Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0211/10.0BELRS 0385/17
Data do Acordão:10/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
NOTÁRIO
Sumário:A falta de entrega de imposto do selo, a que se referem os presentes autos, por notário, no prazo devido, tem, como consequência legal, nos termos do artigo 40 do CIS, a liquidação de juros compensatórios e não de juros de mora.
Nº Convencional:JSTA00070966
Nº do Documento:SA2201810240211/10
Data de Entrada:03/27/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A........
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:IMPOSTO DE SELO
Área Temática 2:JUROS COMPENSATÓRIOS
Legislação Nacional:ARTIGOS 3º, 23º, 40º, 41º E 44º DO CÓDIGO DO IMPOSTO DE SELO
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A………. impugnou, no Tribunal Tributário de Lisboa, a decisão de indeferimento, de 17/12/2009 do Chefe de Serviço de Finanças Lisboa 10, exarada na reclamação graciosa relativa aos juros de mora sobre a liquidação de Imposto de Selo para o período de 2007.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 30/12/2016 (fls.83/102), julgou procedente a impugnação.
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1.3. Recorreu a Fazenda Pública que formulou, em alegações, as seguintes conclusões:
«I – Na douta sentença do Tribunal a quo foi considerado que poder-se-ia pensar que são devidos juros de mora, nos termos dos art.ºs 41.º e 44.º do CIS mas, como o sujeito passivo é um notário, tendo como função a liquidação, cobrança e entrega a Estado do IS cobrado, enquanto substitutos tributários, sendo incorrecta ou imprecisa a terminologia “pagamento” utilizada nos art.ºs 41.º e 44.º, do CIRS, uma vez que o que está em causa é uma verdadeira entrega do imposto ao Estado, porquanto o mesmo já foi efectivamente pago e suportado pelo titular do encargo do imposto a que alude o art.º 3.º.
II – A questão decidenda é saber se pelo atraso na entrega / pagamento do Imposto de Selo ao Estado, por parte do notário, são devidos juros moratórios, nos termos do disposto no artigo 44.º da Lei Geral Tributária (LGT), ou juros compensatórios, liquidados à luz do preceituado no artigo 40.º do Código do Imposto de Selo (CIS);
Caso se conclua que tal retardamento tem como consequência legal os juros moratórios, nos termos do artigo 44.º da LGT, se tal padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 104.º da CRP, considerando a qualidade de substitutos tributários (dos notários) sem capacidade contributiva, e se viola, ainda, os princípios da justiça, proporcionalidade e igualdade.
III - O impugnante é notário e, em Julho de 2007, liquidou imposto de selo, no montante de € 134.372,03, tendo ficado provado que entregou / pagou ao Estado o imposto de selo, por si liquidado em 23/07/2007, tendo sido emitida a liquidação de juros de mora, no montante de € 1.343,72, havendo um atraso na entrega nos cofres do Estado, uma vez que entregou o imposto em 23/07/2007 e não em 20/07/2007.
IV – Na douta sentença ficou estipulado que tal atraso corresponde ao atraso na entrega do imposto devido ao Estado pela impugnante, enquanto notário, situação que subsume expressamente a letra e no espírito da previsão do art.º 40.º do CIS, uma vez que está em causa um atraso na entrega do imposto, já liquidado, cobrado e arrecadado ou pago pelo titular do encargo referido no art.º 3.º.
Assim sendo, caso o retardamento fosse imputável ao impugnante apenas poderia a AT liquidar-lhe e exigir-lhe juros compensatórios ao abrigo do art.º 40.º do CIS e não juros moratórios, como indevidamente o fez, em vício de violação de lei.
V – Tendo concluído a douta sentença do Tribunal a quo que “(...) assiste razão ao Impugnante e que o ato de liquidação de juros de moda sindicado viola o disposto no artigo 40.º do CIS, encontrando-se ferido pelo desvalor jurídico da anulabilidade) com fundamento no vício de violação de lei por erro de direito, razão pela qual se impõe a sua anulação, nos termos do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA vigente à data da prática do ato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, com a última redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 6/96 de 31 de Janeiro).”
VI - Salvo o devido respeito, a Fazenda não concorda com a douta sentença tal como se explanará.
VII – No preâmbulo do DL n.º 433/99, de 26/10 que aprovou o Código de Procedimento e de Processo Tributário é mencionado no ponto 1 que “1 - A lei geral tributária, aprovada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, exige uma extensa e profunda adaptação às suas disposições dos vários códigos e leis tributárias, designadamente do Código de Processo tributário, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril.
Na verdade, aquela lei chamou a si a regulamentação directa de aspectos essenciais da relação jurídico tributária e do próprio procedimento tributário, que constavam, até então do Código de Processo Tributário e de outras leis tributárias. Impõe-se agora a modificação da sistematização e disciplina deste Código, que ficará essencialmente a ser um código de processo judicial tributário e das execuções fiscais, sem prejuízo de complementar a regulamentação do procedimento tributário efectuada pela lei geral tributária, o que é feito no título II” – vide preâmbulo do CPPT
VIII – Por sua vez, no preâmbulo da LGT é mencionado que “A reforma fiscal da tributação directa de 1989 não foi precedida da instituição de uma lei geral tributaria que clarificasse os princípios fundamentais do sistema fiscal, as garantias dos contribuintes e os poderes da Administração Tributária. O Código de Processo Tributário, na esteira do Código de Processo das Contribuições e Impostos, viria a dispor genericamente no Título I, sobre as relações tributárias, especialmente as principais garantias dos contribuintes, mas continua a fazer-se sentir a ausência dessa peça fundamental do sistema fiscal português.
A concentração, clarificação e síntese em único diploma das regras fundamentais do sistema fiscal que só uma lei geral tributária é susceptível de empreender poderão, na verdade, contribuir poderosamente para uma maior segurança das relações entre a Administração Tributária e os contribuintes, a uniformização dos critérios de aplicação do Direito Tributário, de que depende a aplicação efectiva do princípio da igualdade, e a estabilidade e coerência do sistema tributário. A imagem de um sistema tributário disperso e contraditório prejudica fortemente a aceitação social das suas normas e, consequentemente, a eficácia do combate à fraude e evasão fiscal.
É tempo de suprir essa lacuna e dotar o sistema tributário português de um meio que o fará aproximar decididamente do sistema tributário das sociedades democráticas mais avançadas. É o que se pretende com a presente lei cuja aprovação constitui, sem duvida, um momento fundamental da acção reformadora do Governo, coroando um processo desencadeado a partir de 1996 com o Acordo de Concentração Estratégica e a aprovação do Orçamento de Estado de 1997, onde já vinha prevista a realização de estudos tendentes à aprovação de uma lei geral tributaria que clarificasse e sistematizasse os direitos e garantias dos contribuintes e os poderes da administração fiscal, e prosseguindo pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 119/97, de 14 de Julho, onde, no Ponto 8, n.º 3, alínea b), se assinala o papel determinante da referida lei na Reforma Fiscal que o Governo vem empreendendo.” – vide preâmbulo da LGT
IX - Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 119/97, de 14/07, no ponto 8, n.º 3, al. b) é mencionado que “Aprovação de uma lei geral tributária onde se estabelecerão os princípios fundamentais do direito tributário, sistematizando-se, uniformizando-se e clarificando-se diversas matérias, nomeadamente o posicionamento da administração fiscal e aduaneira perante os contribuintes, o sistema de garantias dos contribuintes, o regime jurídico de enquadramento da norma tributária, a teoria geral da relação jurídico tributária e seus elementos constitutivos, a tipologia dos tributos e respectivo regime jurídico, a definição da obrigação principal e das obrigações acessórias dos contribuintes, o regime da responsabilidade, o regime básico da avaliação e as formas de extinção da relação jurídica tributária.”
X - Assim sendo, discorda a Fazenda da posição assumida na douta sentença quando refere que a LGT não tem valor reforçado e que, em 1.ª linha ter-se-á de aplicar o CIS e não a LGT, quando é precisamente o contrário.
XI - O art.º 21.º do CIS estipula a incidência subjectiva do imposto, indicando as pessoas e identidades que assumem a qualidade de sujeitos passivo da relação jurídica-tributária.
E, nos termos do art.º 20.º, n.º 3 da LGT consagra quem é sujeito passivo.
E, o art.º 2.º, n.º 1 do CIS enumera as várias pessoas e entidades que assumem a qualidade de sujeitos passivos e que, de acordo com os art.ºs 23.º, n.º 1 ficam obrigadas à liquidação, cobrança e posterior entrega nos cofres do Estado do imposto, o qual constitui encargo dos próprios sujeitos passivos ou de outras pessoas ou entidades.
Consequentemente, no art.º 2.º, n.º 1, al. a), do CIS, são sujeitos passivos de imposto, os Notários, sempre que intervenham em acto, contratos ou outros factos sujeitos a este tipo de imposto.
XII – Ora, é no art.º 23.º, n.º 1 do CIS que estipula que “A liquidação compete aos sujeitos passivos referidos no n.º 1 do artigo 2.º” e, de acordo com o art.° 41.º do CIS, a obrigação de pagamento do imposto é das entidades que estão obrigadas à sua liquidação.
XIII – Na verdade, perante os argumentos supra expostos, a AT só pode concluir que os notários são sujeitos passivo de imposto de selo, sendo a própria lei que o refere e, sendo o notário um sujeito passivo de imposto de selo, não se pode fazer a distinção entre se é ou não titular de capacidade contributiva.
XIV - Por outro lado, o notário, nos termos do art.º 3.º do CIS, o qual se refere ao encargo do imposto, em contraposição ao art.º 2.º do CIS, considera este sujeito passivo da relação tributária as pessoas e entidades ai mencionadas, obrigadas à liquidação e posterior entrega do imposto nos cofres do Estado nos termos dos art.ºs 23.º, n.º 1 e 41º, ambos do CIS
XV - No art.º 3.º do CIS, refere-se às pessoas que efectivamente suportam, o tributo, estabelecendo que este encargo recai sobre os titulares do interesse económico em causa.
Mas, estas pessoas, não obstante suportarem, por repercussão, o encargo do imposto, não têm a qualidade de sujeitos passivos, não estando, consequentemente, sujeitas a qualquer obrigação de natureza fiscal.
E, o art.° 18°, n.º 4, al. a) da LGT consagra que “Não é sujeito passivo quem: Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.”
XVI – Com respeito aos juros a aplicar ao impugnante por pagamento da guia em causa fora de prazo legal, é entendimento da AT que tudo se resume à natureza jurídico-legal dos juros compensatórios e dos juros de mora.
Os juros compensatórios respeitam à situação de retardamento da liquidação por facto imputável ao contribuinte e, ligam-se ao incumprimento de uma obrigação acessória e visam ressarcir o Estado pelo atraso originado na cobrança do imposto.
O regime deste tipo de juros é um regime específico de indemnização civil do Estado pelos danos causados pela falta de cobrança do imposto originada pelo incumprimento dos deveres acessórios.
E, a exigência dos juros compensatórios baseia-se na existência de uma conduta ilícita por parte do contribuinte e no correspondente prejuízo sofrido pelo Estado. É um dever de indemnizar resultante de responsabilidade civil, nos termos do art.º 35.º da LGT.
XVII - Para haver a exigência de juros compensatórios, é necessário 3 requisitos cumulativos a saber:
a) A ilicitude, ou seja, o atraso na liquidação;
b) A culpa, entendida no sentido de imputação do comportamento a uma ‘ consciente e livre;
c) O prejuízo para o Estado decorrente da conduta do contribuinte.
Quer dizer, este tipo de juros constitui-se em consequência da violação dos deveres de cooperação que a lei impõe aos contribuintes.
XVIII - Para o art.° 35.º, n.º 6 da LGT, considera-se haver retardamento da liquidação sempre que as declarações de imposto forem entregues fora dos prazos legais, ou seja, a dívida destes juros assentam num pressuposto de natureza objectiva, o retardamento da liquidação tributária.
XIX - Mas, nos termos do art.º 35.º n.º 8 e 9 da LGT, os juros compensatórios integram-se na própria dívida de imposto, com a qual são conjuntamente liquidados e cobrados, sendo calculados desde o momento em que se inicia o retardamento da liquidação e não propriamente do momento em que se deva ser cumprida a obrigação acessória.
XX – Quanto aos juros de mora, nos termos do art.º 44.º da LGT e 121.º do CIS, os mesmos são devidos no caso de falta de pagamento do imposto no prazo legal, sendo que o impugnante reconhece que pagou o imposto fora de prazo.
Sendo os juros de mora são devidos pela falta de pagamento voluntária de uma dívida fiscal já constituída, independentemente das causas que determinem tal atraso.
XXI - Assim sendo, os juros de mora são devidos sempre que o imposto não seja pago dentro do prazo legal.
XXII - O art.º 86.º, n.º 1 do CPPT refere que estes juros começam a vencer-se logo que finde o prazo de pagamento voluntário que, de acordo com o art.º 84.º, n.º 1, é com referência a cada tributo, o que se encontra previsto nas leis tributárias.
XXIII - No caso do imposto de selo, o prazo de pagamento voluntário é o que se encontra estabelecido no art.° 44.º do CIS, isto é, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído.
XXIV - Ora, o regime legal destes juros encontra-se estabelecido no DL n.º 73/99, de 16/03, sendo a taxa de juros de mora de 1% ao mês, se o pagamento se fizer dentro do mês do calendário em que se verificou a sujeição aos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês do calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente, nos termos do art.º 44.º, n.º 3 da LGT e DL n.º 73/99, de 16/03.
Vide o Ac. do STA de 10/07/2002, proferido no rec n.º 0181/02.
XXV - E, nos termos do art.º 2.º da LGT, sobrepõe-se aos restantes diplomas mencionados nas diversas alíneas remetendo-os para uma situação de subsidiariedade, isto é, aqueles diplomas só se aplicarão quando a LGT não regular juridicamente a situação em análise.
XXVI - Vertendo esta posição para o presente recurso, constata-se que a LGT regula a matéria dos juros de mora no art.º 44.º da LGT e sendo esta matéria tratada na lei geral do sistema tributário, não colhe o argumento de que deveriam ser aplicados os juros compensatórios do art.º 40.º do CIS.
XXVII - Nos termos expostos, deve a douta sentença ser revogada sob pena de violação do art.º 44.º da LGT.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as de consequências legais.
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1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«1. A Lei Geral Tributária (LGT) foi aprovada pelo DL n° 398/98,17 dezembro, com início de vigência em 1 janeiro 1999.
O Código do Imposto de Selo (CIS) foi aprovado pela Lei n° 150/99,11 setembro.
A LGT não tem a natureza de lei constitucional ou lei de valor reforçado que deva prevalecer sobre o CIS no plano da hierarquia das normas (art. 112º nº 3 CRP; acórdãos STA-SCT 18.05.2016 processo nº 102/16; 31.03.2016 processo nº 628/15)
Neste contexto as normas do CIS, integrantes de um regime especial posterior adequado à especificidade da relação jurídico tributária subjacente ao Imposto de Selo, prevalecem sobre o regime geral das relações jurídico-tributária plasmado na LGT
Apenas em caso de lacuna às matérias não reguladas no CIS aplica-se a LGT e, subsidiariamente, o regime do CIRC (art.67º n.º 1 CIS)
2. Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, tenha havido retardamento na liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou na entrega do imposto ao Estado por parte dos sujeitos passivos são devidos juros compensatórios, que acrescerão ao montante do imposto (art. 35º n.º 1 LGT; art. 40º CIS).
Os juros compensatórios assumem a natureza de indemnização por facto ilícito; exigindo a verificação de um nexo de causalidade entre o retardamento da liquidação e o comportamento do sujeito passivo, a responsabilidade pelo seu pagamento radica na culpa do causador do dano, consistente na omissão censurável de um dever de diligência (art. 483º CCivil)
3. Os notários são sujeitos passivos do Imposto de Selo, sem prejuízo de o imposto constituir encargo dos titulares do interesse económico subjacente à prática do acto, à celebração do contrato ou à emissão dos documentos e títulos inscritos na incidência objectiva do tributo (arts.1º n.º 1, 2º n.º 1 al. a) e 3 n.º1 CIS)
4. O atraso no incumprimento das obrigações tributárias gera dois tipos de juros a favor do Estado, com regimes jurídicos distintos quanto ao modo de contagem, extensão e taxas de juro aplicáveis:
-os juros de mora, se for incumprido o dever de pagamento do imposto no prazo legal (art. 44º LGT);
-os juros compensatórios, se por facto imputável ao sujeito passivo foi incumprido o dever de liquidar ou de entregar o imposto devido (art.º 35.º n.º 1 LGT; art. 40.º n.º1 CIS)
Diferentemente da LGT, o CIS não prevê a liquidação de juros de mora, tão-somente juros compensatórios (art. 44º nº1 LGT; art..40º nº1 CIS)
Não existe lacuna da lei, antes eloquente silêncio do legislador, o qual apenas pretendeu contemplar no regime do CIS os juros compensatórios, com pressupostos idênticos aos previstos na LGT (art. 40º nº 1 CIS; art. 35º nº 1 LGT)
5. No caso concreto, ainda que existisse lacuna determinante da aplicação supletiva da LGT não seriam devidos juros demora (art. 67º nº 1 CIS).
O pagamento do imposto foi efectuado tempestivamente pelo titular do interesse económico subjacente ao acto notarial: incorrendo o notário em atraso na entrega ao Estado da colecta do imposto (nas não em falta de pagamento do imposto no prazo legal), não estão reunidos os pressupostos para a liquidação de juros de mora, tão-somente de juros compensatórios (art. 40º nº 1 CIS)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) O ora Impugnante é notário de profissão, estando inscrito na Ordem dos Notários. - cfr. documento a fls. 31 dos autos e a fls. 5 do processo de reclamação graciosa constante do processo administrativo apenso;
B) Em 02/08/2007, o Impugnante procedeu à entrega da “declaração de retenção na fonte” de imposto de selo, referente ao mês de Julho de 2007, com o n.º 80139741003, no valor de € 134 372,03, referente aos seguintes códigos:
“aquisição onerosa ou doação, escritos de quaisquer contratos, garantias das obrigações e notários e actos notariais” - cfr. fls. 34 dos autos e fls. 47 do processo administrativo apenso;
C) Em 23/08/2007, o Impugnante procedeu ao pagamento da quantia € 134.372,03, através de cheque emitido à ordem da Direção Geral do Tesouro - cfr. fls. 34 e 35 dos autos e fls. 52 do processo administrativo apenso;
D) Em 27/03/2009, foi comunicada ao Impugnante a demonstração de “liquidação de juros moratórios” no montante de € 1.343,72, tendo por base a Guia n.º 80139741003 – cfr. fls. 32 dos autos;
E) Em 30/03/2009, a Autoridade Tributária comunicou ao ora Impugnante a “demonstração de acerto de contas” respeitante à “liquidação autónoma de juros moratórios” com o n.º 2009 00000039594, no montante de € 1.343,72 – cfr. fls. 33 dos autos;
F) Em 16/06/2009, o Impugnante apresentou “reclamação graciosa” contra a referida liquidação de juros moratórios, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 1 a 13 do processo de reclamação graciosa constante do processo administrativo apenso;
G) Por despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças proferido em 14/12/2009, a referida reclamação graciosa foi indeferida, salientando os seguintes fundamentos da decisão (cfr. fls. 38 a 41 dos autos, fls. 14, 15 e fls. 11 a 12 do processo de reclamação graciosa constante do processo administrativo apenso;
(...) Vem o contribuinte ……….. (Notário - Ordem dos Notários n° ……….) reclamar da liquidação de juros de mora relativos a Retenção na Fonte/IS n.º 200939594, alegando que:
Tendo sido notificado para pagamento da liquidação de Juros Moratórios n.º 2009/39594 (fls. 16) relativa a atraso no pagamento da guia de retenção na fonte n.º 80139741003; ao abrigo do artº 40º CIS e do artº 35º da LGT são devidos juros compensatórios à taxa anual de 4%, juros contados dia a dia desde o dia imediato ao termo do prazo para a entrega do imposto...até à data em que for regularizada ou suprida a falta; e não juros moratórios nos termos do artº 44º da LGT.
Liquida e entrega o imposto nos cofres do Estado, no desempenho da função de substituto tributário, estando em apreciação montantes de IS que arrecadou ao serviço do próprio Estado e não montantes devidos ao Estado como sujeito do encargo.
Alega que deve ser aplicado o artº 40º do CIS – norma específica prevê a aplicação a este caso da exigência de juros compensatórios e não moratórios.
Assim verifica-se:
O contribuinte (notário) liquida e cobra a todos os utentes do seu cartório o imposto de selo que seja devido, sempre que a liquidação da verba devida caiba na sua competência (artº 2º nº 1 al. a) e art. 230 do CIS).
O contribuinte entrega o Imposto nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte ao da constituição da obrigação tributária (artº 44º do CIS).
3. O artº 44º da LGT diz expressamente “são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal”
4. O art.º 35º da LGT diz expressamente “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo for retardada a liquidação...Ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.”
5. O artº 40º do CIS diz expressamente “ sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou a entrega de parte ou da totalidade do imposto devido, acrescerão ao montante do Imposto, juros compensatórios, de harmonia com o artº 35º da LGT.
6. O art.º 2º nº 1 al. a., do CIS determina como sujeito passivo do imposto, expressamente “notários”, sem qualquer menção à figura de “substituição tributária”.
Nestes termos e para efeitos do n.º 1 do art.º 75º do CPPT, tenho a honra de informar V. Ex.ª de que:
1 - O processo é o meio próprio, a reclamação tempestiva (cfr. n.º 1 do art.º 70.º do CPPT) e o reclamante tem legitimidade para o acto (cfr. n.º 1 art.º 68.º do CPPT).
Conclusão:
A entidade” notário” agindo em substituição tributária é considerado sujeito passivo do imposto, de acordo com o artº 2º nº 1 al. a) do Código do Imposto de Selo.
O imposto de Selo cobrado devia ter sido entregue até à data limite de 20-08-2007 (fls. 8) O imposto de Selo em causa foi entregue nos cofres do Estado no dia 23-08-2007, portanto fora do prazo (fls. 8)
Por este facto, a administração tributária aplica o previsto no artº 44º LGT “são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido dentro do prazo” Nesta conformidade, sou de parecer que deverá ser proferida decisão a INDEFERIR o pedido. (…)”;
H) Em 22/01/2010, o Impugnante tomou conhecimento de que a reclamação graciosa foi indeferida. - cfr. fls. 36 dos autos e fls. 17 do processo de reclamação graciosa constante do processo administrativo apenso;
I) O Impugnante procedeu ao pagamento da “liquidação de juros moratórios”, no valor de € 1.343,72. - cfr. fls. 47 do processo administrativo apenso;
J) Em 29/01/2010, deu entrada em juízo a presente impugnação judicial, através de envio por correio eletrónico. - cfr. fls. 2 dos autos.».
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3.1. Resulta do probatório que o impugnante é notário de profissão, que, em 02/08/2007, procedeu à entrega da “declaração de retenção na fonte” de imposto de selo, referente ao mês de Julho de 2007, no valor de € 134 372,03 e que, em 23/08/2007, entrou tal quantia nos cofres do Estado quando devia ter entrado no dia 20 do mesmo mês.
Sustenta a AT que são devidos juros moratórios por este atraso de três dias (contados ao mês à taxa de 1%) sobre aquela quantia.
Diversamente entende o impugnante que são devidos juros compensatórios à taxa anual de 4%, sendo estes contados dia a dia.
Importa, por isso, determinar se, perante a concreta situação enunciada, são devidos juros moratórios ou juros compensatórios ou se, em caso de retardamento da entrega/pagamento ao Estado do IS, são devidos juros moratórios como o defende a AT ou juros compensatórios como o defende o Impugnante
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3.2. Acompanha-se o MP quando afirma que as normas do CIS, integrantes de um regime especial posterior adequado à especificidade da relação jurídico tributária subjacente ao Imposto de Selo, prevalecem sobre o regime geral das relações jurídico-tributária plasmado na LGT e apenas em caso de lacuna das matérias não reguladas no CIS se aplica a LGT e, subsidiariamente, o regime do CIRC por força do artigo 67º n.º 1 CIS.
Com efeito a Lei Geral Tributária (LGT) foi aprovada pelo DL n° 398/98, de 17 dezembro, com início de vigência em 1 janeiro 1999 e o Código do Imposto de Selo (CIS) foi aprovado pela Lei n° 150/99,11 setembro não tendo a LGT natureza de lei constitucional ou lei de valor reforçado que a leve a prevalecer sobre o CIS no plano da hierarquia das normas, por força do artigo 112º nº 3 CRP.
Desta forma se acompanha a jurisprudência uniforme desta seção (acórdãos do STA de 18.05.2016 processo nº 102/16 e de 31.03.2016 processo nº 628/15).
É, por isso, de confirmar a sentença recorrida que neste sentido se pronunciou.
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3.3. A sentença recorrida concluiu pela procedência do pedido de anulação da liquidação de juros de mora depois de afirmar o seguinte:
“… há um atraso por parte do lmpugnante, com a qualidade de sujeito passivo, por ser notário, uma vez que devia ter entregue nos cofres do Estado, o imposto de selo por si arrecadado (respeitante ao mês de julho de 2007) até ao dia 20/08/2007 e só o fez três dias depois, em 23/08/2007. (cfr. artigos 2.º, n.º 1, al. a), 23º, n.º 1, 41.º e 44.º do CIS).
Todavia, tal atraso corresponde ao atraso na entrega do imposto devido ao Estado pelo Impugnante, enquanto notário, situação que subsume expressamente na letra e no espírito da previsão do artigo 40.º do CIS, uma vez que está em causa um atraso na entrega do imposto, já liquidado, cobrado e arrecadado ou pago pelo titular do encargo referido no artigo 3.º.
Deste modo, caso o retardamento fosse imputável ao Impugnante apenas poderia a AT liquidar-lhe e exigir-lhe juros compensatórios ao abrigo do artigo 40.º do CIS e não juros moratórios, como indevidamente o fez, em vício de violação de lei.
Concluo assim, que assiste razão ao Impugnante e que o ato de liquidação de juros de mora sindicado viola o disposto no artigo 40.º do CIS, encontrando-se ferido pelo desvalor jurídico da anulabilidade, com fundamento no vício de violação de lei por erro de direito, razão pela qual se impõe a sua anulação, nos termos do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA vigente à data da prática do ato, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro, com a última redação introduzida pelo Decreto-Lei n.° 6/96, de 31 de Janeiro).”.

Nos termos do artigo 1.º do CIS o imposto do selo incide objetivamente sobre os atos, contratos e documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral.
No que à incidência subjetiva respeita estabelece o artigo 2°, alínea a) do CIS que os notários são sujeitos passivos do imposto.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do CIS o imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.° pelo que o imposto é pago pelos contratantes que realizem os atos, contratos e documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral.
Por força do artigo 5.º do CIS, a obrigação tributária considera-se constituída nos momentos aí referidos pelo que nos termos das alíneas a) e n), o nascimento da obrigação ocorre no momento em que os atos e contratos são assinados ou quando são apresentados perante qualquer entidade pública.
Nos termos do artigo 23.º do CIS, os sujeitos passivos, incluindo o notário, têm competência para a liquidação do imposto de selo e, por força do artigo 41.º, o pagamento do imposto de selo é efetuado pelas entidades referidas no artigo 23.º, ou seja pelos sujeitos passivos, nos quais se inclui o notário.
E no que ao prazo respeita deve o IS ser pago até ao dia 20 de cada mês, nas tesourarias das finanças.
Como se escreveu na sentença recorrida “o IS é liquidado e cobrado pelos notários aos titulares do benefício económico a quem incumbe o encargo do imposto, de acordo com o artigo 3.º do CIS (vulgo, contratantes), aquando da apresentação perante aqueles dos atos, contratos e documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral. Posteriormente, após o pagamento aos notários de tal imposto por parte dos titulares do benefício económico, cabe aos notários “pagar” tal imposto ao Estado até ao dia 20 de cada mês, nos termos dos artigos 41.º e 44.º do CIS. A liquidação e a cobrança do imposto de selo pelos notários encontra-se regulada nos artigos 198.º a 201.º do Código do Notariado.

Assim, importa salientar que a terminologia de “pagamento” do imposto, utilizada pelo artigo 41.º, não será a mais correta do ponto de vista jurídico ou pelo menos não o será no sentido estrito de quem suporta o imposto à custa do seu património, porque corresponde, na verdade e em bom rigor, à sua entrega ao Estado pelo sujeito passivo, e não ao típico pagamento do imposto, uma vez que o pagamento propriamente dito já foi efetuado, no plano dos factos, pelos titulares do encargo aos notários, pelo que a estes caberá uma verdadeira “entrega” ao Estado do imposto já liquidado, cobrado e pago.
Com efeito, os notários atuam no âmbito de uma relação jurídica triangular, criada pelo ordenamento jurídico-tributário, denominada substituição tributária, uma vez que a prestação tributária é exigida pelo Estado a um sujeito passivo (o substituto), que é pessoa diversa do contribuinte direto, o qual suportou efetivamente no seu património o encargo do imposto (o substituído). A relação jurídica tributária vigora apenas entre o sujeito passivo e o Estado, cabendo àquele entregar nos cofres do Estado o imposto por si liquidado e cobrado aos contribuintes. (cfr. artigo 20.º, n.º 1 e 18.º, n.º 3 da LGT).
Todavia, não se trata da típica substituição tributária com recurso ao mecanismo de retenção na fonte, a que se reporta o artigo 20º, n.º 2 da LGT, no qual o substituto é devedor do contribuinte substituído, obrigando-o a reter uma parcela dos valores a pagar por si ao contribuinte, após o que os entregará, esse imposto retido ao Estado. No caso do imposto de selo, os sujeitos passivos, designadamente notários, nada devem aos titulares do encargo (na maioria das vezes contratantes e clientes do seu cartório), razão pela qual não se pode falar em retenção na fonte, pois o substituto não é a fonte dos rendimentos/património do contribuinte (pelo contrário, a fonte do património sobre o qual incide o imposto é do contribuinte). Trata-se, outrossim, de uma substituição sem retenção, como defende o Professor Sérgio Vasques.
Aqui, o substituto é credor do contribuinte (substituído), que está obrigado, por lei, a cobrar o IS juntamente com os valores que tem a receber do contribuinte, após o que deverá proceder à entrega do imposto ao Estado. (in “Manual de Direito Fiscal”, Almedina, 3. Reimpressão, 2014, p. 333-340; Vd. Ac. STA 25/03/2015, proc. n.° 01080/13, quanto à qualificação do notário como substituto tributário sem retenção).”.

Do exposto resulta que não estamos perante uma substituição tributária típica, com recurso ao mecanismo de retenção na fonte, na qual o substituto é devedor do contribuinte substituído, obrigando-o a reter uma parcela dos valores a pagar, por si ao contribuinte, após o que entregará o imposto retido ao Estado.
Diversamente, no imposto de selo, os sujeitos passivos, designadamente notários, nada devem aos titulares do encargo pelo que não estamos perante uma retenção na fonte já que o substituto não é a fonte dos rendimentos - património do contribuinte pelo que se pode afirmar que estamos perante uma substituição sem retenção.
No imposto do selo o substituto é credor do contribuinte, substituído, que está obrigado, por lei, a cobrar o IS juntamente com os valores que tem a receber do contribuinte, após o que procederá à entrega do imposto ao Estado.
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3.4. É incontroverso que o atraso no cumprimento das obrigações tributárias por parte dos sujeitos passivos pode gerar a favor do Estado quer juros de mora quer juros compensatórios.
O incumprimento do dever de pagamento do imposto dentro do prazo legal gera juros de mora sendo devidos juros compensatórios perante o incumprimento do dever de liquidar ou de entregar o imposto a pagar, retido ou a reter.
Os juros moratórios questionados nos presentes autos foram liquidados nos termos do artigo 44.º da LGT, na redação em vigor à data do facto tributário, segundo o qual “são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto dentro do prazo legal”.
Como se escreveu na sentença recorrida “é essencial não esquecer o quadro dinâmico do imposto de selo supra explanado e que os notários têm como função a liquidação, cobrança e entrega ao Estado do IS cobrado, enquanto substitutos tributários, sendo incorreta ou imprecisa a terminologia “pagamento” utilizada nos artigos 41.º e 44.º do CIS, uma vez que o que está em causa é uma verdadeira entrega do imposto ao Estado, porquanto o mesmo já foi efetivamente pago e suportado pelo titular do encargo do imposto a que alude o artigo 3º. Acresce que um mesmo imposto não pode ser pago duas vezes, sob pena de duplicação de coleta.
Por outro lado, conforme referido no início, o preceituado no artigo 67.º apenas permite a aplicação supletiva da LGT às situações não reguladas no CIS, pelo que há que averiguar o que dispõe o CIS quanto ao atraso no cumprimento dos deveres tributários por parte dos sujeitos passivos.
Ora, o artigo 40.º do CIS, sob a epígrafe “juros compensatórios”, regula expressamente a situação de retardamento na entrega do imposto ao Estado por parte dos sujeitos passivos, ao lado do atraso na liquidação, através da imposição de juros compensatórios, nos termos seguintes:
“1 - Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou a entrega de parte ou da totalidade do imposto devido, acrescerão ao montante do imposto juros compensatórios, de harmonia com o artigo 35° da LGT.
2 - Os juros referidos no número anterior serão contados dia a dia, a partir do dia imediato ao termo do prazo para a entrega do imposto ou, tratando-se de retardamento da liquidação a partir do dia em que o mesmo se iniciou, até à data em que for regularizada ou suprida a falta.”
Esta norma faz incorrer em juros compensatórios o sujeito passivo quando haja atraso na entrega do imposto liquidado e cobrado e não só nas típicas situações de atraso na liquidação, tendo uma previsão normativa adequada à natureza da substituição tributária em sede de imposto de selo.
… constato que o artigo 40.º do CIS regula expressamente as situações de falta de entrega do imposto no prazo legal, em análise nos autos, sancionando-as com os juros compensatórios, pelo que, articulando a disposição legal com os artigos 23.º, 41.º e 44.º é possível fazer uma interpretação sistemática, racional e coerente …
sobretudo considerando a dinâmica do imposto de selo e da substituição tributária, que lhe subjaz através dos sujeitos passivos, que substituem o Estado na arrecadação desta receita sobre o património, a quem compete proceder liquidar, cobrar e entregar o imposto de selo ao Estado.”.

Do exposto resulta, ainda, que se acompanha a sentença recorrida quando afirma que interpretamos “a obrigação dos sujeitos passivos de imposto, referida no artigo 41.º, como uma verdadeira obrigação de entrega do imposto nos cofres do Estado (e não como um pagamento em sentido estrito do imposto, já que este foi feito pelo titular do encargo, referido no artigo 3.° do CIS).
É, por isso, de concluir que a falta de entrega do referido imposto do selo, no prazo legal, pelo sujeito passivo notário tem, como consequência legal a liquidação de juros compensatórios e não de juros de mora.
E a sentença, que neste sentido se pronunciou, é de confirmar.
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A falta de entrega de imposto do selo, a que se referem os presentes autos, por notário, no prazo devido, tem, como consequência legal, nos termos do artigo 40 do CIS, a liquidação de juros compensatórios e não de juros de mora.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente FP.

Lisboa, 24 de outubro de 2018. - António Pimpão (por vencimento) – Ascensão Lopes - Ana Paula Lobo, vencida nos termos do voto que anexo



Voto de vencida
Não acompanho a decisão que logrou vencimento pelas razões que passo a indicar:
A questão objecto de recurso é saber se pelo atraso na entrega ao Estado do montante arrecadado de Imposto de Selo, por parte do notário, são devidos juros moratórios, nos termos do disposto no artigo 44.º da Lei Geral Tributária (LGT), e, ou juros compensatórios, liquidados à luz do preceituado no artigo 40.º do Código do Imposto de Selo (CIS).
Por força do art.º 40.º do código de imposto de selo - que abrange quer o retardamento da liquidação quer a entrega tardia do montante liquidado, como aqui ocorre, são devidos juros compensatórios.
O referido art.º 40.º tem a seguinte redacção:
«1 - Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou a entrega de parte ou da totalidade do imposto devido, acrescerão ao montante do imposto juros compensatórios, de harmonia com o artigo 35.º da LGT.
2 - Os juros referidos no número anterior serão contados dia a dia, a partir do dia imediato ao termo do prazo para a entrega do imposto ou, tratando-se de retardamento da liquidação, a partir do dia em que o mesmo se iniciou, até à data em que for regularizada ou suprida a falta.».
À semelhança do que ocorre no imposto de selo existem em vários códigos de imposto normas similares de que são exemplo o art.º 102.º do CIRC e 91.º do CIRS que estabelecem que são devidos juros compensatórios, nestas situações nos termos do art.º 35.º da Lei Geral Tributária.
A Lei Geral Tributária, - Capítulo II - Objecto da Relação tributária - nas normas relativas ao objecto da prestação tributária refere-se aos juros compensatórios, indicando as situações em que são devidos, a sua fórmula de cálculo, o seu período de duração definindo que se integram na própria dívida de imposto, com a qual são conjuntamente liquidados, art. 35.°, n.º 6. Deste modo, cada um dos códigos indica como é calculada a dívida tributária, segundo as regras próprias de cada tributo, indicando quando são devidos juros compensatórios a determinar nos termos do art.º 35.° da Lei Geral Tributária. Deste modo, cada tributo em causa, quando se verifiquem as condições legalmente estabelecidas para serem devidos juros compensatórios, sofrem uma alteração no seu montante que atinge um valor global de que são parcelas o tributo e os juros compensatórios.
No Capítulo III - Extinção da Relação tributária - da Lei Geral Tributária, na secção relativa ao pagamento da prestação tributária, indica o art.º 44.º que são devidos juros de mora quando o imposto não for pago no prazo legal. Enquanto que os juros compensatórios assentam também em pressupostos subjectivos - facto imputável ao sujeito passivo - os juros de mora assentam exclusivamente no dado objectivo de o pagamento haver sido efectuado depois de terminado o prazo legal previsto para o seu pagamento.
A Lei Geral Tributária não é um diploma de valor reforçado face a qualquer código de imposto em geral e, ao de selo em particular, mas é, nos seus próprios dizeres a lei que regula as relações jurídico-tributárias estabelecendo regras transversais a todas elas, seja em termos de princípios gerais, seja de regras mais operacionais, como a questão dos juros de mora.
Os juros de mora são uma sanção pelo incumprimento atempado de uma obrigação, não dependem da capacidade contributiva, mas do cumprimento ou do incumprimento da obrigação no prazo legal.
Por isso, não pode concluir-se que o estabelecimento da obrigação de pagar juros compensatórios no imposto de selo, no IRC ou no IRS tem o significado de o legislador ter escolhido que só eram devidos juros compensatórios e não, também juros de mora, com natureza e pressupostos diversos daqueles quando se verifique, como aqui ocorre, que o pagamento do imposto liquidado, recebido e retido pelo Sr. Conservador chegou aos cofres do estado alguns dias depois de terminar o prazo legal fixado para tal entrega.
A capacidade contributiva e os princípios constitucionais a ela atinentes não têm qualquer aplicação para esta situação porque o imposto foi pago ao Sr. Conservador, ele não teve que desembolsar qualquer quantia, tornando irrelevante que tivesse ou não tivesse capacidade contributiva para pagar esse montante. O montante liquidado em sede de imposto de selo foi pago ao Sr. Conservador por um contribuinte. O Sr. Conservador tem a qualidade de sujeito passivo do imposto e, é mero detentor de tal quantia que deve fazer presente, no prazo legal, ao estado, sob pena de, não cumprindo tal obrigação, ser penalizado com juros de mora.
Lisboa, 24 de Outubro de 2018
Ana Paula Lobo.