Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01435/12
Data do Acordão:02/20/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:PRINCÍPIO DO PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
TRIBUTAÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES
IRC
RETENÇÃO NA FONTE
Sumário:I - Não decorre nem do Direito da União nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça para os sujeitos passivos não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável em território português (e residentes num Estado-Membro da União Europeia) um direito à igualdade de tributação em relação aos residentes (em matéria de impostos directos), prevendo, pelo contrário, o TFUE que a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE].
II - A jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, em termos genéricos, que o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas Convenções sobre Dupla Tributação, é aceitável e não contaria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos.
III - No caso em apreço, a Administração Tributária, ao tributar os dividendos através da retenção na fonte à taxa de 10%, limitou-se a dar cumprimento ao estatuído no regime jurídico constante da referida Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, não incorrendo em qualquer ilegalidade, pois decorre do mesmo diploma que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um crédito de imposto, nos termos do estatuído no art. 24º, nºs 2 e 4, no Pais da residência, sendo que se pela via do direito do Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela referida Convenção, tal argumento não pode ser oponível ao País da fonte, que se limita a fazer aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica.
Nº Convencional:JSTA00068142
Nº do Documento:SA22013022001435
Data de Entrada:12/17/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Comunitária:TUE ART65 N1 A ART63 N1 ART56 ART58
DIR CON CEE90/435 DE 1990/07/23
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0694/12 DE 2012/11/28; AC STA PROC01/09 DE 2011/06/17
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROC C-282/07
AC TRIJ PROC C-446/03 DE 2005/12/13
AC TRIJ PROC C-379/05 DE 2007/11/08
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS - IMPUTAÇÃO DE LUCROS DE SOCIEDADES NÃO RESIDENTES SUJEITAS A UM REGIME FISCAL PRIVILEGIADO PUBLICAÇÕES UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTO 2005 PÁG128.
PAULA ROSADO PEREIRA - PRINCIPIOS DE DIREITO FISCAL INTERNACIONAL ALMEDINA COIMBRA 2010 PAG151.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I- RELATÓRIO

1.A Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……. S.P.A., por incorporação da B….. (B……), identificada nos autos, contra a liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) por retenção
na fonte referente aos exercícios de 2003 e 2004, interpôs recurso jurisdicional no Tribunal Central Administrativo Norte, formulando as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso tem por objecto a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado em 27/04/2007, deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) por retenção na fonte, referentes aos exercícios de 2003 e 2004, nos montantes de €525.273,86 e € 590.933,10, respetivamente.
B. Na douta sentença recorrida, o Tribunal fixou a única questão a decidir — aferir da conformidade ao princípio da livre circulação de capitais, previsto no artigo 56.° do TCE, das liquidações de imposto por retenção na fonte sofridas pela B……, aquando das distribuições de dividendos pelo C……, SA, praticadas ao abrigo do disposto nos artigos 4.°, n.° 3, alínea c), subalínea 2) e 80°, n.º 2, alínea c) do Código do IRC (as disposições normativas respeitantes ao IRC são aquelas em vigor à data dos factos).
De facto,
C. a sentença recorrida refere que “No caso sub judice atendendo às retenções na fonte operadas em 29/04/2003 e 10/05/2004, sobre os dividendos distribuídos à impugnante pelo C……, SA, por virtude de a impugnante ser uma sociedade não residente em Portugal, mas sediada em país da UE (Países Baixos), importa aferir da conformidade ou não, dessas retenções na fonte, com o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do TCE face ao primado do direito comunitário na ordem interna, por via do artigo 8. n.° 4 da CRP — tendo em conta o regime resultante dos artigos 80. n.° 2, alínea c) do CIRC e 10.° n.° 2 da CEDT Portugal/Países Baixos.”,
D. Deste modo, continua a sentença, “Resulta da matéria assente que a B…… quer em 2004-04-29 (aqui, por lapso na sentença, deveria dizer-se 2003 e não 2004 — cfr. ponto 6 dos factos provados), quer em 2004-05-10, detinha uma participação direta na sociedade C……, SA, correspondente a 8,64% do respetivo capital social, não se aplicando por isso o regime de isenção previsto no art.° 14.º n.° 3 do CIRC. Igualmente não é legalmente admissível que a B….. obtenha a restituição do imposto retido, por via do disposto no artigo 89.º do CIRC.
E. O que significa que se em lugar da B….., os dividendos fossem distribuídos a uma sociedade residente em Portugal, colocada na mesma situação para efeitos de tributação em IRC, verificar-se-ia que a esta seria aplicável o regime de dispensa de retenção prevista no art.° 90.º n.° 1, alínea c) do CIRC, na redação da Lei n.° 109-B/2001, de 27.12.”.
Ainda mais refere a sentença que,
F. “Ora, do supra exposto resulta que a jurisprudência comunitária mencionada é suscetível de aplicação à situação em apreciação nos autos, (...), não sendo possível à impugnante pedir a restituição à AT, nem ser possível deduzir o imposto pago no país da residência” (sublinhado nosso),
concluindo que,
G. “Subsumindo ao caso em apreciação, verificamos que nos anos de 2003 e 2004, o imposto retido na fonte em Portugal, aquando da distribuição de dividendos, detidos à mais de um ano e que não foram objecto de imputação nos Países Baixos, não havendo lugar à aplicação do artigo 24. n.° 4 da CDT Portugal/Países Baixos, não se verificando, no caso, possível dupla tributação económica que possa ser fundamento da retenção na fonte (sublinhado nosso).
H. Com o devido respeito que nos merece, que é muito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, com o doutamente decidido.
I. Na decisão vertida na sentença recorrida, constata-se que o C….., SA, sociedade residente em território nacional, distribuiu dividendos a uma sociedade, detentora de 8,64% do seu capital, a B……, com sede na Holanda.
J. Em matéria de retenções na fonte, foi celebrado entre Portugal e o Reino dos Países Baixos, Convenção para evitar a Dupla Tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 32/2000, de 12 de Julho.
K. Como a participação da B….. era inferior a 10%, não se encontravam cumpridos os requisitos necessários para a isenção de IRC prevista no art.° 14°, n.° 3 do CIRC, na redacção dada ao normativo, aplicável à data dos factos.
L. Assim, foi efetuada a retenção na fonte por parte do C……, à taxa prevista na convenção, de 10%.
M. Sucede que uma sociedade residente, nas mesmas condições da impugnante, podia deduzir todo o imposto retido, nos termos do art.° 46.° do CIRC.
N. Por outro lado, a B…… não estava em condições de obter a restituição do imposto retido, nos termos do art.° 89.° do CIRC.
O. Ou seja, perante as disposições legais em vigor à data dos factos, a impugnante viu ser-lhe retido um imposto à taxa de 10%, conforme CDT; essa retenção não estava isenta (art.° 14.°, n.° 3 do CIRC) nem estava em condições de obter a restituição do mesmo (art.° 89.° do CIRC); caso a impugnante fosse uma sociedade residente, não haveria lugar a retenção na fonte, nos termos do art.° 46.° do CIRC.
P. Esta situação, configura uma discriminação injustificada em função da residência, situação proibida pelo art.° 56.° do TCE, constituindo uma restrição à livre circulação de capitais.
Q. Relativamente às liquidações/retenções efetuadas, a sentença decidiu pela anulação das mesmas, alegando vício de violação de lei, por violação do princípio da livre circulação de capitais, ao abrigo do disposto no art.° 56.° do TCE,
R. fundamentando a sua decisão no primado do Direito Comunitário sobre as normas nacionais (art.° 8.° da CRP) bem como, nos acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades, Processo C-379/05, de 2007/06/07; Processo C-487/08, de 2010/06/03 e; Processo C-199/10, de 2010/11/22 e, no Acórdão do STA de 2011/06/01, recurso n.° 01/09.
S. Com efeito, o que ressalta da jurisprudência referida é que (...) os artigos 56.º e 58.º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% (no caso da sentença, 10%) sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da convenção para evitar a dupla tributação.
T. Assim, para garantir o cumprimento das obrigações resultantes do Tratado, a CDT entre Portugal e os Países Baixos tinha que reunir os seguintes requisitos:
(i) A convenção para evitar a dupla tributação tem de permitir compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrentes da legislação nacional;
(ii) Isso só se verifica se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento;
(iii) Só assim é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente;
(iv) Para o efeito, compete ao órgão jurisdicional de reenvio (neste caso, o TAF do Porto) averiguar se a legislação holandesa permite essa imputação/recuperação, ou seja, se a retenção do imposto em Portugal sobre os dividendos distribuídos pelo C…… à impugnante pode ser recuperada pela entidade beneficiária dos dividendos, atento o regime jurídico aplicável.
U. Ora, apesar de na sentença recorrida, se fazer alusão ao facto de a impugnante não poder deduzir o imposto no país de residência, a Fazenda Pública não consegue vislumbrar, nem na matéria de facto provada, nem em qualquer diligência levada a cabo pelo Tribunal, prova de que a impugnante não possa deduzir o imposto no estado de residência.
V. Por outras palavras, não está provado na sentença ora recorrida, que a legislação dos Países Baixos impeça a dedução do imposto retido, não se encontrando referido em nenhuma parte da sentença recorrida, qual o diploma ou norma legal dos Países Baixos que permita a Meretíssima Juiz a quo concluir, como concluiu, não (...) ser possível deduzir o imposto pago no país da residência e, (...) que não foram objecto de imputação nos Países Baixos,
W. nem tão pouco se encontra nos autos, qualquer diligência levada a cabo pelo Tribunal, junto da Administração Fiscal Holandesa, no sentido de obter essa prova. Talqualmente se prescreve no Acórdão de 22/11/2010 do TJUE, Processo C-199/l0, e no Acórdão do STA de 2011/06/01, recurso n.° 01/09.
X. Deste modo, a sociedade residente que pagou os dividendos à impugnante, cumpriu as normas do direito português, as normas da CDT bem como, as normas do tratado da União Europeia, não agindo de forma discriminatória para com a sociedade não residente, talqualmente pretende demonstrar a impugnante.
Y. Nesta medida, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser revogada, considerando-se a impugnação totalmente improcedente.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências”.

2. Por seu turno, a recorrida A……, S.P.A., formulou contra-alegações, concluindo nos termos que se seguem:
“A) Reconhece a Digna Representante da Fazenda Pública de que, tal como julgado pelo Douto Tribunal a quo, o tratamento diferenciado conferido nos anos de 2003 e 2004 pelos artigos 90.º, n.° 1, alínea c), 46.°, n.° 1, 80.°, n.° 2, alínea c), 14.º, n.° 3, e 89.°, n.° 1, do Código do IRC aos accionistas residentes e não residentes de sociedades comerciais portuguesas configura uma discriminação injustificada em função da residência, proibida pelo artigo 56.° do TCE — actual artigo 63.° do TFUE —, constituindo uma restrição à livre circulação de capitais;
B) O recurso apresentado pela Digna Representante da Fazenda Pública assenta apenas no entendimento de que o Douto Tribunal a quo não estava em condições de concluir pela inaptidão da CEDT Portugal/Países Baixos para neutralizar o tratamento discriminatório constante das disposições do Código do IRC;
C) Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que o disposto nas convenções bilaterais para evitar a dupla tributação celebradas pelos Estados-Membros — sempre que estas impeçam a aplicação de normas legais de um determinado Estado-Membro que se mostrem incompatíveis com o Direito Comunitário —, deve ser relevado em sede de apreciação do respeito por esse Estado-Membro das liberdades comunitárias fundamentais, competindo aos órgãos nacionais de aplicação do Direito aferir o sentido das normas convencionais e concluir sobre a respectiva pertinência;
D) No contexto da distribuição transfronteiriça de dividendos, a eventual neutralização por um Estado-Membro, através de convenção bilateral para evitar a dupla tributação, do tratamento discriminatório decorrente de disposições como aquelas constantes do Código do IRC, apenas ocorre quando a convenção confira um crédito integral de imposto, não dependente da tributação no Estado de residência do accionista;
E) O artigo 24.°, n.° 4, da CEDT Portugal/Países Baixos prevê apenas a concessão pelo Reino dos Países Baixos de um crédito ordinário de imposto, condicionado pois à efectiva tributação nesse Estado dos dividendos auferidos em Portugal, motivo pelo qual tal disposição convencional não é apta a neutralizar o tratamento discriminatório que a tributação em Portugal representa;
F) Considerou pois correctamente o Douto Tribunal a quo, por mera análise da CEDT Portugal/Países Baixos, que esta não altera o juízo de incompatibilidade com o Direito Comunitário das disposições do Código do IRC em causa — não neutralizando o tratamento discriminatório que estas encerram —, inexistindo por isso qualquer erro de julgamento da sentença recorrida;
G) De qualquer forma, mesmo que se considerasse ser necessário apurar o conteúdo do Direito interno neerlandês — o que por mero dever de patrocínio se admite, embora sem conceder —, a questão reconduzir-se-ia a matéria de direito (estrangeiro) e nunca, ao contrário do aparentemente sustentado pela Digna Representante da Fazenda Pública, a matéria de facto;
H) Tal determinação do direito estrangeiro é de conhecimento oficioso, à luz do disposto no artigo 348.° do CC, ainda que em qualquer caso competisse à Fazenda Pública fazer a prova do respectivo conteúdo caso pretendesse invocar o mesmo como excepção no sentido de permitir o tratamento discriminatório resultante do Código do IRC;
I) Em nenhum momento invocou a Fazenda Pública qualquer disposição, convencional ou de Direito neerlandês, no sentido de demonstrar a eventual neutralização através da CEDT Portugal! Países Baixos do tratamento discriminatório resultante do Código do IRC;
J) Com efeito, nem mesmo em sede do presente recurso jurisdicional, a Fazenda Pública invoca a existência efectiva da neutralização a que alude como eventualmente possível, limitando-se a invocar a suposta insuficiência das diligências probatórias encetadas pelo Douto Tribunal a quo no sentido de a apurar;
K) De todo o modo, a Recorrida apresentou em sede dos autos, de mote próprio, prova do teor do direito interno neerlandês, resultando da mesma que os dividendos auferidos pela B…….. se encontraram isentos de tributação nos Países Baixos, motivo pelo qual nenhum crédito de imposto pode ter lugar à luz do artigo 24.°, n.° 4, da CEDT Portugal/Países Baixos;
L) A demonstração pela Recorrida da impossibilidade de neutralização, através da CEDT Portugal/Países Baixos, do tratamento discriminatório em causa não foi em momento algum contestada pela Fazenda Pública;
M) Em face do exposto, não enferma de qualquer erro de julgamento a pronúncia jurisdicional do Douto Tribunal a quo, com o que deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Digna Representante da Fazenda Pública.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, não pode a pretensão da Digna Representante da Fazenda Pública deixar de ser desatendida, negando-se provimento ao recurso, tudo com as demais consequências legais, o que se requer”.

3. Por Acórdão de fls. 384 e segs., o TCA Norte julgou-se incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, tendo declarado competente para esse efeito o STA.

4. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, o Magistrado do Ministério Público, junto do mesmo, remeteu a sua pronúncia para o parecer do representante do MP junto do TCA Norte que, por sua vez, acompanhou o parecer proferido pelo MP na 1ª instância, o qual conclui pelo provimento da impugnação, argumentando, entre o mais, que:
“(…) Assim, a situação da impugnante não se enquadra nos artigos 5.° e 6.° da CEDT, dado que a respectiva participação é inferior a 25 %., não estando, consequentemente, em condições de beneficiar do regime do artigo 14°, n.° 3 do CIRC, não beneficiando da isenção de retenção na fonte.
Se estivesse nessa situação, isto é, nas condições do artigo 14.°, n.° 3 do CIRC, como sociedade beneficiária residente noutro Estado da EU não seria tributada, inexistindo qualquer retenção na fonte, no caso de preencher as condições nele previstas.
E no caso de a participação, sendo embora não inferior a 25%, no momento da distribuição dos dividendos, ainda não fosse detida há mais de dois, ininterruptamente, haveria lugar à retenção na fonte, mas é possível a restituição do imposto logo que tal período se complete, nos termos estipulados pelo artigo 89.° do CIRC, na redacção então em vigor.
Mas, como resulta do ponto 1.8., a B….., quer em 2004-04-29, quer em 2004-05-10, detinha uma participação directa na sociedade C….., SA, correspondente a 8,64 % do respectivo capital social, não se aplicando por isso o regime de isenção previsto no artigo 14°, n.° 3 do CIRC.
Igualmente não é legalmente admissível que a B…… obtenha a restituição do imposto retido, por via do disposto no artigo 89.° do CIRC.
Como alega a impugnante — artigos 47.° e 48.° da PI - se em lugar da B….., os dividendos fossem distribuídos a uma sociedade residente em Portugal, colocada na mesma situação para efeitos de tributação em IRC (excepto ser residente, ao contrário da B……), verifica-se que a esta seria aplicável o regime de dispensa de retenção prevista no artigo 90°, n.° 1, alínea c) do CIRC (…)”
Pelo que «bem se compreende pois que a Impugnante entenda que a não aplicação de um regime de exclusão de tributação semelhante ao previsto no artigo 46.º, n.° 1 do CIRC, na medida em que se funda exclusivamente no facto de a entidade beneficiária dos dividendos distribuídos pelo C……, SA. não ter residência nem estabelecimento estável em Portugal, consubstancia uma discriminação injustificada em função da residência.» — artigo 55.° da PI.
«Na medida em que coloca as sociedades residentes em Portugal, que adquiram participações sociais noutras sociedades portuguesas, numa situação de vantagem relativamente às sociedades residentes noutros Estados Membros da União Europeia que efectuem investimentos semelhantes, a discriminação assinalada é, no entendimento da Impugnante, proibida pelo artigo 56.° do TCE, constituindo uma restrição à livre circulação de capitais.» - artigo 56.° da PI.
“(…) Nosso parecer
Em nossa opinião, a jurisprudência resultante do mencionado Acórdão Amurta e do acórdão datado de 2010-06-03, proferido pelo Tribunal de Justiça, no Processo n.° C-487/08, é susceptível de aplicação à situação em apreciação nestes autos, visto se tratar, igualmente, da distribuição de dividendos tributáveis a uma sociedade não residente com participação inferior ao limite de 25 %, nas condições definidas pela Directiva 90/435/CEE e no artigo 14°, n.° 3 do CIRC, não sendo por isso possível à impugnante pedir a restituição à AT, nem ser possível deduzir o imposto pago no país da residência Sublinha-se ainda a interpretação expressa no já citado Acórdão do STA de 01-06-2011, proferido no Processo n.° 01/09, sobre o despacho proferido no Processo C-199/10 do TJ.
E como vem alegado no requerimento de fls. 266 e segs., nos anos de 2003 e 2004, o imposto retido na fonte em Portugal, aquando da distribuição de dividendos, não foi objecto de imputação nos Países Baixos, não havendo lugar à aplicação do artigo 24°, n.° 4 da CDT Portugal/Países Baixos (vide Ponto 1.12), não se verificando, no caso, possível dupla tributação económica que possa ser fundamento da retenção na fonte.
Pelo exposto, em face da jurisprudência do Tribunal de Justiça analisada, sobre situações semelhantes (v.g., o caso Amurta/Processo n.° C-379/05, do TJ), e, ainda, em face da diversa jurisprudência desse Alto Tribunal, citada pela impugnante nos artigos 77°, 80.º, 81.°, 86°, 95º, 101º, 107.°, 110º, 114.°, 120°, 123°, 135.°, 139.° e 140.° e por tudo quanto fica exposto, é nosso parecer, salvo melhor opinião, que os fundamentos invocados pela impugnante são de molde a sancionar as liquidações operadas, com o vício de violação de lei, por violação do princípio da livre circulação de capitais, ao abrigo da previsão do artigo 56.° do TCE, consequentemente implicando, a anulação das mesmas e respectiva restituição à impugnante, de acordo com a jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça.
1. Nestes termos se conclui que, em face da jurisprudência do Tribunal de Justiça analisada, sobre situações semelhantes (v.g., o caso Amurta/Processo n.° C-379/05, do TJ), e, ainda, em face da diversa jurisprudência desse Alto Tribunal, citada pela impugnante nos artigos 77.°, 80.°, 81.°, 86.°, 95º, 101.°, 107°, 110.º, 114.°, 120.°, 123°, 135.°, 139.° e 140.° e por tudo quanto fica exposto, é nosso parecer, salvo melhor opinião, que os fundamentos invocados pela impugnante são de molde a sancionar as liquidações operadas, com o vício de violação de lei, por violação do princípio da livre circulação de capitais, ao abrigo da previsão do artigo 56.° do TCE, consequentemente implicando, a anulação das mesmas e respectiva restituição à impugnante, de acordo com a jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça”.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II-FUNDAMENTOS

1. DE FACTO
A sentença recorrida deu como fixada a seguinte matéria de facto:
“1. A impugnante é uma sociedade anónima (“D……”), com sede e estabelecimento estável em Itália, inscrita na Conservatória do Registo Civil de Milão, sob o n.°07027550156. [Cfr. Doc. (fls. 68 a 93 e 95 a 113 dos autos), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
2. Em 31/10/2007, por escritura pública de fusão jurídica transfronteiras, a impugnante declarou incorporar, por fusão, a sociedade comercial de Direito neerlandês, B……. (B……), cuja atividade principal consistia na gestão de participações sociais noutras sociedades, sedeada em Amesterdão e inscrita na Conservatória do Registo Comercial número 33223190. [Cfr. Doc. (fls. 68 a 93 e 95 a 113 dos autos), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
3. A B…… (B……), durante os anos de 2003 e 2004, não dispôs de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais nos Países Baixos, aí se encontrando sujeita e não isenta, sem possibilidade de opção, ao imposto neerlandês sobre o rendimento das sociedades ...... [Cfr. Doc. 4 e 5).(fls. 130 dos autos), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
4. Em 29/04/2003, a B…… era titular de 65.659.233 de ações do C……, SA, adquiridas pelo valor de € 100.528.306,60, tendo 56.788.864 das mesmas ações sido adquiridas há mais de um ano, pelo valor de € 84.972.065,51 .(Cfr. Doc. 6, fls. 132 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
5. Em 10/05/2004, as 65,659.233 ações eram detidos pelo B……. [Cfr. Doc. 6. fls. 132 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
6. Quer em 29/04/2003, quer em 10/05/2004, a B…… detinha uma participação direta na sociedade C……., SA, correspondente o 8,64% do respetivo capital social. [Cfr. Doc. 7, fls. 134 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
7. Em 29/04/2003 a B….. auferiu dividendos resultantes da sua participação social no C….., SA, no valor de € 5.252.738,64. (Cfr. Doc. 8, fls. 136 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)
8. Em 10/05/2004, a B….. auferiu dividendos resultantes da sua participação social no C……, SA dividendos no valor de € 5.909.330,97. [Cfr. Doc. 9, fls. 138 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
9. Os dividendos referidos em 7. e 8. foram sujeitos a tributação em Portugal, correspondendo tal tributação a uma quantia correspondente a 10 % daquelas quantias, ou seja, a quantia de € 525.273,86 (relativamente aos dividendos do exercício de 2003) e a quantia de € 590.933.97 (relativamente aos dividendos do exercício de 2004), no total de € 1.116.206,96.(Cfr. Doc. 8 e 9, fls. 136 e 138 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
10. Em 27/04/2007, a B…… deduziu perante o Exmo. Senhor Diretor-Geral dos Impostos, Pedido de Revisão Oficiosa das liquidações/retenção na fonte, tendo requerido a restituição do montante retido na fonte, com fundamento numa discriminação injustificada entre acionistas residentes e não residentes em Portugal, por violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56,° do TCE e do primado do Direito Comunitário sobre o Direito ordinário interno, estipulado no artigo 8.°, n.° 4, da CRP. [Cfr. Doc. 10, fls. 141 a 182 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
11. Até à data de entrada da presente impugnação, ainda não foi proferida qualquer decisão sobre esse pedido.
12. A presente impugnação judicial deu entrada em 25/01/2008. (Cfr. fls. 2 das autos]”.


2. DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

A ora recorrida é uma sociedade anónima (“D……”), com sede e estabelecimento estável em Itália que, em 31/10/2007, incorporou, por fusão, a sociedade comercial de direito neerlandês “B…….”, (B……), cuja actividade principal consistia na gestão de participações sociais noutras sociedades.
Durante os anos de 2003 e 2004, a B……. não dispôs de sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, sendo residente para efeitos fiscais nos Países Baixos, nos termos e para os efeitos do artigo 4.° da Convenção celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital (“CEDT Portugal/Paises Baixos”).
A B….. detinha, quer em 2004/04/29, quer em 2004/05/10, uma participação directa na sociedade C……, SA, correspondente a 8,64 % do respectivo capital social, tendo em 2004/04/29 auferido dividendos, no valor de € 5.252.738,64 e, em 2004/05/10, no valor de € 5.909.330,97, que foram sujeitos a tributação em Portugal, através da retenção na fonte à taxa de 10%, relativas a IRC, a título definitivo, por força da aplicação conjunta dos arts. 4º, nº 3, alínea c), subalínea 3, 80º, nº 2, alínea c), do CIRC e 10º, nº 2, da CEDT Portugal/Países Baixos.
Não se conformando com as liquidações mencionadas, a ora recorrida apresentou perante a Administração Tributária pedido de revisão oficiosa das mesmas e, posteriormente, deduziu impugnação judicial contra o indeferimento tácito, com fundamento numa discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE).
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 23/1/2012, foi a referida impugnação julgada procedente, com base, em síntese, na seguinte fundamentação:
· “(…) A única questão a decidir, é aferir da conformidade ao princípio da livre circulação de capitais, prevista no artigo 56.° do TCE, das liquidações de imposto por retenção na fonte sofridas pela B……, aquando das distribuições de dividendos pelo C……, SA, praticadas ao abrigo do disposto nos artigos 4°, n.° 3, alínea c), subalínea 2), e 80°, nº 2, alínea c), do Código do IRC (…).
· “(…) Assim, a tributação dos dividendos configura a situação de dupla tributação económica, uma vez que sobre estes rendimentos incide IRC quando são realizados e posteriormente quando são distribuídos.
· “Conforme o explanado supra, a questão da dupla tributação dos dividendos, pelo seu impacto no âmbito da União Europeia, constitui o objeto da Diretiva Comunitária n.° 90/435/CE, de 23-07.
· “(…) Ora, no caso sub judice o situação da impugnante não se enquadra nos artigos 5.° e 6.° da Diretiva supracitada, dado que o respetiva participação é inferior a 25%, ou seja é de 8,64 % do respetivo capital social [cfr. ponto 6. do probatório], não estando, consequentemente, em condições de beneficiar do regime do artigo 14°, n.° 3 do CIRC, ou seja, não beneficiando da isenção de retenção na fonte.
· “E no caso de a participação, sendo embora não inferior a 25 %, no momento da distribuição dos dividendos, ainda não fosse detida há mais de dois, ininterruptamente, haveria lugar à retenção na fonte, mas é possível a restituição do imposto logo que tal período se complete, nos termos estipulados pelo artigo 89.° do CIRC, na redacção do DL. 198/2001, de 3 de julho “ (…)”
· “(…) O que significa que se em lugar da B……, os dividendos fossem distribuídos a uma sociedade residente em Portugal, colocada na mesma situação para efeitos de tributação em IRC, verificar-se-ia que a esta seria aplicável o regime de dispensa de retenção prevista no artigo 90°, n.°1, alínea c) do CIRC, na redação da Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro.
· “(…) O Tribunal de Justiça das Comunidades, já teve oportunidade de se pronunciar, relativamente à matéria em apreciação em diversos acórdãos, designadamente”, no Acórdão de 2010-06-03, proferido pelo “Tribunal de Justiça, no Processo n.° C-487/08” (…) e também “a jurisprudência do caso Amurta (Acórdão de 2007-06-07, Processo n.° C-379/05) e também no “recente acórdão de 22/11/2010, proferido no Processo n.° C-199/10, relativo a retenção na fonte de dividendos em Portugal”.
· “Ora, do supra exposto resulta que a jurisprudência comunitária mencionada é suscetível de aplicação à situação em apreciação nos autos, uma vez que, se trata, igualmente, da distribuição de dividendos tributáveis a uma sociedade não residente com participação inferior ao limite de 25 %, nas condições definidas pela Diretiva 90/435/CEE e no artigo 14.°, n.° 3 do CIRC, não sendo por isso possível à impugnante pedir a restituição à AT, nem ser possível deduzir o imposto pago no país da residência.
· “(…) Subsumindo ao caso em apreciação, verificamos que nos anos de 2003 e 2004, o imposto retido na fonte em Portugal, aquando da distribuição de dividendos, detidos há mais de um ano e que não foram objeto de imputação nos Países Baixos, não havendo lugar à aplicação do artigo 24.°, n.° 4 da CDT Portugal/Países Baixos), não se verificando, no caso, possível dupla tributação económica que possa ser fundamento da retenção na fonte.
· “Por outro lado, compulsados os autos verificamos não existirem circunstâncias que justifiquem a derrogação prevista no artigo 58.° n.° 1, alínea a) do TCE — “tratamentos desiguais”, atento o n.° 3 do referido preceito.
· Pelo exposto, ter-se-á de concluir que em face da jurisprudência do Tribunal de Justiça analisada, sobre situações semelhantes os fundamentos invocados pela impugnante são de molde a sancionar as liquidações operadas, nos anos de 2003 e 2004, respetivamente nos montantes de € 525.273,86 e €590.933,97, no total de € 1.116.206,96, com o vício de violação de lei, por violação do princípio da livre circulação de capitais, ao abrigo do disposto no artigo 56.° do TCE, consequentemente implicando, a anulação das mesmas e respetiva restituição à impugnante, de acordo com a jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça.
“(…)”.
Contra este entendimento se insurge a Fazenda Pública, argumentando, em síntese, que:
· “(…) apesar de na sentença recorrida, se fazer alusão ao facto de a impugnante não poder deduzir o imposto no país de residência, a Fazenda Pública não consegue vislumbrar, nem na matéria de facto provada, nem em qualquer diligência levada a cabo pelo Tribunal, prova de que a impugnante não possa deduzir o imposto no estado de residência.
· Por outras palavras, não está provado na sentença ora recorrida, que a legislação dos Países Baixos impeça a dedução do imposto retido, não se encontrando referido em nenhuma parte da sentença recorrida, qual o diploma ou norma legal dos Países Baixos que permita a Meretíssima Juiz a quo concluir, como concluiu, não (...) ser possível deduzir o imposto pago no país da residência e, (...) que não foram objecto de imputação nos Países Baixos,
· (…) nem tão pouco se encontra nos autos, qualquer diligência levada a cabo pelo Tribunal, junto da Administração Fiscal Holandesa, no sentido de obter essa prova. Talqualmente se prescreve no Acórdão de 22/11/2010 do TJUE, Processo C-199/10, e no Acórdão do STA de 2011/06/01, recurso n.° 01/09.
· (…) Deste modo, a sociedade residente que pagou os dividendos à impugnante, cumpriu as normas do direito português, as normas da CDT bem como, as normas do tratado da União Europeia, não agindo de forma discriminatória para com a sociedade não residente, talqualmente pretende demonstrar a impugnante”.

Em face das conclusões, que delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso, a questão central a decidir traduz-se em saber se a Mmª Juíza incorreu em erro de julgamento ao sancionar com o vício de violação de lei as liquidações operadas nos anos de 2003 e 2004, no montante, respectivamente de € 5.252.738,86 e, em 2004/05/10, no valor de € 590.933,97, por violação do princípio da livre circulação de capitais, ao abrigo do disposto no art. 56º do TCE.

2.2. Delimitação do objecto do presente recurso

Como ficou dito, a questão sub judice gira em torno de saber se as liquidações de IRC por retenção na fonte, a título definitivo e à taxa de 10%, operada pela Fazenda Pública sobre os dividendos distribuídos à B……, aquando da distribuição de dividendos pelo C……, SA, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, por força da aplicação conjunta dos arts. 4º, nº 3, alínea c), subalínea 3, e 80.°, n.° 2, alínea c), do CIRC, e 10.º, nº 2, da CEDT Portugal/Países Baixos, enferma de vício de violação de lei, em especial por violação do princípio da livre circulação de capitais.
Assim delimitada a questão a decidir, verifica-se que a mesma se resolve, tal como decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, mediante exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos legais invocados, tendo por fundamento exclusivo matéria de direito.
É verdade que a Recorrente nas Conclusões U e V das Alegações refere designadamente que não foi feita prova (“nem na matéria de facto provada, nem em qualquer diligência levada acabo pelo Tribunal”) de que a ora recorrida não possa deduzir o imposto no Estado de residência.
Numa primeira leitura, poderíamos ser levados a pensar que a Recorrente estaria a pôr em causa a factualidade dada como provada na decisão recorrida ou a fazer juízos sobre questões probatórias.
No entanto, logo de seguida, na Conclusão V, a recorrente esclarece que o que quis dizer é que a sentença não esclarece “qual o diploma ou norma legal dos Países Baixos que permita a Meritíssima Juiz a quo concluir, como concluiu, não (…) ser possível deduzir o imposto pago no país da residência e, (…) que não foram objecto de imputação nos Países Baixos.
E, ainda, na Conclusão W acrescenta-se o seguinte: “nem tão pouco se encontra nos autos, qualquer diligência levada a cabo pelo Tribunal, junto da Administração Fiscal Holandesa, no sentido de obter essa prova. Talqual se prescreve no Acórdão de 22/11/2010 do TJUE, processo C-199/10, e no Acórdão do STA de 2011/06/01, recurso nº 01/09”.
Acontece que, como melhor será analisado mais adiante, a resolução do problema jurídico objecto do presente recurso acaba por se reconduzir, repete-se, a pura questão de direito, que se prende, como se verá, com a resposta que se obtiver sobre conformidade da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos e o Direito Comunitário.
Por outro lado, no que se refere ao Despacho de 22/11/2010 do TJUE, processo C-199/10, o mesmo não impõe que, para se concluir pela neutralidade quanto à questão da dupla tributação, o Tribunal de reenvio tenha de fazer prova ou qualquer diligência tendente a demonstrar a impossibilidade de no País de residência se efectivar a imputação do imposto retido no País da fonte. Pelo contrário, do mencionado Despacho decorre que tal conclusão há-de resultar da interpretação e aplicação do quadro legal aplicável, incluído o estatuído na referida Convenção.

Vejamos.

3. Da legalidade das liquidações à face do Direito Comunitário

1. Como vimos, tendo presente as normas do CIRC aplicadas à tributação dos dividendos distribuídos à B……, a recorrida alegou tratamento diferenciado, conferido nos anos de 2003 e 2004, pelos artigos 90.º, n.° 1, alínea c), 46.°, n.° 1, 80.°, n.° 2, alínea c), 14.º, n.° 3, e 89.°, n.° 1, do Código do IRC, aos accionistas residentes e não residentes de sociedades comerciais portuguesas, o que configura uma discriminação injustificada em função da residência, proibida pelo artigo 56.° do TCE — actual artigo 63.° do TFUE, e constitui uma restrição à livre circulação de capitais.
A sentença recorrida acolheu este argumento, podendo ler-se na mesma a dado passo que “(…), no caso sub judice o situação da impugnante não se enquadra nos artigos 5.° e 6.° da Diretiva supracitada, dado que o respetiva participação é inferior a 25 %., ou seja é de 8,64 % do respetivo capital social [cfr. ponto 6. do probatório], não estando, consequentemente, em condições de beneficiar do regime do artigo 14°, n.° 3 do CIRC, ou seja, não beneficiando da isenção de retenção na fonte.
Se estivesse nessa situação, isto é, nas condições do artigo 14º, nº 3, do CIRC, como sociedade beneficiária residente noutro Estado da EU não seria tributada, inexistindo qualquer retenção na fonte, no caso de preencher as condições nele previstas.
E no caso de a participação, sendo embora não inferior a 25 %, no momento da distribuição dos dividendos, ainda não fosse detida há mais de dois, ininterruptamente, haveria lugar à retenção na fonte, mas é possível a restituição do imposto logo que tal período se complete, nos termos estipulados pelo artigo 89.° do CIRC, na redacção do DL. 198/2001, de 3 de julho, então em vigor”.
E, mais adiante, a justificar a ilegalidade das liquidações, pode ainda ler-se que “(…) O que significa que se em lugar da B……, os dividendos fossem distribuídos a uma sociedade residente em Portugal, colocada na mesma situação para efeitos de tributação em IRC, verificar-se-ia que a esta seria aplicável o regime de dispensa de retenção prevista no artigo 90°, n.°1, alínea c) do CIRC, na redação da Lei n.° 109-B/2001, de 27 de dezembro o qual dispunha: «1-Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos“(…) «c) Lucros obtidos por entidades a que seja aplicável o regime estabelecido no nº 1 do artigo 46º, desde que a participação financeira tenha permanecido na titularidade da mesma entidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição: (redacção da Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro)”.

2. A argumentação expendida leva-nos a questionar se e em que medida as normas do CIRC invocadas pela recorrida são contrárias aos princípios do Direito Comunitário.
A Directiva 90/435/CE (É a seguinte a redacção dos referidos preceitos:«Artigo 5°. 1. Os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são, pelo menos quando esta detém uma participação mínima de 25 % no capital da afiliada, isentos de retenção na fonte.» (sublinhado nosso) (…) «Artigo 6. O Estado-membro de que depende a sociedade-mãe não pode aplicar uma retenção na fonte sobre os lucros que esta sociedade recebe da sua afiliada.» (sublinhado nosso).), conhecida como Directiva sociedades mães/sociedades afiliadas “estabeleceu um regime fiscal comum aplicável à distribuição de lucros efectuada por sociedades afiliadas às respectivas sociedades-mães de Estado-membro diferente” (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional, Almedina, 2010, p. 451.), e teve como objectivo eliminar a dupla tributação jurídica internacional e a dupla tributação económica na distribuição de lucros entre sociedades afiliadas e sociedades-mães de diferentes Estados-membros, na medida em que exclui o direito à retenção na fonte por parte do país da sede da afiliada que os distribui, cabendo ao país da sede da sociedade –mãe o exclusivo do direito à tributação dos rendimentos (Cfr. RUI MORAIS, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, Publicações Universidade Católica, Porto, 2005, p. 128.).
No que se refere às sociedades residentes e aos estabelecimentos estáveis de residentes em outros países da União Europeia situados em Portugal, dispunha o art. 46º do CICR, através do qual, nas palavras de RUI DUARTE MORAIS (Cfr. Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, p. pp.162-63. ), “aproveitam deste método de eliminação da dupla tributação económica relativamente aos dividendos que recebam em razão da sua participação no capital social de entidades residentes noutro Estado-membro, nas mesmas condições em que tal acontece relativamente a dividendos recebidos de sociedades residentes”.
Quanto aos dividendos que sociedades residentes colocassem à disposição de entidades sedeadas noutro país da União estavam igualmente isentos de IRC, nos termos do disposto no nº 3 do art. 14º do CIRC. Segundo este preceito, na redacção à data dos factos, “Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no art. 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% e desde que esta tivesse permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos”.
No caso em apreço, como ficou dito, a sentença recorrida, embora reconhecendo que a B….. não podia beneficiar da isenção de retenção na fonte em aplicação da legislação nacional que transpôs o art. 5º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, para o ordenamento jurídico português, conclui, dando razão à recorrida, que, de qualquer modo, a legislação nacional incorre em discriminação entre sociedades residentes e não residentes por a B…… não poder beneficiar do regime estatuído nos arts. 89º e 90º, nº 1, alínea c), do CIRC, em relação aos dividendos que lhe foram distribuídos pelo C……., SA., com o exclusivo fundamento da falta de residência no Estado da fonte.
Acontece, porém, que também por aqui não assiste razão à recorrente, quanto à alegada violação dos princípios de Direito Comunitário.
Na verdade, como pondera PAULA ROSADO PEREIRA (Cfr. ob.cit., pp. 349 ss.) “o Tribunal de Justiça assume, como ponto de partida” que a situação de sujeitos passivos residentes e de não residentes “não é, em geral, comparável”, desde logo, porquanto em relação aos primeiros a tributação incide sobre a globalidade dos rendimentos auferidos (no Estado da residência), enquanto no caso dos segundos é limitada aos auferidos no Estado da fonte.
Assim, segundo a referida Autora, “no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes, o que sucede, por exemplo, por a maior parte do rendimento do não residente ser normalmente obtida no seu Estado de residência”, tendo repetido esta jurisprudência, por exemplo, no Caso “D””.
Para a Autora, a “Análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contaria as liberdades de circulação”, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos.
Importa ainda reter o Acórdão do Tribunal de Justiça, emitido no processo C-282/07 (E……), que teve por objecto um litígio que opunha o Estado Belga à E…… SA, com sede na Bélgica, a propósito da tributação de juros devidos por esta sociedade, de 1994 a 1996, como remuneração de um empréstimo concedido pela F……, com sede no Luxemburgo.
No âmbito desse litígio, o Tribunal foi chamado a pronunciar-se quanto a saber se os princípios relativos à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento se opõem a uma regulamentação de um Estado-membro que prevê a retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro.
De entre a fundamentação, impõe-se destacar que ficou consignado no mencionado Acórdão, por exemplo, que “em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não residentes não são, regra geral, comparáveis”, e que a diferença de tratamento que a regulamentação fiscal em causa no processo principal estabelece entre sociedades beneficiárias de rendimentos de capitais, que consiste na aplicação de técnicas de tributação diferentes consoante estas estejam estabelecidas na Bélgica ou noutro Estado-Membro, tem que ver com situações que não são objectivamente comparáveis”.
E o Tribunal de Justiça concluiu que os princípios relativos à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento não se opõem a que a regulamentação fiscal de um Estado-membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-membro a título de imposto sobre sociedades.
Finalmente importa realçar que não existe no TFUE disposição específica em matéria de impostos directos, contrariamente ao que acontece aos impostos indirectos. Nas palavras de RUI DUARTE DE MORAIS (Cfr. Imputação de Lucros…cit., pp. 122-23.), “A intervenção da União Europeia no domínio dos impostos é marcada pelo princípio da subsidiariedade (que não é um princípio fiscal mas a expressão do actual acordo político quanto ao exercício da competência legislativa, quando concorrente, privilegiando a intervenção dos Estados –membros relativamente à dos órgãos comunitários, ou seja, apenas acontecerá se e na medida em que os objectivos visados necessariamente de dimensão comunitária, não puderem ser suficientemente concretizados pelos Estados-membros (podendo ser melhor realizados a nível comunitário) e apenas no estritamente necessário para tal concretização”.”
Neste sentido, o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados -Membros e países terceiros (art. 63º, nº1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE].
Em face do exposto, verifica-se que a situação da B…… enquanto não residente em Portugal é objectivamente diferente das empresas residentes. Por um lado, só é tributada pelos dividendos em resultado da participação no C…… (correspondente a 8, 64%), a uma taxa reduzida (10%), que é até inferior à taxa que seria aplicável a outra empresa não residente, por força da aplicação da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada com os Países Baixos. Por outro lado, as empresas residentes são tributadas pelo rendimento global resultante da sua actividade e a taxas muito superiores (cerca de 30%) (Segundo a redacção à data dos factos, o art. 80º, nº 1, do CIRC, referia que a taxa de IRC era de 30% para as empresas residentes. Para as não residentes em geral a taxa era de 25%, segundo o disposto no nº 2. ).
Em suma, é de concluir que a legislação portuguesa invocada pela recorrida não viola qualquer norma ou princípio de Direito Comunitário e que não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados-membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes.
Termos em que improcede a argumentação da recorrida.

4. Da apreciação da legalidade das liquidações à luz da aplicação da Convenção celebrada entre Portugal e os Países Baixos para evitar a Dupla Tributação

Como vimos, a B…… foi objecto de tributação com base na retenção na fonte, com sujeição a uma taxa liberatória de 10%, por aplicação conjunta dos arts. 4º, nº 3, alínea c) subalínea 3, 80º, nº 2, alínea c), do CIRC, e 10º, nº 2, da CDT Portugal /Países Baixos.
A Convenção celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos para evitar a Dupla Tributação e prevenir a Evasão Fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento e o capital, foi aprovada para Ratificação por Resolução da Assembleia da República nº 62/2000, publicada no Diário da República I Série-A, de 12 de Julho de 2000, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n° 32/2000, de 12 de Julho (DR n° 159.ª Série A).
Esta Convenção sobre dupla tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos prevalece sobre o direito nacional (Por força do disposto no artigo 8.° da CRP as normas constantes de convenções internacionais validamente celebradas e regularmente ratificadas e aprovadas vigoram na ordem interna logo que publicadas, constituindo fonte mediata de direitos e obrigações para os seus destinatários. Daí a força jurídica da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital.), mas tem de respeitar o Direito Comunitário.
Com efeito, em matéria de convenções celebradas entre os Estados-Membros vigora o princípio segundo o qual estes mantém os seus poderes em matéria de tributação directa, mas devem exercê-los em conformidade com o direito da EU, donde decorre uma proibição para os mesmos de adoptarem quer na legislação nacional quer nas CDT que celebrem medidas fiscais contrárias ao Direito da EU, designadamente por serem medidas fiscais incompatíveis com o princípio da liberdade de estabelecimento e com a liberdade de circulação de capitais consagrado no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).
No caso em apreço dispõe art. 10º da referida Convenção, sob a epígrafe “Dividendos” que:
“1- Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.
2- Esses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos, e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo dos dividendos for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto dos dividendos”.
Por sua vez, o art. 24º, sob a epígrafe “Eliminação da dupla tributação”, estabelece no seu nº 2, que:
“Os Países Baixos, ao tributarem os seus residentes, podem incluir na base sobre a qual esses impostos incidem os elementos do rendimento do capital que, de acordo com o disposto nesta convenção, podem ser tributados em Portugal”.
E, no nº 4, acrescenta-se:
“(…) os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do nº 2 do artigo 10º, do nº 2 do artigo 11º, do nº 2 do artigo 12º, do nº 5 do artigo 13º, do nº 1, alínea b), do artigo 14º, do artigo 16º, do artigo 17º, do nº 3 do artigo 18º e dos nºs 1 e 2 do artigo 23º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no nº 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação”.
Do exposto resulta que a B…… goza, no Estado da residência, do direito a um crédito de imposto calculado nos termos mencionados.
Apesar disso, alega a ora recorrida que: “(…) a eventual neutralização por um Estado-Membro, através de convenção bilateral para evitar a dupla tributação, do tratamento discriminatório decorrente de disposições como aquelas constantes do Código do IRC, apenas ocorre quando a convenção confira um crédito integral de imposto, não dependente da tributação no Estado de residência do accionista”[Conclusão E)] e que “O artigo 24.°, n.° 4, da CEDT Portugal/Países Baixos prevê apenas a concessão pelo Reino dos Países Baixos de um crédito ordinário de imposto, condicionado pois à efectiva tributação nesse Estado dos dividendos auferidos em Portugal, motivo pelo qual tal disposição convencional não é apta a neutralizar o tratamento discriminatório que a tributação em Portugal representa [Conclusão E)].
Afigura-se, porém, que não assiste qualquer razão para a alegada incompatibilidade das liquidações efectuadas como os princípios de Direito Comunitário.
Em primeiro lugar, importa realçar que, como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 28/11/2012, proc nº 694, “Quando os rendimentos sejam tributados simultaneamente no Estado de residência e no Estado da fonte, os Estados podem escolher em alternativa dois métodos reconhecidos ao nível do Direito internacional para evitar a dupla tributação, a saber: o método da isenção e o da imputação ou crédito de imposto.
No caso deste último método, o Estado da residência tributa o rendimento global do sujeito passivo, incluindo os rendimentos de fonte estrangeira, mas permite a dedução, ao respectivo imposto, de importância equivalente ao imposto pago no Estado da fonte.
A imputação pode ser integral, situação em que o Estado da residência permite a dedução do valor total do imposto pago no Estado da fonte, ou normal, em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado”.
E no mencionado Acórdão sublinha-se, de acordo com a melhor doutrina, “(…) que o método da imputação é o que beneficia de maior aceitação entre os Estados apresentando, entre outras vantagens, “(…) o facto de assegurar um razoável respeito pelo princípio da igualdade entre contribuintes e, em particular, pelo princípio da capacidade contributiva. O método da imputação normal visa assegurar a neutralidade fiscal na exportação de capitais e reduzir o custo fiscal suportado pelo Estrado da residência, em termos de privação de receitas fiscais, na eliminação da dupla tributação internacional (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 151)”.
Por conseguinte, em face do exposto, os objectivos das Convenções sobre Dupla Tributação é o de eliminarem ou atenuarem a dupla tributação jurídica internacional. Por outro lado, as dificuldades invocadas pela recorrida para alcançar a neutralidade fiscal sempre seriam de imputar não ao método consignado na Convenção celebrada entre Portugal e os Países Baixos que, como vimos, é o que acolhe maior aceitação entre os Estados, mas a razões de política fiscal seguida no Pais de residência, ao decidir isentar os dividendos. Havendo isenção no País de residência, tudo se passa como se a Convenção em causa tivesse consagrado o método da isenção como método de eliminar a dupla tributação, no qual a retenção na fonte é sempre definitiva. Trata-se, porém, de um método (Segundo PAULA ROSADO PEREIRA (cfr. ob. cit., pp. 147-48), pelo método da isenção “o Estado da residência isenta de imposto os rendimentos de origem estrangeira que, de acordo com a Convenção, possam ser tributados no outro Estado contratante (Estado da fonte). Ainda em conformidade com a Autora, o MC OCDE prevê ambos os métodos em alternativa, nos arts. 23º-A e B”. ) que, como ficou dito, é tão legítimo como o do crédito de imposto.
Em segundo lugar, também improcede o argumento segundo o qual a CEDT Portugal Países Baixos não altera o juízo de incompatibilidade com o Direito Comunitário das disposições atrás referidas do CIRC que, segundo a óptica da recorrida, acolhida na sentença “a quo”, conferem aos accionistas residentes mecanismos de eliminação da dupla tributação mais favoráveis do que os previstos para os accionistas não residentes. A ser assim, a questão que se coloca é a de saber se mesmo beneficiando a B…… de um crédito de imposto, nos termos estabelecidos na Convenção sobre Dupla Tributação, ainda assim a sua situação é contrária ao Direito da União.
Como se pode ler no Acórdão já referido proferido por este Supremo Tribunal em 28/11/2012, as CDT “são um acordo escrito de vontades entre sujeitos de Direito internacional, maioritariamente Estados, cujo objectivo principal consiste em regular juridicamente as situações tributárias internacionais, de modo a prevenir ou eliminar a ocorrência de dupla tributação internacional no âmbito destas” (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, ob. cit., pp. 36-37).
Tais mecanismos, através do estabelecimento de limites dentro dos quais os Estados contratantes podem aplicar o seu direito fiscal, no âmbito de uma situação tributária internacional, acabam por definir “a legitimidade de cada Estado para tributar - com ou sem limitações - com recurso ao princípio da residência e ao princípio da fonte”.
Na perspectiva do Direito Fiscal Internacional, uma das limitações à celebração das CDT reside na observância do princípio da não discriminação ou da igualdade de tratamento que tem a sua fonte no art. 24º do Modelo OCDE, cujo conteúdo ou elemento objectivo se traduz “no facto de os estrangeiros (incluindo os apátridas não ficarem sujeitos, num dado Estado, a nenhuma tributação ou obrigação tributária diferente ou mais onerosa do que aquela a que estiverem ou puderem estar sujeitos os nacionais desse Estado que se encontrem na mesma situação. A identidade da situação – de direito e de facto - é, assim, o pressuposto necessário da aplicação do princípio…”(Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 267).
Ainda segundo o Autor que estamos a seguir, “O princípio da não discriminação é corolário do princípio geral da igualdade no que tange ao critério da nacionalidade. Da mesma forma que este consiste na obrigação de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, assim, também o princípio da não discriminação proclama a irrelevância da nacionalidade para fundar um tratamento desigual entre sujeitos que se apresentem objectivamente em situação idêntica, ficando vedada qualquer discriminação tributária, quer esta se traduza numa tributação “mais onerosa”, quer mera tributação “diferente”. Por outro lado, a discriminação proibida é apenas a que se funda na nacionalidade, mas não assim a que se baseia na residência, considerada critério legítimo de tratamento fiscal diferenciado.”
Em face do exposto, resulta mais uma vez claro que, dentro dos limites apontados, o Direito Comunitário respeita as opções das Convenções sobre Dupla Tributação. Assim sendo, beneficiando a B….., em conformidade com a Convenção sobre dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, de um crédito de imposto, a deduzir no País de residência, a recorrida carece, nesta situação, de base para argumentar que a nossa legislação (que compreende a derivada de Convenções Internacionais) não é compatível com a legislação Comunitária, em termos de fundamentar a existência de discriminação entre accionistas residentes e não residentes.

5. Análise da eventual ilegalidade das liquidações à luz do Despacho do TJUE de 22 de Novembro de 2010.

Finalmente, salvo o devido respeito, também não procede o argumento acolhido pela sentença recorrida para fundamentar a ilegalidade das liquidações, no que se refere à jurisprudência vertida no Despacho do Tribunal de Justiça (Quinta Secção de 22/11/2010, proferido no Processo n.° C-199/10).
O pedido de reenvio dirigido ao TJUE teve por base uma questão analisada no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 17/6/2011, proc nº 01/09, cuja questão de direito é idêntica à que se coloca no caso em apreço.
Com efeito, a questão prejudicial submetida ao TJUE era a de saber se os princípios da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais “se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a legislação nacional do primeiro Estado-Membro isenta dessa retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária que nele tenha sede.”
Assim delimitada a questão pode ler-se no mencionado Despacho, entre o mais, que :
“(…) embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito da União (v., designadamente, acórdão de 13 de Dezembro de 2005, Marks &Spencer, C-446/03, ….). Assim se falta de medidas de unificação ou de harmonização na União, os Estados-membros continuam a ser competentes para definir, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder de tributação, com vista, designadamente, a eliminar as duplas tributações (acórdãos de 12 de Maio de 1998, Gilly, C-336/96, (…) e de 7 de Setembro de 2006, N, C-470/04, (...)”.
E, no mesmo Despacho pode ainda ler-se, quanto às participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados- Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, através de convenções, salientando-se que “nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea a) , CE, o artigo 56º CE não prejudica o direito de os Estados-Membros «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência» (acórdão de 8 de Novembro de 2007, Amurta, C-379/05…”.
E, ainda, com relevo para o caso em apreço, pode ler-se que “O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C- 170705…”.
E o TJUE concluiu que:
“Os artigos 56.° CE e 58.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, celebrada em 26 de Outubro de 1993 entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha”.
Da jurisprudência mencionada retira-se que não há lugar a qualquer discriminação e consequente violação do Direito Comunitário se o imposto retido no Estado da fonte (Portugal) puder ser imputado no imposto devido no Estado Residente até ao montante da diferença de tratamento, em resultado da aplicação da Convenção sobre dupla tributação celebrada entres os dois Estados.
Mais, resulta do mencionado Despacho do TJUE que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal
Aplicando o exposto ao caso em análise, verifica-se que a Administração Tributária, ao tributar os dividendos através da retenção na fonte à taxa de 10%, se limitou a dar cumprimento ao estatuído no regime jurídico constante da referida Convenção, não incorrendo em qualquer ilegalidade, pois decorre do mesmo diploma que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um crédito de imposto nos termos do estatuído no art. 24º, nºs 2 e 4, da mesma.
Como já ficou dito, a aferição da legalidade das liquidações também não depende do alegado pela recorrida e sufragado pela sentença “a quo” quanto ao facto de não poder beneficiar no País da residência do crédito de imposto consagrado no nº 4 do art. 24º da CEDT Portugal /Países Baixos, por os dividendos auferidos se encontrarem aí isentos de tributação.
Tratar-se de um argumento que não tem que ver com a legislação portuguesa de eliminação da dupla tributação, uma vez que caberia ao País de residência diligenciar igualmente no sentido de dar cumprimento à Convenção em causa.
Se o País de residência se move por outras opções de política fiscal, a eventual ausência de neutralidade não pode ser imputada ao País da fonte, que não pode ser prejudicado pela situação criada pelo País de residência. Dito por outras palavras, a legalidade da tributação efectivada em Portugal não pode ficar dependente de a mesma ser ou não obtida no Estado de residência (No mesmo sentido, em situação similar, cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28/11/2012, proc nº 694/12.), cujo condicionamento, em virtude de opções no domínio da política fiscal, nos transcendem.
No mesmo sentido vai, aliás, o mencionado Despacho do TJUE quando conclui que “Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal”. O que significa que o importante para aferir a legalidade das liquidações é o que resulta do quadro legal aplicável em Portugal.
Em suma, se pela via do direito do Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela CEDT Portugal /Países Baixos, tal argumento não pode ser oponível ao País da fonte, uma vez que este se limita a fazer aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica, sendo que a referida convenção se sobrepõe à lei portuguesa.
Por tudo o que vai exposto, tendo a Administração Tributária aplicado às liquidações em causa o regime que resulta da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, as mesmas não enfermam de qualquer ilegalidade, em especial por violação do princípio da liberdade de circulação de capitais.
Assim sendo, assiste razão à recorrente, pelo que a sentença recorrida que decidiu em sentido contrário não pode manter-se.
Deve, assim, julgar-se procedente o recurso com a consequente revogação da sentença recorrida e manutenção das liquidações em causa.


III- DECISÃO

Termos em que, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a impugnação, com a consequente manutenção das liquidações impugnadas.


Custas pela Recorrida, por ter contra-alegado.


Lisboa, 20 de Fevereiro de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.