Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 022/17.2BEAVR 0675/18 |
Data do Acordão: | 10/30/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ARAGÃO SEIA |
Descritores: | COIMA CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL FALÊNCIA SOCIEDADE COMERCIAL INSOLVÊNCIA |
Sumário: | A declaração de insolvência constitui um dos fundamentos da dissolução das sociedades e essa dissolução equivale à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos artigos 61.º e 62.º do RGIT e artigo 176.º, nº 2, alínea a) do CPPT, daí decorrendo a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva. |
Nº Convencional: | JSTA000P25072 |
Nº do Documento: | SA220191030022/17 |
Data de Entrada: | 07/11/2018 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | MASSA INSOLVENTE DE A……….., LDA. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF de Aveiro) datada de 5 de Abril de 2018, que julgou procedente a Oposição à execução fiscal nº 0027201601069373, deduzida por MASSA INSOLVENTE DE A………, LDA, autuada pelo Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha para cobrança coerciva de coimas por transposição de portagens sem pagamento das respectivas taxas. Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue: 1. A sentença de que se recorre considerou totalmente procedente o pedido da Oponente com a justificação de que a declaração de insolvência equivale à morte do infractor, fazendo cessar a responsabilidade pela prática de ilícitos contra-ordenacionais e, consequentemente, o respectivo processo. 2. Contudo, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento, pois considera que a dissolução da sociedade, em virtude da sua declaração de insolvência não é equiparável à morte do arguido para efeitos do disposto no artigo 61.º, n.º 1, alínea a) do RGIT. 3. Enquanto causa de extinção da responsabilidade contra-ordenacional, a morte a que a lei se refere, significa o fim da vida física de uma pessoa; é o acontecimento físico e da natureza, que faz terminar a vida e constitui um momento inelutável da existência de cada indivíduo inerente à própria natureza do género humano, fazendo cessar a personalidade jurídica de acordo com o disposto no artigo 68.º, n.º 1, do CC. 4. Neste aspecto, sendo a “morte” conatural ao homem, as pessoas coletivas como tal, não estão tocadas por este fenómeno, que faz cessar a personalidade da pessoa singular. 5. As pessoas colectivas, neste sentido, não “morrem”, embora possam extinguir-se, só podendo haver equiparação à morte da pessoa física quando se der a sua extinção definitiva, sendo certo que o momento da extinção varia consoante o tipo de pessoa colectiva. 6. Se é certo que, por força do disposto nos artigos 141.º, n.º 1, alínea e), 146, n.º 2 e 160.º n.º 2, do CSC, as sociedades comerciais se dissolvem pela declaração de insolvência, também não deixa de ser verdade que, aquelas pelo contrário mantêm a personalidade jurídica na fase da sua liquidação. 7. Ou seja, a sociedade, dissolvida pela declaração de insolvência, entra em liquidação, não se extingue (cfr. artigo 146.º do CSC), até porque poderá continuar a laborar ou retomar a actividade após a aprovação de um plano de recuperação. 8. A extinção só acontece com o registo do encerramento da liquidação, conforme determina o artigo 160.º, n.º 2, do CSC, quando não for possível voltar a exercer a respectiva actividade. 9. Nesse sentido, é necessário o preenchimento deste requisito de encerramento da liquidação da sociedade para que se possa aceitar a inequívoca “morte” societária com a inerente produção dos efeitos extintivos a que se refere o artigo 61.º, alínea a) do RGIT. 10. Preservando a pessoa colectiva a sua personalidade jurídica, a sua personalidade tributária (cfr. artigo 15.º da LGT) também, não é afectada com a declaração de insolvência, independentemente do destino que possa vir a ter, isto é, a recuperação mediante a retoma da actividade ou a liquidação. 11. Neste conformidade, não se deve extinguir a responsabilidade contra-ordenacional da sociedade pela prática de ilícitos tributários, antes de cessada a sua personalidade. 12. Só com a conclusão da liquidação e realizado o registo de encerramento da liquidação, nos termos do artigo 160.º, n.º 2 do CSC, é que cessa a personalidade jurídica, pelo que apenas nessa altura se deve considerar extinta a sociedade que, até esse momento, sempre poderá retomar a actividade. 13. Por conseguinte, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por melhor opinião, que o tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação da lei aos factos, por violação do disposto no artigo 61.º, alínea a) do RGIT, o que configura erro de julgamento de direito. 14. Termos em que, deverá a sentença de que ora se recorre, ser revogada e substituída, por uma que julgue improcedente a oposição interposta contra a execução fiscal para cobrança de coimas, com as legais consequências. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas, mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença de que se recorre e a oposição interposta contra a execução fiscal para cobrança coerciva de coimas ser julgada improcedente, como se nos afigura mais conforme com o que consideramos ser a melhor realização do Direito e da Justiça. Não houve contra-alegações. O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso, tendo concluído:...constituindo a extinção da coima em consequência da insolvência da sociedade arguida, declarada em momento anterior à instauração da execução fiscal, causa extintiva da obrigação exequenda, tem fundamento legal a oposição à execução deduzida pelo administrador de insolvência da executada (art. 204.º, n.º1 al. i) CPPT... Colhidos os vistos legais cumpre decidir. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta: 1. Por sentença de 12/11/2015, proferida no âmbito do processo n.º 1255/14.9T2AVR, foi declarada a insolvência da sociedade “A………., Lda.”, nipc …………., e nomeada a respetiva Administradora de Insolvência; 2. Em 2/11/2016 foi autuado no Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha o processo de execução fiscal nº 0027201601069373 para cobrança coerciva de dívidas da acima identificada sociedade resultantes de coimas fixadas em junho de 2016, no montante global de € 279.296,76, por transposição de portagens sem pagamento das respetivas taxas; 3. Em 10/11/2016 foi efetuada a citação pessoal relativa à execução acima aludida; 4. Em 14/11/2016 foi apresentada, no Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha, por via postal sob registo dessa data, a petição inicial dos presentes autos; Nada mais se deu como provado. Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido. A questão colocada pela recorrente já não é nova e tem merecido resposta contrária àquela que vem propugnada com o presente recurso. Para se responder a tal questão, uma vez que se trata de questão suficientemente escalpelizada e com respostas uniformes por parte deste Supremo Tribunal, seguiremos de perto o que se deixou escrito no acórdão datado de 09.02.2011, recurso n.º 0617/10. Resulta da matéria de facto levada ao probatório da sentença recorrida que, as coimas foram aplicadas à recorrida/oponente em junho de 2016, sendo que a sentença que declarou a sua insolvência se reporta a Novembro de 2015, ou seja, quando lhe foram aplicadas essas coimas ela já havia sido judicialmente declarada insolvente, encontrando-se em fase de liquidação. Ora, a insolvência constitui um dos fundamentos da dissolução das sociedades, conforme decorre do disposto no artigo 141.º, n.°1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais. E a dissolução equivale à morte do infractor, em harmonia com o disposto nos artigos 61.º e 62.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e no artigo 176.º, nº 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional, da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva. Nesse sentido se tem vindo a pronunciar de forma pacífica e reiterada este Supremo Tribunal, conforme se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 3/11/1999, 15/06/2000, 21/01/2003, 26/02/2003, 12/01/2005, 6/10/2005, 16/11/2005, 27/02/2008 e 12/03/2008, nos recursos nºs 24.046, 25.000, 01895/02, 01891/02, 1569/03, 715/05 e 524/05, 1057/07 e 1053/07, respectivamente. Mantendo, embora, a sociedade dissolvida, em liquidação, a sua personalidade jurídica - art. 146°, n.° 2 do CSC - são, com a declaração de falência, apreendidos todos os seus bens, passando a constituir um novo património, a chamada “massa falida”: um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, em primeiro lugar, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos - cfr. o Acórdão do STA de 29/10/2003 rec. 1079/03. Pelo que, então, já não encontrará razão de ser a aplicação de qualquer coima. ...no tocante à persistência da responsabilidade judiciária uma vez declarada falida a sociedade, sendo embora certo que uma vez dissolvida mantém, na fase de liquidação, a sua personalidade jurídica - artigo 146.º, n.º 2 do CSC - a verdade é que não tal em nada interfere com o facto da consequência objectiva da respectiva dissolução decorrente da declaração de falência, enquanto realidade jurídica societária, dever ser equiparada à morte do infractor, como acima se viu... Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, impõe-se o não provimento deste recurso. Face ao exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional. Custas pela recorrente. D.n. Lisboa, 30 de Outubro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Susana Tavares da Silva – Paulo Antunes. |