Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:042743
Data do Acordão:10/02/2002
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ISABEL JOVITA
Descritores:INSPECÇÃO GERAL DE JOGOS.
CASINO.
GRAVAÇÃO FONOGRÁFICA.
GRAVAÇÃO DE IMAGEM.
MULTA.
JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
Sumário:I - As gravações de imagens feitas através de equipamento de vigilância e controlo destinam-se, nos termos do nº 4 do art. 52º do DL 422/89, de 2/12, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 10/95, de 19/01, exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, sendo obrigatória a destruição das respectivas cassetes-vídeo pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou susceptível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao serviço de inspecção, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção.
II - Viola o normativo referido em I a concessionária que não procedeu naqueles precisos termos, por considerar que a cassete vídeo apenas continha gravações de imagens comprovativas de empregados seus do bar de uma sala de jogos praticarem infracções disciplinares.
Nº Convencional:JSTA00058094
Nº do Documento:SA120021002042743
Data de Entrada:09/16/1997
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO COMÉRCIO E TURISMO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO COMÉRCIO E TURISMO DE 1997/05/28.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:DL 422/89 DE 1989/02/12 NA REDACÇÃO DO DL 10/95 DE 1995/01/19 ART52 N4.
CPA91 ART7 ART44 G.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC32104 DE 1996/01/25.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
1- Relatório
A..., concessionária da zona de Jogo de Espinho, com sede na Rua ..., n.º ..., da cidade de Espinho, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do despacho n.º DE. 976/97/SECT do SECRETÁRIO DE ESTADO DO COMÉRCIO E TURISMO, de 28.5.97, que indeferiu o recurso hierárquico do despacho de 25.3.97 do Inspector - Geral de Jogos que lhe aplicou a multa de 100.000$00, perfilhando o Parecer do Conselho Consultivo de jogos, e dando como provados os factos constantes da acusação que considerou integrantes da infracção constante do n. 4 do art.º 52º do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 10/95, de 19/01, punida pela alínea f) do art.º 130º tendo atenuado a pena por existência de atenuantes.
Alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.ª A acusação, que legitimou a punição, limita-se a imputar à recorrente a falta de entrega de uma cassete vídeo do sistema de C.C.T.V., montado no Casino de Espinho nos termos do art.º 52º, n.º 1, da Lei do Jogo;
2.ª Omite que a acusação é meramente resultante do facto de a recorrente lhe ter solicitado a guarda e a utilização da cassete para efeitos de processo disciplinar e judicial, organizado a empregados do bar da sala de jogos e por motivos absolutamente estranhos ao jogo e competência da Inspecção-Geral de Jogos;
3.ª A cassete demonstrava a prática de crime de furto de receitas por certos empregados e constituía prova do crime;
4.ª A Inspecção-Geral de Jogos não respondeu ao pedido e limitou-se a, furtivamente, à socapa, a autuar a recorrente por falta de entrega da cassete vídeo;
5.ª Tal procedimento da Inspecção-Geral de Jogos é socialmente condenável e representa uma infracção ao dever de colaboração e de informação do administrado (art.º 7º do CPA);
6.ª Por falta de resposta da Inspecção-Geral de Jogos, a recorrente destruiu a cassete, nos termos normais e legais, limitando-se a gravar a prova do furto e a utilizá-la no processo disciplinar e no Tribunal nas acções de impugnação do despedimento efectuado;
7.ª Trata-se de uma matéria estranha ao jogo, da competência fiscalizadora da Inspecção-Geral de Jogos e não existia qualquer pedido de averiguação por parte da Inspecção-Geral de Jogos;
8.ª Assim, nada justificava a entrega da cassete à Inspecção-Geral de Jogos, nem ela justificou ou meramente exigiu a sua entrega, não obstante se lhe ter posto a questão;
9.ª Assim, não existe a infracção administrativa objecto de punição;
10.ª Acresce que a decisão recorrida se baseou exclusivamente, para ela se remetendo, na informação prestada no recurso hierárquico, em violação da alínea g) do art.º 44.º do CPA;
11.ª Violou, assim, a decisão recorrida o art.º 52.º da Lei do Jogo e o art.º 7.º e a alínea g) do art.º 44.º do CPA”;
A entidade recorrida, na resposta ao recurso, pugnou pela manutenção do acto recorrido, o que reafirmou nas contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:
1) De harmonia com o disposto no art.º 52.º, n.º 4 da Lei do Jogo, as gravações feitas através dos equipamentos de vigilância e controlo instalados nas salas de jogos, devem:
a) Ou ser destruídas pela concessionária no prazo de 30 dias;
b) Ou ser entregues, imediatamente após decorrido aquele prazo, ao Serviço de Inspecção.
2) No caso dos autos, não sucedeu nem uma coisa nem outra.
3) Sendo certo que só muitos dias depois de decorrido tal prazo, comunicou a recorrente à Inspecção-Geral de Jogos que tinha a gravação em causa em seu poder e que a pretendia usar no foro laboral.
4) Não é licito, por outro lado, à recorrente afirmar que a gravação em causa, diz respeito à matéria disciplinar do foro restrito da recorrente, pois até poderia suceder que ela contivesse prova de violação das regras do jogo.
5) Nada de censurável existe no facto de o acto recorrido ter integrado fundamentos constantes de informação prestada, nos termos legais, pela Inspecção-Geral de Jogos, fundamentos esses que passaram, assim, a integrar o próprio acto".
O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“ – O recurso vem interposto do despacho do Secretário de Estado do Comércio e Turismo, datado de 28.5.97, nos termos do qual a ora recorrente viu indeferido o recurso hierárquico que tinha deduzido do despacho do Inspector-Geral de Jogos que lhe aplicava a multa de 100.000$00.
– Como a entidade recorrida também entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios de violação de lei que lhe são assacados.
- Relativamente ao invocado vício de violação de lei do princípio da imparcialidade, assenta na circunstância do despacho ter acolhido para sua fundamentação o teor de uma informação elaborada pela Inspecção Geral de Jogos, importará atentar que a mesma foi prestada no âmbito da intervenção do órgão recorrido hierarquicamente, de harmonia com o disposto no art.º 172.º do C.P.A;
Daí que essa intervenção consubstanciada numa mera informação esclarecedora da posição tomada de modo algum poderá ser entendida como condicionando de forma directa e relevante o sentido do acto da entidade “ad quem”, dessa forma pondo em causa a imparcialidade da decisão.
- Em tal quadro nada impede a autoridade decidente do recurso hierárquico de, concordando com o seu conteúdo, de se apropriar dos fundamentos constantes dessa informação- confrontar Acs. de 97-05-14 e 97-12-02, nos Recs. n.ºs 29.582 (do Pleno da Secção) e 41.283, respectivamente.
- De igual modo não se nos afigura ocorrer violação do art.º 52.º da Lei do Jogo, já que a factualidade apurada manifestamente integra a infracção ali tipificada, atento o facto da recorrente não ter observado os procedimentos ali previstos, sendo certo que tão pouco em devido tempo alertou a Inspecção-Geral de Jogos para a necessidade que tinha, em seu entender, de conservar as gravações de imagem realizadas para servir de prova em processos disciplinares que mandou instaurar a alguns dos seus funcionários, finalidade essa, aliás que o fim daquele normativo expressamente impede.
– Termos em que se emite parecer no sentido do improvimento do recurso.”
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. Matéria de facto
Com interesse para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:
a) Em carta nº 211/SP/96, de 96-07-26, dirigida ao Inspector-Coordenador do Serviço de Inspecção no A... – Espinho, veio esta concessionária "solicitar autorização para guardar e utilizar, para efeitos, inicialmente, de processo disciplinar e, subsequentemente, judiciais, a cassete-vídeo da gravação dos dias 29 e 30 de Maio e 5 de Junho de 1996, referente à visualização do bar da sala de máquinas, que demonstra a actuação dos barmen e que se nos afigura indispensável para prova de locupletamento de receitas. Os barmen envolvidos são: B..., C... e D....".
b) Através de ofício nº 379/96, de 96.08.14, foi a referida carta remetida ao Exmº Inspector-Geral de Jogos com participação da actuação da A..., em virtude de esta ter posto a gravar a actuação de empregados seus no exercício das suas funções de "barmen", quando o CCTV instalado nas salas de jogos se destinam exclusivamente à fiscalização das mesmas salas, como medida de protecção e segurança de pessoas e bens, no âmbito do jogo (artº 52º, nº 1, do Decreto-Lei 422/89, de 02 da Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro) não podendo ser utilizadas as gravações para fins diferentes (art- 52º, nº 4, do mesmo diploma).
c) Salienta-se, por outro lado, na participação referida na alínea anterior, a atitude da empresa A..., ao não destruir as gravações de imagens efectuadas, no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou susceptível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao Serviço de Inspecção, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção, como prevê o mesmo artº 52, nº 4, do DL nº 422/89, de 2/12.
d) Na sequência da participação referida nas alíneas b) e c) foi, por despacho 96.08.26, do Subinspector-Geral, instaurado processo administrativo contra a A....
e) Pelo ofício nº 469/96, de 9/10/96 (fls. 13 do PI ) foi remetida à A... a seguinte "NOTA DE RESPONSABILIZAÇÃO":
"1 – Por despacho do Exmº Subinspector-Geral de Jogos Dr. ..., de 26 de Agosto do corrente ano, foi determinada a instauração de processo administrativo à A..., por violação do disposto no nº 4 do artº 52º do Dec.Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec.Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, por não ter essa empresa entregado ao Serviço de Inspecção de Jogos junto do ... a "cassete" do sistema C.C.T.V. que continha imagens comprovativas de possíveis irregularidades cometidas pelos empregados do bar da sala de jogos tradicionais, B..., C... e D....
2 – A infracção cometida é passível de punição nos termos da alínea f) do artº 130º do já referido Dec.Lei 422/89.
3 – Assim, face ao que antecede, tendo em conta a matéria averiguada e perante o disposto no artº 101º do Código do Procedimento Administrativo fixo a V.Exª o prazo de DEZ DIAS, para, querendo, promover quaisquer diligências ou apresentar defesa escrita a qual deverá ser entregue no Gabinete do Serviço de Inspecção junto do .... Durante o mesmo prazo, poderá consultar o processo entre as 15H00 e as 03H00 no referido Gabinete do Serviço de Inspecção.
NOTA: A não promoção de diligências ou o não envio da defesa escrita implicará a decisão do processo com base nos elementos que dele fazem parte e consoante for de direito.”
f) A A... deduziu a sua defesa por escrito a fls. 16 e segs. do PI que aqui se dá por reproduzida, onde conclui por pedir o arquivamento do processo, por, em seu entender não ter cometido qualquer infracção já que pedira à Inspecção Geral de Jogos autorização para guardar as cassetes para efeitos judiciais e nunca obteve resposta, nem a Inspecção tem legitimidade para se arrogar o direito de as guardar uma vez que são comprovativas dos furtos domésticos que só à A... dizem respeito.
g) Finda a instrução foi elaborado o seguinte relatório de fls. 30 e seguintes, que aqui se dá por reproduzido, transcrevendo-se as partes essenciais:
"Com base no ofício nº 379/96, de 14 de Agosto, da Equipa de Inspecção junto do ... , o Subinspector-Geral Senhor Dr. ..., em seu despacho de 96.08.26, determinou a instauração de processo administrativo à A..., por infracção do nº 4, do art. 52º, do Decreto-Lei n- 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, "ao não entregar a cassete do sistema CCTV, contendo imagens comprovativas de eventuais irregularidades cometidas pelos empregados do bar da sala de jogos tradicionais:
- B...
- C...
- D....”
h) Após ter apreciado a prova o instrutor concluiu:
"Compulsados todos os elementos que integram o presente processo administrativo, conclui-se, que a A... ao não destruir as gravações efectuadas à actuação dos funcionários do bar da Sala de Máquinas nos dias 29 a 30 de Maio e 5 de Junho de 1996, uma vez que ela própria defende não dizerem respeito à área do jogo, nem ter entregado as respectivas cassetes do sistema CCTV à Inspecção-Geral de Jogos, retendo-as, bem deliberadamente, para as utilizar em tribunal, caso disso precisasse, violou o nº 4 do art. 52º do Decreto-Lei 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei 10/95, de 19 de Janeiro, não se encontrando ao longo de todo o processo qualquer atenuante para o seu comportamento.
Não deve ainda deixar de se salientar que já é reincidente nesta mesma infracção."
i) De seguida, propôs o seguinte:
"Considerando tudo o que vem dito na conclusão, propõe-se que, nos termos da alínea f) do artº 130º do Decreto-Lei 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, seja aplicada à arguida a multa de 2.000.000$00.
j) Remetido os autos ao Inspector-Geral de Jogos, o Conselho Consultivo de Jogos emitiu o parecer nº 30/97, de fls. 36 e segs., o qual, depois de historiar a situação em causa, conclui nos seguintes termos:
"3. - Dos autos resulta suficientemente provado que a concessionária apenas pela sua missiva de 96.07.26, de que se encontra junta cópia certificada a fls. 6, deu conhecimento à IGJ que «a cassete-vídeo da gravação dos dias 29 e 30 de Maio e 5 de Junho de 1996, referente à visualização do bar da Sala de Máquinas que demonstra a actuação dos "barmen"» não havia sido destruída e se encontrava em seu poder.
Mais, no depoimento da testemunha indicada pela concessionária, o chefe da secção de pessoal desta, E..., recolhido a fls. 24, declarou que «... admite terem-lhe, eventualmente, dito que havia um prazo para entregarem as cassetes, mas que não se lembra.... entretanto entra no assunto o consultor jurídico da empresa, que sugeriu que fosse feito um ofício aos serviços de inspecção no sentido de obter autorização para reterem duas cassetes, tendo as restantes sido entregues à Direcção do Serviço de Jogos, na pessoa do Sr. F...».
Face ao exposto, aos depoimentos prestados nos autos e ao conteúdo da própria defesa da concessionária, conclui-se que se encontram provados todos os factos constantes da Nota de Responsabilização.
4. - Os factos provados violam o disposto no nº 4, do artº 52º e fazem incorrer a concessionária em responsabilidade administrativa nos termos dos nº 1 e 2 do artº 118º, ambos do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, punida, como estipula o artº 130º daquele diploma legal, com multa até 2.000.000$00.
5. - Atentas as circunstâncias da infracção, a posterior comunicação dos factos à IGJ, não resultando dos autos a intenção dolosa da concessionária ou dos seus empregados de violar o disposto no nº 4, do artº 52º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção a este dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, confiando que para a infracção terá contribuído a inexperiência na gestão do sistema, visto e ponderado tudo o que mais resulta dos autos, o Conselho Consultivo de Jogos emite parecer no sentido de ser aplicada à concessionária, A..., multa no valor de Esc. 100. 000$00 (CEM MIL ESCUDOS)."
k) O Inspecto-Geral de Jogos, exarou, então o seguinte despacho:
1. – Concordo com o parecer n. º 30/97, de 20 de Março de 1997, do Conselho Consultivo de Jogos que aqui dou por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos legais.
2. - No processo não existem excepções, questões prévias ou incidentais, nulidades ou irregularidades de que cumpra conhecer.
3. - Assim, considerando os pressupostos que determinaram o sentido do aludido parecer do Conselho Consultivo de Jogos, aplico à concessionária A..., multa graduada em Esc. 100.000$00 (CEM MIL ESCUDOS), cujo produto reverte para o Fundo de Turismo, nos termos do art.º 131.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro.
Notifique-se.
Inspecção-Geral de Jogos, em Lisboa, 1997 - 03 – 25”
l) Notificada a concessionária A... do despacho punitivo, em 3 de Abril de 1997 (fls. 42 do PA) interpôs esta recurso hierárquico necessário para o Ministro da Economia, constante de fls. 43 e segs, cuja entrada foi registada a 5 de Maio seguinte, na Inspecção Geral de Jogos (carimbo de fls. 43).
m) Ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 172º do CPA, a IGJ emitiu a seguinte Informação, datada de 14/05/1997:
"1. - Vem o presente recurso interposto pela concessionária da Zona de Jogo de Espinho, A..., da decisão que lhe aplicou multa graduada em 100.000$00 por, concretamente, «não ter ... entregado ao Serviço de Jogos do ... a cassete do sistema C.C.T.V. que continha imagens comprovativas de possíveis irregularidades cometidas pelos empregados da sala de máquinas automáticas ... ».
2. - A recorrente aceita aqueles factos; todavia, vem em sua defesa invocar duas justificações que nos permitimos resumir nos seguintes termos:
a) – As cassetes continham matéria que não se encontrava « ... sujeita a fiscalização da Inspecão-Geral de Jogos, ou que a ela incumba controlar»; e
b) – Deu conhecimento da retenção dos registos videográficos ao Senhor Inspector-Coordenador «pedindo ... para guardar e utilizar, para efeitos de processo disciplinar e judicial ... as cassetes, como elemento de prova «de locupletamento (indevido) de receitas no bar».
3. - No que tange ao primeiro fundamento, dir-se-á que incumbiria na situação controvertida à Inspecção-Geral de Jogos ajuizar se as cassetes em questão continham matéria susceptível de ser averiguada, controlada ou fiscalizada; mais, tais registos videográficos poderão conter prova de factos susceptíveis de integrar infracções disciplinares do foro laboral e simultaneamente de regras do jogo ou mesmo ali terem sido registadas outras situações eventualmente alheias à relação de trabalho subordinado invocada.
Quanto ao segundo fundamento, importa realçar que a recorrente apenas deu conhecimento da situação que aponta pela sua missiva de 96.07.26 de que se encontra junta cópia certificada a fls. 6; ora, os factos haviam sido registados em vídeo nos dias 29 e 30 de Maio e 5 de Junho de 1996, ou seja, foram os mesmos participados cerca de dois meses após a sua ocorrência quando a lei impunha que a recorrente entregasse essas mesmas cassetes no prazo de 30 dias.
4. - Face ao exposto, resulta suficientemente provado que com a sua conduta a aqui recorrente violou o disposto no artº 52º, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro.
Doutr’arte, não se apele ao espírito de colaboração tanto mais que não se nos afigura que a recorrente tivesse agido com o zelo e espírito de colaboração que também lhe são exigíveis pois, para tal, haveria ao menos de ter comunicado - no apontado prazo de 30 dias – os factos nos termos e para os efeitos em que o fez na sua carta de 26 de Julho de 1996.
5. - Assim, a presente petição de recurso hierárquico carece de base legal dado que o despacho recorrido não padece de qualquer vício merecendo, por isso, ser mantido e confirmado, devendo indeferir-se, em consequência, o presente recurso hierárquico.
Inspecção-Geral de Jogos, em Lisboa, 1997 - 05 – 14
O INSPECTOR-GERAL DE JOGOS" (segue-se a assinatura).
n) Remetidos os autos ao Senhor Secretário de Estado do Comércio e Turismo proferiu este, a 28/05/1997, o seguinte despacho:
"Indefiro o recurso hierárquico do Despacho de 25.03.97 do Senhor Inspector Geral de Jogos, interposto pela A..., nos termos e fundamentos postos na informação da IGJ de 14.05.97"
3. Fundamentação
Infere-se da matéria de facto exposta que a recorrente A..., concessionária da Zona de Jogo de Espinho, foi condenada na multa de 100 000$00, por não ter entregado ao Serviço de Jogos do ... a cassete do sistema C.C.T.V., que continha imagens comprovativas de eventuais irregularidades cometidas pelos empregados da sala de máquinas automáticas, face ao disposto no nº 4 do art. 52º do DL nº 422/89, de 2/12, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 10/95, de 19/01, e f) do art. 130º do citado diploma.
A recorrente não questiona tais factos mas alega que a acusação resultou do facto de ela própria ter solicitado à Inspecção Geral de Jogos a guarda e utilização da cassete para efeitos de processo disciplinar e judicial, instaurado a três empregados do bar da sala de jogos por motivos absolutamente estranhos ao jogo e competência da referida Inspecção, a qual, em seu entender, demonstrava a prática de crime de furto de receitas por aqueles empregados e constituía prova do respectivo crime.
Não tendo a IGJ respondido à referida solicitação, a recorrente destruiu a cassete, nos termos normais e legais, limitando-se a gravar a prova do furto e a utilizá-la no processo disciplinar e no Tribunal nas acções de impugnação do despedimento dos três referidos empregados.
Tratando-se de uma matéria estranha ao jogo e não existindo qualquer pedido de averiguações por parte da IGJ, entende a recorrente que nada justificava a entrega da cassete a esta entidade, pois nem sequer justificou ou exigiu a sua entrega aquando da solicitação que lhe foi feita pela recorrente para ficar na sua posse para efeitos judiciais, pelo que não existiria a infracção administrativa objecto da punição.
Sustenta ainda que a entidade recorrida violou o princípio da imparcialidade previsto na alínea. g) do art. 44º do CPA, bem como o art. 52º da Lei do Jogo e o art. 7º daquele 1º diploma, já que se baseou exclusivamente na informação prestada no recurso hierárquico pela entidade recorrida em tal processo.
Vejamos se lhe assiste razão.
Estatui o nº 4 do art. 52º do DL nº 422/89, de 2/12, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 10/95, de 19/01:
"As gravações de imagem ou som feitas através do equipamento de vigilância e controlo previsto neste artigo destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, sendo proibida a sua utilização para fins diferentes e obrigatória a sua destruição pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou susceptível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao serviço de inspecção, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção"
Diz ainda o nº 1 do citado art.:
"As salas de jogos são dotadas de equipamento electrónico de vigilância e controlo, como medida de protecção e segurança de pessoas e bens."
Perante o estatuído nos preceitos transcritos o equipamento de vídeo de vigilância e controlo existente nas salas de jogo destina-se exclusivamente à fiscalização dos jogos e dos seus intervenientes, constituindo uma medida de protecção e segurança de pessoas e bens.
No caso vertente, o vídeo instalado na sala das máquinas automáticas, tinha como objectivo gravar imagens que eventualmente comprovassem irregularidades às regras do jogo, tanto mais quanto é certo que o uso para fins diferentes é expressamente proibido pelo nº 4 do citado art. 52º.
Assim sendo, incumbia à concessionária do jogo do A... cumprir o estipulado no citado nº 4, ou seja, destruir a respectiva cassete no prazo de 30 dias após a gravação. Não o fez, porém, uma vez que, sendo as gravações de 29 e 30 de Maio e de 5 de Junho de 1996, em 26 de Julho seguinte ainda não a havia destruído.
A concessionária, ora recorrente, não procedeu à destruição da cassete no prazo legal porque a mesma continha imagens comprovativas de três empregados seus do bar da referida sala das máquinas automáticas terem cometido infracções laborais, mais precisamente, de desvio ou furto de dinheiro do bar em questão. Por isso, solicitou autorização ao Inspector Coordenador do Serviço de Inspecção no A... para a guardar e utilizar para efeitos de prova quer no processo disciplinar a instaurar contra os referidos empregados quer no processo judicial de despedimento contra os mesmos.
Só que o silêncio da IGJ não tem a virtualidade de suprir a falta de diligência da concessionária que deveria, nos termos da 2ª parte do citado nº 4 e uma vez que a cassete continha matéria susceptível de ser investigada, aceitando que o fosse, entregá-la de imediato ao serviço de inspecção, acompanhada de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a sua retenção. Ora, a entrega da cassete não se verificou nem de imediato nem sequer no prazo de 30 dias após a sua gravação.
É, assim, forçoso concluir pela existência da infracção pela qual a recorrente foi condenada.
Alega a recorrente que a IGJ não respondeu à sua solicitação em que pedia autorização para guardar a cassete para fins judiciais, constituindo, diz, tal omissão a infracção ao dever de colaboração e de informação do administrado, nos termos do art. 7º do CPA.
Não tem, porém, razão.
Para além de tal preceito não cominar qualquer sanção, a recorrente só pediu tal autorização depois de a infracção já estar consumada. Com efeito, tendo os factos sido gravados em vídeo em 29 e 30 de Maio e 5 de Junho de 1996, só em 26 de Julho seguinte é que solicitou a referida autorização, muito para além, pois, do prazo de 30 dias.
Alega ainda que nada justificava a entrega da cassete à IGJ porquanto a matéria gravada era estranha ao jogo, logo, fora da sua competência fiscalizadora, para além de não lhe pedir ou exigir a sua entrega.
Não é, porém assim.
Em primeiro lugar a lei impõe à recorrente o cumprimento do disposto no nº 4 do citado art. 52º, independentemente da IGJ lho exigir. Depois, é a esta e não à concessionária que compete ajuizar se a cassete continha matéria susceptível de ser averiguada, controlada ou fiscalizada. E finalmente, a circunstância de a cassete conter a gravação de factos susceptíveis de integrar infracções disciplinares do foro laboral não obsta ou não inviabiliza a gravação de factos violadores das regras de jogo.
Alega, por último, a recorrente que a decisão contenciosamente recorrida, ao basear-se exclusivamente na informação prestada pela entidade que proferiu a decisão objecto do recurso hierárquico, para ela remetendo, viola o disposto na alínea g), do art. 44º do CPA, que preceitua:
Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo "Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, (..)".
Também não tem razão.
É o próprio CPA que no seu art. 172º, nº 1 ressalva o presente tipo de intervenção ao determinar que "(...) deve também o autor do acto recorrido pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer (..)".
Foi o que fez o Inspector Geral de Jogos. Depois de ter aplicado a multa de 100 000$00 à concessionária e desta ter interposto recurso hierárquico aquele não fez mais do que cumprir o que a lei lhe impõe: pronunciou-se sobre tal recurso. E, ao pronunciar-se, sustentou que o mesmo não merecia provimento, asserção que fundamentou.
Mas isto não significa, como bem observa o Ex.º Magistrado do Ministério Público, no seu douto parecer, que a entidade "ad quem" fique condicionada de forma directa e relevante à pronúncia do órgão recorrido. Não é desta forma que se põe em causa o princípio da imparcialidade.
No sentido de que não há violação do princípio da imparcialidade, cfr. os acs. da 1ª Secção de 1/3/94, Rec. nº 32 104 e do Pleno, de 25/01/96, Rec. nº 32 104, para além da jurisprudência citada por aquele Exmº Magistrado.
4. Decisão
Pelos fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça e a procuradoria, respectivamente, em 400 e 200 euros.
Lisboa, 2 de Outubro de 2002
Isabel Jovita – Relatora – Pamplona de Oliveira – Costa Reis