Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0206/13.2BELRA
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - O art. 39.º-B, aditado ao EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), instituiu um regime de benefícios fiscais à interioridade para as «empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior».
II - Nos termos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 – diploma por que visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais» – devia ser aprovada uma portaria, da competência conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, destinada a estabelecer as disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação do regime da interioridade, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa (n.º 1) e, até lá, mantém-se em vigor a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro (n.º 2).
III - Sendo certo que a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola [art. 2.º, alínea a)], a mesma, nessa parte, não pode considerar-se aplicável por remissão do referido art. 8.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, na medida em que essa aplicação implicaria a revogação ou, pelo menos, a suspensão do art. 39.º-B do EBF.
IV - A interpretação contrária implicaria a ilegalidade da referida portaria, que, como regulamento de execução que é, não pode conter qualquer norma contra ou praeter legem, sob pena de nulidade.
Nº Convencional:JSTA000P26471
Nº do Documento:SA2202010140206/13
Data de Entrada:07/03/2019
Recorrente:A............, UNIPESSOAL, LDA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 206/13.2BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 2009, por a AT ter considerado que a sociedade não podia beneficiar da taxa reduzida de IRC, nos termos do regime fiscal da interioridade previsto no art. 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção após a republicação pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho (Antes dessa republicação, correspondia-lhe o art. 39.º-B.
O artigo veio a ser revogado pelo n.º 1 do art. 146.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012).).

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. O presente recurso vem interposto da sentença prolatada em primeira instância, a qual, e resumidamente:
- Julgou improcedente a pretensão da Impugnante, no que tange à invocada inconstitucionalidade orgânica da norma constante do n.º 2 do art. 8.º do DL 55/2008, de 26 de Março, por violação do n.º 2 do art. 103.º e da alínea i) do n.º 1 do art. 165.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, ancorando-se na suposta pronúncia nesse sentido emanada do Tribunal Constitucional constante dos Acórdãos 294/2018, e 519/2018.
- Julgou improcedente a pretensão da Impugnante, no que tange à invocada inconstitucionalidade material do acto de liquidação da norma constante do n.º 2 do art. 8.º do DL 55/2008, de 26 de Março, por entender que a Portaria n.º 170/2002 dispõe de modo inovador, e até contrário ao conteúdo da norma que visa regulamentar, criando assim uma norma de incidência, em desrespeito da hierarquia normativa estabelecida nos arts. 112.º e n.º 2 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, ancorando-se na suposta pronúncia nesse sentido emanada do Tribunal Constitucional constante do Acórdão n.º 519/2018.

B. Conforme resulta dos autos de Impugnação, a Impugnante/Recorrente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2012 8310004770, relativa ao exercício do ano de 2009 (e respectivas demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas), da quantia de € 12.450,73, com data limite de pagamento em 12/11/2012.

da não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 8.º, do decreto-lei n.º 55/2008, de 26 de março

C. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 519/2018, processo n.º 226/16, 3.ª Secção, de 17 de Outubro de 2018, decidiu formular juízo de não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, se interpretada como tendo subjacente uma remissão, «sem restrições», para as regras da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.

D. Não obstante, e mesmo que assim se não entenda ocorrer no âmbito da primeira questão suscitada na impugnação e nesta sede de recurso – e sem conceder – entende a Recorrente que deveria ter sido ser apreciada nos moldes gizados na impugnação e no recurso, a segunda questão suscitada, sobre a qual não lhe resta a menor dúvida sobre enfermar do vício de inconstitucionalidade, até porque a questão não é nova, e sobre ela já se pronunciou, além do Tribunal Constitucional, este Supremo Tribunal Administrativo

da interpretação do n.º 2 do artigo 8.º, do decreto-lei n.º 55/2008, de 26 de março e a hierarquia das normas:

E. A questão a decidir já foi objecto de tratamento ao nível infraconstitucional pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), quer em data anterior, quer posteriormente à sentença prolatada e ora em crise, mormente nos Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 0115/15, de 09/09/2015, 0482/16, de 12/10/2016, 0493/16 e 0494/16, ambos de18/05/2016, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.

F. No mais recente dos mencionados Acórdãos do STA, relatado pelo Juiz Conselheiro Aragão Seia, decidiu-se que “Sendo certo, que a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola [art. 2.º, alínea a)], a mesma, nessa parte, não pode considerar-se aplicável por remissão do referido art. 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, na medida em que essa aplicação implicaria a revogação ou, pelo menos, a suspensão do art. 39.º-B do EBF”.

G. Tal conclusão fundamenta-se na argumentação expendida no mesmo Acórdão citado, que se transcreveu supra; e aqui se dá por reproduzido:

H. «Mas, será que do confronto entre o art. 39.º-B do EBF e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro resulta que o benefício fiscal à interioridade não é aplicável à actividade agrícola, como considerou a AT com o beneplácito da sentença recorrida? Dito de outro modo, será que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, efectuada ex vi do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, tem a virtualidade de derrogar o art. 39.º-B do EBF, designadamente excluindo a actividade agrícola do âmbito da aplicação do referido benefício? A nosso ver, não, porque assim o não permite a hierarquia das normas».

I. «A referida portaria constitui um regulamento, ou seja, citando o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2012, proferido no processo n.º 1100/11 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013. págs. 662 a 672): «uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, pelo que se diferencia do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto (Sobre a matéria, vide FREITAS DO AMARAL, in "Direito Administrativo", III, 1989, pág. 36 e seg., ESTEVES DE OLIVEIRA, in "Direito Administrativo" (Lições), 1979, pág. 144 e seg., MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in "Direito Administrativo Geral", Tomo III, 2.ª Edição, pág. 248)».

J. «A referida portaria, quanto à relação com a lei e às suas funções, integra os regulamentos complementares ou de execução («Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções [ ... ], os regulamentos podem ser de execução, complementares ou independentes. Os regulamentos de execução executam a lei; os regulamentos complementares desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que não são necessários para que esta adquira exequibilidade; os regulamentos independentes contêm disciplinas materialmente inovatórias» (MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, tomo III, D. Quixote, 2007, pág. 246).), que, como ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1548/13 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016, págs. 3156 a 3162): «consubstanciam uma "... tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo ... são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário. Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria. lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo. Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento", cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».

K. «Constituindo a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, um regulamento (normas emanadas do exercício da função administrativa), importa ter presente que fica sujeita ao princípio da legalidade administrativa nas suas duas vertentes (Seguimos aqui de perto o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República com o n.º 5/2004, de 1 de Julho de 2004, no Diário da República de 14 de Agosto de 2004 (https://dre.pt/application/file/716772), págs. 12589 a 12600): o princípio da primazia, ou da prevalência da lei e o princípio da reserva legal, significando o primeiro que os actos da administração (de qualquer uma das administrações públicas) não podem contrariar as leis e o segundo que esses actos têm de se fundar em leis (Cfr. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987; págs. 131 e 132, e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, págs. 922 e 923).

L. «Assim, um regulamento de execução, tendo em conta a sua função instrumental de concretizar ou pormenorizar a lei em que se funda, terá de ser considerado ilegal sempre que nele se contenha qualquer norma contra ou praeter legem, isto é, cujo conteúdo disponha em contrário ou para além da disciplina legislativa (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, edição da AAFDL, 1977, pág. 200. No mesmo sentido, também FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de LINO TORGAL, volume II, Almedina, 2001, pág. 160, onde afirma que «os regulamentos de execução são, tipicamente, regulamentos "secundum legem", sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento» (ob. cit., pág. 160)).

M. «A referida portaria não pode contradizer o disposto no art. 39.º-B do EBF, na redacção em vigor à data dos factos sob pena de nulidade (Neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. e vol. cit., que, a págs. 256/257, afirmam: «Os regulamentos que violem a lei ordinária têm também como único desvalor admissível a nulidade. Com efeito, a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos pelo regulamento ilegal até à sua anulação, bem como a consolidação daquele na ordem jurídica passado o prazo para a sua anulação. Ou seja, o regulamento ilegal teria, na prática, a virtualidade de suspender a lei por si violada desde a sua entrada em vigor até à sua anulação, bem como a de revogar a lei por si violada no caso de a anulação não ser pedida no prazo legalmente previsto».)».

N. «E nem se diga que essa contradição foi querida pelo legislador, na medida em que a remissão para a Portaria n.º 170/2002; de 28 de Fevereiro, resulta do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, diploma este através do qual – como deixámos já dito e é referido no respectivo Preâmbulo – visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais»».

O. «O que resulta da letra da lei é que, em ordem a assegurar o respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa – que poderão ser considerados como auxílios de estado (Sobre a temática dos auxílios de Estado e com numerosas referências doutrinais, vide o primeiro de muitos acórdãos proferidos por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Abril de2013, proferido no processo n.º 29/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf). págs. 1654 a 1671, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4e814ebe3e52143980257b65003c2170) – será aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social e que, até que essa portaria seja aprovada, serão aplicáveis àqueles incentivos as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro».

P. «No art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 não se diz – contrariamente ao que parecem sustentar a AT, na fundamentação das liquidações adicionais impugnadas, e o Representante da Fazenda Pública – que as medidas de incentivo, até à aprovação da referida portaria conjunta, só serão aplicáveis às actividades previstas no art. 2.º da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, ou seja, que estão excepcionadas dos benefícios a actividade da agricultura, nos termos da alínea a) desse preceito».

Q. «Mas, se assim fosse (ou seja, se da remissão efectuada pelo art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 para a Portaria n.º 170/2002 resultasse excluída a agricultura do âmbito de aplicação do regime o benefício fiscal à interioridade fixado pelo art. 39.º-B do EBF, na referida redacção),sempre teríamos de concluir pela sua inconstitucionalidade, também invocada pela Recorrente [cfr. conclusão p)], atento o disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, preceito que estipula: «Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

R. «Dito de outro modo, não podia o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, conferir à Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, a virtualidade – que a hierarquia das normas lhe não confere – de revogar ou, pelo menos, de suspender a aplicação do art. 39.º-B do EBF, que foi aditado ao EBF pelo art. 83.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro. E, se a conferisse (pressuposto que, a nosso ver e como deixámos já dito, não se verifica), então haveríamos.de concluir pela sua inconstitucionalidade, por violação do referido n.º 5 do art. 112 da CRP».

S. «Mas, sempre nesse pressuposto (que reiteramos, a nosso ver se não verifica), não seria essa a única inconstitucionalidade a inquinar a norma legal (art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008), pois não podemos esquecer que nos encontramos em sede de benefícios fiscais, que constituem matéria sujeita à reserva de lei [arts. 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP], e, por isso, não pode ser alterada por decreto-lei, a menos que este seja precedido de autorização legislativa».

T. «Em conclusão, as regras previstas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro apenas poderão ser aplicáveis se e na medida em que não limitarem o âmbito do benefício fiscal relativo à interioridade, ou estaremos perante uma situação de inconstitucionalidade, quer por violação do disposto no n.º 5 do art. 112.º da CRP, quer por violação do disposto nos arts. 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamenta».

U. Como decorre da citada jurisprudência quer do Tribunal Constitucional, quer do STA, o n.º 2 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, não remete – ao contrário do que admite a sentença recorrida, “sem restrições” para “todas as regras da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, nomeadamente para aquelas que se reportam à exclusão de certas actividades económicas do âmbito dos benefícios fiscais à interioridade”, como é o caso das actividades agrícolas, que não ficam excepcionadas do acesso àqueles benefícios fiscais.

V. Os acórdãos do Tribunal Constitucional invocados pela sentença recorrida, foram prolatados na sequência de recursos interpostos pela Autoridade Tributária de decisões arbitrais – (Processos n.º 272/2015-T, e 273/2013-T do CAAD) onde o mandatário subscritor logrou obter, a final, decisões favoráveis às impugnações deduzidas,

W. O acórdão TC n.º 294/2018 recomenda, a final que: “Resolvida a questão do ponto de vista constitucional, sempre se dirá que a decisão agora proferida pelo Tribunal Constitucional não prejudica o tratamento infraconstitucional do problema, entretanto resolvido, igualmente pelo Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 9/9/2015, Proc. 115/2015, Acórdão de 18/5/2016, Procs. 493/2016 e 494/2016, e Acórdão 482/2016, Proc. 482/2016, matéria que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar”.

X. Tendo sido afastada a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 8.º do DL 55/2008, de 26 de Março, mais não resta do que, cumprindo o desiderato daquele acórdão do TC, atentar nas restantes normas aplicáveis e nas regras atinentes à hierarquia das normas, o que a sentença recorrida não fez, escudando-se genericamente naquela corrente jurisprudencial do TC.

Y. A Recorrente, ao preencher a Declaração Mod. 22 assinalando a aplicação (aplicação) do benefício fiscal acima referido, mais não fez do que aplicar a legislação fiscal em vigor à data dos factos, prevendo o art. 39.º-B do EBF expressamente a aplicação de benefício fiscal à interioridade às entidades que se dedicassem à actividade agrícola. E os benefícios fiscais são, em regra, aplicáveis directamente, não carecendo de regulamentação para se tornarem exequíveis (embora alguns aspectos possam depender dessa regulamentação)

Z. Foi, pois, regularmente aprovado um benefício fiscal, pelo que os contribuintes tinham uma expectativa legítima de dele usufruir no âmbito da sua actividade.

AA. O facto de o referido benefício ficar dependente de posterior regulamentação e de tal regulamentação não ter sido aprovada pelo Estado Português (sendo que tal regulamentação deveria obedecer a regulamentos comunitários), leva a que os sujeitos passivos de IRC sejam prejudicados por uma omissão que coloca em causa a sua legítima expectativa de aplicação de um conjunto de regras mais favoráveis, o que não é aceitável.

BB. Não pode desta omissão de uma obrigação de regulamentar a norma, concluir-se que o benefício fiscal em causa não era aplicável à actividade agrícola, até porque ninguém pode substituir-se ao legislador e aplicar as normas vigentes.

CC. A aplicação da Portaria 170/2002,de 28 de Fevereiro aos benefícios fiscais à interioridade, implica a derrogação dos benefícios fiscais previstos no art. 39.º-B EBF, na medida em que excluí do âmbito de aplicação dos mesmos à actividade agrícola, expressamente prevista na norma.

DD. Mas, mais, a aplicação da referida portaria contraria o disposto na própria Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, nomeadamente o art. 83.º, que adita um conjunto de preceitos legais ao EBF (entre os quais o preceito em causa).

EE. Temos, portanto, uma situação em que uma Portaria, que, ao regulamentar uma norma de valor hierarquicamente, superior, a derroga, o que traduz numa ilegalidade.

FF. Ora, quando uma norma de execução contraria uma lei parlamentar que lhe é hierarquicamente superior, verifica-se que a norma hierarquicamente inferior se encontra ferida de ilegalidade – o que sucede neste caso.

GG. É este exactamente o sentido do Ac STA 18/5/2016, Proc. 494/2016 já supra transcrito, e que aqui, novamente se dá por reproduzido.

HH. Em suma, verifica-se que o n.º 2 do art. 8.º DL 55/2008, de 26 de Março, ao mandar aplicar a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro de forma que restringe a aplicação do art. 39.º-B EBF (no sentido de excluir a aplicabilidade deste preceito à actividade agrícola), é ilegal, pode desrespeitar as normas vigentes sobre hierarquia de leis.

II. O n.º 2 do art. 8.º DL 55/2008, de 26 de Março e Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, na interpretação que deles é feita pela AT, e bem assim pela sentença recorrida, derrogam o Estatuto dos Benefícios Fiscais, situação que configura uma ilegalidade, uma vez que se trata de normas hierarquicamente inferiores à que pretendem regulamentar.

JJ. Deve conclui-se, pois, pela procedência do recurso, e pela não aplicabilidade da referida Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, à situação em análise e pela ilegalidade da liquidação impugnada, que não poderá manter-se na ordem jurídica, e portanto ser revogada».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e julgada procedente a impugnação judicial. Para tanto, depois de enunciar o objecto do recurso e de referir a fundamentação da sentença, teceu os seguintes considerandos: «[…]

III. Análise do Recurso.
1. Delimitação da questão objecto do recurso.
A Recorrente insurge-se contra a sentença do TAF de Leiria por considerar que as correcções à declaração de IRC do ano de 2009 realizadas pela AT e que deram origem à liquidação adicional têm subjacente uma interpretação da lei violadora do princípio da hierarquia das leis e da Constituição.
Segundo bem percebemos as alegações de recurso, o Recorrente assenta a sua divergência com a sentença recorrida no facto de o tribunal “a quo” ter reduzido a questão da ilegalidade assacada ao acto de liquidação aos vícios de inconstitucionalidade objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional nos acórdãos n.º 294/2018 e n.º 519/2018, onde se concluiu por um juízo de não inconstitucionalidade.
Na verdade, o Recorrente faz apelo à jurisprudência deste tribunal, designadamente a vertida no acórdão do STA de 12/10/2016, proc. 0482/16, para concluir que ainda que o veredicto do Tribunal Constitucional sobre as enunciadas questões de inconstitucionalidade tenha sido negativo, sempre haveria que atender ao vício de ilegalidade resultante da violação do princípio da hierarquia das leis, por a Portaria n.º 170/2002 afrontar o disposto na Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aditou ao EBF o artigo 39.º-B, onde se consagrou o benefício fiscal em termos que abrangia o sector da agricultura e que se mostra excluído na regulamentação operada por aquela portaria.
Ou seja, tendo a AT fundamentado o acto tributário impugnado na consideração de que o Recorrente não beneficiava da redução de taxa por a actividade agrícola que desenvolvia no ano de 2009 estar excluída pela Portaria nº 170/2002, tal acto tributário padecer de ilegalidade por aquele norma regulamentar em que se baseia a AT afrontar o disposto no artigo 39.º-B (posteriormente renumerado como art. 43.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, norma de hierarquia superior.
Ora, como se deixou enunciado supra (ponto II.2), o tribunal “a quo” não abordou a questão da ilegalidade do acto de liquidação nesses termos. A questão que se coloca é a de saber se estamos perante um vício de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, vício este que não vem invocado pelo Recorrente; Ou se estamos perante um vício de erro de julgamento, que é assacado à sentença pelo Recorrente.
Analisando a petição inicial oferecida pelo Recorrente é manifesto que este invoca a ilegalidade do acto de liquidação adicional com base na violação do princípio da hierarquia das leis, que subsume na categoria de vícios de inconstitucionalidade orgânica e material, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º e 165.º, n.º1, alínea i), todos da CRP.
Afigura-se-nos, assim, que ainda que o Recorrente acentua os vícios de inconstitucionalidade [que ora reporta (de forma incorrecta) ao acto tributário, ora aos normativos do Dec.-Lei n.º 55/2008 e da Portaria 170/2002], o vício de ilegalidade que assaca ao acto tributário assenta na violação do princípio da hierarquia das leis, por a norma regulamentar da portaria que exclui a agricultura do benefício dos incentivos à interioridade violar a norma do EBF. E nessa medida, o vício de ilegalidade imputado ao acto tributário tanto pode comportar um vício simples de ilegalidade, como configurar os vícios de inconstitucionalidade de reserva de lei, seja na vertente formal, como na vertente material.
Daí que, salvo melhor opinião, estejamos perante uma questão de qualificação dos vícios, que ao não ser objecto de apreciação pelo tribunal “a quo” na sua correta dimensão, configura um erro de julgamento.
Entendemos, assim, que o objecto do recurso deve ser apreciado nesta vertente, ou seja, a de saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento ao não ter qualificado como vício de ilegalidade, por ofensa do princípio da hierarquia das leis, a aplicação do disposto no artigo 2º, alínea a), da Portaria nº 170/2002, em violação do disposto no artigo 39.º-A do EBF.
2. APRECIAÇÃO.
Como vem alegado pelo Recorrente, a questão suscitada nos autos já foi objecto de apreciação por este tribunal no âmbito dos acórdãos de 09/09/2015, proc. 0115/15, de 18/05/2016, proc.s 0493/16 e 0494/16, e de 12/10/2016, proc. 0482/16, a cuja jurisprudência se adere. No acórdão de 09/09/2015 (proc. 0115/15), deixou-se consignado: «Constituindo a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, um regulamento (normas emanadas do exercício da função administrativa), importa ter presente que fica sujeita ao princípio da legalidade administrativa nas suas duas vertentes (Seguimos aqui de perto o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República com o n.º 5/2004, de 1 de Julho de 2004, no Diário da República de 14 de Agosto de 2004 (https://dre.pt/application/file/716772), págs. 12589 a 12600, também disponível em
http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/33aaeac315ebfe1d80256e21003d5f11.):
o princípio da primazia, ou da prevalência da lei e o princípio da reserva legal, significando o primeiro que os actos da administração (de qualquer uma das administrações públicas) não podem contrariar as leis e o segundo que esses actos têm de se fundar em leis (Cfr. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, págs. 131 e 132, e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, págs. 922 e 923). Assim, um regulamento de execução, tendo em conta a sua função instrumental de concretizar ou pormenorizar a lei em que se funda, terá de ser considerado ilegal sempre que nele se contenha qualquer norma contra ou praeter legem, isto é, cujo conteúdo disponha em contrário ou para além da disciplina legislativa (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, edição da AAFDL, 1977, pág. 200. No mesmo sentido, também FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de LINO TORGAL, volume II, Almedina, 2001, pág. 160, onde afirma que «os regulamentos de execução são, tipicamente, regulamentos “secundum legem”, sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento» (ob. cit., pág. 160)). Concluímos, pois, que a referida portaria não pode contradizer o disposto no art. 39.º-B do EBF, na redacção em vigor à data dos factos, sob pena de nulidade (Neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. e vol. cit., que, a págs. 256/257, afirmam: «Os regulamentos que violem a lei ordinária têm também como único desvalor admissível a nulidade. Com efeito, a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos pelo regulamento ilegal até à sua anulação, bem como a consolidação daquele na ordem jurídica passado o prazo para a sua anulação. Ou seja, o regulamento ilegal teria, na prática, a virtualidade de suspender a lei por si violada desde a sua entrada em vigor até à sua anulação, bem como a de revogar a lei por si violada no caso de a anulação não ser pedida no prazo legalmente previsto»).».
Tendo o mesmo acórdão concluído: «Por tudo quanto deixámos dito, entendemos que as liquidações adicionais – que a AT estribou no entendimento de que de «os benefícios fiscais à interioridade, previstos no art. 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais [rectius, no art. 39.º-B, na redacção que vigorou até à republicação do Estatuto pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, e no art. 43.º do mesmo EBF, após essa republicação] não contemplam a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo por força do disposto no n.º 2 da Portaria n.º 170/2002 de 28 de Fevereiro» (cfr. factos provados sob os n.ºs 6 a 8), não podem manter-se com essa fundamentação, que foi a única utilizada pela AT. E porque no domínio do contencioso de mera legalidade, em que se integra a impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados… não pode o tribunal, perante a constatação da ilegalidade do fundamento que suportou o acto impugnado, apreciar se aquela actuação poderia basear-se em quaisquer outros fundamentos.».
Também no caso concreto dos autos, como se deixou supra assinalado, a AT considerou que os benefícios fiscais previstos no artigo 43.º do EBF estão regulamentados pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, e pelo Dec.-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, e que a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 170/2002 exclui de tais benefícios as actividades de agricultura e pesca identificadas nas seções A e B da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (CAE), tendo concluído que: «atendendo ao facto do sujeito passivo desenvolver uma actividade agrícola constante da seção A do CAE (CAE 001111-Cerealicultura), não reúne as condições legais exigidas para que possa usufruir do benefício fiscal da interioridade, previsto no artigo 43.º do EBF»; O que motivou a realização de correcções aritméticas e a emissão de liquidação adicional de IRC, aqui objecto de impugnação.
Ora, independentemente da verificação de saber se o Recorrente reunia ou não os requisitos para obter o benefício da redução da taxa, nos termos em que os fez constar da sua declaração de IRC relativa ao ano de 2009, o acto de liquidação adicional impugnado não pode manter-se com a fundamentação aduzida pela Administração Tributária, por estar inquinada de vício de violação de lei, o que constitui fundamento para a sua anulação.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por não ter tido em consideração as diversas projecções e qualificações do vício de ilegalidade imputado ao acto tributário, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e substituição por decisão que julgue procedente a acção de impugnação judicial, julgando-se procedente o recurso».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTOS

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria deu como provados os seguintes factos:

«1. Em 12.07.2012 os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém elaboraram “Projecto de Correcções” no âmbito do procedimento inspectivo realizado à Impugnante e ordenado pela ordem de serviço interna n.º OI201200179, com o seguinte teor (cf. projecto junto como doc. n.º 2 da p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

(…)

I. - CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA

1.1 - CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
1.1.1- EM SEDE DE IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS
Em resultado da irregularidade indicada no ponto 3.1.2, foi apurado imposto a liquidar adicionalmente no montante de 12.273,19 €, conforme se demonstra no seguinte quadro:

Descrição
Matéria Colectável
Taxa de Imposto
Imposto
Total do Imposto
Valores declarados
138.356,87 €
15,00%
20.753,53 €
20.753,53 €
Valores corrigidos
12.500,00 €
12,50%
1.562,50 €
33.026,72 €
125.856,87 €
25,00%
31.464,22 €
IRC a liquidar adicionalmente
12.273,19 €

II. - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPECTIVA

2.1- CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A ACÇÃO
De acordo com a OI201200179, foi efectuada uma acção inspectiva de âmbito interno à firma A………. Unipessoal, Lda., com sede em Rua do ………, N.º .. - A, ………..
2.2 - MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
Esta acção inspectiva teve origem numa selecção de contribuintes que utilizaram o benefício fiscal previsto no artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, para efeitos de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, relativamente ao exercício de 2009.
2.3 - ENQUADRAMENTO FISCAL
O sujeito passivo iniciou a sua actividade em 01-10-2004 com o CAE 001111 Cerealicultura e está enquadrado no Regime Geral em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
2.4 - GERÊNCIA DA EMPRESA
De acordo com os elementos constantes no sistema informático da AT, a gerência da empresa é exercida por A………………, com o N.I.F. ……………...
(...)

III.- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

No decurso do procedimento inspectivo, verificou-se que o sujeito passivo indicou no quadro 4 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC o regime de redução de taxa, considerando reunir as condições que lhe permitiam usufruir do benefício fiscal relativo à interioridade, previsto no artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), utilizando assim, para cálculo do IRC devido, uma taxa reduzida de 15 %.
De salientar que o artigo 43.º do EBF corresponde ao artigo 39.º - B do mesmo diploma legal, na redacção anterior à republicação do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/6.
Refere o n.º 7 do artigo 43.º do EBF, que «... todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por Portaria do Ministro das Finanças». Os benefícios fiscais previstos no artigo 43.º do EBF encontram-se assim regulamentados pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro e pelo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março.
A Portaria n.º 170/2002 veio fixar as regras para a atribuição dos benefícios fiscais. Refere a alínea a) do artigo 2.º da referida Portaria, o seguinte:
«2.º Podem beneficiar dos incentivos mencionados no número anterior todas as actividades económicas, com excepção das seguintes:
a) Agricultura e pesca, identificadas, respectivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas - CAE... »
Assim, retira-se da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 170/2002, que as actividades de agricultura e pesca, identificadas, respectivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas - CAE, não podem beneficiar do incentivo à interioridade.
Ora, atendendo ao facto do sujeito passivo desenvolver uma actividade agrícola constante da secção A do CAE (CAE 001111 - Cerealicultura), não reúne o mesmo as condições legais exigidas para que possa usufruir do benefício fiscal da interioridade, previsto no artigo 43.º do EBF.
(...)
Em face da análise efectuada à declaração fiscal apresentada, verifica-se que o sujeito passivo se encontra excluído do benefício à interioridade previsto no artigo 43.º do EBF, de acordo com o disposto na alínea a) do artigo 2.º da Portaria N.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.
(…)

2. Em 13.07.2012 a Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém apôs no projecto referido em 1. o despacho “Visto. Concordo. Procedimentos subsequentes adequados a notificar o sujeito passivo nos termos legais - 15 dias” (cf. despacho junto como doc. n.º 2 da p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 01.10.2012 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2012 8310004770, a favor da Impugnante, referente ao exercício de 2009, da qual resulta um valor a pagar de € 6.508,37 (cf. liquidação junta como doc. n.º 1-A da p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 02.10.2012 foi emitida “Demonstração de acerto de contas” com o n.º 2012 00001687579, dirigida à Impugnante, na qual pode ler-se o seguinte (cf. demonstração junta como doc. n.º 1-C da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

Imposto
Período
Data Movimento
Data Valor
Descrição
Montante
Total D/C
IRC
2009-01-01 a 2009-12-31
2012-10-02
2012-10-02
Estamo Liq. de 2009 -
Liq. 20102610069333
-5.942,36
-5.942,36
IRC
2009-01-01 a 2009-12-31
2012-10-02
2012-10-02
Acerto Liq. de 2009 -
Liq. 20128310004770
-5.529,55
IRC
2009-01-01 a 2009-12-31
2012-10-02
2012-10-02
Juros Compensatórios,
Liq. 201200002043878
-487,81

IRC
2012-10-02
2012-10-02
Juros Comp. por
Recebimento Indevido,
Liq. 201200002043877

-491,01

-6.508,37
2009-01-01 a 2009-12-31
Data limite de pagamento: 2012-11-12 Saldo a pagar: € 12.450,73

5. Em 02.10.2012 foi emitida “Demonstração de liquidação de juros”, dirigida à Impugnante, na qual pode ler-se o seguinte (cf. demonstração junta como doc. n.º 1-B da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

Período de
Tributação
Liquidação/Documento
Base
Liquidação Juros
Valor Base
Período de
Cálculo
Taxa (%)
Valor
Juros Compensatórios por Recebimento
2009-01-01
a
2009-12-31
2012
00002043877

5.942,36

Indevido
20128310004770,
IRC
2010-07-22
a 2012-08-
13

4,000

491,01
TOTAL: 491,01

2009-01-01 a
2009-12-31

201283100004770,
201283100004770,
IRC
Juros Compensatórios (artigo 102. ° do

201200002043878


5.529,55

CIRC)
2010-06-01
a 2012-08-
13

4,000

487,81
TOTAL: 487,81

6. Em 08.11.2012 o Santander Totta - Empresas emitiu comprovativo de pagamentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ao Estado, da conta n.º ……………, titulada pelo cliente n.º ………….. – A………….., Ld.ª, com o descritivo “Acerto IRC 2009”, no valor de € 12.450,73 (cf. comprovativo junto como doc. n.º 3 da p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. Em 09.01.2013 o Serviço de Finanças (SF) da Chamusca emitiu “Notificação de defesa / Pagamento c/ redução art. 70.º RGIT” no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 1996201206011683, dirigida à Impugnante, na qual pode ler-se o seguinte (cf. notificação junta como doc. n.º 4 da p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
"(…)
Código
Artigo
Código
Artigo
Período
Tributação
Data
Infração
Coimas
Mínimo
Máximo
Art. 43.º n.º 1 e 7° EBF -
Omissões ou inexat.
praticadas por utilização
indevida de benefícios
fiscais relativos à
interioridade com imposto a
liquidar


RGIT

Art° 119* n° 1 e 26 n° 4
RGIT - Omissões ou
inexatidões praticadas
nas declarações ou
noutros documentos
fiscalmente relevantes


2010-05-31



€ 500,00



€ 30. 000, 00



EBF


200912

8. Em data concretamente não determinada o SF da Chamusca emitiu documento de cobrança no valor total de € 538,25, correspondendo € 500,00 a coima e € 38,25 a outros encargos administrativos (cf. documento junto como doc. n.º 5 da p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9. Em 15.01.2013 a Impugnante procedeu ao pagamento do documento referido em 8. (cf. vinheta aposta no documento junto como doc. n.º 5 da p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A sociedade ora Recorrente, com referência ao exercício do ano de 2009, apresentou a declaração de rendimentos para efeitos de IRC (mod. 22), na qual assinalou que beneficiava do regime de tributação de rendimentos com redução de taxa, ao abrigo do disposto no art. 43.º do EBF, em vigor à data (Artigo que, após a republicação do EBF pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, passou a corresponder ao anterior art. 39.º-A, que foi aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007).), e procedeu à autoliquidação do imposto nesse pressuposto.
A AT, na sequência de uma inspecção e porque entendeu que a sociedade não podia beneficiar dessa redução da taxa de imposto, procedeu à correspondente correcção, de que resultou a liquidação adicional de IRC para o ano de 2009. A seu ver, a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, exclui da possibilidade de usufruir do benefício fiscal à interioridade algumas actividades, entre as quais as previstas na alínea a) do seu art. 2.º: «Agricultura e pesca identificadas, respectivamente, nas secções A e B da Classificação das Actividades Económicas – CAE, revista pelo Decreto-Lei n.º 182/93, de 14 de Maio». Assim, porque aquela sociedade tem como actividade a agricultura, concluiu que a mesma não reúne um dos requisitos para beneficiar da redução da taxa do IRC, devendo ser-lhe aplicada a taxa geral.

2.2.1.2 A sociedade reagiu contra essa liquidação mediante impugnação judicial, que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente.
No que ora nos interessa considerar, para decidir pela improcedência da impugnação judicial, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria entendeu que a Impugnante se insurgia contra o acto de liquidação pela sua desconformidade com a Constituição da República Portuguesa (CRP), designadamente, por violação do disposto no n.º 2 do seu art. 103.º e na alínea i) do n.º 1 do seu art. 165.º. Por isso, como bem assinalou o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, enunciou as questões de inconstitucionalidade a resolver como sendo:

«a) Inconstitucionalidade orgânica da norma constante do n.º 2 do artigo 8.º do DL n.º 55/2008, de 26 de Março, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na al. i) do n.º 1 do artigo 165.º, ambos da CRP;

b) Inconstitucionalidade material da remissão operada pelo n.º 2 do artigo 8.º do DL n.º 55/2008, de 26 de Março, por entender que a Portaria n.º 170/2002 dispõe de modo inovador, e até contrário, ao conteúdo da norma que visa regulamentar, criando assim uma norma de incidência, em desrespeito da hierarquia normativa estabelecida no artigo 112.º da CRP mas também do que dispõe o n.º 2 do artigo 103.º da Lei Fundamental».

De seguida, considerando a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que o Tribunal Constitucional se tinha já pronunciado sobre estas questões, no sentido da não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, nos acórdãos n.º 294/2018 (Proferido em 7 de Junho de 2018 no processo com o n.º 310/15, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180294.html.) e n.º 519/2018 (Proferido em 17 de Outubro de 2018 no processo com o n.º 226/16, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180519.html.), em termos dos quais não viu qualquer razão para divergir, subscrevendo na íntegra a sua fundamentação, que parcialmente transcreveu, concluiu pela improcedência dos referidos vícios de inconstitucionalidade e, por isso, pela improcedência da impugnação judicial.

2.2.1.3 A Impugnante insurge-se contra a sentença e, não pondo em causa o julgamento quanto à não inconstitucionalidade, invoca que, como decidiu já este Supremo Tribunal, as correcções que deram origem à liquidação adicional têm subjacente uma interpretação da lei violadora do princípio da hierarquia das leis, que a sentença não apreciou senão pela óptica da constitucionalidade.

2.2.1.4 Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença enferma de erro de julgamento (Como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto no parecer que deixámos parcialmente transcrito em 1.4, a questão, porque se refere à qualificação dos vícios imputados na petição inicial ao acto impugnado, não deve deixar de ser conhecida como vício de violação de lei por desrespeito pela hierarquia das leis, apesar de ter sido invocada essencialmente sob a óptica da inconstitucionalidade (cfr. art. 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). ) por não ter considerado que a interpretação em que a AT sustentou a correcção que deu origem à liquidação adicional, na medida em que dá prevalência a uma portaria em desfavor de uma lei, viola o princípio da hierarquia das leis.
Como referiram a Recorrente e o Procurador-Geral-Adjunto, a questão foi já tratada por diversas vezes por este Supremo Tribunal (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 9 de Setembro de 2015, proferido no processo com o n.º 115/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0ee844239f2c573c80257ebd003cc174;
- de 18 de Maio de 2016, proferido no processo com o n.º 493/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a6d227855575ae3380257fbc0048b0da;
- de 18 de Maio de 2016, proferido no processo com o n.º 494/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f58a7e8e5db65a0480257fbc004c0bf3;
- de 12 de Outubro de 2016, proferido no processo com o n.º 482/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bc06d4c592df758e8025804c0051525c.), em termos que continuam a merecer a nossa concordância, pelo que nos vamos limitar a reproduzir o que já deixámos dito.

2.2.2 O REGIME DOS BENEFÍCIOS FISCAIS À INTERIORIDADE

Impõe-se uma tentativa de acompanhar a evolução legislativa no que se refere aos incentivos fiscais à interioridade e respectiva sucessão de regimes no tempo, como, aliás, também considerou a Juíza do Tribunal a quo, que a essa tarefa dedicou boa parte da fundamentação de direito que expendeu na sentença.
A Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, veio estabelecer «medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior», incidindo «sobre a criação de infra-estruturas, o investimento em actividades produtivas, o estímulo à criação de emprego estável e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens» (cfr. art. 1.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente). Entre estes incentivos, contava-se uma redução da taxa de IRC (cfr. art. 7.º).
No n.º 1 do art. 2.º daquela Lei, estabelecia-se que «as áreas do interior beneficiárias das medidas de discriminação positiva, adiante designadas «áreas beneficiárias», são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais» e no n.º 2 do mesmo artigo que competia ao Governo «regular por decreto-lei a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior». Este n.º 2 do art. 2.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, veio a conhecer nova redacção, dada pelo art. 54.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2001), do seguinte teor: «Compete aos Ministros do Planeamento e das Finanças regular por portaria, no prazo de 60 dias, os critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior».
A prevista portaria veio a ser publicada, sob n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro, nela se referindo expressamente que, ao abrigo do n.º 2 do art. 2.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, acima citado, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 54.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, se identificavam as áreas territoriais que beneficiam para efeitos do disposto na Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro.
Por outro lado, o art. 13.º daquela Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro dispunha: «Compete ao Governo aprovar por decreto-lei as normas regulamentares necessárias à boa execução da presente lei».
O referido diploma regulamentar veio a ser aprovado através do Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro.
No Preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 310/2001, depois de se referir que os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade criadas pela Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, «por serem susceptíveis de serem considerados como auxílios de Estado, foram, previamente à respectiva aplicação, notificados à Comissão Europeia», logo se esclarecia que «[n]o passado dia 19 de Setembro, a Comissão Europeia, após ter examinado as medidas constantes na Lei 171/99, de 18 de Setembro, face às orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE, C 74, de 10 de Março de 1998) e às orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE, C 334, de 12 de Dezembro de 1995), decidiu não levantar objecções à sua execução, desde que respeitadas as disposições comunitárias aplicáveis», motivo por que se encontravam «reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução da Lei 171/99, de 18 de Setembro, as quais, pelo disposto no seu artigo 13.º, são aprovadas por decreto-lei».
Neste mesmo Decreto-Lei n.º 310/2001, no seu art. 6.º, sob a epígrafe «Disposições comunitárias» consagrou-se o seguinte: «As disposições que se revelem necessárias para assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos Ministérios das Finanças, do Planeamento e do Trabalho e da Solidariedade».
Esta portaria veio a ser publicada, sob o n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, cujo objecto, tal como definido pelo seu art. 1.º é: «fixar as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos previstos na Portaria n.º 56/2002, de 14 de Janeiro, e nos artigos 7.º a 11.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro».
No art. 2.º dispõe a mesma Portaria: «Podem beneficiar dos incentivos mencionados no número anterior todas as actividades económicas, com excepção das seguintes: a) Agricultura e pesca, identificadas, respectivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas - CAE, revista pelo Decreto-Lei n.º 182/93, de 14 de Maio; b) […]».
Ulteriormente, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), através do seu art. 83.º, n.º 1, veio aditar ao Estatuto dos Benefícios Fiscais um novo preceito, o art. 39.º-B, pelo qual foram renovadas diversas medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, tendo sido substituído o regime constante da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Dispunha o n.º 1 desse art. 39.º-B: «Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes: a) É reduzida a 20% a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias; […]» (Mais tarde, a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2008), alterou a redacção desta alínea a), passando a redução da taxa do imposto de 20% para 15%.).
No n.º 7 do referido art. 39.º-B do EBF dizia-se: «A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças».
Em 26 de Março de 2008 foi publicado o Decreto-Lei n.º 55/2008, que revogou o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro (art. 9.º) e que produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2007 (art. 10.º), em cujo Preâmbulo ficou dito: «Com o aditamento do artigo 39.º-B ao Estatuto dos Benefícios Fiscais pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, foram renovadas diversas medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, tendo sido substituído o regime constante da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Encontram-se, pois, reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Nestes termos, disciplinam-se neste decreto-lei as condições de acesso das entidades beneficiárias, as entidades responsáveis pela concessão dos incentivos, as obrigações a que ficam sujeitas as entidades beneficiárias, bem como as consequências em caso de incumprimento».
No art. 6.º do referido Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, ficou dito:
«1- Para efeitos da aplicação das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões que sofrem de problemas de interioridade, definidas no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, são consideradas como áreas territoriais beneficiárias para os factos verificados em 2007 e 2008, aquelas que são identificadas na Portaria n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro.
2 - Para os anos subsequentes, compete ao Ministro das Finanças, em conjunto com os membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e o ordenamento regional, regular por portaria as áreas territoriais beneficiárias, as quais serão identificadas com base nos indicadores definidos no presente decreto-lei, construídos com os últimos dados estatísticos disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística».
Por seu turno, diz o art. 8.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe «Disposições comunitárias»:
«1- As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.
2- Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior».
Ou seja, resulta do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que, à face da letra da lei, ambas as Portarias – a n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro e a n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro – continuaram a ser subsidiariamente aplicáveis em matéria respeitante ao regime fiscal da interioridade, previsto, à data, no art. 39.º-B do EBF: a primeira, para os anos de 2007 e 2008, ex vi do n.º 1 do art. 6.º daquele diploma legal e relativamente às áreas territoriais beneficiárias; a segunda, enquanto não for publicada a portaria a que alude o n.º 1 do art. 8.º do mesmo diploma legal, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo e, designadamente, no que respeita à aplicação dos benefícios às actividades económicas beneficiárias.

2.2.3 O CASO SUB JUDICE

In casu apenas está em causa saber se a actividade económica exercida pela ora Recorrente pode ou não considerar-se beneficiária.
A sentença entendeu que não, pois entende que à situação é aplicável, por força do disposto no art. 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, que exclui a agricultura das actividades susceptíveis de beneficiar do benefício fiscal à interioridade e Louvou-se nos referidos acórdãos do Tribunal Constitucional para considerar que essa interpretação não enferma de inconstitucionalidade.
A Recorrente sustenta que não pode aplicar-se à situação a Portaria n.º 170/2002 na parte em que exclui a agricultura do âmbito do referido regime fiscal. Se bem interpretamos a motivação do recurso e respectivas conclusões, entende, com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que, prevendo expressamente o n.º 1 do art. 39.º-B do EBF as actividades beneficiárias – e, entre elas, a actividade agrícola –, não há que convocar a Portaria n.º 170/2002 para aferir se a actividade agrícola é ou não actividade beneficiária para efeitos de aplicação do regime fiscal à interioridade.
Afigure-se-nos que a Recorrente tem razão. Vejamos:
É inequívoco que o art. 39.º-B do EBF, aditado pelo art. 83.º, n.º 1, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), previa a concessão de benefícios fiscais relativos à interioridade, designadamente, «[à]s empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola».
Ou seja, o referido artigo previa (como, depois, o art. 43.º do mesmo Estatuto) que os benefícios fiscais à interioridade se aplicam, entre outros, ao sector da agricultura.
É certo que, como deixámos já dito, o n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que veio estabelecer as normas de execução daquele art. 39.º-B do EBF, remetia, até ser aprovada a portaria conjunta por membro do Governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, cujo art. 2.º, alínea a), como deixámos já dito, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola.
Mas, será que do confronto entre o art. 39.º-B do EBF e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro resulta que o benefício fiscal à interioridade não é aplicável à actividade agrícola, como considerou a AT? Dito de outro modo, será que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, efectuada ex vi do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, tem a virtualidade de derrogar o art. 39.º-B do EBF, designadamente excluindo a actividade agrícola do âmbito da aplicação do referido benefício? A nosso ver, não.
Desde logo, porque assim o não permite a hierarquia das normas. Vejamos:
Na verdade, a referida portaria constitui um regulamento, ou seja, citando o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2012, proferido no processo n.º 1100/11 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cc5328f21fd98fb6802579c30059534e. ), «uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, pelo que se diferencia do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto (Sobre a matéria, vide FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo”, III, 1989, pág. 36 e seg., ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Direito Administrativo” (Lições), 1979, pág. 144 e seg., MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2.ª Edição, pág. 248)».
A referida portaria, quanto à relação com a lei e às suas funções, integra os regulamentos complementares ou de execução («Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções […], os regulamentos podem ser de execução, complementares ou independentes. Os regulamentos de execução executam a lei; os regulamentos complementares desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que não são necessários para que esta adquira exequibilidade; os regulamentos independentes contêm disciplinas materialmente inovatórias» (MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, D. Quixote, 2007, pág. 246).), que, como ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1548/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b977d4ce1df1371f80257d690031b143.) «consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo…são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário.
Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.
Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento.”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».
Constituindo a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, um regulamento (normas emanadas do exercício da função administrativa), importa ter presente que fica sujeita ao princípio da legalidade administrativa nas suas duas vertentes (Seguimos aqui de perto o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República com o n.º 5/2004, de 1 de Julho de 2004, no Diário da República de 14 de Agosto de 2004 (https://dre.pt/application/file/716772), págs. 12589 a 12600, também disponível em
http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/33aaeac315ebfe1d80256e21003d5f11.): o princípio da primazia, ou da prevalência da lei e o princípio da reserva legal, significando o primeiro que os actos da administração (de qualquer uma das administrações públicas) não podem contrariar as leis e o segundo que esses actos têm de se fundar em leis (Cfr. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, págs. 131 e 132, e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, págs. 922 e 923).
Assim, um regulamento de execução, tendo em conta a sua função instrumental de concretizar ou pormenorizar a lei em que se funda, terá de ser considerado ilegal sempre que nele se contenha qualquer norma contra ou praeter legem, isto é, cujo conteúdo disponha em contrário ou para além da disciplina legislativa (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, edição da AAFDL, 1977, pág. 200. No mesmo sentido, também FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de LINO TORGAL, volume II, Almedina, 2001, pág. 160, onde afirma que «os regulamentos de execução são, tipicamente, regulamentos “secundum legem”, sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento» (ob. cit., pág. 160)).
Concluímos, pois, que a referida portaria não pode contradizer o disposto no art. 39.º-B do EBF (depois, art. 43.º do mesmo Estatuto), sob pena de nulidade (Neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. e vol. cit., que, a págs. 256/257, afirmam: «Os regulamentos que violem a lei ordinária têm também como único desvalor admissível a nulidade. Com efeito, a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos pelo regulamento ilegal até à sua anulação, bem como a consolidação daquele na ordem jurídica passado o prazo para a sua anulação. Ou seja, o regulamento ilegal teria, na prática, a virtualidade de suspender a lei por si violada desde a sua entrada em vigor até à sua anulação, bem como a de revogar a lei por si violada no caso de a anulação não ser pedida no prazo legalmente previsto»).
E nem se diga que essa contradição foi querida pelo legislador, na medida em que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, resulta do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, diploma este através do qual – como deixámos já dito e é referido no respectivo Preâmbulo – visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais».
Desde logo, porque não é isso que resulta do teor do n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, que diz apenas que «[à]s medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior», depois de, no n.º 1 do mesmo artigo referir que «[a]s disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social».
Ou seja, a nosso ver, o que resulta da letra da lei é que, em ordem a assegurar o respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa – que poderão ser considerados como auxílios de estado (Sobre a temática dos auxílios de Estado e com numerosas referências doutrinais, vide o primeiro de muitos acórdãos proferidos por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 29/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4e814ebe3e52143980257b65003c2170. ) –, será aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social e que, até que essa portaria seja aprovada, serão aplicáveis àqueles incentivos as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.
Mas que decisão da Comissão Europeia é essa a que se refere o n.º 1 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março?
A nosso ver, não será outra senão aquela a que se refere o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro (que, como deixámos já dito, veio regulamentar a Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro). Conforme já referimos, no preâmbulo daquele diploma, depois de se referir que os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade criadas pela Lei n.º 171/99, «por serem susceptíveis de serem considerados como auxílios de Estado, foram, previamente à respectiva aplicação, notificados à Comissão Europeia», logo se esclarecia que «[n]o passado dia 19 de Setembro, a Comissão Europeia, após ter examinado as medidas constantes na Lei 171/99, de 18 de Setembro, face às orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE, C 74, de 10 de Março de 1998) e às orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE, C 334, de 12 de Dezembro de 1995), decidiu não levantar objecções à sua execução, desde que respeitadas as disposições comunitárias aplicáveis», motivo por que se encontravam «reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução da Lei 171/99, de 18 de Setembro, as quais, pelo disposto no seu artigo 13.º, são aprovadas por decreto-lei».
Ou seja, o Estado Português, porque o regime de incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior constantes da Lei n.º 171/99 podiam ser considerados auxílios estatais (com finalidade regional), susceptíveis, pois, de contender com a política de concorrência prosseguida pela União Europeia [cfr. art. 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), correspondente ao então vigente art. 87.º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE)], procedeu à notificação da Comissão Europeia do respectivo projecto, nos termos do art. 88.º do TCE – hoje, corresponde-lhe o art. 108.º (Cujo n.º 3 dispõe: «Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.º, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final».) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) – (Segundo o estatuído no art. 108.º do TFUE (anterior art. 88.º do TCE) é da competência exclusiva da Comissão Europeia o exame permanente dos regimes de auxílios de Estado, em cooperação com os Estados-Membros, «com vista a impedir a entrada em vigor de ajudas contrárias ao Tratado, como se conclui do Acórdão Lorenz« (cfr. JOÃO NOGUEIRA DE ALMEIDA, A Restituição das Ajudas de Estado concedidas em Violação do Direito Comunitário, Coimbra, 1994, pág. 58 e segs.). Para tanto, é estabelecido um sistema de controlo prévio dos auxílios novos, previsto no n.º 3 do mesmo preceito e no art. 2.º do Regulamento do processo [Regulamento (CE) N.º 659/1999 do Conselho de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do art. 93.º do TCE], segundo o qual a Comissão deve ser informada, em devido tempo, dos projectos de auxílio, antes da sua execução.
«A fase preliminar do processo de controlo dos auxílios novos inicia-se, assim, com a notificação do projecto de auxílio, devendo os Estados […] utilizar, para o efeito, formulários recomendados pela Comissão. A obrigação de notificar previamente os projectos de auxílio é uma obrigação incondicional dos Estados relativos a auxílios novos, incluindo a modificação dos existentes […]» (cfr. ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, Auxílios de Estado e Fiscalidade, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 271).).
A essa notificação respondeu a Comissão em 19 de Setembro de 2001, informando «o Governo português de que, após ter examinado o regime em questão face às Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE C 74 do 10.3.1998) e das Orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE C 334 do 12.12.1995), decidiu, nos termos do artigo 87.º do Tratado e do artigo 61.º do Acordo EEE, não levantar objecções à sua execução, já que os auxílios acima referidos satisfazem as condições estabelecidas para poderem ser considerados compatíveis com o mercado comum ao abrigo das derrogações previstas nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 87.º do Tratado e nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 61.º do Acordo EEE» (A decisão da comissão europeia pode ser consultada em
http://ec.europa.eu/competition/state_aid/cases/136246/136246_1153928_19_2.pdf.).
Mas, não podemos deixar de ter presentes duas circunstâncias relacionadas com essa notificação prévia e a respectiva pronúncia por parte da Comissão: por um lado, que o Estado Português, na consulta que efectuou à Comissão, logo deixou de fora a agricultura (bem como a pesca e a indústria carbonífera), o que, aliás, a Comissão deixou registado (No ponto II da decisão, ficou dito: «A Comissão regista o facto de o regime em questão visar estimular o desenvolvimento regional através da concessão de auxílios à realização de projectos de investimento e acções susceptíveis de contribuir para a criação de emprego e para a modernização e dinamização das empresas localizadas nas regiões menos desenvolvidas do interior de Portugal. A este título, beneficia de um orçamento anual de 10000 milhões de escudos (+/ - 50 milhões de euros) e será aplicável até ao final de 2003, fora dos sectores da agricultura e da pesca, bem como da indústria carbonífera»».); por outro lado, que os benefícios em sede de IRC ao abrigo do regime em análise também não foram aqui considerados, como a Comissão também deixou registado (Como ficou dito na referida decisão, na nota de rodapé com o n.º 1: «Nos termos do dispositivo projectado pelas autoridades portuguesas, algumas destas empresas [localizadas nas áreas elegíveis] poderão beneficiar igualmente de uma redução das taxas do imposto sobre o rendimento (a taxa normal do imposto seria fixada em 25%, em vez dos actuais 32%, enquanto a taxa reduzida de imposto, aplicável às empresas cujo rendimento anual não excede 150000 euros, seria fixada em 15%, em vez dos actuais 20%). Esta vertente será contudo aplicada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 69/2001 da Comissão relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis (JOCE L 10 de 13.1.2001) e não é abrangida pela presente notificação».).
Ou seja, a referida notificação do Estado Português à Comissão para efeitos de averiguar da compatibilidade dos auxílios em causa com o TCE e a decisão desta não se referem à agricultura – porque o próprio Estado Português a excluiu do âmbito do regime de incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior –, nem se referem ao IRC, porque, como a decisão da Comissão refere expressamente, «Esta vertente será contudo aplicada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 69/2001 da Comissão relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis (JOCE L 10 de 13.1.2001) e não é abrangida pela presente notificação».
Não será, pois, no respeito pela decisão da Comissão que poderá encontrar-se a justificação para afastar a aplicação dos incentivos em causa à agricultura e sustentar a exclusão desta actividade do âmbito daquela aplicação, nos termos da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, e até que seja aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social.
Aliás, no art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 não se diz – contrariamente ao que parece sustentar a AT na fundamentação liquidação adicional impugnada – que as medidas de incentivo, até à aprovação da referida portaria conjunta, só serão aplicáveis às actividades previstas no art. 2.º da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, ou seja, que estão excepcionadas do benefício a actividade da agricultura, nos termos da alínea a) desse preceito.
Mas, se assim fosse (ou seja, se da remissão efectuada pelo art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 para a Portaria n.º 170/2002 resultasse excluída a agricultura do âmbito de aplicação do regime o benefício fiscal à interioridade fixado pelo art. 39.º-B do EBF, na referida redacção), sempre teríamos de concluir pela sua ilegalidade: não podia o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, conferir à Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, a virtualidade – que a hierarquia das normas lhe não confere – de revogar ou, pelo menos, de suspender a aplicação do art. 39.º-B do EBF, que foi aditado ao EBF pelo art. 83.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
Em conclusão, as regras previstas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro apenas poderão ser aplicáveis se e na medida em que não limitarem o âmbito do benefício fiscal relativo à interioridade.
Por tudo quanto deixámos dito, entendemos que a liquidação adicional – que a AT estribou no entendimento de que de os benefícios fiscais à interioridade, previstos no art. 43.º do EBF não contemplam a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, atento o disposto no n.º 2 da Portaria n.º 170/2002 de 28 de Fevereiro (cfr. facto provado sob o n.º 1), não pode manter-se com essa fundamentação, que foi a única utilizada pela AT.
E porque no domínio do contencioso de mera legalidade, em que se integra a impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados (Neste sentido, entre outros, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 19 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 874/04, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0afc57c5f9094163802573ca0057a626;
- de 2 de Março de 2011, proferido no processo n.º 49/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/247bcd945cbdcc068025784e0050fa15.
Sustentando a mesma tese, vide também, entre muitos outros e com numerosa indicação de jurisprudência e doutrina, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 371/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34ec720a1ff520008025790600465893.
Na doutrina, vide:
- MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, pág. 479, que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, pág. 1329, onde que diz que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, pág. 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».), não pode o tribunal, perante a constatação da ilegalidade do fundamento que suportou o acto impugnado, apreciar se aquela actuação poderia basear-se em quaisquer outros fundamentos.
Por tudo o que ficou dito, o recurso merece provimento. A sentença recorrida será, pois, revogada e, na procedência da impugnação judicial, anular-se-á a liquidação adicional impugnada, tudo como decidiremos a final.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O art. 39.º-B, aditado ao EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), instituiu um regime de benefícios fiscais à interioridade para as «empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior».

II - Nos termos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 – diploma por que visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais» – devia ser aprovada uma portaria, da competência conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, destinada a estabelecer as disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação do regime da interioridade, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa (n.º 1) e, até lá, mantém-se em vigor a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro (n.º 2).

III - Sendo certo que a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola [art. 2.º, alínea a)], a mesma, nessa parte, não pode considerar-se aplicável por remissão do referido art. 8.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, na medida em que essa aplicação implicaria a revogação ou, pelo menos, a suspensão do art. 39.º-B do EBF.

IV - A interpretação contrária implicaria a ilegalidade da referida portaria por violação da hierarquia das normas, pois aquela, como regulamento de execução que é, não pode conter qualquer norma contra ou praeter legem, sob pena de nulidade.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando a impugnação judicial procedente, anular a liquidação adicional impugnada.

Custas pela Recorrida, que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal, uma vez que não contra-alegou o recurso [art. 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


*

Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Francisco Rothes (relator) - Nuno Bastos (vencido, nos termos da declaração que se junta a final) - Paulo Antunes.


Voto de vencido do Senhor Conselheiro Nuno Bastos

«Vencido. Embora concorde integralmente com a solução jurídica que o acórdão deu à questão apreciada, entendo que, não tendo sido suscitada junto do tribunal de primeira instância e não sendo o vício respetivo do conhecimento oficioso, não seria de tomar conhecimento do recurso nesta parte»