Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0176/13.7BELLE 0444/17
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IVA
TAXA REDUZIDA
Sumário:I - O chamado “green fee” não se destina a permitir o acesso do jogador ao campo de golfe para participar numa competição, prova ou manifestação desportiva, antes se destina a que o jogador tenha acesso ao campo para treinar o seu jogo individual, ou acompanhado de outros jogadores, mas sem que se possa atribuir a tal actividade desportiva as características próprias de uma manifestação desportiva, ou prova, enquanto tal.
II - Essa “taxa de utilização do campo” não encontrava amparo na verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA, pelo que sobre a mesma incidia, no ano de 2011, IVA à taxa normal de 23%».
Nº Convencional:JSTA000P26468
Nº do Documento:SA2202010140176/13
Data de Entrada:04/19/2017
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- A…………… S.A., com os sinais nos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 18 de Janeiro de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra os actos de liquidação adicional de IVA, referentes aos períodos de Novembro/Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012 e respectivos juros compensatórios, tendo apresentado, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
«[…]
1.º Nos presentes autos está em causa saber qual taxa de IVA aplicável aos green fees do Golfe entre Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012, se a taxa reduzida prevista na verba n.º 2.15 da Lista I Anexa ao CIVA ou antes a taxa normal de 23%, como é entendimento da Fazenda Pública e se, no caso em concreto, actuou bem a Administração Fiscal ao liquidar adicionalmente a diferença entre as liquidações efectuadas pela Recorrente sobre os jogadores de golfe e as liquidações que a Administração Fiscal considera que deveriam ter sido feitas (resultante da diferença entre a aplicação da taxa de 6% e a taxa de 23%);

2.º A este propósito veio o Tribunal a quo sustentar que, desde Março de 2011, a taxa de IVA aplicável é de 23%, no pressuposto que os green fees não são a contraprestação pela concretização de uma manifestação desportiva;

3.º Esta posição foi assumida pelo Tribunal a quo (constante de douta Sentença a fls. 298 a 328 dos autos) e, não tendo a Recorrente conformado-se [sic] com a mesma, daquela interpôs recurso para o douto Supremo Tribunal Administrativo o qual veio a entender, no douto acórdão de fls. 645 a 668, designadamente, que o Tribunal a quo não havia cumprido o seu dever de apreciação de todas as questões suscitadas pela Recorrente, a saber, a inconstitucionalidade material da verba 2.15, pela violação dos princípios da confiança, da justiça e da boa-fé, interpretadas no sentido propugnado pela Administração Fiscal, termos em que foi determinado que se procedesse à reforma da douta Sentença, em conformidade com o preceituado no n.º 2 do artigo 684º do CPC;

4.º Consequentemente, em cumprimento do ordenado, por douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 19 de Janeiro de 2017, foi a douta Sentença inicialmente proferida reformada conforme;

5.º Tendo na mesma, designadamente, entendido o Tribunal a quo que a interpretação feita pela Autoridade Tributária, sobre a alteração introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, em resultado da qual a verba 2.15 da lista 1 anexa ao CIVA deixou de incluir entre as actividades sujeitas à aplicação da verba reduzida, nos termos do n.º 1 do art.º 18º daquele Código, a prática de actividades físicas desportivas, foi o resultado da necessidade de repensar e tomar posição face à referida alteração, o que justificou a alteração de posição por parte da Administração Tributária, o que expressou no seu Ofício Circulado n.º 30124 isto, não obstante, contrariar a posição que por si vinha sendo assumida, de forma totalmente contrária, ao longo de 20 (vinte) anos;

6.º Entendendo, em conclusão, que não se mostrava verificada a questão da inconstitucionalidade suscitada;

7.º Não pode a Recorrente concordar com a interpretação feita pelo douto Tribunal a quo sobre a exclusão da aplicação de taxa reduzida aos green fees de Golfe, por considerar que os mesmos não encontram enquadramento da verba 2.15 da Lista I Anexa ao CIVA, razão do presente recurso;

8.º A interpretação da Verba 2.15 com recurso aos elementos, meios, factores ou critérios, de forma harmónica e não isoladamente, sempre permitiria concluir que o jogo de golfe tem natureza desportiva por se encontrar organizado no âmbito de uma federação desportiva titular do estatuto de utilidade pública desportiva, organização na qual a Recorrente se insere, reunindo, assim, as condições para a prática do jogo de golfe nas suas instalações - os greens que explora;

9.º Os green fees cobrados pelo acesso a um campo de golfe (classificado pela Federação Portuguesa de Golfe (FPG) para efeitos de aplicação do “Sistema de Handicaps EGA” da Associação Europeia de Golfe) constituem a contraprestação da utilização de uma instalação desportiva para que nela se realize uma prova ou manifestação desportiva;

10.º Se nos socorrermos da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (LBAFD) - Lei n.° 5/2007, de 16 de Janeiro -, temos que coexistem duas realidades que o legislador quis dinamizar e desenvolver - a actividade física e a prática desportiva (como conceito direccionado para as modalidades desportivas federadas e para o desporto de alto rendimento, formalmente regulamentada, institucionalizada e reconhecida);

11.º Fazendo também menção à LBAFD o golfe (tendo em conta que se encontra formalmente regulamentado e é praticado ao abrigo de regras estritas), não pode, pois, deixar de ser considerado uma prática desportiva;

12.º Ao acederem ao green, os jogadores fazem-no apenas e só se cumprirem determinadas regras emitidas pela Federação Internacional do Golfe e pela Federação do Golfe do país onde se encontrem;

13.º Se a prática se achar enquadrada pelos regulamentos federativos, conduzindo à homologação dos resultados do golfista pela estrutura federativa da FPG, tratar-se-á de uma prova desportiva; no caso contrário tratar-se-á, ainda assim, de uma manifestação desportiva (o jogador individual está sempre em competição - enquadrada pelos regulamentos federativos e tendo como consequência a homologação dos resultados pela estrutura federativa da Federação Portuguesa de Golfe UPD -, ainda que «contra» o próprio campo), mas, em ambos os casos, com tributação à taxa reduzida;

14.º Relativamente à própria evolução da redacção da referida Verba 2.15 da Lista I Anexa ao CIVA, dir-se-á que esta sempre acolheu a tributação dos greens fees à taxa reduzida;

15.º O Código do IVA vigora entre nós há quase três décadas e desde então que o desporto mereceu-lhe um enquadramento particular, desde logo porque ao desporto o Código reservou a taxa reduzida que foi sucessivamente vigorando: primeiro de 8%, depois de 5% e finalmente de 6%;

16.º Só em 2012, com o primeiro Orçamento do Estado (com o Ministro ……….), foi a verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA integralmente revogada, passando o desporto a ser tratado como qualquer outro bem ou serviço tributado à taxa normal do IVA, actualmente de 23%;

17.º Até 1994, não era claro para a Administração Tributária que a taxa reduzida abrangesse, não apenas o desporto enquanto espectáculo público mas igualmente enquanto actividade física e desportiva, porquanto a verba 2.15 visava até então (até 1994) apenas os espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos;

18.º Já depois de 1994, considerando que o proémio da verba 2.15 incluía apenas os espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos, foi promovido o aditamento da sua alínea b), em 1994, excepcionando da taxa reduzida os jogos mecânicos e electrónicos e os de fortuna e azar, logo ressalvava dessa excepção - restituindo, pois, ao âmbito de aplicação da taxa reduzida - os serviços que consistissem em proporcionar jogos reconhecidos como desportivos;

19.º De fora, permaneceriam os serviços dedicados a proporcionar a prática de actividades desportivas indiscriminadas ou difusas, como, por exemplo, o acesso ou o uso dos designados health clubs (cfr. Informação n.° 2082);

20.º Assim, se até 2008 o preâmbulo da verba 2.15 apenas elencava os espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos, a partir de 2008, com a Lei n.º 67-A/2007, de 31.12 (Orçamento do Estado para 2008), passou aquele a incluir o conceito mais alargado de “prática de actividades físicas e desportivas”;

21.º Pela mão do último Orçamento do Estado do Então Ministro …………, foi eliminado aquele mesmo trecho “prática de actividades físicas e desportivas”, e a verba 2.15 devolvida à sua redaccão de 1994, contemplando portanto, no âmbito do respectivo proémio, espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos;

22.º Não se pode entender, de resto, que a supressão desse segmento logo se haveria de traduzir na inerente aplicação da taxa normal às provas, manifestações desportivas ou demais prestações de serviços que consistam em proporcionar o respectivo acesso/utilização de jogos reconhecidos como desportivos;

23.º Pelo contrário, nessa parte, permaneceu ilesa a anterior redacção da verba 2.15, que lhe tinha sido dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2008, preservando, por isso, no âmbito da sua previsão legal, quer as provas desportivas, quer as manifestações desportivas, quer os jogos reconhecidos como desportivos;

24.º Como atrás já se deixou referido, quisesse o legislador que a verba 2.15 contemplasse, tão-só, as entradas ou bilhetes de ingresso em espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos, e nela teria dito, simplesmente: “bilhetes de entrada para espectáculos e manifestações desportivas”. Como fez, de resto, aquando da redacção originária da verba em apreço, na versão do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro - essa sim de âmbito bem mais restrito - onde quis contemplar, justamente, os “bilhetes de entrada para espectáculos e manifestações desportivas” e nada mais;

25.º Porém, nada disso entendeu fazer o legislador em 2011 que assim não quis, decisivamente, restringir o âmbito de aplicação da verba 2.15 aos ingressos ou bilhetes de entrada;

26.º Igualmente elucidativo dessa inequívoca intenção do legislador é o confronto da verba 2.15 com o Anexo III da Directiva 2006/112 do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Directiva IVA), que distingue as entradas em manifestações desportivas da utilização de instalações desportivas;

27.º Com esta norma, quis o legislador comunitário ressalvar a faculdade do Estado- Membro de aplicar, ou não, uma taxa reduzida apenas às entradas em manifestações desportivas, ou apenas à utilização de instalações desportivas, ou, assim o quisesse, a ambas;

28.º Ora, até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2012, Portugal quis que a taxa reduzida do IVA beneficiasse quer as entradas em manifestações desportivas, quer a contraprestação devida pela utilização de instalações desportivas a título de provas, meras manifestações, ou, em qualquer caso, quando a prática de um jogo reconhecido como desportivo estivesse em causa;

29.º Com o Orçamento do Estado para 2011, a verba 2.15, continuou, assim, a ser aplicável, designadamente, ao golfe. E continuou, de resto, a não se afigurar aplicável aos jogos meramente recreativos, sem qualquer vertente desportiva que lhes seja reconhecida, como são as máquinas, flippers, máquinas para jogos de fortuna e azar, jogos de tiro eléctricos, jogos de vídeo;

30.º O sentido útil a dar ao recorte de 2011 foi antes a circunstância de os designados health clubs não terem alegadamente repercutido nos seus preços a redução da taxa de IVA que, aparentemente, não lhes aproveitava até então, e que lhes passou a aproveitar apenas com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2008;

31.º Não sendo, certamente, propósito do legislador o de restringir a aplicação da taxa reduzida às entradas ou bilhetes de ingresso em provas ou manifestações desportivas;

32.º A redacção de 2011 da verba 2.15 deixou assim, porventura, de abranger a prática de actividades desportivas indiscriminadamente proporcionadas por health clubs, mas já não deixou de abranger a contrapartida devida, designadamente, pela disponibilização onerosa do acesso a um campo de golfe;

33.º Nada na letra da redacção que o Orçamento do Estado para 2011 ofereceu à verba 2.15 permite concluir que só os ingressos em manifestações desportivas beneficiariam da taxa reduzida;

34.º Essa interpretação colide ainda, entende-se, com o espírito da norma porque se ancoraria numa distinção que favorece quem assiste a provas, manifestações desportivas ou jogos reconhecidos como desportivos, e prejudica quem os pratica, em flagrante oposição contra tudo o que seria natural esperar de um Estado que consagra na sua Constituição o dever de promoção da cultura física e desportiva;

35.º Termos em que entende a Recorrente ser inconstitucional o entendimento/interpretação da Autoridade Tributária, expresso nas instruções emitidas através do Ofício-Circulado n.º 30124 de 14 de Fevereiro de 2011, porquanto, resulta fixada a taxa do imposto e respectivos critérios de incidência real e temporal em violação do princípio da legalidade fiscal e da reserva de lei formal;

36.º O Ofício-Circulado n.º 30124, de 14 de fevereiro de 2011, da Administração Tributária que leva à aplicação da taxa normal de 23%, ofende o princípio da legalidade vertido no artigo 103° e da reserva de lei formal constante do artigo 165°, n.º 1 alínea i), ambos da Constituição da República, porquanto, em síntese, um Ofício-Circulado não pode reger aspectos essenciais de natureza tributária como aquele fez;

37.º A Verba 2.15 interpretada de acordo com o Ofício-Circulado n.º 30124, de 14 de fevereiro de 2011 no sentido de que apenas às «entradas ou bilhetes de ingresso em espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos» se aplica a taxa reduzida do IVA é manifestamente inconstitucional, violando, no modesto entendimento da Recorrente, o princípio da hierarquia das fontes, o princípio da tipicidade das leis, o princípio da legalidade, tal como estes se encontram plasmados no artigo 103° e 112° da CRP, inconstitucionalidade essa que aqui se invoca;

38.º Pelo que a interpretação feita pela Administração Tributária padece ainda do vício de violação de lei, nos termos também supra exposto;

39.º Com efeito, FREITAS DO AMARAL in CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, Vol. II, pág. 392, esclarece que “falta de base legal, isto é, prática de um acto administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um acto administrativo deste tipo” é uma das modalidades do vício de violação de lei que, segundo o mesmo Autor, determina a anulabilidade administrativa;

40.º Ora, o vício de violação de lei consiste, no entender de FREITAS DO AMARAL, na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que são aplicadas ao caso;

41.º Sendo este, no entendimento da Recorrente, o que se verifica no presente caso, nos termos em que a Administração Tributária procedeu à correcção da matéria colectável, liquidando adicionalmente IVA, em relação a Novembro e a Dezembro de 2011, pela diferença entre a taxa reduzida por si aplicada (de 6%) e aquela que a Administração Tributária entendeu (erradamente no modesto entendimento da Recorrente) como a que deveria ter sido aplicada (de 23%)..

Nestes termos e nos demais de Direito com o douto suprimento de Vossas Excelências deve ser revogada a douta Sentença recorrida e substituída por outra conforme à Constituição da República Portuguesa, indeferindo a correcção da matéria colectável da Recorrente, mediante liquidação adicional de IVA, em relação a Novembro e a Dezembro de 2011, pela diferença entre a taxa reduzida por si aplicada (de 6%) e aquela que a Administração Tributária entendeu (erradamente no modesto entendimento da Recorrente) como a que deveria ter sido aplicada (de 23%), nos termos exposto, como é de JUSTIÇA!
[…]».


2 - Não foram produzidas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Impugnante gere e explora no Algarve, principalmente em Vilamoura, os seguintes sete campos de Golfe: (i) B……………; (ii) C…………; (iii) D…………….; (iv) E…………..; (v) F…………..; (vi) G………… e (vii) H…………., para o que dispõe de alvará emitido pela Direção Geral do Turismo (cfr. doc. 8 junto com a p.i. e por acordo);
B) Os jogos de golfe efetuados nos campos explorados pela Impugnante dependem do pagamento, pelos respetivos participantes, de uma taxa de acesso designada por “green fee” (por acordo - cfr. art. 2.° da p.i., e 17.° da contestação);
C) Sobre o valor dos “green fees” a Impugnante sempre liquidou, desde o início da sua atividade, IVA à taxa reduzida (por acordo - cfr. art. 3.° da p.i., não impugnado na contestação e doc. 21 junto com a p.i);
D) Para o período de dezembro de 2011 a Impugnante autoliquidou IVA a seu favor no valor de € 98.197,80 e no valor de € 59.341,86 a favor do Estado, apurando excesso a reportar de € 38.855,94 (cfr. doc. 5 junto com a p.i);
E) Para o período de janeiro de 2012, e considerando o crédito de IVA inscrito no campo 91 da declaração do período anterior, a Impugnante apurou IVA a favor do Sujeito Passivo no montante de € 132.116,93, e a favor do estado no valor de € 146.986,30 (cfr. doc. 6 junto com a p.i.);
F) A coberto da Ordem de Serviço n° 201101886, a Administração Tributária iniciou em outubro de 2011 uma ação inspetiva à Impugnante, de âmbito parcial em IVA para os meses de março a dezembro de 2011 (cfr. doc. 21 junto com a p.i. e por acordo);
G) Em 12.03.2012 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) relativo à ação inspetiva referida na alínea anterior, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido e que, no que ao caso releva, tem o seguinte teor:
«[...]
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
O Sujeito Passivo (SP) iniciou a actividade em vinte e oito de dezembro de 1989, exercendo a atividade de gestão de instalações desportivas CAE 93110, em termos de IVA encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade mensal.
A atividade principal do S.P. é o aluguer para a prática do golfe dos diferentes campos de golfe explorados pela sociedade (…..). No período analisado o S.P. liquidou IVA à taxa reduzida, para esta prestação de serviço, considerando que estava incluído na verba 2.15 da lista I
Com a nova redação da verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA), dada pelo artigo 103° da Lei 55-A/2010 de 31 de dezembro (Orçamento de Estado de 2011), determina que são tributadas a taxa reduzida os “espectáculos, provas e manifestações desportivas e ouros divertimentos públicos” com as exceções previstas nas alíneas a) e b).
A Direção de Serviços do IVA sentiu a necessidade de efetuar um melhor esclarecimento em relação a esta alteração produzida pela Orçamento de Estado de 2011, com o ofício circulado n° 30124 de 14 Fevereiro de 2011, em que clarificou sem margem para qualquer dúvida que a prestação de serviço respeitante a prática de golfe é tributada em IVA à taxa normal
Tendo o S.P. na prática de golfe liquidado IVA à taxa reduzida de 6% no lugar da taxa normal de 23%, encontra-se em falta o IVA referente à diferença das taxas.
Pela análise da contabilidade da sociedade para apurar o valor do IVA em falta foram analisadas as contas e IVA liquidado à taxa reduzida e não as contas de prestações de serviço de golfe, uma vez que para além dos valores referentes a prática de golfe incluem outras prestações de serviço como o aluguer de buggies em que a sociedade liquidou IVA a taxa normal.
[...]
O S.P. recebeu adiantamento de alguns clientes nos quais liquidou IVA à taxa reduzida as quais estão incluídas na conta 24331211061, no âmbito do presente processo de inspecção irá ser considerado o IVA à taxa de 23%, pelo que aquando da regularização dos recibos de adiantamento para aqueles que foram emitidos a partir de Março de 2011, constantes na conta 243412211061, irá ser considerado IVA de 23% e não de 6%.
Assim os valores em falta de IVA são os apurados na tabela seguinte em que se discrimina os valores de cada uma das rubricas e os cálculos efetuados.


IX- DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
[...]
O S.P. dividiu o D.A. em dois aspetos, o enquadramento legal da tributação e o apuramento do imposto a liquidar, pelo que iremos dividir a fundamentação do D.A. da mesma forma.
1. Enquadramento legal da tributação
Apesar do S.P. entender que o golfe é uma manifestação desportiva ativa e como tal abrangida pela Verba 2.15 da lista 1 anexa ao código do IVA, é entendimento da Direção de Serviço de IVA, e que se encontra esplanada no ofício circulado n° 30124 de 14 de fevereiro de 2011, que a prática de qualquer modalidade desportiva incluindo o golfe é tributada à taxa normal.
Os clientes quando pagam para utilizar um green [fees] têm em vista a prática de uma modalidade desportiva que é o golfe e não a participação numa manifestação desportiva, mantendo-se o entendimento do projeto de relatório que a prestação de serviço de golfe é sujeito a taxa normal de IVA de 23%.
2. Apuramento do imposto a liquidar
O S.P. informa no D.A. que o valor incluído na conta de IVA 24331111061, se refere à venda de bilhetes para acesso à prova desportiva "Portugal Masters”, sendo uma manifestação desportiva está enquadrada na verba 2.15 da lista I anexo ao CIVA, sendo por isso sujeito à taxa reduzida de IVA. Assim no apuramento do IVA em falta será retirado o valor de € 2.970,29 no mês de outubro.
Da conta 243412211061 para o apuramento do IVA em falta só foi considerado o valor das regularizações dos recibos de adiantamento posteriores a 1 de Março de 2011. No D.A. o SP entende que também deveria ser tido em conta as notas de devolução e as notas de crédito emitidas, no entanto nos termos do n.º 5 do art.° 73° do CIVA as regularizações a favor do S.P. só podem ser efetuadas quando o SP tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação, sem o que se considera indevida a respetiva dedução. Pelo que não podemos alterar a taxa de IVA constante das notas de crédito e de devolução sem dar conhecimento ao cliente.
[…]
Assim em resultado do D.A. o total de IVA em falta é de € 1.690.645,21 e não o valor apurado no projeto de relatório de € 1.699.144,42, situação que já se encontra corrigida no capítulo III do presente relatório de inspeção.» (cfr. doc. 21 junto com a p.i.);
H) Na sequência da ação inspetiva que antecede, foram emitidas as seguintes liquidações:
a) Liquidação de IVA n.º 2012 001715982, relativa ao período 2011.11, no valor de € 136.868,22, emitida em 09.01.2013;
b) Liquidação de IVA n.º 2012 001715983, relativa ao período 2011.12, no valor de € 12.749,15, emitida em 14.06.2012;
c) Liquidação de juros compensatórios n.º 2013 5026, relativa ao período 2011.11, no valor de € 929,95, emitida em 09.01.2013, e
d) Liquidação de juros compensatórios, relativa ao período 2011.12, no valor de € 43,31, emitida em 14.06.2012.
(cfr. docs. 1, 2 e 7 juntos com a p.i. e fls. 207 e 219 que aqui se dão por reproduzidos);
I) A Impugnante teve conhecimento dos atos de liquidação de juros compensatórios identificados na alínea anterior apenas mediante a notificação das respetivas demonstrações de acerto de contas (por acordo - cfr. art. 195.° da p.i., não impugnado);
J) Em 21.07.2012, na sequência da correção efetuada pela ação inspetiva ao período de dezembro de 2011, e por via da anulação do crédito de IVA a favor do sujeito passivo referido em C), foi emitida pelos serviços tributários, para o período de janeiro de 2012, a liquidação de IVA n.º 2012 7001761942, no valor de € 38.855,94, com data limite de pagamento em 07.12.2012 (por acordo - cfr. art. 64.° da p.i., não impugnado e “Demonstração de acerto de contas” junta como doc. 1 com a p.i.);
K) A Impugnante teve conhecimento do ato de liquidação adicional de IVA atinente ao período de janeiro de 2012 apenas mediante a notificação da demonstração de acerto de contas (por acordo - cfr. art. 74.° da p.i., não impugnado);
L) Em 11 e 29 de janeiro de 2013, a Impugnante foi notificada, respetivamente, das liquidações atinentes aos períodos de novembro e dezembro de 2011, com data limite de pagamento em 08.03.2013 e 25.03.2013, respetivamente (por acordo e cfr. doc. 7 junto com a p.i.);
M) O Golfe é um desporto auto regulado, com regras específicas de caráter supranacional e de aplicação quase universal, estipuladas, em conjunto, pelo ……….. Limited que agrupa associações e federações de 120 países, entre os quais Portugal, e pelo USGA que junta as entidades representantes do Golfe dos USA e México (por acordo - cfr. art. 34.° da p.i., não impugnado e doc. 15 junto com a p.i., que aqui se dá por reproduzido).
N) De acordo com as regras referidas na alínea que antecede, o acesso a um campo de Golfe só é permitido a pessoas que sejam federadas e que demonstrem ter um certificado específico designado handicap (cfr. doc. 15 junto coma p.i.);
O) A obtenção de um handicap oficial, em Portugal, é possível apenas para jogadores federados e sócios ou associados de um Clube de Golfe (Associação), membro da Federação Portuguesa de Golfe, aos quais é por esta delegada a gestão do handicap dos seus sócios praticantes (cfr. Regulamento Desportivo e Regulamento de Handicap Pitdr & Putt, ambos da Federação Portuguesa de Golfe junto com a p.i. como doc. 16, que aqui se dá por reproduzido);
P) Em 03.12.2002, pela Subdiretora-Geral dos Serviços do IVA, foi emitida a Informação a° 2082, «Tendo por referência o pedido de esclarecimento de “.…, S.A. ”, datado de.../…/2002», cujo ponto 7 tinha o seguinte teor:
«...no que se refere à utilização dos campos de golf (Greens), de harmonia com o entendimento Superiormente sancionado por estes Serviços, beneficiam de tributação à taxa reduzida de 5% por enquadramento na verba 2.13 da Lista I anexa ao CIVA. Porém, relativamente aos serviços acessórios, designadamente aluguer de carro, guarda tacos, etc., a taxa a aplicar será a taxa normal de 19% por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA.» (cfr. doc. 13 junto com a p.i.);
Q) Em sede de ação inspetiva efetuada pela Administração Tributária à sociedade “I……………., S.A.” em 2001, «...no âmbito de pedidos de reembolso de IVA, divergências de VIES...», não foram detetadas anomalias, constando da análise dos rácio, no que ao IVA se refere, que «a maioria das operações são tributadas à taxa de 5%» (cfr. doc. 14 junto com a p.i.);
R) No Ofício-circulado n.º 30088, de 19.01.2006, a Direção de Serviços do IVA, em relação à verba 2.13 da Lista I anexa ao CIVA, comunicou, no que ao caso releva, o seguinte:
«[…]
4. Face às sucessivas alterações à referida verba, designadamente as introduzidas pelo Decreto-Lei n° 122/88, de 20 de Abril e Lei n° 39-B/94, de 27 de Dezembro, ficou claro que no âmbito de aplicação da citada verba não se incluem apenas os respectivos bilhetes de ingresso mas, igualmente, a utilização de instalações destinadas à prática desportiva e a espectáculos ou outros divertimentos públicos.
5. Deste modo, devem entender-se como abrangidas pela taxa reduzida de 5%, por enquadramento na verba 2.13 da Lista I anexa ao CIVA, os bilhetes de ingresso, em espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos, bem como a utilização de instalações destinadas à prática desportiva e a espectáculos ou outros divertimentos públicos, obviamente, comas excepções referidas nas alíneas a) e b) da citada verba 2.13.
[...]» — cfr. http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlvres/5427A31F-8D95-4DlB-AA22- 291E8028A91F/0/oficio-circulado 30088-2006 de 19 de_janeiro_dsiva.pdf.
S) O Ofício-circulado identificado em R) foi revogado pelo Ofício-circulado n° 30124 de 14.02.2011, do qual se extrai, no que ao caso releva, o seguinte:
«[...]
5. Com a publicação do OE 2011, o legislador suprimiu do texto legal a expressão “prática de actividades físicas e desportivas”, devolvendo à norma, no essencial, a redacção que detinha antes e que fora a razão das instruções administrativas que a pretendiam clarificar.
6. A eliminação daquela expressão no texto legal não pode ter outra consequência que não seja a revogação do entendimento administrativo que lhe estava subjacente.
7. Neste contexto, considera-se preterida aquela doutrina administrativa, devendo entender-se que a verba 2.15 da Lista 1 Anexa ao CIVA contempla, apenas, as entradas ou bilhetes de ingresso em espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos.
8. E revogado o Ofício-Circulado n.º 30088, de 2006.01.19, bem como quaisquer entendimentos que contrariem a doutrina agora divulgada.
9. O presente entendimento produz efeitos a partir de 1 de Março de 2011, permitindo aos sujeitos passivos que procedam aos ajustamentos necessários. Nestes termos, e não obstante o disposto no ponto 10 do Oficio-Circulado n.º 30122, de 2011.01.07, consideram-se sanadas as operações efectuadas em Janeiro e Fevereiro que tenham beneficiado da verba 2.15 com base nos entendimentos agora revogados.» — em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlvres/19902E51-0EAE-4AC3-AE72-76AD75967925/0/IVA-of%20circ%2030124.pdf.
T) Em 08.03.2013 foi autuada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, sob processo n.º 176/13.7BELLE, a presente impugnação judicial referente às liquidações de IVA do período de janeiro de 2012 e de juros compensatórios dos períodos de novembro e dezembro de 2011 (cfr. fls. 2 dos autos);
U) Em 12.04.2013 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé a impugnação judicial autuada com n.º 280/13.1BELLE relativa à liquidações adicionais de IVA dos períodos de novembro e dezembro de 2011 e de juros compensatórios do período de novembro de 2011 (cfr. fls. 2 do processo apensado a estes autos);
V) Em 13.05.2013 a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Loulé-2, Quarteira, garantias bancárias nos termos indicados pelo órgão de execução fiscal com vista à suspensão dos processos de execução fiscal n°s 3859201201082140, 3859201201117718 e 3859201301016903, relativos às dívidas tributárias resultantes das liquidações objeto dos presentes autos (cfr. fls. 277 a 286 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas);
W) Em 26.04.2013 a Impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 1.016,90 relativa a juros compensatórios do período de 11.2011 (cfr. fls. 220, 221 e 287 dos autos, que aqui se dá por reproduzida);
X) Em 13.05.2013 a Impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 12.935,72 relativa à liquidação adicional de IVA referente ao período 12.2011 (cfr. fls. 288 dos autos, que aqui se dá por reproduzida).

Factualidade não provada:
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


2. Do direito

2.1. A questão principal que vem suscitada no presente recurso é a de saber incorre em erro de julgamento a sentença do TAF de Loulé ao considerar que não existe vício de violação de lei dos actos de liquidação adicional de IVA sobre os green fees, i. e., sobre os pagamentos efectuados pelos utilizadores dos campos de golfe para acesso aos mesmos.

2.1.1. O litígio reporta-se à questão da interpretação da verba 2.15 da Lista I anexo ao Código do IVA, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
Lembre-se que na redacção original do Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho, a Verba 2.15 (taxa reduzida de IVA) incluía “[E]spectáculos, provas e manifestações desportivas, prática de actividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos”. E que com a alteração de redacção aprovada pela já referida Lei n.º 55-A/2010, passou a prever apenas “[E]spectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos”.
A eliminação da “prática de actividades físicas e desportivas” da verba 2.15. da Lista I da Tabela anexa do CIVA (taxa reduzida) levou a Administração Tributária a concluir que se antes a utilização de instalações destinadas à prática desportiva e a espectáculos e outros divertimentos públicos estava abrangida pela taxa reduzida, após aquela alteração de redacção, tais actividades passariam a estar sujeitas à taxa normal, ficando a taxa reduzida limitada a entradas ou bilhetes de ingresso em espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos (Uma interpretação que, de acordo com o Ofício Circulado n.º 30124/2011 se considerou aplicável a partir de 1 de Março de 2011.).
Entretanto, a verba n.º 2.15 foi revogada pelo n.º 2 do artigo 123.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, passando também as entradas e os bilhetes para espectáculos desportivos a ser tributados à taxa normal.
É com base neste enquadramento normativo que a recorrente alega existir erro na interpretação jurídica efectuada pela AT e acolhida pela sentença recorrida, segundo a qual o green fee, enquanto bilhete de ingresso em recinto desportivo para a prática da actividade fora das competições (e não para assistir a provas desportivas) estaria sujeito a uma taxa de IVA normal. Como se afirma nas alegações, é incongruente um resultado segundo o qual o ingresso no campo de golfe é tributado a uma taxa de IVA superior à da venda de bilhetes para assistir à competição. Aduz ainda a Recorrente que o tribunal recorrido não compreendeu correctamente o “jogo do golfe” e as suas regras, segundo as quais o acesso a um green pelo titular de um certificado de handicap consubstancia sempre uma prova desportiva (uma competição), na medida em que o jogador, mesmo fora de torneios organizados, está sempre em competição, porque “compete contra o campo”.
Ora, todos estes argumentos foram já ponderados nas precedentes decisões do Supremo Tribunal Administrativo proferidas a respeito desta questão. Uma jurisprudência iniciada pelo acórdão de 8 de Abril de 2015 (proc. 0744/14), cujo texto está integralmente disponível em www.dgsi.pt, e onde se pode ler o seguinte no respectivo sumário:
«I- O chamado “green fee” não se destina a permitir o acesso do jogador ao campo de golfe para participar numa competição, prova ou manifestação desportiva, antes se destina a que o jogador tenha acesso ao campo, para treinar o seu jogo individual, ou acompanhado de outros jogadores, mas sem que se possa atribuir a tal actividade desportiva as características próprias de uma manifestação desportiva, ou prova, enquanto tal.
II- Essa “taxa de utilização do campo” não encontrava amparo na verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA, pelo que sobre a mesma incidia, no ano de 2011, IVA à taxa normal de 23%».
Uma decisão que foi reiterada por outros acórdãos da mesma data (procs. 0745/14 e 0797/14) e pelos acórdãos de 22 de Abril (procs. 0747/14 e 0763/14) e da qual não iremos divergir, remetendo aqui para todos os argumentos aí aduzidos, incluindo aqueles que justificam a desnecessidade de reenvio da questão ao TJUE.
Em suma, os green fee não se incluem na previsão normativa da verba 2.15 da Lista I da Tabela anexa ao CIVA.

2.2. A recorrente suscita ainda o problema da inconstitucionalidade da interpretação veiculada pela AT através do Ofício-Cirulado n.º 30124, quer pela vedação constitucional da possibilidade de emitir regulamentos administrativos restritivos do conteúdo de actos legislativos, quer por a interpretação aí consagrada violar os princípios da protecção da confiança legítima, boa fé e justiça.
Em relação à alegada violação dos princípios da hierarquia das fontes, da tipicidade dos actos legislativos e da legalidade, importa dizer que o Ofício-Circulado em questão é uma norma interpretativa que apenas vincula internamente os serviços da AT (para assegurar uma interpretação e aplicação uniforme do Direito por todos os seus serviços) e não, obviamente, os tribunais, pelo que a decisão proferida nos arestos antes mencionados, com uma fundamentação à qual aderimos, correspondem ao resultado da interpretação legislativa a chegou este Supremo Tribunal Administrativo e não à aplicação do Ofício-Circulado da AT, o qual, repita-se, não produz efeitos externos e não é nem foi anteriormente mobilizado pelo Tribunal como regra ou critério de decisão.
Já no que respeita à violação dos princípios materiais da protecção da confiança dos investidores e utilizadores de campos de golfe, cabe sublinhar que a alteração da tributação com efeitos prospectivos, como é o caso aqui, não consubstancia um critério de violação daquele princípio, na medida em que não existem expectativas legitimamente fundadas na imodificabilidade ou não agravamento da tributação, sempre que esta seja efectuada de acordo com as regras legais (como sucedeu neste caso). Acresce que também não existia nenhum acto ou contrato jurídico, nem sequer uma promessa informal, que permitisse fundar a referida expectativa dos investidores e utilizadores dos greens à permanência dos green fee na taxa mínima de IVA. Em outras palavras, não existindo nenhuma expectativa jurídica quanto à permanência da tributação dos green fee na taxa mínima de IVA, não é sequer necessário averiguar se a mesma poderia ou não considerar-se juridicamente sustentada.
Pela mesma razão – inexistência de expectativas legítimas quanto à manutenção do status quo tributário – não se descortina de que forma é que a alteração de política tributária a respeito da taxa de IVA aplicável à utilização de um bem ou à prestação de um serviço possa reconduzir-se, in casu, à violação dos princípios da boa fé ou da justiça.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.