributário (natureza, montante e momento) nos elementos que de uma forma mais legal, lógica, óbvia, natural e comprovável resultam da contabilidade do sujeito passivo (a persistência no tempo de saldo do "Caixa").

Face aos pressupostos factuais e legais identificados pela Autoridade Tributária e Aduaneira considera-se fundamentada, quanto à forma e quanto à substância, a qualificação jurídica da natureza, dos montantes e dos momentos, propostos para tributação, que assim se considera inequívoca.

Note-se que, constatada a inexistência do saldo na conta "Caixa" e não havendo qualquer documento ou registo contabilístico dessa transferência como estava obrigado a fazer, não pode ser apurada qualquer outra conclusão que não seja a de que as retiradas ocorreram a título de distribuição e adiantamento de lucros. Tal decorre por verificação dos requisitos de aplicabilidade da presunção legal a que se refere o n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS.

O que de facto se mostra relevante é que a diferença encontrada no saldo da conta "Caixa" ingressou no património dos sócios (o que aliás foi admitido quer pelas próprias alegações do sujeito passivo, quer pela liquidação, no decurso do procedimento inspetivo, da retenção na fonte). Por este facto a sua capacidade contributiva aumentou, embora não tivesse incidido o imposto devido sobre esse incremento óbvio e significativo de rendimento.

Realce-se que, não poderia deixar de ser tributado aquele que, distribuindo lucros, não faz qualquer registo na contabilidade, quando quem distribui os mesmos lucros o regista devidamente em contas apropriadas na contabilidade é tributado. A permitir-se o primeiro resultado, seria possibilitar uma "menor" tributação para o incumprimento "maior" perante uma realidade tributária rigorosamente igual.

Nem tão pouco aquele que dando conhecimento do facto tributário em 2012, no âmbito de um procedimento inspetivo, o tenta imputar a períodos anteriores, com o objetivo de obter vantagens de natureza fiscal.

Ora, a verificar-se a distribuição de lucros nos anos de 2008 a 2010, deveria o sujeito passivo declarar a respetiva distribuição naqueles anos, e dessa forma dar conhecimento à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Se o sujeito passivo não declarou qualquer distribuição de resultados, nos anos em que afirma ter-se verificado, e não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira outra forma de a conhecer, nem estando obrigada a conhecê-la, tem de considerar-se verificado o facto tributário, para efeitos de caducidade do direito de liquidação, no momento em que o sujeito passivo procede ao seu registo na contabilidade. É que só nessa data a Autoridade Tributária e Aduaneira deverá legalmente considerar-se conhecedora da distribuição de resultados e não no momento em que o sujeito passivo entende vir alegar, sem o comprovar.

Apesar de não nos ter sido possível comprovar a entrada do dinheiro em contas dos sócios, isso também não se revela necessário. Aliás, os rendimentos colocados à disposição dos sócios não têm necessariamente que ser depositados em contas bancárias ou serem de conhecimento objetivo.

Relevante é a afetação (com direito de propriedade plena) dos rendimentos aos sócios e não propriamente a constatação do destino que lhes foi dado. Aliás, a tributação é fundamentada com a colocação dos rendimentos à disposição dos sócios e não pela afetação que estes possam dar a tais rendimentos.

Note-se também que a conclusão de que os rendimentos foram atribuídos sustenta-se no facto de que o dinheiro que existia no "Caixa" deixou de aí constar. Não havendo outra, justificação para o facto, apenas a apropriação por parte dos sócios é credível.

Importa ainda notar que, mesmo podendo suceder que a distribuição do saldo da conta "Caixa" não foi proporcional às participações dos sócios, como estabelece por princípio o Código das Sociedades Comerciais, para efeitos de tributação, tal facto é irrelevante, uma vez que prevalece o montante global dos rendimentos colocados à disposição dos sócios, independentemente da sua repartição.

Não podemos deixar de recordar a sustentação que é dada ao caso em apreço por força das decisões firmadas por diversos Acórdãos e de opiniões divulgadas pela própria Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.

Em suma, e recordando, a tributação que agora se propõe resulta diretamente do facto de se ter concluído, sustentadamente, que os sócios viram a sua capacidade contributiva aumentada por força da disponibilidade que lhes foi conferida com a atribuição dos valores que se encontravam na conta "Caixa".

Qualquer outra alternativa de tributação careceria de sustentabilidade de argumentos que teriam de se revelar de linear evidência e consistência, sendo que a correspondente comprovação apenas poderia estar na posse e acessibilidade do sujeito passivo, o que nunca nos foi apresentado.

Em resultado, com os factos descritos conclui-se que o sujeito passivo procurou fazer sair da sociedade a favor dos sócios, os seus resultados, evitando a tributação dos mesmos, quer ao nível da sociedade, quer do sócio.

O montante em causa, porque resulta de ganhos da sociedade de que foram beneficiários os seus sócios; deve ser considerado como distribuição de lucros já obtidos e futuros e, por isso, constitui rendimento daqueles, sujeito a tributação em IRS, categoria E, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea h), do Código do IRS.

Importa ainda salientar o facto de que o sujeito passivo apenas em 23 de Março de 2012, no decurso do procedimento inspetivo, procedeu à liquidação da retenção na fonte que alegadamente diz ser devida, quantificando e identificando os momentos em que a distribuição de resultados alegadamente ocorreu, sem comprovar aqueles factos.

A contabilidade e todas as demonstrações financeiras apresentadas pelo sujeito passivo, não têm qualquer suporte nas atas agora exibidas.

O que o sujeito passivo vem agora, entenda-se no decurso do procedimento de inspeção, apresentar as atas reportadas à data em que alegadamente diz ter sido deliberado proceder à distribuição de resultados, são os únicos documentos impossíveis de validar, e são precisamente os únicos que contrariam todos os outros elementos aprovados, apresentados e registados pelo sujeito passivo.

Face ao exposto, considerando que a distribuição de resultados no montante de € 490.800,85 ocorreu em 10 de Novembro de 2011, não deverão ser aceites as liquidações efetuadas pelo sujeito passivo com efeitos a Dezembro/2008, Dezembro/2009 e Novembro/2010, nos montantes de € 11.566,60, € 10.102 80 e € 11.439,20 (a que correspondem as bases tributáveis de € 57.833,00. € 50.514,00 e € 53.205,58), mas uma única liquidação de retenção na fonte reportada a 9 de Novembro de 2011 no valor de global de €490.800,85 a que corresponde o imposto de €490.800,85 x 21,5% = € 105.522,18. Atendendo a que a taxa liberatória de retenção na fonte prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 71º de Código do IRS, em 2008 e 2009, era de 20%, a liquidação efetuada pelo sujeito passivo nos períodos de Dezembro/2008 e Dezembro/2009, no total de €21669,40, ao ser reportada a Novembro de 2011 deverá ser acrescida de € 1.625,21 [(€ 57.833,00 + € 50.514,00) x 1,5%].

Assim, as correções a efetuar no período de Novembro de 2011 serão de €72.413,58 (€490.800,85 -€ 57.833,00 - € 50.514,00 - € 53.205,58) X 215% + [(€ 57.833,00 + € 50.514,00)x 1,5%]. Conclui-se pois que o próprio sujeito passivo admite a natureza daqueles rendimentos, a título de rendimentos de capitais resultantes da distribuição de lucros ou de adiantamento por conta de lucros a que se refere a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS. O sujeito passivo, aparentemente com objetivos meramente fiscais, apenas discorda do momento em que ocorre a distribuição, sem que, em algum instante, sustente as suas alegações.

Posteriormente deverá ser elaborada informação dirigida à Divisão de Tributação da Direção de Finanças de Aveiro, no sentido de alterar a data que consta das guias submetidas pelo sujeito passivo, referentes às liquidações de retenção na fonte, dos períodos de Dezembro/2008, Dezembro/2009 e Novembro/2010, passando a constar em ambas o período de Novembro de 2011.

i) Na sequência da acção inspectiva foi elaborada a liquidação de retenções na fonte n.º 2012…, do montante de € 72.413,58 e liquidação de juros compensatórios n.º 2012… no montante de € 1.610,95; (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

j) Em 27-12-2012, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação, que foi indeferida por despacho de 07-05-2013, com remissão para informações (relativas ao projecto de decisão e a decisão) cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

2.2. Análise

2.2.1. Origem e Fundamentos das Correcções

A reclamante foi objecto de uma acção inspectiva externa, que teve como finalidade efectuar a contagem física dos valores em caixa da sociedade, procurando confrontar essa realidade física com a contabilística evidenciada na conta "11 - Caixa" - cf. relatório a fls. 29 a 48 dos autos. Em 9 de Novembro de 2011 o saldo do "Caixa" era de €492.030,85. Da contagem dos valores em Caixa, efectuada no dia 2012-11-10, foi declarado pelo s.p. que os únicos valores que a empresa tinha em caixa correspondiam às importâncias provenientes das consultas realizadas nos dias 7 e 8 de Novembro de 2012, as quais totalizam €1.230,00.

Com base na alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do CIRS, a divergência do saldo do "Caixa" que totaliza €490.800,85 (492.030,85 - 1.230,00), foi considerado a título de distribuição de lucros (até à concorrência do saldo da conta 56 - Resultados Transitados, no montante de €475.692,59) e a título de adiantamento por conta de lucros, no montante remanescente até perfazer o saldo evidenciado na conta "Caixa" que se comprovou inexistente, isto é, €15.108,26 (€490.800,85 - €475.692,59).

Desta forma, o montante de €490.800,85 está sujeito a uma retenção na fonte à taxa de 21,5% que ascende a €105.522,18 (€490.800,85 x 21,5%), tal como previsto na al. c) do n.º 1 do art.º 71º do Código do IRS, que deverá ser entregue até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que se reporta.

Ficou assim demonstrado que o montante de €105.522,18 se refere à retenção na fonte em falta por terem sido colocados à disposição rendimentos de capitais - lucros e adiantamento por conta de lucros, sem que a mesma tivesse sido efectuada.

2.2.2. Argumentos Invocados pelo Reclamante

O reclamante não concorda com tais correcções, alegando em síntese:

- A AT ficcionou que a distribuição dos lucros e adiantamentos por conta de lucros ocorreu na data da verificação fiscal do caixa;

- A AT apenas comprovou que não existiam na caixa / cofre da reclamante os valores que constavam do saldo de caixa;

- Impunha-se determinar o momento em que os valores que constavam do saldo de caixa escritural tinham sido colocados à disposição dos titulares do capital:

- A reclamante procedeu, no decurso do procedimento da IT, ao cálculo do imposto que relativamente aos lucros e adiantamentos por conta de lucros que colocou à disposição dos seus titulares no período de 2008 até 2010.

- Considerando que relativamente aos factos tributários ocorridos nos períodos anteriores a 2008, se verificou a caducidade, como excepção peremptória prevista no art. 45º da LGT.

- Propondo-se fazer prova do momento em que os rendimentos foram efectivamente colocados à disposição dos seus titulares através dos extractos das suas contas bancárias:

- Por outro lado, nos termos do art. 74º da LGT, cabia à AT a prova dos factos alegados, ou seja, a prova de que o facto tributário se deu na data da contagem física do caixa;

- O acto tributário é ilegal por violação do disposto no art. 74º da LGT:

- O acto tributário é também ilegal por violação do princípio da descoberta da verdade material consagrada entre outros no art.º 58º da LGT.

- Deve ser anulada a liquidação de juros compensatórios que a AT efectuou no montante de €1.610,95.

2.2.3. Análise da reclamação

A IT verificou haver uma divergência entre o valor apurado na contagem física do "Caixa" e o seu valor contabilístico, no seguinte montante:

• Saldo contabilístico da conta 11 - Caixa em 09 de Novembro de 2011 €492.030,85

• Saldo dos valores em "Caixa apurados com a contagem física €1.230,00

Confrontado o s. p. com os factos, este admitiu, que a divergência se ficava a dever a retiradas de valores em dinheiro a título de distribuição de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros, as quais não foram relevadas contabilisticamente como tal.

A natureza do rendimento está assumida pelo s.p. reconhecendo tratar-se de rendimentos de capitais resultantes da distribuição de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros a que se refere a al. h) do n.º 2 do artigo 5º do CIRS.

A questão que se coloca é determinar o momento em que ocorrem os factos tributários relacionados com a colocação dos lucros a disposição dos seus titulares.

Defende a reclamante ter havido uma distribuição sucessiva de resultados desde 2006, não tendo efectuado qualquer registo na contabilidade nem efectuado o pagamento do imposto, pelo que propõe a tributação dos resultados apurados nos últimos 4 anos, defendendo que o direito à liquidação dos resultados distribuídos anteriormente já caducou.

A I.T. considera que o facto tributário ocorreu no dia em que foi levada a cabo a verificação do saldo de Caixa, no âmbito da acção inspectiva, portanto, 10 de Novembro de 2011.

O n.º 1 do art.º 75º da LGT dispõe que, "Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial".

Nenhum indício foi observado pela IT que a levasse a colocar em causa a contabilidade que lhes foi apresentada, pelo que consideraram como verdadeiros os valores e os resultados apresentados pelas demonstrações financeiras dos anos analisados.

A análise detalhada da contabilidade a períodos anteriores à verificação de que o saldo do "Caixa" tinha sido distribuído, não permitiu à IT reunir indícios de que essa não existência do saldo de "Caixa" se pudesse reportar a algum dos anos agora analisados, isto é, 2008, 2009 ou 2010 (como pretende o s.p. ao proceder à entrega de guias de retenção na fonte de IRS para os anos referidos).

Não existe qualquer evidência objectiva e sustentável de que o saldo já não se encontrava na empresa em períodos anteriores à verificação do saldo de caixa, por parte da IT.

Conclui-se assim estar verificado o primado da verdade e da boa fé das demonstrações financeiras a que se refere o preceituado no art.º 75º da LGT.

Não assiste razão ao reclamante quando afirma que a AT não desenvolveu esforços para comprovar os factos tributários e o momento em que ocorreram.

A AT, através da acção inspectiva, analisou e extraiu todos os elementos possíveis que a contabilidade da reclamante fornecia, não se vislumbrando que outros elementos poderia ter recolhido.

Durante a acção inspectiva o s.p. limitou-se a defender que a distribuição dos lucros ocorreu em períodos e montantes por ele escolhidos, sem contudo fazer qualquer prova que fragilizasse a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Vem agora em sede de reclamação graciosa tentar fazer prova do momento em que os rendimentos, foram efectivamente colocados à disposição dos seus titulares através de alguns extractos bancários, extractos estes que não fazem referência aos titulares das contas.

De qualquer modo, mesmo tratando-se de contas dos sócios, as mesmas não fazem prova de que as verbas depositadas e que se encontram destacadas, são provenientes de distribuição de resultados. Temos assim, que determinadas verbas foram depositadas naquelas contas, em determinadas datas, não sabendo, no entanto, qual a origem das mesmas.

Juros compensatórios

Vem a reclamante alegar que desconhece os motivos porque foram liquidados os juros compensatórios, o mesmo é dizer que as liquidações não estão fundamentadas nos termos legalmente exigidos.

A notificação respeitante a juros compensatórios, ora contestada, refere a natureza dos juros exigidos, devidos a Retenção na Fonte de IRS, do ano de 2011 e que os juras são contados desde o prazo das retenções respectivas, até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação, motivo por que a notificação revela-se em conformidade com as exigências plasmadas nas normas em vigor à data do facto tributário, tornando cognoscível à reclamante a razão de ser da liquidação.

Alega ainda a reclamante que "nem do relatório nem daquela "Demonstração" a reclamante não consegue descortinar como foi determinada a "data do fim".

De acordo com o estipulado no n.º 4 do artigo 35º da LGT, "Para efeitos do n.º anterior, em caso de inspecção, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia".

A "data do fim" que consta na nota de liquidação – 2012-07-10 – é a data em que foi levantado para auto de notícia.

Quanto à alegação de que "a AT não indica algum facto que demonstre a existência de culpa da reclamante", somos a informar o seguinte:

Em face do preceituado nos artigos 35º da LGT e 91º do Código do IRS, constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma divida de IRS, de um atraso na efectivação da liquidação do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.

A reclamante procedeu à distribuição de lucros e adiantamentos por conta de lucros a que se refere a al. h) do n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS e que estão sujeitos a retenção na fonte, à taxa liberatória de 21,5% e que deveria ser entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte a que se reporta.

Sobre o caso em apreço, importa referir o Acórdão do STA de 30-11-2011 (processo n.º 0619/11) segundo o qual:

- Também no que se refere à culpa, aceitamos que a fundamentação se baste com a descrição da conduta quando, como no caso, esta assuma a natureza de ilícito. Na verdade, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito deve fazer decorrer dessa conduta - por ilação lógica - a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga, ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária".

(...)

2. Proposta de decisão

No exercício do direito de audição o reclamante vem aduzir os mesmos fundamentos e factos já referenciados na sua petição, os quais já foram devidamente e claramente objecto de apreciação e explanação no Projecto de Decisão.

Continua a reclamante a alegar ter havido uma distribuição sucessiva de resultados desde 2006, através de "entregas" que mensalmente o sócio deposita na sua conta bancária. Para prova destas "entregas" a reclamante junta cópia dos extractos bancários da conta pessoal do sócio gerente.

Como já foi referido no Projecto de Decisão, os referidos extractos não fazem prova de que as verbas depositadas naquelas contas são provenientes de distribuição de lucros efectuada pela reclamante, uma vez que se desconhece a origem das mesmas.

Note-se que, e tal como referido a pág. 18 do Relatório da Inspecção, no caso em apreço não se consumou o lançamento em c/c específicas dos sócios mas sim o facto de as importâncias escrituradas no "caixa" na altura da contagem física do mesmo não estarem lá.

Em função do procedimento adoptado, o facto tributário considera-se ocorrido no dia em que foi levada a cabo a verificação do saldo de "Caixa" no âmbito da acção inspectiva, portanto, 10 de Novembro de 2011.

A presunção ínsita no n.º 5 do artigo 6º do CIRS pode ser ilidida mas apenas quanto à natureza dos rendimentos da categoria E - distribuição de lucros ou adiantamentos dos lucros e não quanto ao momento da sua obtenção.

k) Em 13-06-2013, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa;

l) O recurso hierárquico foi indeferido por despacho que manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

2. Informação

A recorrente no presente Recurso Hierárquico não apresenta qualquer elemento novo capaz de inverter a decisão proferida no processo de reclamação graciosa, não tendo apresentado novos fundamentos capazes de alterar as conclusões retiradas. As questões em causa já foram analisadas na informação prestada aquando da apreciação da reclamação graciosa, a qual corroboramos.

No entanto, e sem prescindir, será de referir o seguinte:

1- Pretende o sujeito passivo a anulação do despacho recorrido com fundamento em ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e a inexistência de facto tributário.

2- Alega a recorrente que os excedentes líquidos de tesouraria foram, ao longo dos anos, distribuídos mensalmente aos sócios, a título de participação nos lucros da sociedade, que deles passaram a dispor para a sua economia pessoal.

3- Estes factos nunca foram relevados na contabilidade, o que originou saldos anormalmente elevados de caixa. "Saldos que se conclui de forma imediata e objectiva serem anormalmente elevados se forem considerados os dados de experiência comum e as boas práticas aplicáveis à movimentação da conta caixa" (sublinhado nosso).

4- A recorrente alega que a existência escritural de um saldo anormal de Caixa constitui um facto notório de que falta registar movimentos de saldo de caixa, e que sendo um facto notório não carece de ser provado.

5- Segundo Dr. Joel Timóteo Ramos Ferreira, Juiz de Circulo, em Revista "O Advogado", II Série, Junho de 2006:

"1.1. Há factos que falam por si. Além de dispensarem qualquer prova, também dispensam a sua alegação. As partes nem sequer carecem de fazer referência aos mesmos, porque podem ser considerados pelo Juiz para a decisão de uma determinada causa. A estes factos chama a lei de processo, factos notórios (art.º 514.º. nº 1 do Código de Processo Civil).

1.2. Na definição mais clássica, facto notório é aquele que é do conhecimento geral. Como refere Calamandrei (Per La Defínizione Del Fatio Notório, 1925, 1º, pg. 309), trata-se do conhecimento comum das pessoas que pertencem a uma determinada esfera social, sendo esta constituída por um conjunto de pessoas que, por diversos motivos - de tempo, religião, de profissão, de cultura, etc.-, têm interesses comuns. Daí que, a doutrina tem classificado os factos notórios em duas espécies:

- Os acontecimentos de que a generalidade das pessoas tomou conhecimento (v.g., um terramoto, uma guerra, um ciclone, uma inundação, um incêndio, uma revolução política, etc.);

- Os factos que adquiriram o carácter de notórios por via indirecta, ou seja, através de raciocínios desenvolvidos a partir de factos do conhecimento comum.

1.3. Nesta senda, Alberto dos Reis (CPC Anotado, III, p. 261) classifica como "factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação". Consequentemente, não se podem considerar como notórios os factos que sejam do conhecimento de um sector restrito de pessoas, com informação muito acima da média ou de um sector muito específico (ex. problemas de natureza económica, ocorrências ou práticas de funcionais de uma profissão).

6- Ora, não é do conhecimento da generalidade dos cidadãos normalmente informados que quando a contabilidade de uma empresa apresenta um saldo anormal de Caixa, tal facto significa que falta registar movimentos de saída de caixa - tratam-se de factos que serão do conhecimento de um sector muito especifico, relacionados com práticas funcionais de uma profissão - "Saldos que se conclui de forma imediata e objectiva (...) se forem considerados (...) as boas práticas aplicáveis a movimentação da conta caixa". A maioria dos portugueses não tem conhecimentos técnicos de contabilidade, nem sabe o que é a conta Caixa.

7- Não obstante, a definição de "Facto notório" encontra-se estabelecido no Código de Processo Civil, só produzindo efeitos nessa esfera. Este conceito não é aplicável aos factos tributários nem existe na legislação fiscal.

8- A primeira condição para a relevância da contabilidade é que ela exista e esteja em condições de justificar os movimentos que reflecte e que afectam o património e os resultados da empresa.

9- Em termos materiais, a contabilidade engloba não só os livros e registos - alguns dos quais são obrigatórios e devem obedecer a determinados formalismos - mas também os documentos justificativos.

10- O valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos de justificativos, implicando o cumprimento da regra imposta pelo n.º 1 e pela alínea a) do n.º 2 do artigo 123º do CIRC, segundo a qual "Todos os lançamentos devem ser apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário".

11- Preconiza ainda o n.º 3 do artigo 17º do CIRC que, a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo.

12- Ora, na situação em concreto, o procedimento inspectivo teve por base a análise retrospectiva dos saldos evidenciados na conta Caixa, tendo a data da verificação do saldo de caixa ocorrido em 9 de Novembro de 2011.

13- No momento em que foi iniciado o procedimento inspectivo, a contabilidade encontrava-se registada até ao mês de Junho de 2011.

14- Deste modo, foram analisados os movimentos ocorridos posteriormente (quer de entrada, quer de saída no "Caixa"), para que se pudesse apurar o saldo de caixa que se encontrava na empresa à data de 09 de Novembro.

15- Assim, desta forma, reuniram-se os elementos necessários, em função dos quais resultou uma diferença entre o valor apurado na contagem física do "Caixa" e o seu valor contabilístico, conforme ficou demonstrado:

- Saldo contabilístico da conta de 11 - caixa em 09 de Novembro de 2011......€ 492.030,85

- Saldo dos valores em "Caixa" apurados com a contagem física..................... € 1.230.00

- Diferença entre o saldo contabilístico e o saldo efetivo............................. € 490.800,85

16- Em resultado deste procedimento constatou-se que em 09 de Novembro de 2011 o saldo do caixa era de € 492.030,85,

17- "O sujeito passivo não apresentou uma justificação objetiva para aquela divergência no "Caixa". No entanto, confrontado com os factos admitiu, implicitamente, que a divergência se ficava a dever a retiradas em dinheiro a título de distribuição de lucros ou de adiantamento por conta de lucros, as quais não foram relevadas contabilisticamente como tal. Na verdade, não obstante não haver relevação contabilística do facto, pela análise circunstancial efetuada, conclui-se que os sócios passaram a ter a titularidade dos montantes que antes se encontravam no "Caixa" da sociedade. Foi ressalvado o facto de a empresa nunca ter efetuado empréstimos aos sócios-gerentes.

Foi ainda esclarecido que os valores recebidos são depositados na conta da empresa e em contas pessoais" - Relatório da Inspecção

18- A questão de fundo subjacente à reclamação, e que se encontra aqui em discussão, não é a natureza dos rendimentos como rendimentos da Categoria E - distribuição de lucros e adiantamento por conta de lucros - mas sim o momento em que foram tributados.

19- Defende a recorrente ter havido uma distribuição sucessiva de resultados desde 2006, não tendo efectuado qualquer registo na contabilidade nem efectuado o pagamento do imposto, pelo que propõe a tributação dos resultado distribuídos nos últimos quatro anos, defendendo que o direito à liquidação dos resultados distribuídos anteriormente.

20- E, para provar as "entregas" que mensalmente os sócios depositavam nas suas contas bancárias ao longo dos anos, a recorrente juntou extractos bancários das contas pessoais dos sócios e disponibilizou-se para apresentar cópias dos cheques aí depositados, reiterando, assim, os argumentos invocados e já amplamente analisados em sede de procedimento de reclamação graciosa.

21- A Inspecção Tributária, quanto ao momento da distribuição dos lucros aos sócios, concluiu, e bem, que os valores foram movimentados no ano de 2011.

22- De facto, em todos os anos objecto de análise, o caixa evidenciava saldos bastante elevados (conforme demonstrado no Relatório da Inspecção), pelo que a divergência apurada – que traduz a inexistência dos valores em caixa – leva a concluir que, os saldos que foram sendo declarados e acumulados ao longo dos anos, foram movimentados inequivocamente em Novembro de 2011.

23- Possuindo a sociedade recorrente contabilidade organizada, esta persistiu na contabilização de saldos de caixa elevados ao longo dos anos.

24- E a verificação de que o saldo de caixa já não existia na empresa apenas ocorreu no dia em que foi levada a cabo a verificação do saldo de Caixa no âmbito da acção inspectiva, ou seja, em 10 de Novembro de 2011, data em que se considera ocorrido o facto tributário. Até esta data, estão reunidos todos os pressupostos para considerar a contabilidade como verdadeira e de boa-fé, ou seja, que o saldo contabilístico existente em 9 de Novembro de 2011 correspondia ao saldo real na mesma data.

4. Parecer

Deste modo, e considerando que os fundamentos do presente Recurso Hierárquico em nada alteram o sentido da decisão proferida, somos de parecer que não há razões para revogar o acto recorrido, devendo os autos ser remetidos Superiormente”.

m) A documentação bancária que consta dos documentos n.ºs 5 a 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, reporta-se a conta em nome de B… e C… (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

n) A Requerente registava os valores gerados pela sua actividade na conta de “Caixa”, com que pagava os seus encargos, aumentando e diminuindo o saldo de “Caixa” em conformidade;

o) Nos finais dos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, nas demonstrações financeiras apresentadas pela Requerente foram referidos saldos de caixa de € 316.985,01, de € 374.819,05, de € 425.331.80, de € 488.225,14 e de € 511.288,08, respectivamente (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e páginas 9 e 14 do Relatório da Inspecção Tributária);

p) Em actas de reuniões da assembleia geral da Requerente datadas de 31 de Março dos anos de 2007 a 2011, refere-se a distribuição de resultados aos sócios da Requerente relativos aos anos de 2006 a 2010, que não foram reflectidas na contabilidade (páginas 17 e 22 e 23 do Relatório da Inspecção Tributária);

q) No ponto 3 da acta datada de 31-03-2007, refere-se a distribuição aos sócios, na proporção das suas quotas, do resultado líquido apurado no exercício de 2006, bem como da totalidade dos resultados transitados, não distribuídos por deliberações anteriores da assembleia geral (página 22 do Relatório da Inspecção Tributária);

r) As actas n.ºs 18, 19, 20 e 21 das reuniões da assembleia geral da Requerente referem a aprovação de contas dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, decisões no sentido de proceder à distribuição aos sócios do resultado líquido apurado no exercício respectivo (página 23 do Relatório da Inspecção Tributária);

s) As importâncias que não se encontram no “Caixa” foram afectas aos sócios a título de lucros ou de adiantamento por conta de lucros não foram registados na contabilidade (página 25 do Relatório da Inspecção Tributária);

t) Não foram efectuados lançamentos nas contas dos sócios relativos às quantias referidas;

u) Os valores distribuídos aos sócios não foram depositados na conta bancária da Requerente, sendo entregues aos sócios em dinheiro e cheques que depositaram na referida conta do F…;

v) Em Março de 2012, no decurso do procedimento inspectivo, a Requerente procedeu à liquidação da retenção na fonte, através da submissão de três declarações de retenções na fonte com o código 108 — IRS - Capitais - Outros rendimentos, bem como ao respectivo pagamento, nos períodos e montantes a seguir discriminados:

w) Em 20-03-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

Matéria de facto dada como provada no acórdão fundamento datado de 21/10/2004, proferido pela Secção de contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte no processo nº 00092/04:

A. Em 15 de Julho de 1994, a impugnante prometeu vender a M .., pelo preço de 53.000.000$00, um terreno identificado no contrato promessa de fls. 32 dos autos que aqui se dá para todos os efeitos legais como integralmente reproduzido;

B. Nos termos e na data do contrato referido em 1, foram pagos 25.000.000$00, sendo que os restantes 28.000.000$00 relativos ao montante do preço em falta seriam pagos aquando da celebração da respectiva escritura de compra e venda (cfr. fls. 36 e 37);

C. Em 20 de Setembro de 1994 a impugnante recebeu o resto do preço acordado, ou seja os 28.000.000$00 (cfr. fls. 38);

D. A escritura do terreno de compra e venda teve lugar em 21 de Outubro de 1996 (cfr. fls. 22);

E. Por Oficio com o nº 232587, datado de 26 de Setembro de 2001, a Impugnante foi notificada para exercer, querendo, o seu direito de audição relativo ao Projecto de Correcções relativo aos rendimentos auferidos pela mesma em 1996 e que foi junto com aquela missiva (v. doc. de fls. 11 a 13 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais).

F. Por Oficio com o nº 30368, datado de 23 de Novembro de 2001, a impugnante foi notificada das correcções efectuadas à declaração de rendimentos de IRS relativos ao ano de 1996 tendo sido junto a respectiva nota de alteração e conclusões das correcções (v. doc. de fls. 19 a 24 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

G. A Impugnante em carta datada de 5 de Dezembro de 2001 e recepcionada pela Direcção de Finanças do Porto no dia seguinte, veio arguir a nulidade do processo referido em 6, juntando um requerimento nesse sentido (v. doc. de fls. 26 a 29 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

H. Por despacho de 17 de Janeiro de 2002, a arguição de nulidade do procedimento apresentada foi convolada em reclamação graciosa, tendo sido desta decisão emitido o Oficio nº 01224, datado de 10 de Janeiro de 2002 e expedido no dia seguinte (v. doc. de fls. 30 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

I. A correcção à declaração de rendimentos referida em 6 teve por objecto a tributação da mais valia obtida pela venda do terreno, tendo a respectiva liquidação sido realizada em 22 de Novembro de 2002 (v. doc. de fls. 10 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

J. A impugnante foi notificada, para proceder ao pagamento do IRS liquidado até à data limite de 14 de Janeiro de 2002 (cfr. fls. 10).

K. A impugnação foi deduzida em 15 de Abril de 2002 (cfr. fls. 2).

3- DO DIREITO:

DECIDINDO NESTE STA

Antes da decisão de mérito importa decidir, previamente, da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o prosseguimento para conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber: a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do STA.

Verificados aqueles pressupostos, haverá que conhecer do mérito do recurso.

Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Face ao disposto no artigo 25º do Dec. Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (regime jurídico da arbitragem em matéria tributária), a decisão proferida na sequência de pedido de pronúncia arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (nº 2), sendo aplicável a tal recurso, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do CPTA (nº 3).

A admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 29 de Março de 2006, rec. n.º 1065/05), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).

Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).

Acresce referir que como se deu nota no acórdão do Pleno desta Secção de 4/06/2014, no proc. nº 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».

Em suma, este tipo de recurso pressupõe uma identidade dos factos subjacentes (que terão de ser essencialmente os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico) e uma identidade do regime jurídico aplicado (ainda que em invólucros legislativos diferentes), pois sem essa identidade não será possível vislumbrar a emissão de proposições jurídicas opostas, sobre a mesma questão fundamental de direito, que careça de uniformização jurisprudencial.

Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam no caso dos autos.

Compulsadas as duas decisões em confronto, concordamos com o Ministério Público junto deste STA, quando defende que não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência, uma vez que “no caso dos autos esta (liquidação) foi efectuada por retenção na fonte a título definitivo e relativa a lucros colocados à disposição de sócios ou adiantamentos dos mesmos por aplicação do art. 71.º n.º 1 al. c) do C.I.R.S., por referência ao previsto no art. 5.º n.º 2 al. h) do mesmo diploma, que se insere em “rendimentos de capitais”, dependendo o dito momento (de início de contagem do prazo de caducidade) do que se entenda quanto ao rendimento se encontrar colocado à disposição.

Enquanto que no caso do acórdão fundamento a tributação ocorreu a título de mais-valias na alienação de imóvel, inserindo-se em “incrementos patrimoniais”, conforme previsto no art. 10.º n.º 1 al. a) do C.I.R.S., dependendo da alienação do bem, o que no caso previsto no seu n.º 3 al. a), e existindo promessa de compra e venda, se encontra previsto poder ocorrer à data da tradição do imóvel, sendo sobre tal que se pronunciou o acórdão fundamento.

Ou seja: pretende a AT que o prazo de caducidade no caso dos autos só se iniciava com o seu conhecimento da ocorrência do facto tributário à semelhança do decidido no acórdão fundamento em que se indicou a data da escritura de compra e venda do prometido imóvel como sendo aquela em que a AT se deverá legalmente considerar como conhecedora da transmissão.

Está em causa este trecho da decisão recorrida que passamos a reproduzir:

“O prazo geral de caducidade do direito de liquidação é de 4 anos, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da LGT.

Este prazo conta-se, nos impostos sobre o rendimento, quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.º 4, da LGT).

À face desta norma especial sobre o início do prazo de caducidade quando a tributação deva ser efectuada através retenção na fonte a título definitivo, não pode aceitar-se, por falta de suporte legal, a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que esse prazo só se inicia com o conhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência do facto tributário.

De resto, a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe de meios inspectivos para apurar os factos tributários mesmo quando não são cumpridas obrigações declarativas, pelo que tem o dever de diligenciar para ao averiguar a tempo de efectuar liquidações relativas a factos não declarados, se for caso disso, sendo para esses casos de deficiência de cumprimento de obrigações declarativas que se pode justificar a admissibilidade de liquidação no prazo de 4 anos (ou mais) e não nos prazos normais previstos para os casos em que as liquidações são baseadas nas declarações. Aliás, no caso em apreço, através das IES era constatável a existência de um saldo de caixa anormalmente elevado para o volume de negócios da Requerente, o que poderia ter justificado uma acção inspectiva muito antes do ano de 2011. Na verdade, «na origem do procedimento está o facto de se ter identificado um saldo de caixa em anos sucessivos com valores elevados» (como se refere na página 5 do Relatório da Inspecção Tributária), pelo que já antes a Autoridade Tributária e Aduaneira poderia ter constatado essa anormalidade e ter procedido a inspecção externa ou, pelo menos, ter pedido esclarecimentos à Requerente.(…)

Aqui chegados, temos de constatar que os casos em confronto são distintos do ponto de vista factual o que foi determinante para a solução jurídica alcançada, no que em matéria de caducidade do direito à liquidação diz respeito.

É que no caso dos autos está em causa a ocorrência que se considerou verificada, da caducidade do direito à liquidação relativamente a rendimentos de capitais, gerados antes de 2008, tendo sido considerado que, então em 2012 quando a liquidação foi efectuada já tinham decorrido mais de quatro anos (no caso dos autos a liquidação foi efectuada por retenção na fonte a título definitivo e relativa a lucros colocados à disposição de sócios ou adiantamentos dos mesmos por aplicação do art. 71.º n.º 1 al. c) do C.I.R.S., por referência ao previsto no art. 5.º n.º 2 al. h) do mesmo diploma, que se insere em “rendimentos de capitais”, dependendo o momento em que se inicia o prazo de caducidade do que se entenda quanto ao rendimento se encontrar colocado à disposição.

Enquanto que no caso do acórdão fundamento a tributação ocorreu a título de mais-valias derivadas da alienação de imóvel, devidas pelo promitente comprador o qual cedeu a sua posição contratual a terceiro, retirando daí proveitos, inserindo-se em “incrementos patrimoniais”, conforme previsto no art. 10.º n.º 1 al. a) do C.I.R.S., dependendo da alienação do bem, o que no caso previsto no seu n.º 3 al. a), de existir promessa de compra e venda, se encontra previsto poder ocorrer à data da tradição do imóvel, sendo sobre tal que se pronunciou o acórdão fundamento.

Assim:

Na decisão arbitral recorrida, a questão decidida foi a da caducidade ou não da liquidação de IRS efectuada por terem sido considerados lucros de uma sociedade postos à disposição dos sócios sendo que se considerou que o facto tributário ocorreu no momento em que foram postos à disposição destes tendo sido considerado que tal ocorreu no início de 2008.

E, o acórdão fundamento, do TCA Norte, julgando um caso de tributação em IRS dos ganhos obtidos com mais valias entendeu que o ganho ocorre (presumidamente) logo que verificada a tradição ou posse nos casos do artº 10º nºs 1 e 3 al. a) do CIRS, equacionou a questão a decidir como sendo a da determinação da data em que ocorreu o facto tributário que constitui as mais valias imobiliárias sujeitas a tributação em IRS.

Ora, na economia deste acórdão patenteia-se que a referência ao momento “escritura pública” como sendo aquele que deve ser ponderado para o início da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação aparece como que, subsidiário, da ponderação de outros momentos que por atenção à concreta matéria de facto dada como assente não foi possível fixar/definir porquanto o sujeito passivo não declarou o rendimento das mais valias nem o promitente comprador pagou a sisa devida pela tradição da coisa nem chegou ao conhecimento da Administração Tributária a efectivação da tradição do imóvel. Faz, pois, todo o sentido a solução dada ao pleito de que o momento da outorga da escritura de compra e venda seja o momento a considerar para a verificação da ocorrência de caducidade ou não, do direito de liquidar o tributo ao cedente da posição contratual -o inicial promitente comprador. E, esta decisão, como muito bem destaca o Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA, não implicou a pronúncia expressa sobre o momento em que o rendimento em causa (o das mais valias) foi ou podia ser considerado colocado à disposição do sujeito passivo.

Mas de modo diverso no acórdão recorrido tal pronúncia foi efectuada, como tinha de o ser, por atenção aos ditames da lei tendo sido destacado que o prazo geral de caducidade do direito de liquidação é de 4 anos, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da LGT e que este prazo se conta, nos impostos sobre o rendimento, quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.º 4, da LGT), tendo-se concluído que à face desta norma especial sobre o início do prazo de caducidade quando a tributação deva ser efectuada através retenção na fonte a título definitivo, não pode aceitar-se, por falta de suporte legal, a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que esse prazo só se inicia com o conhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência do facto tributário. E depois atendendo aos factos fixados no probatório concluiu que relativamente aos rendimentos subjacentes ao saldo de caixa que se verificava no final de 2007, o prazo de caducidade do direito de liquidação iniciou-se, pelo menos, em 01-01-2008 (em datas anteriores quanto a rendimentos de anos anteriores a 2007), pelo que a caducidade do direito de liquidação ocorreu, pelo menos, no final do 4.º ano posterior ao ano em que se verificou a colocação à disposição, isto é, em 31-12-2011 pelo que, em 2012, quando foi efectuada a liquidação, já tinha transcorrido integralmente o prazo de caducidade do direito de liquidação.

Em conclusão: O acórdão recorrido não enunciou, expressamente, a questão a decidir como sendo a da determinação da data ou em que ocorreu o facto tributário, antes o fixou em função de elementos factuais distintos dos que foram ponderados no caso do acórdão fundamento, tendo ainda presente os normativos específicos que no código do IRS previam, à data, a tributação de lucros de uma sociedade postos à disposição dos sócios ou adiantamento dos mesmos (artºs 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h); n.º 1 e na subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do CIRS e ainda artigo 71.º, n.º 1, alínea c), todos do CIRS). E, de modo diverso assente em pressupostos factuais distintos decidiu o acórdão fundamento.

Assim sendo cremos ter demonstrado que não ocorre a apontada contradição de acórdãos por não ocorrer identidade substancial das situações fácticas subjacentes aos dois arestos, e bem assim também inexiste identidade da mesma questão fundamental de direito.

Não se verificam pois os requisitos do recurso com fundamento em uniformização de jurisprudência, pelo que o presente recurso não poderá prosseguir.

4- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2019. – José da Ascensão Nunes Lopes (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Dulce Manuel da Conceição Neto – Pedro Manuel Dias Delgado.