Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0753/16
Data do Acordão:07/06/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:EXECUÇÃO
VENDA
IMÓVEL
VALOR
Sumário:I - O facto de o imóvel ter como base de licitação um valor inferior ao presumível valor de mercado, só por si, não viola os direitos dos interessados no processo executivo, uma vez que o valor que o imóvel atinge no decurso do leilão, esse sim, corresponde ao valor máximo que os eventuais interessados compradores pretendem oferecer pelo imóvel, considerando as concretas condições em que o mesmo se encontra.
II - Nada na lei impõe que as vendas no âmbito das execuções fiscais se façam pelo presumível “valor de mercado”, antes pretendeu o legislador, com os instrumentos consignados na lei, que os bens possam ser vendidos em condições objectivas de concorrência e pelo mais elevado valor possível.
Nº Convencional:JSTA00069794
Nº do Documento:SA2201607060753
Data de Entrada:06/14/2016
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BEJA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART250 N1 A B N4 ART248.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01428/14 DE 2015/01/07.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, LDA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (TAF de Beja) datada de 18 de Abril de 2016, que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, que determinou a venda de imóvel penhorado, no âmbito do processo de execução fiscal nº 0302201001002309, para cobrança de IRC relativo ao exercício de 2008, no valor de € 270.201,73.

Alegou, tendo concluído como se segue:

a) Porque a Recorrente se encontra em PER, está isenta do pagamento de taxa de justiça (art. 4º, n° 1, al. u) do RCP).

b) Nas suas relações com os contribuintes, a Administração Tributária atua vinculada ao princípio da proporcionalidade que a impede de afetar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionais aos objetivos a realizar (art. 266°, n.° 2 da CRP, art. 5°, n.° 2, do CPA e art. 55º da LGT).

c) “Este princípio obriga a administração tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir” (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, Visilis, 1999, p 164).

d) “ XII - Por obediência ao princípio da proporcionalidade a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes de que disponha aqueles que sejam menos gravosos ou que causem menos danos.

XIII - Estamos aqui no domínio do princípio da intervenção mínima por forma a que se consiga compatibilizar o interesse público e os direitos dos particulares, de modo a que o princípio da proporcionalidade jogue como um fator de equilíbrio garantia e controlo dos meios e medidas”, (Acórdão desse STA de 18/03/2003, tirado no Recurso n° 01188/02).

e) Atribuir a um bem imóvel, um valor mínimo de aceitação de propostas para efeitos de venda em execução fiscal de € 11.760,50 (calculado sobre o valor patrimonial), quando no mesmo processo de execução fiscal tal bem imóvel foi avaliado por perito avaliador a pedido da própria Administração Tributária, em € 2.985.340,00,

f) Permitindo que tal bem seja vendido “por uma bagatela” a quem licite pouco acima do valor mínimo, levando a que a Recorrente fique sem o bem e com a dívida, é manifestamente desnecessário, por o bem em causa ter um valor muito superior e a dívida se encontrar garantida por penhora.

g) Tanto mais que em sede de liquidação de imposto relativo a prédios rústicos, prevalece sobre o valor patrimonial inscrito na matriz à data da liquidação o valor que resulte de ato ou contrato, caso este seja maior, norma aplicável à situação sub judice (nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27° do Decreto- Lei n° 287/2003, de 12 de Novembro, para onde remete a al. b) do n° 1 do art. 250° do CPPT).

h) Ato que in casu, se traduz na avaliação por perito avaliador a pedido da própria Administração Tributária.

i) É inócuo o referido no Despacho do Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Odemira, no sentido de os valores dos imóveis oscilarem e que o valor que o mercado se dispôs a oferecer foi de € 755.000,00 (proposta mais elevada apresentada em anterior venda judicialmente anulada).

j) Porquanto, constitui facto notório que ainda que os valores dos imóveis se possam alterar, não se alteraram tanto e é manifesto que quem apresenta propostas de aquisição em execução fiscal não pretende adquirir bens pelo valor de mercado, mas antes encontrar oportunidades.

k) Resulta assim, claro e sem margem para dúvidas, que o valor base a ser considerado para efeitos de determinação do valor mínimo a ser aceite em sede de propostas (70%), seria o da avaliação em € 2.985.340,00 e não o valor patrimonial.

l) De facto, apenas assim, agiria a administração Tributária no cumprimento do princípio da proporcionalidade que lhe impõe o dever de escolher de entre os diversos meios e medidas idóneas e congruentes ao seu dispor, aqueles que causem menos danos.

m) A atribuição ao imóvel do valor mínimo para aceitação de propostas de € 11.780,50, constitui uma afetação dos direitos e interesses legítimos da ora Recorrente, em termos não adequados e desproporcionais,

n) Assim, a douta Sentença recorrida ao entender que a atribuição do valor mínimo para aceitação de propostas, por referência ao valor patrimonial, não foi ilegal por violação do princípio da proporcionalidade, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento e não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, pelas razões expendidas, sendo revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo” e, em consequência, ser anulado o despacho na origem dos presentes autos, com todas as consequências legais daí advindas.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso. Em síntese, entende que, o OEF ao fixar o valor base de venda do prédio rústico penhorado nos autos, nos moldes em que o fez não violou o princípio da proporcionalidade, tendo isso sim, actuado no respeito pelo princípio da legalidade a que está vinculado.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

A) Em 02/03/2010 foi instaurado pelo SF de Odemira o processo de execução fiscal n° 0302201001002309 contra a sociedade aqui Reclamante para cobrança de IRC relativo ao exercício de 2008 no valor de 270.201,73 euros;

B) Em 27/01/2011 foi elaborado auto de penhora do bem imóvel consistente em prédio rústico sito na freguesia e concelho de ………, inscrito na matriz cadastral sob o art. 26 da secção AR/AR11 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n° 3123/20050118, com a área de 298,534 hectares, propriedade da sociedade executada;

C) O valor patrimonial tributário do imóvel na sua totalidade considerado, isto é, com 5.158,124800 hectares, à data da penhora era de 16.829,28 € e o seu valor patrimonial actual é de 517.678,20 €;

D) Solicitado parecer técnico de avaliação do imóvel penhorado foi neste atribuído o valor de mercado de 2.985.340,00 €;

E) Corre processo especial de revitalização relativo à sociedade Reclamante na Instância Local - Secção Competência Genérica - Juízo 2 - Odemira - Comarca de Beja com o n° 90/15.1 TBODM, desconhecendo-se o seu estado;

F) Decorridas várias vicissitudes processuais, mediante despacho de 15/08/2015 foi homologado plano de pagamento em prestações elaborado na sequência do Processo Especial de Revitalização pendente;

G) Em 24/09/2015 foi a sociedade aqui Reclamante notificada no âmbito da execução fiscal quanto àquela homologação e ainda para apresentar, no prazo de 15 dias, garantia idónea no valor de 4.623.737,58€, ou, ainda, requerer a isenção de prestação da mesma;

H) Decorrido tal prazo a sociedade nada manifestou junto do processo de execução fiscal;

I) Foi efectuado o pagamento das prestações relativas a Outubro e Novembro;

J) Perante a falta de garantia foi prestada informação nos autos sobre a qual veio a recair o seguinte despacho, datado de 16/02/2016, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odemira:


DESPACHO

Concordo com os fundamentos da informação retro, os quais dou aqui por integralmente reproduzidos. Com efeito a executada beneficia atualmente de um PER, no qual tem duas prestações seguidas em atraso. Tendo sido notificada para prestar garantia, ou requerer a isenção, nada fez, constatando-se que foi já largamente ultrapassado o prazo concedido. A constituição de garantia no Processo de Execução Fiscal, é condição para a sua suspensão, condição essa, comunicada pela AT ao Ministério Público, quando da votação favorável ao plano. Tal resulta de vinculação da AT ao princípio da legalidade, bem como da proibição de concessão de moratórias, cfr. artigos 36.º da LGT e 169º do CPPT.

Poder-se-ia questionar se não teria aplicação o nº 4 do art. 199.º do CPPT, uma vez que existe uma penhora sobre um bem imóvel - prédio rústico. Entendo que não, uma vez que o valor daquele não assegura o pagamento da dívida exequenda e acrescido. A importância a levar em conta para efeitos de garantia, calculada nos termos do n.º 6 do art. 199.º do CPPT é de € 4.623.737,58. Consta dos autos, um relatório de avaliação, de Março de 2011, elaborado por perito avaliador, a pedido da AT, que atribuiu ao imóvel, o valor de mercado de €2.985.340,00 (fl. 74). Constam ainda outras duas avaliações, remetidas pela executada. Uma efetuada pela Direção de Avaliações Imobiliárias da IMOCAIXA que atribuiu o valor aproximado de €9.000.000,00, e uma outra efetuada por perito - Eng.° ........., que atribuiu o valor aproximado de €11.460.000,00 (fls. 117 a 129). Ambas as avaliações ocorreram em Março de 2012. É significativa a diferença existente entre as avaliações.

Importa contudo salientar que a garantia se destina a assegurar a cobrança dos créditos tributários, logo para alguns tipos de garantia, como seja o caso de imóveis, o seu valor não pode ser considerado estático (em sentido contrário temos a garantia bancária). Tal foi claramente salvaguardado pelo legislador, ao dispor no n.º 10 do art. 199.º do CPPT a possibilidade do órgão de execução fiscal ordenar o reforço da garantia, em caso de diminuição significativa do valor dos bens. Com efeito o valor dos prédios também oscila, muitas vezes em função do mercado. Em concreto, no dia sete de Abril de 2015, na sequência da marcação da venda do imóvel através de leilão electrónico, a proposta mais elevada, foi de €755.000,00. Foi este o valor que o “mercado” se dispôs a oferecer no âmbito da venda judicial, posteriormente anulada por decisão judicial. Neste sentido, destaca-se a análise efetuada pela IMOCAIXA, avaliação remetida pela executada, no que respeita ao imóvel em questão: “Comercialização muito difícil (casuístico) ”, “Oferta muito limitada, praticamente inexistente...” (FI. 120) Perante esta análise, só posso concluir que atualmente o valor do imóvel para efeitos de garantia, é muito inferior ao valor exigido.

Em face do supra exposto e porque o Processo de Execução Fiscal não se encontra legalmente suspenso, nem existem bens penhorados que garantam a quantia exequenda e acrescido, determino que se proceda à venda do bem penhorado nos autos, na modalidade de leilão electrónico, nos termos do n.º 1 do art. 248.º do CPPT e da Portaria 219/2011 de 1 Junho.

Nos termos do n.º 2 do art. 248.º do CPPT, a venda irá decorrer durante 15 (quinze) dias, sendo o valor base o correspondente a 70% do determinado nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 250.º do CPPT, ou seja €11.780,50 (€16.829,28X70%).

Para a venda designo o dia 16 de Março de 2016, pelas 11 horas, neste Serviço de Finanças, devendo a apresentação de propostas ter início no dia 29 de Fevereiro pelas 10 horas e terminar dia 15 de Março pelas 10 horas.

O bem objeto desta venda tem a seguinte descrição:

Prédio rústico situado na “Herdade da ………”, com a área total de 298.534ha, sem inscrição própria na matriz, mas a destacar do art. 26° secção AR/AR11, atual artigo 38° secção AR/AR, freguesia e concelho de ………, distrito de Setúbal, descrita na CRP de Alcochete sob o nº 3123/20050118 com o valor patrimonial de €16.829,28.

Publicite-se através da internet, conforme dispõe o n.º 1 do art. 249.º do CPPT.

Notifique-se o fiel depositário, para nos dias designados para a apresentação de propostas, no período das 10 às 11horas, mostrar o bem a quem o pretenda examinar.

Notifiquem-se o executado, os credores com garantia real e os preferentes.

L) A sociedade Reclamante foi notificada deste despacho em 19/02/2016 e o seu Ilustre Mandatário em 22/02/2016;

M) Em 03/03/2016 deu entrada à petição inicial que deu origem à presente reclamação visando aquele despacho;

N) O OEF manteve o despacho reclamado e determinou a remessa dos autos ao TAF de Beja;

O) Em 09/0/2016 deu entrada neste TAF.

Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recuso que nos vem dirigido.

A questão que vem colocada no presente recurso já não é nova e já mereceu por parte deste Supremo Tribunal resposta consentânea com o que foi decidido na sentença recorrida.

Na verdade, a propósito de a fixação do valor base dos bens em venda ocorrida em execução fiscal não ter que ser calculada com referência ao valor de mercado, escreveu-se no acórdão datado de 07/01/2015, recurso n.º 01428/14:

“…o facto de se ter fixado como valor base aquele que resulta das disposições conjugadas do artigo 250º do CPPT, n.ºs 1, al. a) e 4 [1 - O valor base para venda é determinado da seguinte forma: a) Os imóveis urbanos, inscritos ou omissos na matriz, pelo valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI); 4 - O valor base a anunciar para venda é igual a 70 % do determinado nos termos do n.º 1.], não ofende o direito do recorrente.

É certo que o valor base pelo qual o bem é posto à venda é, por vezes, inferior aos créditos exequendos e reclamados no seu conjunto, mas tratando-se de vendas por “leilão electrónico”, cfr. art. 248º do CPPT, isto é, tratam-se de vendas que têm como destinatários um número indeterminado de possíveis interessados uma vez que, teoricamente, todos aqueles que tenham acesso à internet podem vir a ser potenciais licitadores, são vendas que melhor poderão atingir valores próximos dos de mercado ou até superiores, considerando que cada um dos licitadores não tem conhecimento das licitações dos restantes.

Ou seja, o facto de o imóvel ter como base de licitação um valor inferior ao presumível valor de mercado, só por si, não viola os direitos dos credores exequentes e reclamantes, e, portanto, o valor que o imóvel atinge no decurso do leilão, esse sim, corresponde ao valor máximo que os eventuais interessados pretendem oferecer pelo imóvel, considerando as concretas condições em que o mesmo se encontra.

Nada na lei impõe que as vendas no âmbito das execuções fiscais se façam pelo presumível “valor de mercado”, antes pretendeu o legislador, com os instrumentos consignados na lei, que os bens possam ser vendidos em condições objectivas de concorrência e pelo mais alto valor possível.

Portanto, a venda ocorrida em execução fiscal que obedece a estas imposições legais não pode considerar-se inválida, não ofendendo, por isso, a lei ordinária nem a Lei Fundamental, antes deverá manter-se na ordem jurídica, improcedendo, assim, nesta parte, o recurso que nos vinha dirigido…”.

Também no concreto caso dos autos se fixou como valor base para a venda do imóvel, no âmbito de leilão electrónico, aquele que resulta das disposições conjugadas do artigo 250º, n.º 1, al. b) e n.º 4, do CPPT.

O facto de se ter procedido a diligências no sentido de determinar o valor do bem face às suas características próprias e específicas, bem como às circunstâncias em que o “mercado” poderia absorver tal bem, sem que no entanto se tenha feito funcionar o mecanismo próprio de avaliação previsto nas leis fiscais, v.g. os previstos no CIMI, não obriga o órgão de execução fiscal a “adoptar” como valor base o da avaliação assim feita.

Efectivamente, tal valor obtido nessa avaliação -2.985.340,00€- difere substancialmente para mais (considerando as regas próprias para a fixação do valor mínimo legalmente previstas) do valor da maior licitação obtida na anterior venda que entretanto foi anulada -755.000,00€-, não servindo, assim, como bom critério, além daquele que se encontra legalmente previsto, para se poder determinar o valor base do bem posto em venda.

E como anteriormente se disse, o valor máximo de mercado está sempre condicionado não só pelas características próprias do bem, bem como pela predisposição dos interessados na sua aquisição, que é determinada não só pela possível utilidade do mesmo, mas também pelo modo e motivo pelo qual é posto à venda, não sendo, assim, determinante para a sua aquisição o valor mínimo previamente fixado (este valor poderá, em última instância, afastar os eventuais interessados no caso de ser fixado de tal modo que afaste logo à partida os eventuais interessados na sua aquisição).

Não merece, assim, censura, a sentença que decidiu em conformidade com tais disposições legais.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

D.n.

Lisboa, 6 de Julho de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.