Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0248/15.3BELRS 01194/17
Data do Acordão:01/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
NORMA TRANSITÓRIA
ÂMBITO
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:O não cumprimento do prazo de 180 dias a que alude o artigo 88º, al. c) do OE para 2007 não acarreta, sem mais, a extinção do direito à cobrança do imposto por parte da AT.
Nº Convencional:JSTA000P24106
Nº do Documento:SA2201901230248/15
Data de Entrada:10/30/2017
Recorrente:A.....MBH
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……… MBH, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 31 de Janeiro de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IMI referente aos anos de 2008 a 2011, relativa ao prédio urbano actualmente inscrito sob o artigo 2311, frações … e …, da freguesia de Santa Maria Maior em Lisboa.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I. A Recorrente apresentou em 09 de janeiro de 2015 Impugnação Judicial, contra o Indeferimento de Recurso Hierárquico relativo ao despacho da Administração Tributária que declarou a extinção da isenção de IMI, conferida ao abrigo do actual artigo 44º EBF, por via do qual foi mantida a decisão de liquidação de IMI, referente ao período de 2008 a 2011, relativamente a um prédio propriedade da Recorrente.
II. A Administração Tributária considera que a cessação da isenção de IMI, por virtude da não classificação do prédio como individualmente classificado de interesse público ou municipal, resulta da alteração dos pressupostos legais previstos para a concessão deste benefício fiscal, que foi introduzida, pela Lei do OE 2007.
III. A Recorrente não concorda com a posição da Administração Tributária, uma vez o legislador, criou na sequência da alteração dos pressupostos previstos no então artigo 40º, nº 1 alínea n) do EBF, um mecanismo transitório aplicável à isenção referida na alínea n) do nº 1 do então artigo 40º (actual 44º) do EBF.
IV. Esse mecanismo determinava que Administração Tributária notificasse, no prazo de 180 dias, após a entrada em vigor da Lei do OE 2007, todos os sujeitos passivos, que se encontravam a beneficiar daquela isenção, da cessação desse benefício, por alteração dos seus pressupostos.
V. A Recorrente considera que a notificação por parte da Administração Tributária, nos termos supra expostos, consubstancia o acto administrativo que legitima esta última a liquidar o imposto devido, ou, inversamente a extinguir o direito ao benefício fiscal.
VI. Uma vez que a Administração Tributária notificou a Recorrente apenas passados 4 anos, não poderia aquela ter liquidado o imposto com efeitos retroactivos aos anos de 2008 a 2011.
VII. Neste sentido discorre também o disposto na decisão arbitral do CAAD, processo 256/2014-T, que refere que o procedimento previsto na alínea c) do artigo 88º da Lei do OE 2007 “seria o único meio legal para revogar, rectificar, reformar ou converter este tipo em concreto de isenções fiscais (...), dentro do prazo especifico conferido pela lei.”
VIII. Assim sendo, apenas se admite a liquidação de IMI a partir do ano de 2012 em diante.
IX. Não podendo a Recorrente concordar com a decisão em 1ª instância do Tribunal Tributário de Lisboa que considera que o indeferimento do recurso hierárquico se encontra em conformidade com a lei, por considerar que a notificação prevista no artº 88º da Lei do OE 2007 tem um carácter meramente declarativo.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A Impugnante é proprietária de um prédio urbano, sito na Rua …..., n°s. ... a …., Rua ……, n°… … a … e Rua ……, n°s. ... a …, então inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Nicolau, sob o artigo 410, atualmente inscrito sob o artigo 2311, frações ... e ..., da freguesia de Santa Maria Maior;
2. Por despacho de 29/04/2004, do Subdiretor-Geral dos Impostos, foi deferido o pedido de isenção de IMI (à data, Contribuição Autárquica), do imóvel referido no ponto anterior, com efeitos a partir de 1999;
3. Por ofício n°7782/2011 de 09/08/2011, o Serviço de Finanças de Lisboa 3, remete à impugnante, missiva de teor seguinte:
Na qualidade de proprietário do prédio/fração acima identificado, a beneficiar de isenção por prédio classificado como Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público (IIP) ou de interesse Municipal, nos termos da al. n) do n° 1 do atual art. 44º dos Estatutos dos Benefícios Fiscais (EBF), fica notificado de: A Lei n° 53-A/2006, de 29/12, alterou o art. 40° (atual 44º), n° 1, al. n) do EBF, no intuito de apenas poderem beneficiar da isenção de IMI os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.
Em sede de revisão oficiosa, foi elaborado despacho de cessação das isenções concedidas ao abrigo do art. 44° do EBF, as quais serão retiradas a partir da entrada em vigor da Lei acima referida (01/01/2007) aos prédios que não reunirem os pressupostos descritos certificados pelo IGESPAR (ex. IPPAR).
Nestes termos e para efeitos do disposto no art. 60° da Lei Geral Tributária (LGT) - direito de audição prévia, fica notificado para no prazo de 15 dias apresentar um dos documentos a seguir indicados, passados pelas entidades competentes:
• Certidão da classificação individual do prédio como imóvel de interesse público, emitida pelo IGESPAR;
• Declaração da classificação como imóvel de interesse público, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa;
• Declaração da classificação como imóvel de interesse municipal, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa.
Ultrapassado o prazo acima indicado, converterão em definitivo o despacho de cessação de isenção ao abrigo do art. 44° do EBF (,..,)”;
4. Por despacho de 20/09/2012, da Chefe de Finanças de Lisboa 3, “(…) foi revogado o despacho que concedeu a isenção ao abrigo do art. 40º (atual 44°) do Estatuto dos Benefícios Fiscais quanto ao prédio indicado por não reunirem os pressupostos certificados pela entidade competente. A cessação deste benefício implica a tributação do referido prédio a partir de 2008 (inclusive) conforme dispõem os arts. 113°/5 e 120°/3 e 4 do Imposto Municipal de Imóveis (IMI) (…)”;
5. Em 15/11/2012, a ora impugnante, deduziu recurso hierárquico do despacho que revogou a isenção do IMI relativamente ao prédio identificado no ponto 1 deste probatório;
6. Em 17/11/2012, foram efetuadas as liquidações de IMI, ora impugnadas, que se discriminam a seguir:
DESCRIÇÃO PREDIO
IMI/ANO
VALOR
PATRIMONIAL (€)
COLETA (€)
DATA
PAGAMENTO
110648 S. NICOLAU U-
00410
2008
32.445.000,00
227.115,00
30/01/2013
110648 S. NICOLAU U-
00410
2009
235.631,81
30/07/2013
110648 S. NICOLAU U-
00410
2010
33.661.687,50
227.216,39
07/02/2014
110648 S. NICOLAU U-
00410-A/U-00410-B
2011
33.238.180,00
4.916.620,00
133.541,80
01/08/2014
TOTAL
823.505,00
7. Em 28/08/2014, por despacho da Diretora de Serviços da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis, da A.T., por subdelegação de competências, foi indeferido o recurso hierárquico;
8. Em 09/01/2015, foi apresentada no Serviço de Finanças de Lisboa 3, p.i. que consubstancia a presente impugnação.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Pretendem as partes que este Supremo Tribunal esclareça se o desrespeito pelo prazo de 180 dias estabelecido no artigo 88º, al. c) da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12 implica que a AT fique impedida de liquidar e cobrar os respectivos impostos dentro do prazo de caducidade de 4 anos a que alude o artigo 45º, n.º 1 da LGT.
Relembremos então a redacção da referida norma legal.
Em virtude da alteração da norma constante da alínea n), do n.º 1, do artigo 40º do EBF pelo OE para 2007, que passou a exigir a classificação individual dos imóveis para que os mesmos pudessem beneficiar da respectiva isenção de IMI, o que determinou a cessação da isenção para a maioria dos imóveis que não haviam sido individualmente classificados em razão do seu interesse cultural ou patrimonial, foram estabelecidas duas regras transitórias de modo a adequar as concretas situações já existentes à nova realidade.
Dispunha, assim, o dito artigo 88º do OE para 2007, sob a epígrafe Disposições transitórias no âmbito dos benefícios fiscais:
Às alterações introduzidas pela presente lei ao Estatuto dos Benefícios Fiscais aplica-se o regime transitório seguinte:
a) …
b) …
c) A administração fiscal notifica, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei, todos os sujeitos passivos, que se encontrem a beneficiar da isenção referida na alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, da cessação deste benefício por alteração dos seus pressupostos;
d) Os sujeitos passivos referidos na alínea anterior podem, no prazo de 90 dias a contar da data da notificação, requerer a isenção a que se refere o artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais se reunirem todos os requisitos aí referidos e se para o mesmo prédio ainda não tiverem beneficiado deste regime…

Se bem se percebe a argumentação expendida nas conclusões deste recurso, a recorrente entende que a AT está impedida de proceder à cobrança do valor do imposto devido nos 4 anos anteriores à data da prolação do despacho que lhe comunicou a cessação do benefício, uma vez que não tendo respeitado tal prazo de 180 dias só após a comunicação prevista em tal preceito legal é que cessaria verdadeiramente a isenção; em sentido contrário entendeu-se na sentença recorrida que tal prazo era meramente ordenador e que a cessação da isenção resulta da própria lei.

Também com interesse dispõe o artigo 45º, n.º 1 da LGT que, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
Como facilmente se percebe da leitura das normas transitórias constantes do artigo 88º do OE para 2007, e no que a esta concreta isenção respeita, o legislador não deixou para a administração fiscal a prática de qualquer acto revogatório das isenções de que beneficiavam os imóveis em questão, limitou-se a atribuir-lhe a incumbência de comunicar a cessação de tal isenção aos contribuintes, tendo estabelecido um prazo, que como bem se diz na sentença recorrida é meramente ordenador, para que estes pudessem exercer querendo o direito que lhes é conferido pela alínea d) do mesmo preceito legal de modo a dele poder usufruir ainda nesse mesmo ano de 2007.
Assim, não se vislumbra que tal prazo pudesse ter uma natureza extintiva dos direitos à cobrança do imposto por parte da AT, uma vez que face ao disposto naquele artigo 45º, n.º 1, só o decurso do prazo de caducidade extingue o direito à liquidação dos impostos.
A extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007, cfr. artigo 12º da LGT e 10º do EBF. E a extinção de tal isenção foi expressamente desejada pelo legislador uma vez que introduziu na lei um requisito que sabia à partida que grande parte dos imóveis não cumpriria, razão pela qual sentiu necessidade de editar as normas transitórias que apenas assumem essa natureza, a de estabelecer a transição das situações concretas antigas entre os dois regimes legais.
De todos os modos, sempre se reafirma que o acto praticado pela AT ao abrigo da alínea c) daquele artigo 88º não assume natureza revogatória, nem o mesmo teria que assumir tal natureza uma vez que a isenção se extingue pelo facto de o imóvel deixar de reunir os requisitos para beneficiar da dita isenção, podendo, em consequência a AT efectuar a liquidação do imposto devido, cfr. artigo 12º, n.º 1 do EBF.
Pode-se, assim, concluir que o recurso não merece provimento.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso que nos vinha dirigido.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.